CABEZA DE VACA e o Caminho de Peabiru

Cabeza de Vaca e índio

ÁLVARO NUNES CABEÇA DE VACA

1543 a 1544

Álvaro Nunes Cabeça de Vaca, em 1527, numa expedição à América, foi prisioneiro dos índios da Flórida, dos quais ficou cativo durante dez anos.

Resgatado, voltou à Europa em 1537.

Achava-se, assim, na corte da Espanha, quando da notícia ali chegada da desastrosa expedição de Mendonça e dos socorros pedidos em vista dos ataques seguidos os índios a Buenos Aires, incumbiu-se de pôr termo a tais misérias, assentando num contrato que assinou em Madri, as bases dos serviços que devia prestar à pátria.

Partiu em 1540, para o desempenho do cargo que lhe fora confiado embarcando a 2 de novembro, no porto de São Lucas de Barrameda, com 5 naus, quatrocentos soldados e suas famílias, 46 cavalos e chegou a 29 de março do ano seguinte, em Santa Catarina — si el grilo no cantara — escreve nos seus "Los Comentários", tendo antes abordado em Cananéia, que tomou posse em nome de "Su Magestad".

— Si el grilo no cantara, diz Cabeça de Vaca, porque, se um grilo, uma hora antes do amanhecer do dia, não tivesse despertado os marinheiros de bordo, com o seu canto, os seus navios, que rumavam para terra, teriam naufragado.

Perdendo em Santa Catarina vinte cavalos e dois navios, Cabeça de Vaca enviou por mar as duas embarcações que lhe restavam, alguma tropa, sob as ordens de Felipe de Cáceres, determinando seguir por terra para Assunção que, desde 1539, já era Capital da nova Colônia.

Ali, no lugar em que aportou, encontrou o governador nove soldados que haviam fugido do Paraguai, em consequência dos maus tratos que lhes infligia Irala, governador daquela região e dois franciscanos, Bernardo de Armenda, natural de Cordova e Alonso Lebron natural das Canárias, África.

Estes dois franciscanos, ameaçados de morte, porque em represália à morte de dois cristãos pelos índios, mandaram incendiar-lhe as casas, acompanharam a comitiva do governo até Assunção, donde fugiram, em consequência dos seus maus precedentes.

Antes de sua partida, Cabeça de Vaca mandou explorar, em primeiro lugar, a região que tinha de atravessar por um dos seus oficiais, Pedro Dorantes e com os seus soldados e 26 cavalos que ainda lhe restavam, internou-se nos sertões, partindo do rio Itabucu, atravessou a serra do Mar, os campos do planalto de Curitiba, o rio Iguaçu da sua margem esquerda para a direita, o Tabagi, sempre bem recebido de aldeia em aldeia.

Atravessando outro rio chegou a aldeia do cacique Tapapiraçu, onde, demorando-se alguns dias, se encontrou com o índio Miguel, natural das costas do Brasil, que, vindo de Assunção, se ofereceu ao Adelantado, para o guiar na sua viagem àquela nova Capital da colônia espanhola do Prata.

Aceitando o oferecimento, Cabeça de Vaca gratificou e despediu os índios que o acompanhavam.

Do rio Pequiri, tomou êle rumo sul, atravessando novamente o rio Iguaçu, acima do seu salto e daí, seguindo a sua comitiva parte por água, parte por terra, foram reunir-se na sua foz, no rio Paraná.

A região por êle atravessada até ali, tomando posse para a coroa espanhola, a denominou de Vera.

Cabeça de Vaca, para aliviar-se daqueles que, enfraquecidos e doentes da viagem, se achavam impossibilitados de continuar a viagem por terra, despachou Núfrio Chaves, conduzindo-os, por água, em canoas e balsas adquiridas por compra dos índios à Assunção, onde ali chegou, depois da chegada do Governador, êle e Felipe de Cáceres, que havia partido de Santa Catarina, enquanto que, Cabeça de Vaca continuando a sua viagem por terra, entrou em Assunção na manhã de 11 de março de 1542, sábado, depois de uma jornada de 143 dias, que, recebido festivamente pelo povo e pelo governo interino, tomou posse do governo.

O seu primeiro ato foi mandar uma força contra os índios guaranis, que, revoltados contra o domínio espanhol, mataram alguns desses espanhóis e outros índios guaranis ocupados na edificação de casas, nos subúrbios da cidade, os quais, pegados de surpresa, foram alguns mortos e grande número, prisioneiros.

Apaziguados os índios, Cabeça de Vaca, dando cumprimento às ordens recebidas da corte espanhola, organizou uma expedição que devia descobrir um caminho ao Peru as misteriosas riquezas, que tanto preocupavam o espírito da época e do próprio governo, com mais especialidade.

Essa expedição foi confiada a Domingo Martinez de Irala, que partindo de Assunção, nos últimos dias do ano de 1542, com três bergantins, noventa espanhóis, oitenta índios guaranis, chefiados pelo cacique Aracaré, senhor de todo o Chaco Setentrional, atravessando terras do nosso território Sul-Mato Grosso, chegou à lagoa Gáiva, a 6 de janeiro de 1543, à qual denominou de Puerto de los Reis, em homenagem aos Reis Magos.

