A compreensão do mundo como condição de possibilidade do conhecimento

A compreensão do mundo como condição de
possibilidade do conhecimento

 

 

Luís Thiago Freire Dantas[1]

 

            Na
tradição da filosofia, a pergunta sobre o conhecimento do mundo é recorrente
nas diversas correntes filosóficas. Entretanto, ao formularmos a pergunta: o
mundo pode ser conhecido? Tal formulação implica, antecipadamente, o fato de já
nos movemos num mundo, ou seja, é necessário compreendermos previamente o mundo
em que estamos inseridos para em seguida colocá-lo em suspensão. Nesse sentido perguntamos: a compreensão do mundo é o princípio do conhecimento?
Nós só duvidamos de algo porque previamente nos remetemos ao seu
re-conhecimento? Este trabalho argumentará acerca da compreensão prévia do
mundo, considerando que esta permite que nós coloquemos a pergunta acerca da
possibilidade de conhecimento do mundo. Com base nessa afirmação, objetivamos
explicar e defender a hipótese de que a pergunta pelo conhecimento do mundo
remete à constatação de que tal problema não é apenas epistemológico, mas antes
de tudo, existencial.

            Visando
demonstrar os argumentos de uma hipótese concorrente, apresentaremos uma das
formulações tradicionais para a constatação do mundo, notadamente aquela que
marca o paradigma da dualidade sujeito/objeto: a cartesiana. Com base na qual o
argumento do conhecimento do mundo pode ser posto como uma tarefa cabível com
base no bom senso, ou na reta razão. Sabemos que diversos são os pensadores que
defendem a necessidade de conhecimento do mundo e esta seja através de uma
investigação racional ou empírica, é comumente considerada como uma premissa
verdadeira. Aqui a hipótese concorrente, constituirá, conforme já assinalamos,
no cartesiano, uma vez que a importância do seu método se constitui na base
fundante para a construção dos paradigmas do ocidente. Um exemplo da estrutura
dual ali presente consiste na separação mente e corpo, espírito e matéria,
verdade e falsidade, sujeito e objeto ainda predominante mesmo nas suas mais
diversas variações e formulações.

            Descartes
em suas Meditações sobre Filosofia Primeira considera a dúvida
como início para se obter um conhecimento seguro, já que tudo o que fora
ensinado até o momento não apresentar garantias de verdade. Assim, ele
desconfia de todas as opiniões que até então haviam aprendido; não somente as
opiniões, mas tudo que os sentidos fornecem, visto que, de acordo com
Descartes, os sentidos às vezes nos enganam, motivo pelo qual não podemos
confiar no que, ao menos uma vez, já nos enganou. Por tais razões nosso
conhecimento do mundo deve ser suspenso. Ora, por tantas as vezes que tivemos
um sonho e neste sentimos emoções e estados corporais, idêntico quando estamos
despertos? Como considerar assim, que os sentimentos acordados quando dormimos
ou inversamente isso ocorreria?

            Conduzindo
a dúvida metódica ao mais alto grau, Descartes não duvida apenas da matéria,
mas também do nosso pensamento, pois se tudo não foi uma criação não de um Deus
bondoso, mas de um Gênio maligno, esse poderia fazer com que eu acreditasse que
estava certo, quando na verdade eu estava enganado. Se for assim, não
estaríamos capacitados para saber se é ou não artimanhas desse gênio, por
exemplo, a resolução matemática 2+2=4, uma vez que sempre estamos certo disso. Contudo,
se somos guiados pelo Gênio maligno ele pode ter adulterado essa resolução,
quando, 2+2=5 seria o correto. Conseguinte, Descartes mostra que a mente é mais
fácil de ser conhecida do que o corpo, haja visto que ao supormos não existir
todas as coisas, percebemos que, entrementes, é impossível que a própria mente não
venha a existir, pois é dela que provém a desconfiança. Por a mente em dúvida,
somente reafirma que algo que duvida existe, daí após duvidar de tudo, mente, corpo,
Deus e mundo, o que caracteriza uma dúvida hiperbólica, somente uma coisa é
certa: não há dúvida que eu me engano e por isso, não deixarei de ser alguém
apesar do quanto possa me enganar. Depois de examinar todas as coisas, Descartes
pode estabelecer o seguinte enunciado: cogito, ergum sum, penso, logo
existo. Porém, tal afirmação só pode ser sustentada enquanto penso, pois quando
não tiver qualquer pensamento deixarei de ser. Sou, portanto, um ser que pensa,
uma coisa pensante – res cogitans.

            Todavia, conhecer o
fundamento indubitável proporciona ainda uma série de considerações. Pois,
mesmo sabendo que sou um ente que pensa, tenho idéias que não condizem com
minha natureza imperfeita e finita, assim, idéias como perfeição e infinito que
não poderiam ser criadas por mim, mas colocadas por um ser de natureza
igualmente perfeita e infinita. Como a natureza divina é a única que possui
tais características, Deus, enquanto ens increatum, deve existir para que
tais idéias estejam presentes em todos os ens creatum, já que todo ser
criado tem participação com o ente não-criado. Descartes, então, argumenta que
o nosso corpo é constituído de extensão, com os atributos de figura, força,
sendo assim uma coisa extensa – res extensa. Com isso o mundo também por
ser dotado de extensão, a mesma constituição do meu corpo o que o torna apto a afirmar
a sua presença, entretanto apenas  mediante investigações antecedentes sobre a
existência da mente e a de Deus. Nesta escala resta a confirmar o conhecimento
do mundo.

