Filosofia especulativa – História Universal

Césare Cantu – História Universal

CAPÍTULO XXXV

Filosofia especulativa

Uma vez dado o impulso aos espíritos proclamando orgulhosamente os direitos da razão, acaso podia a filosofia permanecer em sua primitiva infância? As universidades, as academias prosseguiam em sua habitual tarefa, pondo obstáculo às inovações: a grave Sorbona discutia se se podia dizer ego amat; ela se declarava contra aqueles que queriam que se pronunciasse qui e quamquam à tirania, em vez de os pronunciar ki e kankan à francesa: chegou até a privar do seu benefício um professor que achava o outro modo melhor, e foi preciso que o parlamento interviesse na contenda. Os sábios espanhóis tinham repelido, com argumentos tirados de Aristóteles, as idéias experimentais de Colombo sobre o Novo Mundo; e João Ginésio Sepulveda, de Córdova (1490-1573), defendia contra Las Casas a legitimidade da opressão dos naturais americanos. O respeito por Aristóteles era levado tão longe, que tendo um médico mostrado em um cadáver, a um sectário do filósofo, que o fígado não está à esquerda, este lhe respondeu: Muito bem, porém Aristóteles assim o diz

A escolástica, porém, era combatida com arma diversas pelos humanistas, pelos platônicos, pelos neo-peripatéticos, pelos místicos, pelos neopitagóricos, pelos estóicos, pelos céticos, e sobretudo pelos reformados; as fórmulas caducas e a venerável tradição pareciam um alimento insuficiente, pretendia-se comparar as sentenças dos doutores com o "manuscrito original de Deus", isto é, com o mundo e com a natureza. O espanhol Luís Vives (1492-1540), atacou a escolástica. Erasmo seguiu seus passos, e tentou substituir pela discussão clara e elegante as formas de uma argumentação bárbara. Lutero, que acreditava que a escolástica era o fundamento do catolicismo, arrojou-se contra Aristóteles com a sua impetuosidade habitual, no que foi ajudado por Melanchton, que se mostrou depois partidário do antigo método em seus Initia doctrinae physi~ cae, obra de astrologia e de prejuízos.

O estudo do grego, que se tinha propagado na Europa, deu em resultado melhores versões das obras de Aristóteles, e assim se conseguiu poder compreendê-lo melhor. Conheceu-se também então Alexandre de Afrodisias, o melhor intérprete do filósofo estagirita, cujos adoradores se dividiram em dois campos: o dos sequazes de Alexandre, que negavam a existência da alma, e dos partidários de Averroés, que sustentavam a sua imortalidade, se bem que a alma não fosse a seus olhos uma entidade individual, de uma natureza própria, e possuindo a consciência de si mesma. No número dos primeiros figurou Pedro Pomponazzi, de

Mântua (1462-1525), que pôs em relevo os argumentos mais especiosos para demonstrar a sua mortalidade, ou mais exatamente, para estabelecer que não se pode-ria conseguir, por meio da razão, demonstrar a sua imortalidade, Êle dizia a mesma coisa do livre arbítrio e da Providência; mas professava quanto ao mais um pleno respeito pela tradição religiosa, e confirmava-se em sua fé nessa tradição por uma moral severa.

Êle dá, no tratado de Incantationibus, uma explicação natural dos acontecimentos prodigiosos e dos milagres, à exceção dos do Evangelho; e para isso linha recorrido às teurgias, coisa a que chegavam os sectários de Aristóteles pelo raciocínio, como os platônicos pela contemplação. Segundo êle, todas as coisas se encadeiam na natureza, os acontecimentos da terra com os do céu; em conseqüência as revoluções dos impérios e das religões dependem das dos astros. Os taumaturgos são físicos excelentes que provêm os prodígios naturais, as relações ocultas do céu com a terra, e aproveitam o momento em que as leis estão suspensas para fundarem novas crenças. Logo que cessa a influência superior, os prodígios cessam igualmente, as religiões declinam, e não deixariam após si senão a incredulidade, se novas constelações não produzissem novos prodígios e taumaturgos.

Também à negação tenderam o napolitano Simão Porta e César Cremonino. André Cesalpino, inclina-se ao panteísmo: êle diz que, assim como os insetos nascem da putrefação, todas as coisas nasceram sem germe na época em que o calor celeste era mais intenso. Êle foi refutado por Nicolau Torello, de Montbéliard, professor em Altorf em um escrito cheio de exageração até em seu título. Nós quisemos referir esta opinião, para fazer ver que os grandes filósofos do século passado, bem longe de criarem, não fizeram mais do que respigar seus sistemas nas concepções de um tempo que eles afetavam desprezar.

