FASTOS DE COIMBRA – Forte Novo de Coimbra – Rio Paraguai – MS

FASTOS DE COIMBRA

Coimbra, a fortaleza fundada à margem ocidental do Paraguai, como sentinela avançada ao sul de Mato Grosso, inscreve-se nos fatos militares do país com duas páginas do heroísmo que nos enchem de ufania quando contemplamos as suas altas muralhas, erguidas à encosta em que se assenta sobranceira à vasta planura dos seus campos alagadiços.

Na primeira defrontaram-se os representantes de dois povos em antagonismo e luta constante no solo europeu, vindo ao centro americano prolongar os rastros rubros da sua rivalidade encarniçada.

Pelas mensagens que reciprocaram, D. Lasaro e Ricardo Franco definiram com fidelidade rara Portugal e Espanha, na índole, no caráter, na tempera dos seus povos. De um lado, os assomos aguerridos raiando ao típico e legendário fanfarronismo. De outro, uma firmeza singela e cheia de força alicerçando bases para vitória sem espalhafato.

o vulto que em trabalhos científicos crescera em Mato Grosso, levantando-lhe os primeiros mapas, determinando–lhe as posições geográficas, estudando a capitania no complexo dos seus aspectos geodésicos, à frente dos bastiões de Coimbra iria projetar, para mais longo futuro, uma sombra protetora da fortaleza como seu defensor denodado.

Ricardo Franco comandava Coimbra em 1801, quando os índios Guaicurus foram levar-lhe a notícia, colhida no forte Bourbon, de que Lasaro Ribeiro, governador de Assunção, aprestava grandes forças para atacar aquela praça de guerra.

Imediatamente Ricardo Franco despachou duas canoas para o sul, em reconhecimento do número e do estado da expedição inimiga, mandando também solicitar socorros de Cuiabá. Alvorotou-se a vila com essa nova, pois não desconhecia a precaridade dos meios de defesa de Coimbra, diligenciando auxiliá-la em circunstância tão aflitiva. Mas, por seu lado, faltava-lhe tudo nos armazéns reais e foi preciso que se encontrassem particularmente os profissionais dos diversos misteres, trabalhassem estes dia e noite na fabricação de apetrechos de guerra, podendo partir um contingente de forças em 31 de outubro, quando em setembro Coimbra já fora teatro da façanha anunciada.

Com efeito, a 16 desse mês defrontaram-lhe as ameias, amansando à sombra dos seus muros, três sumacas de D. Lasaro, providas de canhões de grosso calibre e com uma força de quatrocentos soldados. À tarde do mesmo dia, assestaram-lhe as baterias, rompendo um fogo nutrido, es-palhando-o pela noite e amiudando-o pelo alvorecer da manhã seguinte.

Coimbra correspondeu-lhe valorosamente sustentando um tiroteio vermelho, que todavia deixou o inimigo perceber o pouco alcance das suas armas e o número reduzido da guarnição defensora. E, como as nossas peças de pequeno calibre não pudessem atingir as embarcações sitiantes, resolveram os espanhóis efetuar desembarque, procurando assaltar a fortaleza pelo flanco do morro, à retaguarda. Tiveram, porém, de desistir da façanha; uma descarga dos nossos estendeu uns tantos em terra e a coluna debandou para a praia.

Nestes cómenos a sumaca de D. Lasaro hasteava bandeira branca e Ricardo Franco recebia a seguinte intimação:

"Ayer tarde tube la honra de contestar el fuego que v.s. me hizo e habiendo reconocido en aquellas circunstancias, que las fuerzas con que imediatamente voy atacar esse fuerte son muy superiores a las de v.s., no puedo dejar de hacer ver en este momento que los vassalos de s. m. catalica saven respetar las leyes de la humanidad, aun em medio de la misma guerra. Portanto yo requiero a v.s. se rienda prontamente a las armas de El-Rey mi amo, pues de lo contrario, el canon y la espada decidirán la suerte de Coimbra, sufriendo su desgraciada guardicion todas las estremidades de la guerra, de cuyos estragos se verá libre si v.s. convine em mi propuesta, contestando-me categoricamente en el termino de una hora. Bordo da la sumaca "Nuestra Señora del Carmen", 17 septiembre 1801. — D. Lasaro Ribeira".

