Doutrina filosófica de Francisco Bacon – História da Filosofia Moderna

francis bacon

Pe. Leonel Franca – Noções de Filosofia (1918)

ARTIGO IIFRANCISCO BACON (1561-1626)

112. VIDA Ε OBRAS — Natural de Londres, F. Bacon dedicou–se cedo ao estudo da jurisprudência e subiu pelos degraus da política até o cargo de Chanceler do Reino, agraciado por Jaime I com os títulos de Barão de Verulamo e Visconde de S. Albano. Parece, porém, que a sua integridade moral não estava à altura de tão elevadas dignidades. Acusado de concussão e peculato, foi pelo Parlamento condenado a uma multa avultada e à prisão na Torre de

Londres. Perdoado pelo rei, acolheu-se à vida particular, empregando o resto dos dias na composição de suas obras. Morreu em 1626.

Sua obra filosófica mais importante é a Instauratio Magna, da qual foram terminadas apenas as duas primeiras partes: De digni-tate et augmentis scientiarum (ed. inglesa 1605; latina 1623) e Novum Organon (1620). A obra completa devia abranger seis partes.

113. DOUTRINAS FILOSÓFICAS — Sem a envergadura de Descartes, Bacon assume, como ele, a atitude de reformador. Sua aspiração é reedificar tôda a ciência sobre novas bases. A vida, porém, não lhe bastou para a construção completa do premeditado sistema. No que escreveu, preconiza apenas um método, cujo emprego, a seu ver, levará à formação de uma nova filosofia que será interpretação fiel da natureza e não antecipação apriorística da realidade. Tal o objeto das primeiras partes da Instauratio magna.

A. No livro De dignitate et augmentis scientiarum, começa por dar uma vista geral das ciências de seu tempo, classificando-as segundo as faculdades da alma em: a) ciências da memória ou histó– ricas, compreendendo a história civil e a natural; b) ciências da imaginação ou poéticas, abraçando a poesia definida como imitação arbitrária da história; c) ciêricias da razão ou filosóficas, abrangendo a teologia sagrada ou revelada (portus et sabbatum humanarum contemplationum omnium) e a filosofia natural que por sua vez compreende a filosofia primeira ou estudo dos axiomas e princípios gerais das ciências e a filosofia especial cujo tríplice objeto é Deus, a natureza e o homem (121).

Β. O Novum Organon, contraposto ao Organon de Aristóteles como novo instrumento lógico para a interpretação da natureza, compreende duas partes.

Na primeira, pars destruens, impugna o uso do silogismo como estéril no estudo das ciências da natureza (astringit sensum, non res) e indica as causas de erro que constituem um obstáculo à interpretação dos fatos. Na sua linguagem imaginosa êle as chama fantasmas — idola — e as divide em quatro categorias: 1) idola tribus ou preconceitos comuns a tôda espécie humana, como a tendência ao antropomorfismo; 2) idola specus, ou preconceitos individuais, oriundos "do caráter, da educação e das leituras de cada um; 3) idola fori ou preconceitos provenientes do comércio social ou da imperfeição da linguagem; 4) idola theatri, preconceitos originados da autoridade dos mestres e escolas filosóficas.

Na segunda parte, pars informans, propõe o verdadeiro método científico ou indutivo. "Spes est una in inductione vera" (122). In-culca o uso da observação e da experimentação, ensinando para melhor apanhar o nexo casual dos fatos o chamado método das coincidências constantes. Descendo mais ao particular aconselha o emprego de registros ou tabelas; a) de presença, contendo os casos em que se dá um fenômeno; b) de ausência, contendo aqueles em que o fenômeno não se realiza; c) de gradações, onde se notam os casos de variação do fenômeno. Com o auxílio destas tabelas podem verificar-se os princípios: posita causa, ponitur effectus; sublata causa, tollitur effectus; variante causa, variatur effectus. Por este caminho chega-se ao verdadeiro conhecimento científico, que é o conhecimento pelas causas: vere scire, per causas scire. Deste estudo das causas,’ porém, devem excluir-se em física as causas finais (123) porque são objetos da metafísica superior. Só as causas formais ou leis que regem os fenômenos são objetos das ciências de observação.