Regressando à Assunção, Irala deu conta da missão que lhe fora confiada, dizendo que, com os índios, existiam diversos ornatos e utensílios de ouro e prata e que eles, de boa vontade, se dispunham a guiar e a ensinar o caminho à expedição que se organizassem para explorar a região, demonstrando, além de tudo, os seus desejos de boas relações e de amizade com os espanhóis e de conhecerem o governo.

Diante disso, Cabeça de Vaca, sem perda de tempo, organizou uma outra expedição àquele porto, sob a sua própria direção, cujas terras, no seu dizer, eram convenientes aos serviços de Deus e de sua Majestade, tudo submetendo à aprovação de um conselho para isto por êle organizado. Assim, com um parecer favorável por unanimidade de votos, procedeu várias mudanças nos empregos, mesmo naqueles nomeados pelo Rei e a 8 de setembro de 1543 partiu com quatrocentos espanhóis, arcabuzeiros, besteiros, duzentos índios auxiliares, doze cavalos, dez ber-gatins, cento e vinte canoas, uns por água e outros por terra, até o morro de São Fernando, hoje Pão de Açúcar, em Porto Murtinho, ainda que outros pretendam que até Itabitã, suposto no atual forte Olímpio, para daí por diante seguirem todos unidos.

Em Candelária, no dia seguinte à chegada da expedição, apareceram ali sete paiaguás, procurando estabelecer amizade e aliança com os espanhóis; mas eles, como ficou provado cinco dias depois outra coisa não queriam, senão pegá-los descuidados para um novo massacre, qual aquele de João Ayala e dos seus companheiros.

Chegando à foz do rio Miranda, Cabeça de Vaca travou relações de amizade com os naturais do lugar que lhe deram notícia de Aleixo Garcia, ali chegado anos atrás, descendo as águas do rio Mboteteí, hoje Miranda, e informações da região que o governador pretendia percorrer.

Continuando a viagem, Cabeça de Vaca atravessou a zona alagadiça dos Xaraés, planície baixa, cujas águas na época das chuvas, como ainda hoje, transformam-na num verdadeiro mar, Mar dos Xaraés, como era conhecido, para alcançar, como alcançou, a lagoa Gaivá, tomando posse da região para a coroa da Espanha.

Ali, daquele lugar, que tomou para ponto de partida das suas operações, procurando amizade com os índios, habitantes das suas cercanias, mandou uma embaixada composta de dois oficiais e vinte espanhóis a Camiré, cacique dos Xaraés, para com êle tratar e obter informações sobre o objetivo da sua missão, o caminho daquelas paragens ao Peru e sobre as riquezas existentes naquele país, objeto da sua maior ambição.

Essa embaixada, recebida debaixo de grande manifestação, os índios, enfeitados de penas de papagaios, colar de contas brancas; as índias com vestidos largos de algodão, na aldeia, foi à casa de Camiré, que, numa rede de algodão, mandou vir banquinhos de paus, convidou os hospedes a assentarem-se.

O velho cacique, usando da palavra, deu-lhes boas vindas e disse que ali tinha estado Aleixo Garcia, que lhe falou do Chefe da Igreja Católica e do Cristianismo e das suas benevolencias, amigos dos índios e que assim os tomava para amigos e parentes.

Depois dessas cerimónias, a embaixada deu conta da sua missão.

Ouvindo-a, Camiré despachou com ela um índio guarani, que há tempo morava ali, para os guiar ao Peru, conforme desejo do Adelantado.

Assim, Cabeça de Vaca, informado da trilha que o devia levar ao Peru, procurou realizar o seu sonho; mas pelas dificuldades que encontrou e porque o índio, já esquecido, não atinava com o caminho, depois de cinco dias de viagem, foi obrigado a renunciá-la. Tornando à lagoa Gaivá, encontrou a guarnição que ali tinha deixado, em condição precária.

Ordenou, porém, que dali prosseguisse na exploração, ao Capitão Francisco da Ribeira.

Este, no entanto, com os companheiros dizimados pela febre, com a alimentação esgotada, sem poder obter recursos, eis que os índios nas suas aldeias, recebiam-no a flechas, assim não menos infelizes que o governador, foi também obrigado a voltar.

Em tais situações, perdendo os seus melhores soldados, Cabeça de Vaca, depois de uma demora de quatro meses em Puerto de los Reis, regressou à Assunção, onde, desgostoso e abatido, chegou a 8 de abril de 1544.

Mas, ali, na sua ausência, já se tinha organizado uma conspiração, que, explodindo na noite de 25 para 26 do mesmo mês da sua chegada, o colheu na sua própria casa.

Preso, recolhido à prisão, em Assunção, durante dez meses, foi depois, em bergantim, embarcado para a Espanha.

Processado pelo Conselho, Cabeça de Vaca foi condenado a perda do cargo e a desterro para Orã, mas, numa revisão do processo, foi êle declarado inocente e absolvido.

Morreu anos depois, em Sevilha, como prior, num convento daquela cidade espanhola.

João Batista de Souza: Evolução Histórica Sul Maio Grosso. São Paulo, 1949, pp. 50-57.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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