Arte Oriental Muçulmana e Islâmica – História da Arte

Pierre du Columbier – História da Arte 

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AS REACÇÕES CONTRA A ARTE GRECO – ROMANA

A Arte Muçulmana

EM 32, morre Maomete, fundador duma nova religião, que até então se confinara na Arábia. Quase imediatamente, as tribos que ele fanatizara lançam-se numa guerra santa. Cem anos depois, em 732, os Muçulmanos combatem em Poitiers e recuam ante os golpes de Carlos Martel. Entretanto, haviam conquistado perto de metade das costas desse lago de civilização que é o Mediterrâneo. Ocupam todos os países que se estendem da Ásia Menor até ao norte da Espanha: Síria, Palestina, Egipto, Africa do Norte e a maior parte da Península Ibérica. Para o interior da Ásia, haviam conseguido abater o antigo Império Persa.

E certo que os artífices desta conquista a empreenderam sem embaraçar os seus movimentos com uma pesada bagagem artística. Os historiadores mais favoráveis aos Árabes confessam que estes nada mais tinham do que urna cultura literária. Por outro lado, tão grande rapidez não deixa grandes possibilidades para a elaboração duma arte. Na verdade, a que adoptaram, quando as suas próprias conquistas os tornaram mais acessíveis às necessidades do luxo, foi em boa parte a que tinham encontrado. Ora, por mais fortemente abalada que estivesse em algumas das suas partes pelas invasões bárbaras a estrutura do Império Bizantino, por menos dedicadas que lhe fossem as populações, por muito carcomida que se encontrasse a sua armadura de defesa, nem por isso deixava de representar, mais ou menos por toda a parte, a civilização mais alta que se conhecia. Equivale isto a dizer que a arte muçulmana deve enormemente à arte bizantina, da qual possue aliás os caracteres essenciais: arte de decoração mais do que de estrutura. No conjunto, ela preocupa-se até muito menos com a solidez do que a arte bizantina. Esta dera-lhe o exemplo de transformar em ornamento as formas vivas e Bizâncio não hesitava até em empregar o ornato puro, destituido de quaisquer referências ao reino animal ou vegetal. Tal tendência ia depois ao encontro da lei muito conhe-‘ cida mas não geralmente observada que interdiz aos muçulmanos a representação dos modelos animados. Todavia, os muçulmanos levaram a abstracção mais longe do que os seus predecessores, no sentido de que a sua decoração floral se tornou por vezes irreconhecível e que a pura geometria exerceu sobre eles atracção extraordinária, como a exercera já sobre os Gregos, mas com uma exuberância que estes ignoraram.

Além do seu bizantismo predominante, a arte muçulmana recebeu, da parte de vários países onde se instalou, certas sugestões: assim, não foi mais insensível do que a própria arte bizantina às seduções persas, cuja influência se fez sentir até no Egipto. Na extremidade oposta os Árabes de Espanha acharam na arte visigótica muitos elementos dignos de atenção.

A arte derivada, arte imitativa (mas estas palavras são demasiado fáceis de dizer), a arte muçulmana tem apesar disso originalidade profunda, que não é de forma alguma contestada, nem por aqueles que lhe são hostis, e possui também unidade indubitável através das suas divisões. A estas, não convém atribuir mais importância do que realmente merecem. E sem dúvida indispensável indicar que o Islão se divide em duas grandes famílias inimigas: os Sonitas, que provêm dos Califas e se vangloriam de serem ortodoxos, e os Chitas ou descendentes da família de Ali, genro de Maomete: mas, na verdade, estes herejes, cuja arte, entre os Fati-midas do Egipto, se mostrará de grande austeridade, são também aqueles que na Pérsia não recuam perante a representação humana na pintura: então o seu inconformismo serve de refúgio à personalidade inconfundível dos Persas.

O factor essencial da unidade, a despeito de querelas, no fim de contas secundárias, continua sendo a religião maometana cujo recinto sagrado é a mesquita.

Mesquita

A mesquita não está no entanto submetida a prescrições muito minuciosas. Os Mulçulmanos reunem-se nela para orar, voltados para Meca, na direcção a que .se chama a Kibla, mas a Kibla é uma abstracção: no edifício esta direcção é a maior parte das vezes, determinada por um nicho ou mihrab. Um minarete, geralmente separado do edifício principal permite chamar os fieis à oração. Estes dispõem também dum local próprio para fazer as suas abluções.

