Crônica de Machado de Assis – 24/04/1892

A Semana – Crônicas de Machado de Assis para a Gazeta de Notícias

Organização de Mário de Alencar.Fonte: Clássicos Jackson, 1944.

1892

24 de Abril

Na segunda-feira da semana que findou, accordei cedo, pouco depois das gallinhas, e dei-me ao gosto de propor a mim mesmo um problema. Verdadeiramente era uma charada; mas o nome de problema dá dignidade, e excita para logo a attenção dos Leitores austeros. Sou como as actrizes, que já não fazem beneficio, mas festa artística. A cousa é a mesma, os bilhetes crescem de egual modo, seja em numero, seja em preço; o resto, comedia, drama, opereta, uma polka entre dous actos, uma poesia, vários ramalhetes, lampeões fora, e os collegas em grande gala, offerecendo em scena o retrato á beneficiada.

Tudo pede certa observação. Conheci dous velhos estimáveis, vizinhos, que esses tinham todos os dias a sua festa artística. Um era cavalleiro da ordem da Rosa, por serviços em relação á guerra do Paraguay; o outro tinha o posto de tenente da guarda nacional da reserva, a que prestava bons serviços. Jogavam xadrez, e dormiam no intervallo das jogadas. Despertavam-se um ou outro d’esta maneira: "Caro major!" — "Prompto, commendador!" Variavam ás vezes: — "Caro commendador!" — "Ahi vou, major". Tudo pede certa elevação.

Para não ir mais longe, Tiradentes. Aqui está um exemplo. Tivemos esta semana o centenário do grande martyr. A prisão do heróico alferes é das que devem ser commemoradas por todos os filhos d’esté paiz ,se ha n’elle patriotismo, ou se esse patriotismo é outra cousa mais que um simples motivo de palavras grossas e rotundas. A capital portou-se bem. Dos Estados estão vindo boas noticias. O instincto popular, de accordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos Inconfidentes, e collocou os seus parceiros a meia ração de gloria. Merecem, de certo, a nossa estima aquelles outros ; eram patriotas. Mas o que se offereceu a carregar com os peccados de Israel, o que chorou de alegria quando viu commutada a pena de morte dos seus companheiros, pena que só ia ser executada n’elle, o enforcado, o esquartejado, o decapitado, esse tem de receber o premio na proporção do martyrio, e ganhar por todos, visto que pagou por todos.

Um dos oradores do dia 21 observou que, se a Inconfidência tem vencido, os cargos iam para os outros conjurados, não para o alferes. Pois não é muito que, não tendo vencido, a historia lhe dê a principal cadeira. A distribuição é justa. Os outros tem ainda um bello papel; formam, em torno de Tiradentes, um coro egual ao das Oceanndes deante de Prometheu encadeado. Relede Éschylo, amigo leitor. Escutae a linguagem compassiva das nymphas, escutae os gritos terríveis, quando o grande titão é envolvido na conflagração geral das cousas. Mas, principalmente, ouvi as palavras de Prometheu narrando os seus crimes ás nym-phas amadas: "Dei o fogo aos homens; esse mestre lhes ensinará todas as artes". Foi o que nos fez Tiradentes.

Entretanto, o alferes Joaquim José tem ainda contra si uma cousa, a alcunha. Ha pessôas que o amam, que o admiram, patrióticas e humanas, mas que não podem tolerar esse nome de Tiradentes. Certamente que o tempo trará a familiariedade do nome e a harmonia das syllabas; imaginemos, porém, que o alferes tem podido galgar pela imagi-nação um século e despachar-se cirurgião-dentista. Era o mesmo heroe, e o officio era o mesmo; mas traria outra dignidade. Podia ser até que, com o tempo, viesse a perder a segunda parte, dentista, e quedar-se apenas cirurgião.

Ha muitos annos, um rapaz — por signal que bonito — estava para casar com uma linda moça, a aprazimento de todos, paes e mães, irmãos, tios e primos. Mas o noivo demorava o consorcio ; adiava de um sabba-do para outro, depois quinta-feira, logo terça, mais tarde sabbado — dous mezes de espera. Ao fim d’esse tempo, o futuro sogro communicou á mulher os seus receios. Talvez o rapaz não quizesse casar. A sogra, que antes de o ser já o era, pegou do páo moral, e foi ter com o esquivo genro. Que historias eram aquellas de adiamentos ?

— Perdão, minha senhora, é uma nobre e alta razão ; espero apenas…

— Apenas… ?

— Apenas o meu titulo de agrimensor.

— De agrimensor? Mas quem lhe diz que minha filha precisa do seu officio para comer1? Case, que não morrerá de fome; e o titulo virá depois.

— Perdão; mas não é pelo titulo de agrimensor, propriamente dicto, que estou demorando o casamento. Lá na roça dá-se ao agrimensor, por cortezia, o titulo de doutor, e eu quizera casar já doutor…

Sogra, sogro, noiva, parentes, todos entenderam esta subtileza, e aprovaram o moço. Em boa hora o fizeram. D’ali a trez mezes recebia o noivo os titulos de agrimensor de doutor e de marido.

D ‘aqui ao caso eleitoral é menos que um passo; mas, não entendo eu de politica, ignoro se a ausencia de tão grande parte do eleitorado na eleição do dia 20 quer dizer descrença, como affirmam uns, ou abstenção como outros juram. A descrença é phenomeno alheio á vontade do eleitor; a absten-gao é proposito. Ha quem não veja em tudo isto mais que ignorancia do poder d’aquelle fogo que Tiradentes legou aos seus patrícios. O que sei, é que fui á minha secção para votar, mas achei a porta fechada e a urna na rua, com os livros e officios. Outra casa os acolheu compassiva; mas os mezarios não tinham sido avisados e os eleitores eram cinco. Discutimos a questão de saber o que é que nasceu primeiro, se a gallinha, se o ovo. Era o problema, a charada, a adivinhação de segunda-feira. Dividiram-se as opiniões; uns foram pelo ovo, outros pela gallinha; o próprio gallo teve um voto. Os candidatos é que não tiveram nem um, porque os mezarios não vieram e bateram dez horas. Podia acabar em prosa, mas prefiro o verso:

Sara, belle d’indolence,

Se balance

Dans un hamac…

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