A pré-história da arte

História da Arte de Pierre du Colombier

A pré-história

NÃO há qualquer identidade entre as obras agrupadas geral mente sob a designação bastante vaga de pré-históricas e aquelas que constituem o objectivo principal do nosso livro. Este ostenta o título ambicioso de « história ». Quer dizer que o autor se esforçou por definir os laços de filiação capazes de, sob reserva de erros inevitáveis, dar certa satisfação ao espírito e cuja determinação, a despeito de certas lacunas, nada tem de desarrazoada. Semelhante tentativa será porém absurda no domínio da pré-história. Os espécimes que encontramos possuem com efeito carácter excepcional no espaço e no tempo. No espaço: a maior parte deles provêm dum solo estreitamente limitado, que se situa ao sudoeste da França e ao norte da Hespanha. Ora, a bem con-siderar as coisas, não temos sequer o direito de pretender que estas regiões hajam sido mais favorecidas. Salta aos olhos, com efeito, que a boa conservação dos documentos em tais regiões se deve sobretudo a uma constituição geológica especial: só a existência de cavernas naturais suficientemente sólidas e secas pôde assegurar a sobrevivência dos desenhos de animais, gravados nas paredes, e dos objectos de marfim ou de chifre. Pelo contrário, onde habitações mais frágeis não lograram resistir ao tempo, quase nada subsiste, mas, por vezes, a descoberta duma obra isolada inclina-nos à prudência e faz-nos conceber a possibilidade duma série. No tempo também: as mais verosímeis hipóteses baseadas na geologia fazem–nos crer que estas produções surgem, não ao longo dos séculos, mas ao longo dos milénios. A unidade do tempo já não é a mesma — e, por isso, quando atentamos escrupulosamente nestas preciosas relíquias, temos a noção confusa de que algumas de entre elas representam tentativas e outras o resultado de longos trabalhos devidos, sem dúvida, a numerosas gerações. A sua importância relativa escapa-nos também. Convém pois, antes de tudo, desem-baraçarmo-nos do preconceito de considerar"pré-história" sinónimode "primitivo" e de portanto resignadamente observar neste domí-nio a atitude prudente do naturalista.

 

A idade a que pertencem todos estes documentos chama-se quaternária, ou pleistocénica, ou paleolítica — e as diversas camadas de terra onde se encontraram distinguem-se umas das outras pelo aspecto das armas c utensílios dc pedra nelas descobertos. Algunsarqueológos extasiam-se perante os requintes de arte de que nos dá testemunho a talha destes objectos utilitários. É certo que ela mostra, frequentemente habilidade considerável, mas que pouco nos elucida acerca das aspirações daqueles que a praticaram. Com efeito. uma convenção tácita não autoriza a reconhecer o carácter de arte senão à interpretação ou até à imitação das formas vivas. As épocas aurignacense (que tira o seu nome da localidade de Aurignac), solutreense (que tira o seu nome da localidade de Solu-tré) e madalenense deram as colheitas mais frutuosas e mais precoces.

O aurignacense vale sobretudo por esculturas de feição estada. Em França, na Itália, na Áustria, até na Rússia, encon-:raram-se algumas estatuetas que apresentam entre si certos caracteres de parentesco. Uma das mais completas, de marfim, intitulada a Dama de Lespugue, do sítio de Landes, onde foi descoberta, e hoje no Museu de História Natural, merece toda a atenção, porque permite apreender algumas relações da produção artística com a imitação. Admitir que o ela oferecer o aspecto monstruoso dum rosto informe, do desenvolvimento excessivo das partes inferiores do corpo, da hipertrofia dos seios demasiado baixos e descaídos traduz a impotência do artista só nos levaria a escamotear pura e simplesmente um problema. Já o sublinhámos: as proporções não são de modo algum coisa misteriosa. A extrema habilidade afirmada pelo escultor ao arredondar tão docemente a curva do ventre houvera também podido esmerar-se em reproduzir formas mais próximas da natureza. Os etnólogos atribuem a acentuação de certas partes do corpo, que se verifica em outras estatuetas da mes;na família, em motivos religiosos. Têm, sem dúvida, razão; mas. quanto ao artista e sobretudo ao artista moderno, notarão principalmente o efeito decorativo obtido com tal prática. Observarão o jogo das curvas e contra-curvas correspondentes e sobretudo o alargamento progressivo da bacia, da qual, como monstruosa flor, parece sair o torso. Impressionar-se-ão com o aspecto fachado, maciço, desta obra, na qual hão-de descobrir — será isto sacrilégio ? — preocupações análogas às dum mestre como Maillol.