Não existe sem dúvida um tipo único da mesquita. Desde as origens, há-as de planta central, como a do Rochedo, em Jerusalém, que são mais propriamente monumentos comemorativos do que lugares de oração, e esta planta volta a adoptar-se em larga escala desde a tomada de Constantinopla, no século XV. Todavia, o tipo mais usual — e o mais específico — é o seguinte: uma sala com apoios muitíssimo numerosos — pilares ou colunas — que formam uma série de naves paralelas entre si e geralmente perpendiculares à parede de Kibla. Acontece muitas vezes que a que vai dar ao mihrab se distinga das outras por um pouco mais de largura por alguma cúpula. Contudo, é excepcional que esta nave tome sobre as Outras predominância igual à da nave central das igrejas cristãs, assim como é também excepcional que o mihrab derivado provavelmente da àbside, tenha importância superior à de um simples nicho (e, quando tal sucede, como na Mesquita de Pecherie em Argel logo se põe a correr a lenda dum arquitecto cristão). Na verdade, o que causa impressão no interior duma mesquita é a floresta de colunas e tem-se a sensação de que um tal edifício, quase destituído de luxo, não possui limites, que se poderia à vontade acrescentar-lhe tantas naves quantas se deseja. Antes da sala principal, há um pátio (ou sahn) rodeado de pórticos ou liwans, que têm o aspecto duma galeria de claustros. Em certos países, sobretudo na Pérsia os Liwans, tomam desenvolvimento considerável e formam vastas salas, que comunicam mais ou menos livremente com o exterior.

Os apoios, para os quais se utilizam, sempre que é possível, colunas antigas provenientes de vetustos monumentos, são unidos entre si por meio de arcos. O arco ultrapassado ou de ferradura persa por característico da arte muçulmana e nela aparece de facto com bastante frequência, embora esteja longe de ser sempre empregado e se encontre também em artes cristãs anteriores, como a arte visigótica. O arco quebrado parece oriundo da Pérsia sassánida onde é muitíssimo utilizado. Fieis ao seu gosto decorativo, os muçulmanos comprazem-se em complicar os arcos, em os ornar de festões (arcos de lambrequins). 1

 

A cobertura é feita geralmente por tetos, às vezes por abóbadas e, sobretudo, cúpulas. Enquanto as primeiras são bastante tardias, as segundas surgem em tempos muito remotos; mas a arte muçulmana salvo excepção e quando não encontra uma tradição local muito enraizada, pouco se prende com os problemas de construção. A cúpula, em forma de calote esférica, constitue muitas vezes para a arte muçulmana o pretexto de requintes ornamentais: quando ela se liga no quadrado que a suporta por meio dependentes, estes sobrecarregam-se pouco a pouco de estalactites ou de agulhas suspensas.

Na ornamentação exterior ou interior das paredes, já mencionamos os motivos vegetais muito estilizados e os motivos geométricos; é indispensável acrescentar-lhes o elemento particular dos países de língua árabe: a escrita mais ou menos deformada e cujo estilo é um dos melhores meios de formular as datas.

Esta decoração é de aspecto plano o que não quer de forma alguma dizer que desconheça o relevo, mas somente que, como a decoração bizantina, despreza o modelado. Dir-se ia que ela foi obtida por recorte ou escavação, fazendo jogar entre si dois planos paralelos pouco distantes, o do fundo e o da superfície. A cor substitui ou reforça o relevo, ora sob a forma de pintura ora, frequentemente também sob a forma de cerâmica: barro vidrado ou azulejo.

A ornamentação muçulmana mostra sempre nos que a executaram grande habilidade manual e, no conjunto, nos que a conceberam, requinte e imaginação. Todavia, deve confessar-se também que a repetição, escolho que uma arte sobretudo ornamental dificilmente evita, não deixa de ser fatigante.

O resto da arquitectura muçulmana aparenta-se muito com a mesquita e utiliza com mais ou menos felicidade dois elementos essenciais: pátio de pórticos alpenderados e sala com numerosos apoios. O palácio estrutura-se com alguns destes pátios e a medersa que é ao mesmo tempo lugar de culto e lugar de ensino, faz pensar numa mesquita com um pátio central de cujos quatro lados irradiassem construções.

