Ervas Medicinais – Espaço Urbano de uma Ciência Popular

Ervas Medicinais
– Espaço Urbano de uma Ciência Popular

Ida Duclós

Originalmente apresentado para a FFLCH/USP

Minha pesquisa sobre o uso popular de plantas medicinais, na cidade de São Paulo, foi feita em quatro locais: duas
casas de comércio que vendem produtos naturais, uma especializada no comércio
de chás e numa feira, com um erveiro
ambulante. Conversei com as pessoas que estavam nestes lugares comprando ervas, sem nenhuma preocupação de selecioná-las,
procurando me integrar ao ambiente.
A proposta de meu projeto era verificar não só os motivos que levam as pessoas a usar ervas, mas_
averiguar se este uso estava baseado num saber popular compartilhado, repassado
oralmente através de gerações.

"Os remédios que constituem a base das farmácias
familiares consistem, geralmente, em plantas medicinais e em
produtos da indústria farmacêutica…constituem
um fundo comum de trocas não somente de medicamentos, mas
também de experiências e de conhecimentos terapêuticos. Muitas famílias
reservam uma pequena área do jardim para o cultivo das ervas medicinais, hábito
adquirido na época em viviam no campo, ou então no próprio bairro, junto aos vizinhos,
amigos ou pessoas mais idosas."( Lovola,1983).

Devido ao tempo que eu tive
disponível para me dedicar a este trabalho, meu universo de pesquisa foi reduzido (entrevistei
treze pessoas).Talvez, minha delimitação do campo de pesquisa tivesse que
ser mais específico, abrangendo um
comunidade. Mesmo assim, foi possível constatar que todas as pessoas com quem conversei
identificaram a fonte de seus conhecimentos não somente entre parentes e amigos, mas
principalmente citaram a televisão e alguns, livros e revistas. Os mais velhos tinham
o hábito de plantar em suas casas algumas ervas, como o boldo, a losna, hortelã, melissa,
carqueja, arruda, quebra-pedra, poejo,
alecrim. Fizeram referências à sua infância, quando o uso de medicamentos e
recorrer a médicos não era usual.

"Eu
aprendi ao longo dos anos, no contato com as pessoas. Eu tinha um amigo que era médico do
SENAI, onde eu trabalhava, que me dizia que sempre quando
passava por uma negra velha com ervas, parava para perguntar como é que ela age.
Não tinha médicos no lugar onde nós estávamos quando eu era criança. Minha mãe sabia tudo, usava mais homeopatia, mas também chá de macela para acalmar.
Losna que é boa para o estômago, nasce no inverno. Os médicos
agora estão querendo voltar para a homeopatia, mas teve época que eles
achavam tudo isso sem valor, besteira. Meu amigo médico não era assim, mas os
colegas dele desprezavam quem desse valor para os chás. Eu vi estes dias o
anúncio de um remédio importado de um laboratório alemão preparado com melissa.
Nós aqui não ligamos para esta plantinha e os alemães vendem para nós este remédio."
(Leôncio, 82 anos, aposentado) Localizei o médico citado pelo Sr. Leôncio, descobri que ele atendia também num hospital
espírita mas
ele não tinha tempo disponível para uma entrevista dentro do prazo de entrega de meu trabalho.

Neste depoimento, como em todos os outros, existe alguns
pontos em comum:
este aposentado vai depois citar a televisão e os livros como fonte de seu conhecimento, existe
uma identificação com as mulheres (mãe ou esposa) como agentes no tratamento
popular e por fim a preocupação com um conflito entre a medicina oficial e a
medicina caseira ou popular. O conhecimento das mulheres
idosas é bastante mais detalhado, não se limitando a chás calmantes ou para o estômago. Elas trocam receitas de
medicamentos caseiros, como se estas
fossem de culinária.

"Uma senhora, quando fui no hospital, me ensinou a ferver a água e colocar
folhas de maracujá, alecrim e chuchu. E muito bom para baixar a pressão, o médico que
está tratando dela disse que a pressão melhorou depois que ela começou a tomar
este chá. Hoje mesmo, fiz folhas de eucalipto fervidas para melhorar a
respiração do meu marido, não é para tomar é só para respirar. Todo mundo sabe disso, desde criança que eu
sei, minha mãe e minhas tias sempre me
fizeram tomar chá. (Suely, dona de casa, 78 anos).