Lucílio Vanini (1585-1619), sacerdote napolitano, viajou na Europa como pregador: porém êle explicou Averroés em vez do Evangelho, declarando-se discípulo de Pomponazzi e de Cardan. Êle diz que o diabo é mais forte do que Deus, por isso que acontecem todos os dias coisas que Deus não poderia querer. Põe na boca de um ou de outro as críticas dirigidas contra o cristianismo; finge horrorizar-se ao ouvi-las, como finge também fazer-se apologista do Concílio de Trento e estar furioso contra Lutero, ao passo que faz a guerra ao cristianismo, como filósofo no Anfiteatro, como físico no Tratado da Natureza mostrando-se alternadamente panteísta e materialista. Explicando na primeira obra o que é Deus, agita o problema da Providência e da fatalidade e, dando mostras de combater os ateus, põe em luz os seus argumentos: ora êle reduz as provas da Providência aos oráculos, às sibilas, aos milagres, que descreve pelo seu lado fraco com uma aparência de bonomia que não poderia contudo iludir.

Êle atribuiu fisicamente a origem do homem à putrefação e ao aperfeiçoamento sucessivo das espécies: seu objeto, na opinião dele, não poderia ser a moral, por isso que a moral nasce das leis. O homem é excedido mesmo em força pelos animais: não se pode pois dizer que êle lhes seja superior por seu destino, e o melhor que se pode fazer é viver e gozar da existência, porque o tempo que se não aplica no amor é perdido.

Estes eram os meios empregados por Vanini para fazer guerra ao cristianismo. Êle formava em Tolosa reuniões secretas, corrompia a mocidade, e tornava-se muito perigoso em razão da fermentação produzida pelas guerras religiosas. A justiça mandou-o, portanto, prender; e como um grande sapo que êle tinha encerrado em um vaso formasse contra êle um indício grave, foi condenado como mágico e como ateu.

Em suma, sendo quotidianamente tão escandalosas as doutrinas deduzidas do aristotelismo, não admira que Leão X e outros príncipes tenham proibido ensiná-las. Porém já o culto de Platão se tinha restabelecido na Itália pela influência de Marsílio Ficino e dos outros membros da Academia de Florença.

Na universidade mesmo de Paris, em que Aristóteles reinava como mestre, Pedro Ramus (1502-1572) ousou levantar-se contra êle. Depois de ter estudado três anos a lógica, examinou quanto o conhecimento dos fatos se tinha aumentado nele, até que ponto ela tinha tornado a sua elocução mais fácil ou aumentado as suas disposições poéticas; e achou que este estudo em coisa alguma tinha desenvolvido a sua inteligência. Êle voltou-se, portanto, para Platão, em quem julgou descobrir uma maneira de raciocinar muito mais instante. Ramus exprimia, enfim, a sua opinião nestes termos: iSe um mariola viesse dizer-me alguma coisa de mais razoável do que Platão, deixaria este para seguir aquele.

Ramus combateu, em conseqüência, ao estagirita e ao vasconço de seus comentadores, em suas Animad-verdones aristotelicoe; e suas Institutiones dialecticoe; mas a universidade, escandalizada, acusou-o de ter conjurado contra a ciência e contra a religião; o próprio rei interveio na questão e fêz condenar a sua doutrina, tendo cuidado de que a sentença fosse espalhada por toda a Europa, o que foi um triunfo para os sectários de Aristóteles e assunto de ignóbeis bobices. Porém, não pertence aos reis decretar a sua soberania sobre o pensamento. O cardeal de Lorena levantou a proibição decretada, e Ramus entrou a ensinar as matemáticas, como podendo prestar auxílio a suas idéias; porém a matança de São Bartolomeu pareceu a seus inimigos uma excelente ocasião, e fizeram-no degolar. Isso não impediu que o campo do pensamento fosse ainda disputado assaz longo tempo entre os ramistas e os anti-ramistas.

Nizolio atacou também a lógica e a metafísica do estagirita, opondo a sua filosofia ao montão de termos estranhos adotados nas escolas. Leibniz deu crédito a este escritor, fazendo uma edição da sua obra, como exemplum dictionis philosophioe teformatoe.

Acôncio, emigrado italiano pretendeu oferecer um método para alcançar a verdade mais facilmente do que pelo método ordinário. Como todos adotavam a divisa de algum antigo filósofo, Justo Lipso tomou a de Potamon. Posto que proclamasse um ecletismo sistemático como método a seguir em matéria de filosofia, ele mostrou preferência pelos estóicos; porém no fundo é mais erudito do que filósofo, assim como Casaubon e Escalígero.