 

Síria 

A Síria foi o primeiro país conquistado, aquele recebeu os califas, herdeiros directos do Profeta, e que conservou o Califado até 750. Sob estes califas Omíadas consumou-se a transformação moral que devia renovar-se tantas vezes na história do Islão e que, de bárbaros guerreiros, fez grandes senhores dados a todas as sensualidades do espírito e do corpo. O edifício que assinalou ao mesmo tempo a sua fé e a sua glória foi a Grande Mesquita de Damasco, cujo califa Walid mandou contruir a grande cúpula por altura de 705. E evidente que ela substitui uma basílica cristã, mas não se chegou a acordo perfeito acerca do que subsiste desta última. O certo é que a orientação foi totalmente modificada. Não somente a decoração é puramente bizantina, mas também os ornatos do pórtico se devem sem dúvida a artistas bizantinos e este espantoso conjunto de paisagens e de edificações dão-nos uma alta ideia de gosto dos iconoclastas.

Em Jerusalém, a Cúpula do Rochedo, falsamente chamada Mesquita de Omar e erguida em 691 sobre planta central, com cúpula e duplo deambulatório, com os seus capitéis bizantinos e os seus mosaicos, é ainda mais evidentemente devida à mão de obra cristã.

A bem dizer, a dominação dos Omíadas não durou muito tempo. Pois, em meados do século viu, eles foram derrubados e aniquilados pelos Abássidas. Enquanto os primeiros era Sunitas, os segundos são zeladores do chiismo e, com eles, o centro de gravidade desloca-se de Damasco para Bagodi e a influência passa para os Persas.

Resta-nos infelizmente muito pouco da arquitectura dos Abássidas, de que temos alguns elementos de informação graças às escavações executadas em rakka e sobretudo em Samarra, cidade-resi-dência que floresceu por meados do século IX. Elas permitiram reconstituir pelo pensamento uma mesquita imensa. Um dos edifícios que subsistem em estado menos arruinado é uma torre rodeada por uma rampa helicoidal, que parece provir da Pérsia. Numerosos estuques muito luxuriantes e de relevo bastante acentuado decoram os monumentos. Quanto à civilização brilhantíssima de Bagodá (será preciso lembrar o nome de Harun-al-Rachil, esse contemporâneo de Carlos Magno, tão lendário como ele?) é-nos sobretudo evocada pelo iluminura. E no particular a França possui vários manuscritos: as Secreções de Hariri e as Fábulas de Bidepay, que seduzem pelo seu colorido franco e pelo seu estilo desenvolto e quase popular. As interdições não estorvam os desenhadores que se entregam alegremente à representação do homem e dos animais e se deixam levar por uma veia exuberante que pouco se preocupa com a correcção. A cerâmica não é menos brilhante e patentea-nos o lustre metálico e as cambiantes tonais que foram muito tempo características dos oleiros muçulmanos.

Miniatura Persa  

 Os belos manuscritos que citei, datam já dos séculos XI e xii; a família dos Abássidas ainda se não extinguiu mas o seu poder diminuiu singularmente e ela já não oferece qualquer resistência séria aos cavaleiros mongóis de Gengis-Kan, que, em contacto com ós Persas, não conservaram muito tempo a sua selvajaria. Sob o seu domínio, que dura até princípios do século XVI e graças à influência da pintura china, que transportaram através das estepes, situa-se a idade de oiro da miniatura persa, simbolizada pelo nome quase lendário de Bechzad (1450-1530 aproximadamente). Esta arte é essencialmente cortezã: pelos assuntos em que se compraz, que são os da vida elegante, dos prazeres mundanos, duma natureza olhada com mais finura do que profundo sentimento; pela técnica, que prefere as formas alongadas, as atitudes algo amaneiradas e sobretudo as subtis combinações tonais, destinadas mais aos conhecedores do que à turba. Não se pode deixar de aproximar esta arte da que na mesma época, encanta a corte da Borgonha. Não que se deva admitir a interdependência de ambas, mas, nos dois casos, causas semelhantes e a analogia da vida social produziram os mesmos efeitos.

A qualidade da miniatura mantém-se aliás muito tempo sem quebra notável, quando a dinastia nacional dos Efévide sucede aos mecenas mongóis. A pintura mural não escasseia e, no reinado de Abbas I (1587-1628), o Luís XIV da Pérsia, os contactos com a pintura europeia tornam-se evidentes.

Tapetes

O século XVI é ainda para nós — embora os documentos figurados permitam recuar muito mais longe — a era por excelência dos tapetes persas.