 

(121) "A natureza, diz Bacon, revela-se à inteligência como um raio direto. Deus como um raio refratado através das criaturas, o homem manifesta-se a si mesmo come um ralo reflexo". De dipn. scient. L. III, c. I.

(122) Nov. Org. Ι. 14.

114. JUÍZO SOBRE BACON — O incontestável merecimento de Bacon foi ter dado à indução um caráter prático e preciso e de haver insistido sobre a necessidade da experiência e da investigação ativa e pessoal para o conhecimento da natureza. Esta glória, porém, foi demasiadamente encarecida por muitos que chegaram a considerá-lo como autor do método indutivo e criador da ciência moderna, nos seus processos lógicos.

A história imparcial já lhes vai reduzindo os excessivos encô-mios às modestas proporções da realidade. "Bacon fut simplement un baromètre qui annonça le beau temps et parce qu’il annonça on crut qu’il l’avait fait" (J. De Maistre). É ainda de De Maistre o dito chistoso: "si on veut le comparer à un soleil il faut convenir que lorsque ce soleil s’est levé, il était au moins dix heurs du matin". Foram, sobretudo, Leonardo da Vinci, Tycho-Brahe, Copér-nico, Keppler e Galileu, que traçaram às ciências de observação seu verdadeiro caminho (124). Bacon desconhece ou aprecia injustamente os trabalhos destes sábios, sobretudo as descobertas de Co-pérnico e Galileu, seu contemporâneo. Pelo entono com que tratava questões científicas mal sabidas, dele disse Harvey que "falava da ciência como um Lord Chanceler".

Bacon é ainda extremamente injusto com a antigüidade (125), averbando os seus melhores filósofos de "teósofos delirantes" (Platão) ou de "detestáveis sofistas"(Aristóteles). Suas sátiras contribuíram para deprestigiá-los e afastar os espíritos do estudo di-reto dos grandes mestres.

(123) Talvez Bacon, como Descartes, fosse levado a excluir as causas finais em oposição ao exagero de certos averroístas que a fins arbitrários e apriorlsticamente preconcebidos, pretendiam ajustar a realidade dos fatos. Bacon caiu no excesso oposto. As causas finais são do domínio da física e o seu conhecimento ressalta naturalmente das leis e ordem dos fenômenos. Assim o entendiam os fundadores da ciência moderna: Galileu, Newton e Leibniz. Assim o entendem, de fato, os sábios contemporâneos ainda que não raro o neguem de palavra. Porventura o anatomista que descobre um nervo não lhe indaga a finalidade no organismo? Não foi, porventura, refletindo na finalidade das válvulas que acabara de observar nas veias que Harvey chegou à descoberta da circulação? Não foi partindo de idéias teleológicas que Coldlng e Mayer descobriram as leis fundamentais da termodinâmica?

(124) Sem ser naturalista, Já Suarez, antes de Bacon, seu contemporâneo, incul-cava a necessidade da experiência rigorosa, "prout includit multorum singularium intui-tlonem et collationem "ac inductionem". Eis", a propósito, um texto notável da sua metafísica: "Alia denique sunt principia particularia et propria singularum scientiarum et de his verlslmile est necessarium esse experimentum et collationem multorum slngu-larium ad firmum et evidentem assensum eorum. Denique in his tanta fere sempre est difficultas, ut vix perveniatur ad assensum proprium principlorum per se notum de illis habendum, sed Inductione et notitla a posteriori slstatur; ergo Signum est ad obti-nendum assensum evidentem ex ipsorum termlnorum rationibus probe cognitis multam esse necessarlam experlentiam. Disp. Metaph., D. I. β. β., η. 20.

(125) "Quot philosophiae receptee aut inventae sunt tot fabulas censemus". Novum Organon. Lib. I. Aphor. XLIV. "De antiquitate opinio negligens omnlno est". Ibidem.