Francisco Patrizi (1529-1597), de Clissa, na Dalmácia, depois de ter tentado pôr de acordo Aristóteles com Platão e outros filósofos, aventurou-se com mais originalidade a negar a autenticidade das obras do estagirita, declarando-as plágios e compilações sem gosto nem discernimento. Era essa uma tarefa que pecava pelo excesso, e que as injúrias grosseiras vieram corromper; mas êle desenvolve uma crítica não usada até então, e que não era de esperar de um homem que aceitava os escritos heréticos, e os dogmas dos cabalistas. Enfim, êle sustentou que as doutrinas do estagirita estavam em oposição com as do cristianismo, ao passo que as de Platão concordam com elas em quarenta e três pontos. Aconselhava por conseguinte Gregório XIV a banir das escolas o ensino de Aristóteles,

Porém, que lhe queria êle substituir? Hermes, Zoroastro, Orfeu, repostos em crédito pelos neoplatô-nicos místicos. Entre estes últimos dominava principalmente Paracelso, de quem nós já falamos, e que fazia provir as ciências imediatamente de Deus. O homem, segundo êle, é um pequeno universo formado da essência dos quatro elementos, dos astros, da sabedoria e da razão, do que resulta que êle pode participar das virtudes das estrelas, com ajuda dos meios que a magia ensina. Por morte do corpo elementar, o corpo sidérico continua a existir até que seja reabsorvido pelos astros, e, permanecendo ao lado do outro, continua as suas operações como durante a vida; daí vêm as aparições dos mortos junto dos objetos e das pessoas animadas. Aquele que sabe dominar os corpos sidéricos pode adquirir grandes conhecimentos.

Muitas pessoas após êle, e principalmente os rosas-cruzes, entraram a estudar as ciências ocultas. Convém distinguir nesse número o inglês Roberto Fludd (1571), cujo renome é muito vário, e Tauler, o fundador da escola teosófica na Alemanha. Juízos não menos incertos têm ocorrido a respeito de Jacques Boehme (1575-1624), nascido próximo de Goerlitz, o qual tendo lido na Bíblia que o Senhor promete o seu espírito àqueles que lhe oram, lhe dirigia incessantes orações a fim de o obter. Desejoso de chegar a uma certeza religiosa, pôs-se a examinar se os cripto-calvinistas tinham razão; e Deus transportou-o em espírito à morada dos bem-aventurados, onde êle passou sete dias na intuição da Divindade, em meio da plenitude da luz. Êle não deixou por isso a sua loja de sapateiro, nem as suas ocupações domésticas, até o momento em que novas torrentes de luz superior se derramaram sobre éle (1600). À vista inopinada de um vaso de estanho, "seu espírito astral foi transportado numa agradável irradiação até o centro da natureza, de maneira que lhe foi possível conhecer a essência íntima das criaturas no que respeita às sua figuras, aos seus contornos e às suas cores".

Favorecido depois por uma terceira visão (1612), êle a descreveu no livro intitulado Aurora; e, apesar das proibições, continuou a escrever sobre os três princípios, a tríplice da vida humana, a edificação da fé, os seus pontos, o grande mistério, a vida sobrenatural, a intuição de Deus; êle não ostentava, quanto ao mais, pretensão alguma. Uma grande aparência de candura e de bondade de coração se deixa perceber em meio de frases de alquimia e de astrologia, e jamais êle se separou dos luteranos. Uns infamam-no como um pobre louco, outros o consideram como um profeta em que brilham insignes belezas, e o têm como precursor de São Martinho.

Bernardino Ochino, de Siena, nega que se possa chegar à verdade por meio da razão, e pensa que é preciso juntar-lhe a autoridade divina. Ora, não sendo suficiente a Santa Escritura sem uma luz infalível que ajude a interpretá-la, êle é obrigado (visto que tinha repudiado a autoridade da igreja por sua apostasia) a refugiar-se no misticismo e na inspiração interior imediata.

Aquele que não sabia acomodar-se com isso entregava-se ao ceticismo. Esse Cornélio Agripa, que, apesar de as combater, acabou por adotar as ciências ocultas e as doutrinas da cabala, pareceria um dogmático absoluto. Êle leva todavia o ceticismo a seus últimos limites na Vaidade e incerteza das ciências, onde Dio admite que o homem esteja certo sequer da sua ignorância.

Ele considera as matemáticas como superiores às outras ciencias quanto à certeza, e mais ainda quanto à concordancia do que elas ensinam. Todavia censu-ra-lhes que coisa alguma não corresponda na realidade à idéia dos números: eles têm enganado muitas vezes, e não contribuem para tornar o homem bom e generoso. Os aritméticos mesmo não estão de acordo; assim como os geómetras diferem sobre as idéias de unidade, de ponto, de linhas, de superfície, e têm problemas insolúveis. Além disso, a aritmética serve para a superstição e para a cobiça do ganho. Agripa é mais curioso quando ataca os historiadores, que aprovam ações dignas de censura, como as dos conquistadores, em lugar de os considerar como assassinos.