Por certo, estes tapetes foram buscar à China numerosos motivos, mas a sua técnica e a própria vida das suas decorações diferenciam-nos profundamente dos tapetes chinos. Estas decorações são muito variadas e servem, à falta, de carácter próprio de cada época, para a classificação das obras: podemos distinguir a decoração de caça, a decoração de vasos, a decoração animalista, a decoração vegetal, as decorações de fantasia. E maravilhoso que, com a decadência da Pérsia, esta arte não tenha fraquejado e que, sem imaginar nada de novo, mas também sem decair relativamente aos seus antepassados, os artífices hajam continuado a tecer obras tão perfeitas.

Arquitectura A arquitectura dos sucessores dos Abássidas, menos conhecida do que as suas artes decorativas, cujas peças mais transportáveis constituíram a presa fácil dos coleccionadores merece todavia atenção. Cultiva ela um tipo muito imponente de mesquita em que nas paredes que delimitam o pátio, se rasgam pórticos monumentais ou íwans, muito semelhantes aos enormes liwans dos antigos palácios sassánidas. Os historiadores alemães chamaram a este tipo de construções mesquita medersa e, com efeito, exteriormente, há pouca diferença entre os dois géneros de edifícios. Por outro lado, o génio construtor dos Persas expande-se livremente em numerosas mesquitas de cúpulas, a mais ilustre das quais toda revestida de faianças era a mesquita azul de Tabris (1437-67).

Os conquistadores mongóis aceitaram na Pérsia a arte do país, mas certos monumentos sofreram nitidamente a sua influência. São os monumentos funerários construidos sempre sobre planta central e geralmente cobertos de cúpulas: as do Mausoléu de Timur tem uma forma quase bolbosa. A bem dizer, mesmo aqui. os mongóis eram apenas herdeiros: as torres funerárias usavam-se, havia muito tempo, na Pérsia Setentrional, onde se conhecem como algumas muito antigas e muito originais, como a de Djurdjan, que, com as suas saliências agudas, lembram um Silo.

Índia

Estava reservado aos príncipes mongóis por volta do princípio do século XVI, fazer do norte da India e sobretudo da sua capital, Delhi, a sede duma civilização muçulmana em extremo florescente e, mais do que isso, uma verdadeira colónia artística da Pérsia. O imperador Akbar, tipo de soberano tolerante — qualidade por certo rara num muçulmano a respeito das outras confissões religiosas — concede de boa vontade o seu favor aos arquitectos das populações conquistadas. Todavia, os elementos indus diluem-se num conjunto persa. Não tendo sofrido as destruições devidas à negligência dos homens e á sua malignidade, os edifícios muçulmanos da índia do norte dão testemunho da magnificência dos seus constructores. Se muitos deles carecem dessa direiteza na intenção de que resultam as obras-primas, se a abundância de decoração demasiado minuciosa os impede de obter grandeza de expressão correspondente à sua grandeza material, é no entanto inegável que há exemplares deliciosos e perfeitos como as jóias, tais esse Tadj-Mahal, erguido pelo neto Akbar em honra duma favorita bem-amada.

Turquia 

Outros, contudo, devia o Estado islamita fundar que havia de sobreviver a todos os outros e de se mostrar ainda capaz de vastos desígnios: os Turcos. As suas tribos nómadas tinham desempenhado um grande papel na história deste grande país e várias das suas dinastias haviam reinado na Pérsia desde que os Árabes viram ali declinar a sua influência. Mas a Pérsia fizera deles o que fazia de todos os seus conquistadores : tinha-os iranizado a tal ponto que um deles se tornou o grande protector do poeta Fidursi. Os otomanos não tinham conhecido este estágio civilizador quando destruíram, de 1362 a 1453, o que restava do glorioso Império Bizantino e estiveram prestes a tornar-se potência europeia. Em tempos diferentes é a história que recomeça e o Islão que se encontra de novo frente a frente de Bizâncio. E de novo Bizâncio leva a melhor. Se é certo que os primeiros monumentos levantados pelos Turcos em Constantinopla foram importados da Ásia Menor, não é menos exacto que, desde o século XVI, Santa Sofia se torna o seu modelo e que o seu grande arquitecto Sinan, construtor entre outras da mesquita de Solimão em Constantinopla (1550-1556) e da mesquita de Selim em Andrinopla (157-1574), será influenciado pelo velho monumento cristão, cujo exterior ele se esforçará, não sem êxito, por aligeirar e altear. E todos os países submetidos aos turcos adoptarão à porfia a mesquita de cúpulas.

