CARTA XII de VOLTAIRE – Sobre o chanceler Bacon

CARTA XII de VOLTAIRE (Cartas Filosóficas)

Sobre o chanceler Bacon 5

Não há muito tempo, agitava-se numa sociedade célebre, esta questão velha e frívola: qual seria o maior homem, entre César, Alexandre, Tamerlão, Cromwell, etc?

Alguém respondeu que era, sem contestação alguma, Isaac Newton 6. Esse alguém tinha toda razão, pois se a verdadeira grandeza consiste em haver recebido do céu um génio poderoso e dele servir-se para elucidar a si mesmo e aos outros, um homem do porte de Newton, tal como só encontramos em dez séculos, é verdadeiramente o grande homem; e esses políticos, esses conquistadores que não têm faltado a nenhum século não passam, em geral, de ilustres malfeitores. É ao que domina os espíritos pela força da verdade, e não aos que fazem escravos pela violência; ao que conhece o universo, e não aos que o desfiguram, que devemos o nosso respeito. £ como me exigis que vos fale dos homens célebres da Inglaterra, começarei pelos Bacon, os Locke, os Newton, etc. Os generais e os ministros virão depois.

Devo começar pelo famoso conde de Verulam, conhecido na Europa pelo nome de Bacon, seu nome de família. . .

Limitar-me-ei a falar-vos do que levou o chanceler Bacon a merecer a estima e a admiração da Europa.

A mais singular e a melhor de suas obras é aquela hoje menos lida e mais inútil; quero referir-me ao seu Novum scientiarum organum. Foi o arcabouço com o.qual se construiu a filosofia moderna; e quando o edifício ficou terminado, pelo menos em parte, o arcabouço não se tornou mais necessário.

O chanceler Bacon não conhecia ainda a natureza; mas sabia e indicava todos os caminhos que levam a ela. Havia desprezado, em boa hora, aquilo que as universidades chamam de filosofia, e fazia tudo que dele dependia para que essas agremiações instituídas para o aperfeiçoamento da razão humana não continuassem a ser estragadas pelas suas "quididades", seu "horror ao vácuo", suas "formas substanciais" e todos esses vocábulos impertinentes que não somente a ignorância tornara respeitáveis, mas um acordo ridículo com a religião tornara sagrados também.

Bacon é o pai da filosofia experimental. Decerto, antes dele já se havia descoberto segredos espantosos. Tinha-se inventado a bússola, a imprensa, a gravação de estampas, a pintura a óleo, o espelho, a arte de restituir, até certo ponto, a vista aos velhos, por meio de lunetas chamadas óculos, a pólvora para o canhão, etc. Havia-se procurado, encontrado e conquistado um novo mundo. Quem não imaginaria que essas notáveis descobertas tivessem sido feitas pelos maiores filósofos, em épocas bem mais esclarecidas do que a nossa? Pois tal não se deu: foi no tempo da mais estúpida barbaria que tão grandes transformações se realizaram sobre a terra. O acaso, somente, produziu quase todas essas invenções; e há mesmo muitos indícios de que aquilo que chamamos acaso desempenhou grande papel na descoberta da América; pelo menos acreditou-se haver Cristóvão Colombo empreendido sua viagem confiando apenas num capitão de navio que uma tempestade havia atirado à costa, à altura das ilhas Caraíbas.

Como quer que seja, os homens sabiam ir aos extremos do mundo, sabiam destruir as cidades com um trovão artificial, mais terrível do que o verdadeiro; mas não conheciam a circulação do sangue, o peso do ar, as leis do movimento, a luz, o número dos planetas, etc. E um homem que sustentava uma tese sobre as categorias de Aristóteles, sobre o universal "a parte rei" ou tal outra tolice, era considerado um prodígio.

As invenções mais assombrosas e mais úteis não são as que mais honram o espírito humano. É a um instinto mecânico, existente na maioria das pessoas, que devemos todas as artes, e nunca à sã filosofia. A descoberta do fogo, a arte de fazer O pão, de fundir e preparar os metais, de construir casas, a invenção da lançadeira eram de maior necessidade do que a imprensa e a bússola, e, entretanto, essas artes foram inventadas por homens ainda selvagens. . .

Ninguém, antes do chanceler Bacon, havia conhecido a filosofia experimental, e quase todas as experimentações físicas feitas depois dele já haviam sido indicadas no seu livro. Ele próprio tinha feito várias; construiu diversas espécies de máquinas pneumáticas, com as quais calculou a elasticidade do ar; pesquisou tudo que se referia à descoberta do peso do mesmo e esteve a ponto de tocar essa verdade enunciada por Torricelli. Pouco mais tarde, a física experimental começou a ser cultivada, ao mesmo tempo, em quase todas as partes da Europa. Era um tesouro oculto, do qual Bacon duvidara e que os filósofos encorajados pela sua promessa se esforçaram por desenterrar.

O que, todavia, mais me surpreendeu foi encontrar na sua obra, em termos expressos, essa atracção nova de que Newton passa por ser o descobridor.

"É preciso investigar — diz Bacon — se não existe uma espécie de força magnética operando entre a Terra e as coisas pesadas, entre a Lua e o oceano, entre os planetas, etc."

Em outro ponto, diz ele: "Admitindo-se que os corpos graves são arrastados para o centro da Terra, ou que se atraem mutuamente, torna-se evidente que quanto mais os corpos, na sua queda, se aproximam do centro da Terra, mais fortemente atraem uns aos outros". "Convém experimentar — prossegue ele — se um relógio de pesos move-se mais depressa no alto de uma montanha que no fundo de uma mina. Se a força dos pesos diminui na montanha e aumenta na mina, isso é um indício de uma verdadeira atracção da Terra." Esse precursor da filosofia experimental foi também um escritor elegante, um historiador, um belo espírito.

5 Francis Bacon nasceu em Londres, em 1561. Chanceler da Inglaterra sob Jaime I, deixou várias obras em latim e em inglês, entre as quais o Novum Organum. É considerado o pai da filosofia experimental.
6 Isaac Newton nasceu em 1642 e faleceu em 1727. Grande matemático e físico, descobridor do cálculo infinitesimal e da lei da gravitação universal.

 

Fonte: VOLTAIRE. Clássicos Jackson vol XXII. Tradução de Brito Broca.

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