Êle apresenta, pois, um ceticismo prático, aplicado às ciências tais quais elas eram no seu tempo, e compreendendo debaixo deste nome todos os artifícios e subterfúgios ensinados pela cobiça, pela ambição, pela voluptüosidade, desejo de abrir passagem por qualquer meio que seja. Êle toma o clero por alvo principal de seus tiros, e não perdoa à erudição monástica, à escolástica, à depravação das ordens religiosas, ousadia que mostra quanto era grande a tolerância na igreja antes da reforma.

O português Francisco Sanches (1562-1632), não podendo, por causa dos editos do seu país, atacar de frente aos sectários de Aristóteles, combateu o dogmatismo geral na obra intitulada A nobilíssima ciência de não saber coisa alguma, em que êle demonstra num estilo animado a futilidade da ciência que não chega aos objetos em si, mas se limita a frutos de imaginação pelo quid, e os termina também pelo quid. O tom ligeiro que êle emprega de propósito não o impediu de tomar a sério os ataques que êle diriqe contra a lógica silogística muito anteriormente a Bacon. A sua conclusão é que se pode achar a verdade reunindo a razão e a experiência, ao passo que elas não servem para coisa alguma isoladamente.

Francisco de la Mothe le Vayer (1588-1672) insinua o pirronismo em seus Diálogos. Jerônimo Hir-nhaym (de Tupo generis humani) sustenta também que toda a ciência é uma ilusão, e que a certeza não pode ser adquirida senão pela revelação.

Mas, ao passo que estes raciocinadores duvidavam e demoliam, outros se ocupavam iá de edificar. Bernardino Telésio, de Cosença (1508-1588), estudou no silêncio as matemáticas e a filosofia; depois, na idade de sessenta e seis anos, entrou a ensinar em Nápoles a filosofia natural, e fundou a Sociedade Tele-siana, oposta a Aristóteles. Tratando da natureza das coisas (de rerum natura juxta própria principia), êle admite três princípios, a saber: dois incorpóreos, o calor e o frio; um corpóreo, a matéria; e não só estes princípios são ativos, mas inteligentes, com a percepção de seus próprios atos e de suas impressões mútuas. É deles e de suas mudanças que nasceram as coisas. O calor reside nos céus, unido à matéria mais sutil. O centro da terra é a região do frio, e a matéria é aí mais densa; o espaço intermediário é o seu campo de batalha. Êle simplifica assim extremamente a física de Aristóteles, repudiando os gênios, as enteléquias e toda a forragem escolástica; emite idéias novas sobre o movimento dos corpos celestes, sobre a queda dos corpos graves, sobre o ângulo de incidência e de reflexão da luz, sobre a direção dos raios, sobre os espelhos côncavos e esféricos; e Bacon o julga amatorem vevi-tatis et scientiis utilem, et nonnullorum placitorum itncndatorem et novorum hominum primum.

Não tememos ser desmentidos por dizermos que os primeiros destes homens novos, que substituíram o racionalismo à antiga escolástica, surgiram na Itália. Quando a França podia unicamente citar Ramus, que ainda assim não se aplicava senão à arte de discutir, os italianos indicavam o método a seguir para estudar as ciências naturais, despojadas das antigas pretensões. É o que faz Giordano Bruno, de Nola, cuja vida agitada inspira interesse. Depois de ter tomado o hábito religioso na ordem dos dominicanos, êle abandonou em breve o convento e dirigiu-se a Genebra, para escapar às tiranias que o teriam alcançado no seu país. Aí travou conflito com Calvino e Teodoro de Bèze (1580), cujas doutrinas tinha abraçado, e passou sucessivamente à França, à Inglaterra e à Alemanha; mas não achou a tranqüilidade em parte alguma, culpa talvez do seu desmedido orgulho, e em parte do desprezo que êle mostrava por Aristóteles, ao passo que era entusiasta admirador de Raimundo Lulle. Decidido a tornar a ver a sua pátria, dirigiu-se a Veneza; mas foi preso e entregue à Inquisição romana (1600), que, não podendo resolvê-lo a uma retratação, o mandou queimar.

A Itália não se ocupou dele; mas nestes últimos anos os alemães, achando nele doutrinas análogas às suas, reabilitaram a sua memória. Êle mostra, efetivamente, um espírito de extrema finura e uma imaginação vigorosa, ainda que não refreada pela razão, e que a vaidade vem corromper. Versado no grego e na filosofia antiga, suas idéias têm semelhança com as dos ecléticos alexandrinos, e especialmente de

Plotino. Êle mostra originalidade quando sustenta a liberdade do pensamento filosófico; porém não sabe assenhorear-se do seu assunto, nem parar a tempo. Suas obras são rebuscadas em singulares títulos, tais como a Cabala do cavalo Pégaso, a Ceia das Cinzas, esta última é um diálogo sobre a teoria física do mundo, em que êle sustenta Copérnico, cujo elogio faz não menos no sentido de erudição do que no da coragem: êle achou contudo a hipótese da gravitação absurda, por isso que todo o movimento é circular por sua natureza. A venda da besta triunfante, proposta por Júpiter, efetuada pelo conselho, revelada por Mercúrio, contada por Sofia, ouvida por Saulino, registada por Nolano, foi considerada como alguma coisa de terrível contra Roma, quando não é mais do que uma alegoria para servir de introdução à moral.