Neste caso o conflito entre o tratamento ortodoxo
e a terapia popular, é resolvido
pela separação dos dois domínios. Embora a melhora tenha sido atribuída a uma receita caseira, isso não é
contado para o médico, que poderia não aceitar esta explicação. Este serve para
verificar que houve a melhora. A representação
que estas senhoras fazem dos medicamentos caseiros é que estes são receitas, que elas preparam em suas cozinhas,
pertencem ao seus domínios e não interessam ao médico do hospital.

As lojas de produtos naturais visitadas são uma
verdadeira miscelânea, onde existem objetos de várias procedências, incenso indiano, pão
caseiro de farinha
integral, tahine japonês (um preparado de soja), vitaminas americanas. Muitos produtos são a
base de ervas, como sabonetes, shampoos, cremes e até travesseiros. Os produtos à venda sugerem uma mistura
de esoterismo com a busca por uma vida
saudável: existem pedras e cristais para melhorar a saúde física através
da energização, objetos de madeira para massagem e diversos outros produtos
dietéticos ou "biológicos." As pessoas que entrevistei nestas lojas não estão interessadas especificamente no
uso de plantas medicinais, mas estas fazem parte de uma representação de
uma vida natural. "Eu não sei para que servem estes chás, meu médico
que é homeopata e fitoterapeuta, é quem me
receitou, eu quero é ter saúde." (João, 48 anos, arquiteto)

Não existe aqui, a preocupação por plantar ervas em jardins, elas são compradas em saquinhos
preparados por empresas como a Farmaervas, Mundo Verde, Mundo Natural ou Estrela de Davi (foram estas
as marcas que anotei). Algumas pessoas me
contaram que iniciaram um tratamento com médicos alternativos depois de terem tentado um tratamento alopata que não deu certo. Acham no entanto que podem voltar a usar alopatia
alternadamente, se julgarem necessário isso. Mas, tem consciência que estão
usando uma terapia não aceita pela medicina ortodoxa, e que isso significa uma
mudança em sua noção do que
é seu corpo e nos seus hábitos

. " A reivindicação
naturalista é, evidentemente, uma das idéias instigantes que comanda as medicinas
paralelas, frequentemente
qualificadas, até por elas próprias, de medicinas "naturais" e, mesmo
de medicinas "verdes" (ou medicina através das plantas). Em uma sociedade que se tornou, sob muitos aspectos, uma
sociedade da mediação instrumental,
essa noção extremamente ambivalente, de natureza, exerce, como já vimos, a partir de 1965, verdadeiro
fascínio sobre todos os que reconhecem em si
a sensibilidade de uma contracultura, e mesmo de uma anticultura em gestação. A medicina oficial, pelo menos em sua tendência dominante, pode ser qualificada,
segundo expressão de Lenche, como medicina contra a natureza. O terapeuta não confia de forma alguma na natureza,
mas procura substituí-la, através de uma medicação decididamente
alopátíca, isto é, um ataque frontal contra
o agente responsável. Nessa ótica, o próprio termo "curar" tem o
sentido de "guerrear", perseguindo o invasor até que ele seja
definitivamente anulado." (Laplantine e Rabeyron, 1989)