Egipto 

Quando se fez, no século viu a conquista muçulmana, já passara há muito o tempo em que a terra e os deuses do Egipto imprimiam a sua marca indelével às artes vindas do exterior. A população indígena aceitou sem reacções sensíveis os novos senhores, forneceu-lhes hábeis operários que introduziram sem dúvida no vocabulário decorativo dos muçulmanos certos elementos bizantinos, especialmente na sua forma copta, mas que não parecem ter afirmado grande iniciativa, porque o Egipto recebeu a sua arquitectura dos países muçulmanos de oeste e sobretudo de leste, em dosagens diversas, consoante os príncipes de momento reinantes. Se a sua arte não mostra nunca a poderosa originalidade da arte persa nem o sentido delicioso da arte mourisca, tem para nós a vantagem, de haver conservado, a despeito da incúria dos homens, considerável número de edifícios.

Se a antiquíssima mesquita de Amr, muitas vezes modificada, cujas colunas de capitéis coptas foram encontradas no próprio local, lembra o tipo primitivo das mesquitas nascidas na Arábia, já não sucede o mesmo com a bela mesquita de Ibne Tulum (886). Este antigo funcionário dos Abássidas mandou construir um edifício nitidamente inspirado nos modelos persas; como em Samarra, os arcos quebrados repousam em pilares de tejolos. Os Tulunitas são ainda eclipsados pelos Fatimitas, Chutas fervorosos, que diziam descender de Fátima, filha do profeta, aos quais se deve aliás uma das mais belas mesquitas do Cairo, El-Ahzar (cerca de 970), muito transformada em virtude da sua actual função de universidade, em que a cúpula fica situada em frente do mihrab, fórmula que obteve grande êxito na arte muçulmana, e também El-Hakin, inteiramente construído de pedra, o que sucederá muitas vezes com os monumentos do Egipto. A época fatimita distingue-se por uma decoração particularmente brilhante e sobrecarregada em que abundam as estalactites. Os elementos de fauna e de flora são aqui numerosos e sabemos que as figuras também não escasseiam, porque tudo isso era afinal tolerado pelos Chutas. Graças a esses mecenas que foram os Normandos da Sicília, a arte fatimita deixou-nos alguns dos seus melhores trechos decorativos — tetos e abóbadas — na grande ilha italiana.

Pelo contrário, os Ayulitas sucessores dos Fatimistas e Sumi tas fervorosos, edificaram menos mesquitas propriamente ditas do que medersas destinadas a difundir a ciência religiosa. A medersa contém aliás em si uma mesquita e a sua planta — geralmente em cruz para os quatro ritos muçulmanos — com pátio central, não difere tanto da planta da mesquita que se torne necessário distinguir rigorosamente estes edifícios. Por outro lado, o mais brilhante dos príncipes simbitas, Saladino, o feliz adversário dos Cruzados na Síria, aproveitou numerosos elementos da sua arquitectura militar.

As medersas não tiveram menos voga entre os príncipes mam-becos, que, do século xiii ao princípio do século xvi, foram os dominadores do país. Estranha preocupação a destes antigos escravos turcos, muitas vezes renegados e que não deviam brilhar pelos conhecimentos teológicos nem tampouco por uma fé profunda. Mas, como constructores, tiveram eles o gosto do grandioso e procuraram deixar nos seus túmulos a recordação da sua glória. Estes túmulos dos califas contam-se entre os mais populares monumentos egípcios: não são sem dúvida os menos originais. Formam eles, nos subúrbios do Cairo, uma cidade da morte ao mesmo tempo pitoresca e emocionante, dominada por originais cúpulas, cujo perfil é exactamente o mesmo dos belos capacetes muçulmanos, tão comuns nos museus de armaduras. As suas dimensões são muito diversas: os maiores diferenciados, cumulam as funções de mausoléu e de mesquita. Todavia os mais curiosos, os mais sedutores são talvez os mais pequenos e mais simples, massas cúbicas encimadas por cúpulas cuja superfície é por vezes decorada por ornatos salientes e de armas. O artista muçulmano, esse artista que pertence, segundo se diz a uma época de decadência, mostra então quanto pode ser sensível às proporções e aos volumes.