O livro intitulado Causa, princípio e unidade, contém a exposição da sua metafísica, que consiste num duplo panteísmo. O mundo é animado por uma inteligência presente em toda parte, causa primária de todas as formas que a matéria pode revestir; mas não da matéria, único agente físico que vive em todas as coisas, mesmo quando elas não parecem viver. A unidade é o ser; o que é múltiplo é composto; portanto não existe senão a unidade, e nela se acham confundidos o infinito, o espírito e a matéria. Tomada em si, a unidade é Deus; enquanto ela se manifesta no número é o mundo, e o mundo é também Deus. Uma unidade primitiva reside no fundo desta aparição de objetos, que no confronto são todos iguais. Não há substâncias particulares, mas sim a substância em particular. Hã, portanto, um princípio primário da existência, isto é, Deus. Este princípio pode ser tudo, e é tudo. O poder, a atividade, a realidade e a possibilidade são nele uma unidade individual e inseparável. Êle é o fundamento interior e não somente a causa exterior da criação; vive em tudo quanto vive. Achamos portanto nessas opiniões o panteísmo que foi reproduzido por Schelling, ao passo que Fichte imitou também Bruno no abuso dos neologismos. Não há verdadeiras fora do Ente divino, de que o universo é o efeito e a expressão imperfeita; ora, é deste universo que nós deduzimos os nossos conhecimentos, que não são idéias, mas sombras de idéias.

Bruno trata, em seu Método, da maneira de procurar, de descobrir, de julgar, de depor, de aplicar os princípios, e de os rememorar. Depois de ter estabelecido a relação da inteligência divina com a inteligência universal e com as inteligências particulares, deduz a harmonia de todas as coisas entre si. Uma vez achada esta conexão, êle esperou reduzir o ideal e o real, o ser de razão e o ser existente, numa só categoria que abrangesse em sua universalidade o ser levado à mais simples unidade. É neste intuito que êle se aplicou a aperfeiçoar a Ars magna de Lulle, o pior modelo que êle podia seguir.

Tomás Campanella (1568-1639), calabrês como Telésio, e dominicano, não lhe foi inferior como pensador ousado. Tendo-se apaixonado pelas idéias de Telésio, êle tentou, antes de Bacon, fundar sobre a experiência uma filosofia da natureza; e se, em vez de disseminar a sua atenção por tantas ciências para as reformas, a concentrasse numa só, teria sido um homem superior.

Êle não vê também senão um vasconço na metafísica de Aristóteles, sem se fiar muito em Alberto e em Tomás; e dá por base ao saber filosófico a natureza combinada com o sobrenaturalismo. A revelação e a natureza são a seus olhos a dupla fonte dos conhecimentos das coisas. A primeira é o fundamento da teologia, e a outra, da filosofia. A inteligência consiste em sentir, isto é, em perceber as modificações do nosso ser; ora, a memória, a reflexão, a imaginação são determinações variadas da sensibilidade. O pensamento é o conjunto dos conhecimentos colocados na sensação, que dá a conhecer somente os objetos individuais, e não a sua generalidade nem as suas relações gerais.

Porém, em vez de parar aqui com os sensualistas, êle reconheceu e anunciou a necessidade do conhecimento racional e teológico, conquanto ficasse ainda longe de uma solução. Toda a criação consiste, segundo êle, no ser e no não ser. O primeiro compõe-se de poderio, de sabedoria e de amor, e tem por objeto a essência, a verdade, o bem; enquanto que o não ser é impotência, ódio e ignorância. No Ente supremo as três qualidades primordiais estão reunidas numa incompreensível simplicidade, sem mistura do não ser: Unas, bem que distintas. O Ente supremo, tirando as coisas do nada, transporta à matéria suas idéias inexauríveis, debaixo da condição do tempo e sobre a base do espaço; êle comunica aos entes finitos as três qualidades que vêm a ser os princípios do universo, sob a tríplice lei da necessidade, da providência e da harmonia.

Êle edifica sobre esta metafísica uma filosofia física, uma psicológica e uma social. Na filosofia física, considera o universo como um conjunto de fenômenos materiais que se desenvolvem no tempo e no espaço. A matéria que foi posta neles é um corpo não construído, mas próprio à construção; e opera por meio de dois agentes, o calor e o frio. O primeiro formou o céu, e o segundo a terra, segundo que eles dilatando ou condenando a matéria; e todos os fenômenos nascem da sua combinação. A luz é uma e só coisa com o calor; a sua denominação não difere senão conforme operam sobre o tato ou sobre a vista.