Esta representação do corpo humano como um conjunto integrado a
natureza e a contestação contra a especialidade médica, que só trata de
detenninado órgão, aparece nos depoimentos de pessoas entre 35-50 anos. As pessoas mais velhas, podem manifestar um
descontentamento com a alopatia, mas não
tem um discurso que justifique isto, somente mencionaram que mas não tem um discurso que justifique isso, somente
mencionaram que aprenderam um tratamento
alternativo durante a sua infância, quando não havia recursos médicos disponíveis como atuaimente.
Mostram-se ressentidas pelo seu conhecimento não ser
valorizado, mas não elaboraram conceitos sobre isso, como acontece
com pessoas mais jovens. " Eu comecei a tomar chá por um problema
crônico de saúde e obesidade. O chá substitui o café o leite. Estimula as funções dos órgãos vitais, relaxa, elimina
gorduras. Teve uma época que eu tomava uma xícara com a
mistura de onze chás. Mas fiz isso com acompanhamento médico. É perigoso você tomar
sem conhecimento ervas fortes, como raiz de
lótus, barbatimão e etc. A composição entre os chás, saber exatamente quais você deve tomar, tem que ter
um médico. Fiz tratamento alopata e
não resolveu. Então resolvi começar um tratamento de chás junto com acupuntura com um médico
naturopata. Mudei toda minha alimentação. O efeito foi imediato, boa
disposição, e meus problemas de saúde foram resolvidos ao longo do tempo em
que me tratei. Os chás não são panaceia, fazem parte de um conjunto de
recursos terapêuticos. Tomando chá parei de tomar café, comer açúcar
e carne vermelha. O chá prepara meu organismo para uma
alimentação natural, tem um efeito mais harmonizo"no meu corpo. Existe bastante carne com pimenta, deixa super agressivo. As
pessoas dizem que chá é coisa de velha, para descansar. Mas isso é preconceito
machista, o chá é paraharmonizar, equilibrar
seu organismo. Chá você toma saudável, quando está com saúde. Mas ainda existe
essa visão, que velhinha é que fica tomando chazinho. Eu tomo chá à noite para
relaxar e de manhã para estimular, com o tempo você vai aprendendo a usar os
chás que fazem bem para o seu organismo, não é preciso médico para saber. O
aroma do chá também é importante, faz efeito
em você. Não adianta ser rápido, acho que o ritual do chá faz parte da
natureza do chá, você espera um pouco antes de tomar para consolidar o paladar e sentir o aroma."
(António, 47 anos, pequeno empresário) Nestas duas últimas entrevistas,
o conhecimento sobre o uso das ervas não pertence ao domínio popular, mas
constituem um saber científico dos médicos
naturalistas. Há também uma reinvindição não para o tratamento de alguma
doença mas por uma vida mais saudável, identificando as plantas medicinais com
a natureza. Minha pesquisa respondeu parcialmente as hipóteses que eu tinha
formulado:

1.  O uso de plantas medicinais; não constitui um
saber compartilhado, transmitido oralmente.
Isso pode acontecer, mas é somente mais um elemento, num conjunto de
informações disponíveis no meio urbano.

2.         
Os motivos que levam as
pessoas a se utilizar das plantas medicinais na cidade está relacionado com a
descrença na alopatia para resolver todos os problemas de saúde, com a
valorização da natureza e uma representação simbólica
sobre a doença e o corpo humano. Há um equilíbrio interior que harmoniza
emoções, corpo e mente. As doenças surgem quando existe uma ruptura nessa harmonia, provocada por hábitos e
comportamentos qualificados como não saudáveis, como são os
da grande metrópole. Minha hipótese que as ervas medicinais fossem utilizadas por falta de
recursos para pagar um attendimento médico não se confirmou. As pessoas mais
idosas se referiram a épocas
passadas, quando não havia disponibilidade de serviços médicos. Hoje, elas recorrem a esse atendimento com o uso
paralelo dos chás, infusões, emplastros e pomadas a base de ervas. Minha pesquisa
levantou novas questões que seriam interessantes de investigar:

1. a existência de um conflito
entre médicos fitoterapeutas ou erveiros com a medicina tradicional.

2.       
os elementos esotéricos ou
religiosos, presentes em lojas de produtos naturais que podem ou não estar
associados ao uso das ervas.

3.       
as
diferentes concepções da doença, saúde e corpo humano.

Bibliografia

1. Camargo, M.T.L.A
– Medicina Popular, São Paulo, Almed Editora e Livraria Ltda., 1985

2. Laplantine, F. e
Rabeyron, P.L. – Medicinas Paralelas, trad., São Paulo, Editora
Brasiliense, 1989

3. Loyola, M.A.-
Médicos e Curandeiros, São Paulo, Difel Difusão Editorial, 1984

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