África do Norte e Cerca de meio século tinha bastado Península Ibérica aos bandos, árabes para se apossarem de toda a Africa do Norte e da Península Ibérica, onde os primeiros contingentes desembarcaram em 711. Na verdade, o trabalho de paz só começa quando as dinastias locais se implantam nos diversos países ocupados em nome dos califas de Damasco: nas duas extremidades deste imenso território, os Aglábidas, instalados na região de Kairuan, e os Omíadas de Espanha, escapados à chacina da sua família pelos Abássidas. As duas dinastias estão solidamente enraizadas no ano de 800 e cada uma delas ergue a grande mesquita que há-de perpetuar o seu nome: a de Kairuan a leste (que, tal como hoje existe, data principalmente da reconstrução quase completa de 836) e a de Córdova a oeste.

Um paralelo entre estes dois monumentos far-nos-á compreender melhor até que ponto o pensamento arquitectónico dos conquistadores se modelou nas tradições dos países conquistados.

Na Africa do Norte, os Árabes encontravam uma região fortemente bizantinada. Daí numerosas combinações de inspiração cristã: a nave central, cuja última arcada antes do mihrab se recobre duma cúpula de ornatos salientes, tem sobre as outras predominância acentuada. As colunas ostentam capitéis por vezes antigos e sobretudo bizantinos, encimados por uma imposta em que o arco vem apoiar-se. Tudo isto bebeu mais ou menos a sua inspiração em edifícios cristãos, a tal ponto que se pôde escrever que «a grande mesquita de Kairuan é um museu de arte pagã e cristã». O famoso púlpito de madeira, o mimbar, patenteia-nos a decoração de folhagens de vinha tanto em voga entre os escultores da baixa época. A execução tem todavia muita grandeza e brilho e faz-nos esquecer as desarmonias que poderiam resultar da justaposição destes elementos com outros de origem estranha: o arco ultrapassado e o arco de lóbulos circulares. Fazem-se também sentir algumas influências mesopotâmicas.

A grande mesquita de Córdova tem esta particularidade bastante rara entre os edifícios muçulmanos: haver sido construída lentamente e essa construção ter sido muitas vezes reatada e ampliada, sem que os trabalhos ulteriores hajam notavelmente modificado as características que elas receberam ao tempo da sua fundação, cerca de 785. Os acrescentos mais notáveis datam de Abd-er-Rahman II (851-862), de El-Hakem ii (961-976) e sobretudo de El-Mansor (987). Em Espanha encôntrava-se ao lado das ruínas antigas de aspecto provincial, uma arte muito particular, mal conhecida ainda e originalíssima, a arte visigótica. Empregava já um arco de ferradura diferente pelo seu traçado do arco muçulmano; esculpia capiteis vigorosos, grosseiramente desbastados, mas de largo estilo, inspirado no corintio e no-compósito. Estes capitéis alinham na mesquita com capitéis antigos e com belos capitéis muçulmanos do tempo de El-Hakem, inspirados também no corintio e no compósito, mas como que recobertos duma renda de pedra. Em contrapartida, nessa região, onde Bizâncio penetrara muito mais profundamente do que na Africa, não surge nenhum desses capitéis bizantinos tão vulgares em Kairuan. Isto não quer dizer que a grande inspiradora da arte árabe esteja ausente de Córdova; mas as influências provavelmente directas (porque se chamaram certamente artífices bizantinos) dizem sobretudo respeito à decoração de mosaico.

Um dos aspectos originais — e cujo exemplo não foi seguido — da mesquita de Córdova consiste na sobreposição, no mesmo plano, de arcos que repousam sobre colunas colocadas umas em cima das outras. Extremamente simples na construção primitiva, complicada depois, quando do acrescento de El-Hakem, pela abundância de festões e pelo encruzamento dos arcos, esta disposição permanece um tanto misteriosa e, ao querer ver a sua origem no aqueduto vizinho de Mérida, apenas se aventa, em suma, uma hipótese verosímil. Este sistema e também o emprego alternado de fechos de abóbada de tijolo e de pedra dão à grande mesquita notável unidade, que resiste até à sua lamentável transformação em igreja cristã. O seu aspecto de solidez, que provém duma construção muito cuidada — qualidade rara em país muçulmano — a sua decoração relativamente sóbria, que invade todas as superfícies, asseguram-lhe um lugar muito especial na arte do Islão.

Possui a Espanha, em consequência do desaparecimento do palácio de Medinat-az-Zahra, erguido por Abd-er-Rahman ni, o único monumento de grande categoria deixado pelos invasores. Do que foram no século XI os pequenos reis ou chefes de bando, ora em luta com os Cristãos, ora tornados já seus vassalos, não nos ficou quase nada: a Aljaferia de Saragossa apresenta, a par duma decoração corrente muito distante da sobriedade de Córdova, novidades bastante numerosas vindas do Oriente, como o arco quebrado, a bem dizer quase irreconhecível sobre a profusão dos lóbulos.