Porventura, a física não está a ponto de demonstrar que êle adivinhou ao certo?

Na fisiologia, em que Campanella considera os entes vivos e sensíveis, distingue no homem uma tríplice vida, correspondente a uma tríplice substância: a inteligência; o espírito, seu veículo; o corpo, veículo do espírito e da inteligência. Porém, visto que todos os seres tendem a conservar-se, eles são providos de instintos, e da faculdade de sentir em diferentes graus. Se o homem possui uma inteligência imortal, com maior razão o mundo, que é mais perfeito que todos os seres criados: suas mãos são as forças expansivas; seus olhos, as estrelas, e a sua linguagem, os raios mútuos que elas despedem umas para as outras: linguagem por meio da qual talvez se comuniquem os astros, dotados de uma vida extremamente sensível. Os espíritos bem-aventurados que os habitam, vêem tudo quanto há na natureza e nas idéias divinas. O ímã e o sexo das plantas são para êle a prova da vida. Êle descreve com muita eloqüência as simpatias da natureza e o derramamento da luz sobre a terra, de que ela penetra todas as partes, por meio de uma infinidade de operações que certamente não podem efetuar-se sem uma imensa voluptuosidade. Não poderia formar-se um vácuo na natureza senão por meios violentes, visto que os corpos sentem gozo ao seu mútuo contacto.

É verdade que Campanella avança muitas outras coisas do que prova, e que a sua imaginação, excitada pela solidão e pelos sofrimentos, o lança em desvario. Êle se aplica principalmente a achar um dogmatismo filosófico para refutar a dúvida, fundan-do-se sobre a necessidade que a razão sente de alcançar a verdade; de sorte que mesmo o cético deve, para combater, ter certos princípios de conhecimentos. Êle combate ao mesmo tempo, em sua política, o ateísmo e o maquiavelismo, defendendo a liberdade do saber e os direitos da razão.

A sua época tratou-o como criminoso. Metido em prisão por negócios de Estado, vinte e sete anos lá permaneceu. Finalmente, Urbano VIII, tendo obtido a sua translação de Nápoles para Roma, com o pretexto de o julgar, o fêz pôr em liberdade. Foi então para a França, onde teve por amigos Peyresc e Gabriel Naudé, e por protetor Richelieu.

Seria injusto deixar em silêncio Paulo Sarpi, que estabeleceu na Arte de bem pensar, por um lado, que os sentidos nunca enganam, por isso que se limitam a transmitir à inteligência o que se lhes apresenta; pelo outro, que os axiomas são inúteis às descobertas. Nós mencionamos também José Batista Porta (1540-1615), que antecipou Lavater e Gall, ensinando (de humana physiognomia) que os corpos não ficam impassíveis aos movimentos da alma, que se forma, pelo contrário, entre eles uma aliança recíproca que se manifesta no aspecto exterior, e que os hábitos derivam dos gênios e dos temperamentos.

O aristotelismo achava-se portanto minado por todos os lados. Telésio e Campanella tinham ensinado a repudiar esse montão de prejuízos fundados sobre máximas a priori. Um tinha já emitido a idéia de escrutar os mistérios da natureza por meio da indução e da experiência; o outro tinha-se aplicado a abranger o círculo inteiro dos conhecimentos humanos, fundando-se sôbre a metafísica, sem a qual êle não via senão um imenso vácuo. Campanella e Tomás Morus tinham .iiacado o funesto maquiavelismo do seu século, para estabelecer a política sobre bases razoáveis. Já as barreiras impostas ao espírito humano tinham sido despedaçadas, e se lhe tinha mostrado o campo de novas e inexauríveis conquistas, destinadas a subtraí-lo ao mal pela virtude e inteligência.

Isto não obstou a que se atribuísse todo o mérito dessas tentativas particulares a Francisco Bacon (1569-1626), que se há preconizado como restaurador da filosofia. Guarda-selos da rainha Isabel, foi feito aos sessenta anos grão-chanceler e barão de Verulan, e posteriormente visconde de Santo Albano por Jacques I. Acusado de corrupção e de conivência com os que dependiam dele, foi condenado, por suas confissões, a uma multa de quarenta mil libras esterlinas, à prisão e à exclusão de todo cargo público. Este julgamento não o desgostou das cortes; êle se rojou até que obteve o perdão da multa e que conseguiu ter de novo ingresso nos palácios.