D. Lasaro não mentia: era enorme a desigualdade das forças. Que poderia responder Coimbra, apenas com uma guarnição de quarenta praças e o bando inerme de crianças, velhos e mulheres do arraial, que se refugiaram nos seus muros? Bem espanhola a intimação de D. Lasaro, em todo o texto — na arrogância da vantagem numérica, lançada em rosto dos sitiados, na pintura da desolação de Coimbra, derruída ao sopro dos seus canhões, morta a fio de espada, porém ainda mais castelhana, na gentileza e cavalheria de poupar as vidas, gesto — todavia, de uma proposta humilhante.

Como se sente -na resposta de Ricardo Franco a impavidez de alma de um varão à antiga, no laconismo das suas linhas, na energia expressiva das palavras sem estudo.

Leomil, Vizeu, Mendego, Balsamão, aquela mesma Coimbra, outros e outros nomes davam os portugueses aos pontos tão longe nas suas conquistas para evocar, sobre a imensidade das distâncias, o pequeno berço de cada um e a pátria inteira, na glória das suas armas e no brilho das suas lutas, como estímulo perene às ações aquém-mar.

Formal, a réplica de Ricardo Franco, vale um caráter militar:

"limo. e Exmo. Sr.

Tenho a honra de responder categoricamente a V. Ex. que a desigualdade de forças sempre foi um estímulo que animou os portugueses, por isso mesmo, a não desampararem os seus postos e a defendê-los até às duas extremidades: ou de repelir o inimigo, ou a sepultarem-se debaixo das ruínas dos fortes que se lhes confiaram e, nesta resolução se acham todos os defensores deste presídio, que têm a honra de verem em frente a excelsa pessoa de V. Ex. a quem Deus guarde por muitos anos. Coimbra, 17 de setembro de 1801.

Senr. D. Lasaro Ribeira.

Ricardo Franco de Almeida Serra".

A tão brava e resoluta réplica, só um fogo mais veemente.

O ataque recrudesceu com impeto, mas inutilmente, com poucas perdas para os nossos.

E, afinal, os espanhóis resolveram a retirada. Uma desafinada música de aloés e zabumbas dissimulava a decepção do malogro das suas armas e riam-se as ameias de Coimbra com assuadas de flautas e cornetins a tão patusco regresso à Assunção, avistando-se ainda por muitos dias, na esteira do rio, as velas de suas sumacas como asas mal feridas…

Como herói de uma novela de capa e espada, D. Lasaro poderia encobrir o insucesso da sua tentativa encarecendo as condições de resistência de Coimbra, de maneira que só Deus seria capaz de tomá-la:

"Dios solo, pero con dificultad".

E era uma vez uma história de um espanhol em Coimbra …

Foi sem dúvida a lembrança constante desse episódio que teria triste epílogo, por certo, sem o braço de Ricardo Franco, que levou o deputado por Mato Grosso, Corrêa do Couto a chamar a atenção do governo sobre a necessidade e urgência de aparelhar Coimbra com os meios necessários à eficiência de defesa.

Mas sua voz caía como pedra em poço sem eco e a história reservava à nossa antiga fortaleza outra página de glória, rechassando a bravura de Porto Carreiro, com os índios de Lapagate, as forças de Gonzales, página em que a mulher brasileira plasmou feições de espartana, rasgando os vestidos para fabricar munições, amolgando com os dentes os cartuchos de calibre superior às nossas armas, encorajando com sua presença nas seteiras os nossos soldados extenuados até que, finalmente, tiveram que evacuar o forte pela falta de munições, e ao tropel de forças ainda mais consideráveis. Salvou-se toda a guarnição e o inimigo achou Coimbra deserta — triste desfecho de imperdoável incúria…

Cesário Prado: Passeios pelo Passado. Edição do Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1954, pp. 59-65.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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