Seguidamente, depois de 1212, data da batalha de Navas de Tolosa, que consagra o desmoronamento do poder islâmico na Península Ibérica, a arte muçulmana divide-se em duas desta região da Europa. Há em primeiro lugar aquela que se pratica ao mesmo tempo por necessidade — a mão-de-obra fora formada na escola de decoração muçulmana e por afectação nos países conquistados pelos cristãos, a chamada arte modejar, com grande voga no século XIV, quando Pedro o cruel, entre 1353 e 1364, reedifica de alto a baixo o Alcazar de Sevilha, obra-prima duvidosa, em que a habilidade manual é posta ao serviço dum gosto medíocre e em que o palácio de escala demasiado grande, não consegue todavia destruir o encanto dos jardins. Por outro lado, a tradição muçulmana, um tanto descorada, prolonga-se no Reino da Granada, que só será conquistado em 1492 pelos Reis Católicos. Uma grande parte, e a mais sedutora, da Alhambra é aproximadamente contemporânea do Alcazar de Sevilha. A Alhambra tem o defeito de não passar de uma decoração mal construída: pedras de alvenaria, gesso e taipa que se denunciam sem- cessar, mas têm o mérito, de permanecer, apesar de tudo uma decoração. Uma decoração deliciosa, sobretudo por causa da sua pequenez, da intimidade dós seus pátios, do trabalho delicado das estalactites. A impressão da fragilidade não causa aqui desprazer, como o não causa tampouco nos jardins vizinhos do Generalife nesta cidade rumorejante de águas, construída nos confins de uma serra desértica.

Mas, quem queira achar o seguimento da admirável arte andaluza da Mesquita de Córdova, é no oeste da Africa do Norte e sobretudo em Marrocos que o deve procurar. Desde sempre, as relações entre a Espanha e este país haviam sido muito activas. Mais activas se tornaram ainda quando os muçulmanos de Espanha ameaçados pelas armas cristãs, se viram obrigados a pedir o auxílio dos seus irmãos de religião, os Almorávidas, depois os Almóladas, oriundos de tribus do Sahara, que se tinham apossado de Marrocos. E a eterna história recomeça: essas dinastias selvagens civilizam-se pouco a pouco. Se não conseguiram deter senão temporariamente a reconquista cristã, a passagem a Africa dos artífices andaluzes fugidos de Espanha favoreceu muito o desenvolvimento das artes nas primeiras destas regiões: «Se a Espanha — escreve o Sr. Marcais — é uma dependência política do Mogreb, o Mogreb é uma província intelectual da Espanha».

Os monumentos dos Almorávidas, Grande Mesquita de Fienecen, Grande Mesquita de Argel, Al Karawin de Fez (estes dois últimos edifícios muito transformados) não nos trazem grandes novidades. Os Almólidas, mais severos, mais guerreiros, construíram um dos mais majestosos edifícios mouriscos, a Cotovia de Marraqueche, cuja principal particularidade consiste numa decoração, chamada a decoração larga, de linhas bastante simples, mas que não conseguiu suplantar a polulação decorativa tão querida dos ornamentistas muçulmanos. Em todas as mesquitas almóladas, tende a desenvolver-se, junto da parede de Kibla, uma espécie de tran-septo com cúpulas. Em Rabat, deve citar-se, na mesma época, a Torre de Hassan, enquanto a Espanha nos dá uma das suas derradeiras belas criações com a Giralda de Sevilha.

Uma vez desaparecidos os Almóadas, em 1269, a arte do Mogreb não mais atingirá tanta grandeza. As mais admiráveis medusas de Fez são sensivelmente contemporâneas da Alhambra de Granada. Evidentemente, a sua concepção é menos delicada e algumas delas como a Bu-Inanya, são vastos edifícios, notáveis em particular por revestimentos de madeira de factura muito hábil. Contudo, não se denunciam neles quaisquer promessas de renovação. Em Fleneceu subsistem imponentes edifícios dos príncipes locais, os merinitas.