A filosofia não podia ser mais do que uma distração para um homem tão ocupado; mas nem por isso êle deixou de ser colocado à frente dos filósofos modernos. Bacon não foi inventor, e não estabeleceu nenhum sistema completo; mas ofereceu à inteligência humana um método e uma ordem próprios para lhe fazer exercer útilmente a sua atividade sobre as idéias fornecidas pelas sensações. Como o não satisfazem nem os antigos, nem os novos sistemas, êle pensa que há motivo para voltar à investigação dos fatos, às classificações, ao mérito, para daí extrair verdades: neste intuito examina antes de tudo os erros mais familiares, suas fontes e seus remédios.

Quatro ídolos ou prevenções tinham servido até então de obstáculo ao são conhecimento das coisas: as prevenções comuns a todos os homens, ou prevenções da espécie humana (idola tribus), as prevenções individuais, ou prevenções do indivíduo (idola specus), as que um comunica ao outro, ou prevenções da linguagem (idola fovi); as que se bebem nos mestres ou prevenções da escola (idola theatri). Cumpre classificar entre essas últimas todos os falsos hábitos antecedentes da filosofia empírica, e da filosofia supersticiosa: a primeira recebe as noções abstratas tais quais elas se apresentam, sem as submeter ao cadinho do exame; mas em breve se perde em hipóteses; a superstição, misto de filosofia e de teologia, acha-se em Platão e em vários escritores cristãos.

Estes erros geram a falsa contemplação da natureza, como em Aristóteles que a acanhou para a fazer entrar no seu plano, e a falsa demonstração por falta de experiência. A inteligência humana tem quase sempre dormitado, à exceção de três épocas: a época dos gregos, a época dos romanos e a época moderna. O que prejudica aqueles que se aplicam à filosofia, é ocuparem-se de muitos cuidados, e serem dirigidos por seu interesse pessoal: ou eles são servis para com a autoridade, ou são prontos em se fatigarem e em se julgarem chegados ao termo, quando apenas acabam de entrar na carreira.

Mas aquele que quer avançar na ciência deve surpreender a natureza no fato, explicar e combinar os fenômenos {instantioe naturoe), depois coordená-los em classes {comparationis instantiarum), para se elevar, afinal, à inteligência real da natureza por meio da indução. Bacon expõe aqui as diferentes regras da indução, forma de raciocínio que êle quer substituir ao silogismo, mas que, na realidade, tinha sido já empregada por Kepler, por Galileu, por Copérnico, e proclamada por Tycho-Brahe e Leonardo da Vinci.

Como se com isso adquirisse as ciências, Bacon empreende coordená-las, e dar Descrição do globo intelectual. Êle refere as produções do espírito humano e três faculdades: a memória, a imaginação e o raciocínio. À primeira corresponde a história, à segunda a poesia e à última a ciência propriamente dita. A história considera os seres e os feitos individuais; a poesia cria formas imaginárias do que a memória fornece; a ciência generaliza e explica os fatos. A história é um guia; a poesia, um sonho; e a ciência, um despertar.

A história divide-se em natural, civil ou humana. A primeira subdivide-se em três ramos, segundo a natureza segue seu livre curso (os fenômenos regulares); segundo se desvia dele (os monstros); ou segundo é subjugada pelo homem (as artes).

A história propriamente dita é o quadro das obras de Deus, dos homens, na natureza. Distingue-se em conseqüência a história sagrada, profética, eclesiástica, a história antiga e a moderna, as efemérides, os anais, as antiguidades, a história geral e a história literária. Esta última não foi feita ainda, e contudo, sem ela o espírito humano assemelha-se a Polifemo, privado de um olho.

A poesia é ou narrativa, ou dramática, ou parabólica, isto é, oferece uma facção de que se quer fazer sair uma verdade.

O homem faz nascer certas ciências no mundo; outras vêm do céu pela narração. A ciência humana ou a filosofia abrange tantas ciências particulares quanto

há de objetos. Segue-se que para as reduzir à unidade, é preciso uma ciência geral que estabeleça axiomas comuns a todas as ciências particulares.

As ciências particulares dividem-se em ciência de Deus, em ciência da natureza, e em ciência do homem. A primeira diz respeito à teologia natural, à astrologia, à bruxaria; a segunda é especulativa (a física e a metafísica) e operativa (a mecânica e a magia); e após elas seguem como suplemento as matemáticas, ciências instrumentais. A ciência relativa ao homem respeita ou à natureza, ou à sociedade civil. A ciência social divide-se em três ramos, segundo os bens que a sociedade deve procurar, a saber: o socorro contra o isolamento, a assistência nos negócios, a defesa contra as injúrias (as leis, a economia política, o comércio). Sendo o homem composto de uma alma e de um corpo, a ciência que lhe é concernente divide-se em tantos ramos quantos são os bens corpóreos que existem: a medicina corresponde à saúde, a estética à beleza, a ginástica à força, a música e a pintura ao prazer.