Depois do aurignacense, as representações da figura humana ::rnam-se muito mais raras e os artistas da época madalenense, precedidos, nesse ponto, pelos da época solutreense, sobre os quais possuímos ainda escassos informes, foram, acima de tudo, animalistas. Da fauna que os rodeava, mamutes, veados, cavalos, bisontes, ursos e até aves, deixaram-nos maravilhosas efígies, duma perfeição a que é difícil supor tenham chegado tateando na sombra. E que o seu conhecimento não se limita às formas, vai até aos movimentos, muito mais difíceis de analisar. Além disso, se é certo que lhes devemos algumas estatuetas magistrais, como os bisontes da galeria de Andober (Ariège), modelados na argila, ou o milagre da pequena escultura que é o cavalo de marfim de Espelugues (Museu de Saint–Germain-en-Laye), eles parecem ter-se dedicado sobretudo a representações planas: baixos-relevos, gravuras ou pinturas, que deixam pressupor mais alto grau de abstracção.? Na verdade, afigura-se natural a hesitação perante tal hipótese, pois, por um lado, não possuímos gravuras aurignacenses muito notáveis e, por outro lado, seria ilusório, como já o observámos, procurar quaisquer elos de continuidade entre a arte aurignacense e a madalenense. O parentesco de certas manifestações deste último é tudo quanto se pôde verificar.

Apresenta-se-nos ele sob dois aspectos: o das gravuras que decoram placas ou objectos de pequenas dimensões, tais como cabos de punhais, de propulsores, de bastões de comando de osso ou marfim; o de baixos-relevos, gravuras ou pinturas parietais nas grutas. As pequenas obras-primas da primeira categoria que enxamearam em grande número de colecções europeias contribuíram muito para popularizar a arte pré-histórica. Não nos cansamos de admirar a nitidez e decisão características do traço, o perfeito conhecimento das atitudes e de todo o «habitus» das diversas espécies animais. Nesse aspecto, o rangífer de Thaygen (Suíça) rivaliza em celebridade com os veados de Lortet (Altos Pirinéus, Museu de Saint-Germain-en-Laye). Não deixamos tão pouco de justamente nos extasiar perante a destreza com que o desenhador se adapta à forma do objecto a ornar. Ocultaremos, no entanto, que estes longínquos antepassados nem sempre escapam à censura por vezes dirigida a muitos dos seus sucessores, demasiado afeitos a produzir obras de exíguas dimensões ? Eles mostram amiúde excessiva tendência para o «bibelot» — e esta aparência lisonjeira não prejudicou as suas obras aos olhos de quantos nada apreciam mais do que o bonito.

Eis uma crítica impossível de formular a respeito dos baixos-relevos e das pinturas das grutas hespanholas e francesas, cujo carácter é, pelo contrário, monumental. Mesmo assim, importa fazer prudentes descriminações. Se é certo que o friso dos cavalos do Cabo Branco e a maior parte das figuras murais da gruta de Altamira se impõem como iguais das maiores obras feitas pela mão do homem, não se poderia contudo dissimular que as pinturas de Eont-de-Gaume dão uma impressão muito menos intensa e devem bastante do seu mérito à interpretação, que precisou contornos por vezes muito grosseiros. O método de pintura adoptado impressiona por.seu ar de singela grandeza. O artista, empregando apenas dois tons, um negro e outro vermelho, não se contenta em colorir as formas com uma camada fria de tinta. Por graduais afrouxamentos de cor, análogos aos que se obteriam comprimindo uma esponja húmida contra uma parede, ele conseguiu fazer sobres sair volumes elementares, cuja largueza dá a esses grandes bisontes majestade algo comum.

Posteriormente ao madalenense, surge, sobretudo na Espanha oriental, uma arte bastante diferente, senão oposta. São cenas complicadíssimas— caçadas ou batalhas — ao mesmo tempo muiot hábeis no sentido de que o movimento foi nelas esquematizado de forma engenhosa e muito desajeitadas no sentido de que a obser vação das formas parece de todo inexistente. Se se observar que estas pinturas lembram muito as pinturas africanas estudadas em particular pelo Dr. Frobenius e cujo estilo nunca perdeu de modo em tribos como a dos boximanes até a uma data relativamente recente, se se acrescentar que este género de representações é bem dizer próprio das crianças, admitir-se-á que tal esquematização longe de ser obra duma arte que pouco a pouco se depurou, antes o resultado duma arte votada a nunca ultrapassar certo está dio, duma arte que cristalizou — e o risco de cristalização não sem dúvida um dos menores de entre aqueles que ameaçam os povo

OBRAS CARACTERÍSTICAS

SÍTIOS

FRANÇA — Les Eyzies (Dordonha): Grutas da Mouthe, de Combarelles, de Font-de-Gaume, do Cabo Branco, de Comarque, de Laugerie / Teyjat (perto de Nontron, Dordonha / Cabrerets (Lot) / Le Rox (Charente) / Pair-non-Pair (perto de Bourg, Gironda, / Niaux (perto de Tarascón, Ariège) / Herdade de Azü (Ariège) / Caverna de Atidoubert (perto de Montesquieu-Avantcs, Ariège). ESPANHA — Altamira (perto de Santander) / Cogul ¡ Alpera.

MUSEUS

Saint-Germain (Estatueta de Brassempouy, Cavalo de Espe-lugues, Veados de Lortet / Paris (Museu: Dama de Lespugue) / Les Eyzies / Viennc (Museu de Historia Natural: Estatueta de Willendorf) / Londres (B. M.: Cavalos e Rangíferes de Bruniquel) / Constance (Rangífer de Thayngen).


Tradução de Fernando de Pamplona. Fonte: Livraria Tavares Martins, 1947.

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