E sobretudo na falta do poder de renovação que se denuncia a fadiga, porque não seria lícito falar de diminuição da actividade construtiva nem de decadência da habilidade profissional. A Mesquita de Marraqueche e o mausoléu dos Príncipes Saadianos têm ainda belo aspecto, mas limitam-se a repetir o passado. No entanto esta parte ocidental da Africa do Norte mantém, graças à sua tradição, uma grande dignidade, uma espécie de aristocratismo, enquanto Argel, covil de bandidos de todas as raças, alardeia um luxo ostentoso heteróclito com mármores italianos, espelhos de Veneza, azulejos vindos de Delft. Em raras casas particulares (Biblioteca Nacional de Argel) o instinto decorativo da raça consegue penosamente impor-se e fica-se em fim de contas reconhecido aos Turcos por terem adoptado na Mesquita da Pécheria uma fórmula inesperada, vizinha das formas cristãs. Tal exemplo não deveria aliás frutificar. E os louváveis esforços feitos pelos franceses para restaurarem as técnicas indígenas, se deram resultados capazes de alegrar o filantropo, não conseguiram fazer sair a imaginação muçulmana do seu profundo sono.

OBRAS CARACTERÍSTICAS DA ARTE MUÇULMANA

ARQUITECTURA

SÍRIA E MESOPOTÂMIA — Jerusalém (Cúpula do Rochedo, Mesquita de Omar, Mesquita El-Aksa) / Damasco (Mesquita dos Omíadas, Mausoléus de Saladino e Baíbars) / Samarra (Ruínas) / Alepo (Cidadela).

PÉRSIAIspahan (Mesquita Djuma, Porta Ala-Kapi, Praça Meidan-i-Chah, Mesquita Real, Pavilhão das Quarenta Colunas, Madrasa do Sultão Hussein) / Samarcanda (Gur Emir ou Mausoléu de Tamerlão, Madrasa de Ulug-Beg, Mesquita da Irmã de Tamer-lão, Mesquita Chah-Sindé) / Veramina (Mesquita) / labriz (Mesquita Azul) / Sultanieh (Túmulo de Oldjaitu).

ÁSIA MENOR E TURQUÍAConstantinopla (Mesquita do Bajazet e Solimâo) / Andrinopla (Grande Mesquita de Selim) / Bruse (Mesquita Verde) / Kónia (Mesquitas).

ÍNDIA MUÇULMANAAgra e arredores (Mausoléu de Akbar, Tadj Mahal) / De/f»/ (Grande Mesquita da Sexta-Feira, Mesquita da Pérola, Palácios) / Bijapur (Mausoléu de Mahmud–Adil-Chah) / Fafpur Sikri.

EGIPTOCairo e subúrbios (Mesquitas de Amr, de Ibn Tulun, El-Ahzar, El-Hakim, de Baíbars I, de Kalaum, Mesquita–medersa de Hassan, Túmulos dos Califas).

ÁFRICA DO NORTEKa/ruan (Mesquita de Sid-Okba) / Tunes (Grande Mesquita) / Argel (Grande Mesquita, Mesquita da Pêcherie) / Temcen (Grande Mesquita, Mesquita Sidi-Bu-Medina, Mansurah) / Marraquexe (Cotovia, Mausoléu dos Príncipes Saadia-nos) / Rabat (Torre de Hassan) / Fez (Medersa, Bu-Inanya e outras medersas).

ESPANHACordova (Grande Mesquita) / Sevilha (Giralda, Alcazar) / Saragossa (Aljaferia) / Toledo (Igreja do Cristo da Luz, Puerta dei Sol) / Granada (Alhandra, Jardins do Generalife).

SICÍLIA. — Palermo (Ziza e Cuba).

ESCULTURA E ARTES MENORES

Constantinopla (Museu) / Kónia (Museu) / Cairo (Museu Árabe e Mesquitas) / Kaiman (Mesquita Sid-Okba: Miubar) / Berlim (K. F. M.; "Vorderasiatisches Museum; Friso de Mschatta) / Munique / Cassei / Londres (B. M.; M. V. e A.: Minbar da Mesquita de Kait-Bey, Concha de Hama) / Paris (M. Louvre: Baptistério de S. Luís; Biblioteca Nacional: Taboleiro de xadrez de Carlos Magno; M. Cluny) / Bayeux (Tesoiro) / Madrid (M. Arqueológico: Vaso de Medinat-az-Zara) / Pamplona, Palência, Gerona (Tesoiros) / Veneza (Tesoiro de São Marcos) / Pisa (Campo Santo: Grifo) / Florença (Bargello) / Leninegrado.

Tradução de Fernando de Pamplona .Fonte Livraria Tavares Martins, Porto, 1947.

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