Deste modo, para o método cartesiano a
compreensão não possibilitaria o conhecimento, mas uma atitude reflexiva que
primeiro se funda no cogito para, a partir disso, estabelecer o que é
real. Entretanto, tal forma de pensar teve inúmeras críticas, no século XX,
filósofos argumentaram tratar de uma objetificação do mundo enquanto artefato
disponível ao conhecimento humano, promovendo um pensar calculativo e
restritamente técnico. Martin Heidegger, sendo um desses filósofos, ao realizar
a desconstrução da subjetividade na sua obra principal Ser e Tempo, explica
que o conceito de existência, quando concebido numa visão fenomenológica, se
co-relaciona ao modo de compreensão prévia de ser, não apenas de um ente em
particular, mas também do ser em geral.

Contudo, o único ente que detém a estrutura
compreensiva é o homem, devido a sua condição originária de ser mundano, tal
estrutura, indica que homem e mundo formam uma unidade que Heidegger expressa
como, ser-no-mundo (In-der-Welt-sein). Este, porém, não indica uma
junção, mas esse construto explicita que o modo de ser do homem sempre se movendo
de acordo com sua compreensão de mundo extraída das relações cotidianas. Assim,
a compreensão manifesta a tríade formadora de significados, a saber:
posição-prévia (vorhabe), visão-prévia (vorsicht),
concepção-prévia (vorgriff). Diferente da estrutura relacional presente na
dualidade epistêmica, sujeito cognoscente e objeto a ser conhecido, Heidegger
considera que o homem é constitutivamente mundano.

Quando expressarmos “eu sou”, neste
momento já consideramos o mundo em que fazemos parte nas nossas ocupações
cotidianas. Visto que, nos movemos no mundo com base numa compreensão interpretativa
do nosso mundo circundante, porque nós previamente compreendemos a posição na
qual nos encontramos, manuseando e usando os entes que se encontra no mundo, antes
de considerá-los como objeto e, com isso, conceituamos os entes através da
linguagem que, conforme escreve Heidegger, acolhe e expressa o mundo antes
mesmo de elaborarmos juízos acerca da sua verdade ou falsidade.

Por isso, quando se pretende tratar da
possibilidade do conhecimento do mundo, como Heidegger explica, e necessário
recorrer, primeiramente, à estrutura prévia da compreensão para assim levantar
os questionamentos, pois sem isso, seríamos incapacitados de acender a lâmpada,
sentar na cadeira e usar a caneta para escrever nossos argumentos, uma vez que
o mundo estaria “suspenso” e sem mundo, não há como sequer nos movermos. Assim,
a compreensão interpretativa é o que possibilita previamente o conhecimento,
sendo, portanto a instância da teoria do conhecimento.

Contudo, se a tese heideggeriana da compreensão
do mundo se apresenta ainda “confusa”, isto se deve ao fato de na tentativa de
tentarmos conhecer o mundo, nos movermos na relação cartesiana que privilegia o
cogito como mais evidente e desse modo duvidamos de qualquer posição que
venha contrapor a formulação. Conforme Heidegger, a descoberta do sum na
proposição: cogito, ergum sum, é tão importante quanto o cogito, pois
é no sum que reside a condição de já nos movermos no mundo, visto que
Descartes antes de escrever sobre a presença das coisas, ele teve que se mover
no mundo que possibilitou a formação de outro “mundo pensado e suspenso” que
veio lhe dar sustentação para duvidar do mundo.

Ora, se o homem fosse desprovido de mundo ele
não poderia suspendê-lo, uma vez que não se suspende aquilo que não se tem. Apesar
disso, o problema é lícito devido estar relacionado ao modo de ser do homem,
isto é, do seu existir. Existência, na concepção heideggeriana, não é análogo à
categoria de existência, tal como fora concebida tradição moderna, mas traduz o
modo de ser do homem e como ele interpreta e compreende o seu ser como mundano.

Por conseguinte, retomamos a hipótese de que a compreensão
já fornece ao homem o conhecimento prévio e por isso é a condição de
possibilidade de teorias do conhecimento nos mais diversos modos. Por tais
razões, o questionamento do conhecimento do mundo conduz à Analítica dos
modos da existência daquele que formula pergunta: o homem, uma vez que antes de
formular critérios de veracidade epistêmica, o homem já existe no mundo já é,
antes de tudo, um ente mundano.

 

 

 

REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:

 


DESCARTES, René. Meditação sobre a Filosofia Primeira. Trad. Fausto
Castilho. Ed. Unicamp. Campinas/SP. 1999.

-HEIDEGGER,
Martin. Ser e Tempo. vol. I. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti Schuback.
Editora Vozes. Rio de Janeiro/ RJ. 2005.

-STEIN,
Ernildo. Seminário sobre a Verdade: lições preliminares sobre o parágrafo
44 de Sein und Zeit. Ed. Vozes. Rio de Janeiro/RJ. 1993.

 

[1]
Graduando em filosofia pela
Universidade Federal de Sergipe

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