 

É ainda de todo ponto injustificável a aversão que mostra ao silogismo. Cada método tem seu’uso. Se a aplicação exclusiva do método dedutivo às ciências experimentais é condenável por inclinar os espíritos a adivinharem a realidade em vez de a observarem, a sua proscrição absoluta acarretaria a ruína de todo o conhecimento científico sem excluir o obtido por via de indução cujo valor lógico repousa, em última análise, na dedução. Neste ponto, o contraste entre Bacon e Descartes é frisante. Um, só reconhece os foros do método indutivo, outro leva o culto da dedução ao excesso de desconhecer a importância da experiência nas ciências da natureza. No entanto, por uma destas, que parecem ironias da história, mais deve a física ao matemático de Turenna do que ao hord inglês que, grande preconizado! dos métodos experimentais, não deixou, seu nome ligado a nenhuma descoberta ou invenção importante (126).

A acusação de ateísmo formulada por alguns contra o filósofo inglês é destituída de fundamento. Bem conhecida é a sua sentença; "se o estudo superficial da filosofia inclina talvez o homem ao ateísmo, um estudo profundo aproxima-o de Deus" (127). Outros, mais freqüentemente, o fizeram rematado sensista. Foi ainda exagero. Bacon distingue claramente a faculdade intelectual das sensitivas e condena "secundum sensum philosophantes". (128). Não há escurecer que sua filosofia é de orientação acentuadamente empírica e não é sem motivo que o consideram ordinariamente os historiadores como o pai do empirismo moderno.

(128) "Ceux qui ont fait le plus de découvertes dans la science sont ceux qv ont le moine connu Bacon, tandis que ceux qui ont le plus lu et médité ses ouvrage n’ont rien produit dans ce genre". Estas palavras de Cl. Bernard aplicam-se anu de tudo ao próprio Bacon. Apesar de munido do seu "novum organon", o ilustJ chanceler não só não abriu caminhos desconhecidos nem revelou novos segredos da natureza, mas nem sequer conseguiu libertar-se dos preconceitos vulgares do s< tempo. Em algum lugar de suas obras põe êie muito seriamente a questão: por q a salamandra apaga o fogo? (Alberto Magno no século XIII já reduzira à fabula es crença antiga). Ε responde aprumado: Porque existe "vis extincüva in corpore ill: animalls quae Ignem euffocat" Sylva Sylvarum. Centúria IX 860. Ah! Molière! Ouçam ainda esta definição: "O movimento de fuga é aquele pelo qual os corpos,virtude de certa antipatia, fogem ou põem em fuga as substancias inimigas, e delas se separam recusando qualquer mistura". Novum Org. L. II, parágrafo 48. — Bacon diz é verdade, não é sempre assim, mas o ter sido assim alguma vez no século XVIII.

(127) Verum est.,. leves gust us phllosophiae movere forte ad atheieraum, Spleniores haustus ad religionem reducere. De dig. scient., L. I, initio. Em outro lugar: Nemo Deum non esse credit, nisi is, cui Deum non esse expedit. Essays, c. 18.

(128) "Sensui non derogamus sed ministramus; et intellectual non contemni sed regimus". Novum Organon, Lib. I. Cfr. Augusto Conti, Storia delia filosofia t. Il, Ρ- 294.

BIBLIOGRAFIA

Obras completas de Bacon: Amsterdam, 1633; — London, 1740 e 1765; 1825-34; 1846; — 1857-59 ediç. lat- Frankfurt, 1Q66; — Amsterdam, 1684 e 1730; — Leipzig, 1694; — J. de Maistre Examen et la phil. de Bacon, Paris, Lyon, 1836, 1873; — Barthélémy St. hilaire, Étude sur F. Bacon, Paris, 1890; — Ch. Adam, Philosophie de F. Bacon, Paris, 1890; — Kuno Fischer, Fr. Bacon von Verulam, Leipzig, 1875; — P. Lemaire F. Bacon, Paris 1914; _ g. Sortais, La philosophie moderne, t. i, Paris, 1920; — g. L. Fonsegrtve, François Bacon, Paris, 1893; —CL. Craik, Bacon, his Writings and his Philosophy, 3 vols., London, 1846-60; — J. Nichol, Francis Bacon, his life and Philosophy, 2 vols., London, 1888-1889; — A. Levt, II pensiero de Francesco Bacone, Torino, 1926; — Bibliografia: Sortais, op. cit. p. 544-48.

 

 

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