A ciência da alma trata ou da sua substância, ou de suas faculdades, quer lógicas, quer morais, e da maneira de as utilizar. A lógica é ou inventiva para procurar a verdade, ou traditiva para a ensinar (a gramática, a retórica, a pedagogia). A moral especulativa estuda os caracteres; a moral prática cultiva as afeições.

Tal é a famosa árvore das ciências humanas, formada por Bacon (1); tais são os serviços de que a ciência lhe é devedora. Nós já vimos na Idade Média diversas tentativas mais ou menos infelizes que tinham por fim dispor a enciclopédia humana; mas esta mesma, longe de ser completa, demonstra quanto a doutrina do conhecimento humano estava ainda na infância. É só da razão que as ciências são geradas; a memória é a sua depositária; a imaginação não faz senão oferecer os materiais, e revesti-los com elegância. Não se acha aí portanto nem a filiação lógica das ciências, nem a sua história; e as faculdades daqueles que deviam inventá-las são substituídas aos caracteres objetivos que constituem as ciências e a derivação lógica de seus objetos.

(1) Querem que êle a deva ao francês Jacques de Chavigny.

Mais inclinado a reconhecer as semelhanças da natureza do que a lhe assinalar as diferenças, como acontece com os homens de uma imaginação viva e de um caráter ardente, a Bacon custava-lhe conter-se em raciocínios rigorosos; êle caía no abuso das metáforas, e não faltava em as empregar em lugar de argumentos, por mais caprichosas e importunas que fossem. Daí os títulos e as distinções extravagantes de seus livros, e o latim bárbaro, mas contudo ambicioso, em que êle os escreveu, o que tem sido tomado muitas vezes por força. Além disso, repete as coisas mui freqüentemente, e há certeza de encontrar várias vezes os pensamentos brilhantes, as comparações estudadas de que êle faz ostentação.

Seu primeiro teorema: O homem, ministro e intérprete da natureza, não alarga seus conhecimentos e sua ação senão à medida que descobre a ordem natural das coisas ou pela reflexão, ou pela observação; além disso, não sabe e não pode nada; esse teorema, dizemos nós, promete um homem de uma imaginação plácida, disposto a registrar os fenômenos da natureza; mas que não quer fazer esforço algum para penetrar seus segredos. No entanto, posto que o seu método indutivo devesse restringi-lo a esses limites, suas esperanças não chegavarJ a nada menos do que a descobrir as causas latentes, a. marcha fugitiva com cujo auxílio os corpos passam de uma forma à outra; e isto, por meio da aplicação rigorosa] de proposições exclusivas e afirmativas.

Nada mais era preciso para lhe demonstrar que o\ seu Organum não era um instrumento geral; êle mesmo ainda mais, o excluía das doutrinas morais e políticas fundadas sobre as opiniões dos homens. Mais cuidadoso em ordenar o espírito humano do que em exemplificar as coisas, êle não conheceu que lhe escapava uma série inteira de fatos, e concentrou-se no sensualismo, que avultou depois corrompendo a filosofia. Efetivamente, se a indução é em vantagem das ciências físicas, fundadas unicamente sobre a experiência, ela falha onde aparecem verdades necessárias, absolutas, anteriores à experiência. Acrescente-se que a indução não se sustenta senão enquanto cada efeito procede de uma causa. Ora, qual é a experiência que oferece a idéia da causalidade necessária? Se esta porém falta, não mais teremos senão hipóteses particulares.

Bacon declara-se inimigo das causas finais, estéreis como as virgens consagradas ao Senhor. Mas não nos poderíamos persuadir de que êle tenha sido por isso hostil por sistema à filosofia da revelação; porque ela é também uma ciência experimental, posto que de uma natureza superior e espiritual. Se a sua doutrina foi depois empregada em negar no homem e na sua consciência aquilo que ultrapassa a natureza, cumpre atribuí-lo a Locke e a seus sectários. Se se pretendeu deduzir da experiência mesmo as coisas que jamais foram contidas no mundo sensível, a culpa é dos discípulos deste filósofo. Bacon mostra sempre piedade; êle escreveu meditações religiosas, e lia devotamente as umas orações; Hume e d’Alembert lhe exprobram mesmo de ter deixado a religião enfraquecer o vigor de seu engenho.

Cumpre todavia confessar forçosamente ou que ele uno deduziu as conseqüências de todos os seu princi pios, ou que êle respeitou as crenças do seu tempo com Um escrúpulo que parece hipocrisia oficial. Ele não locou na política senão no sentido histórico, sem lhe procurar princípios razoáveis, sem se soltar das intri Uns do seu tempo e de suas vis ambições. Não conheceu n importância da metafísica, que contudo é a primeira das ciências; ficou portanto muito longe de abranger Hcgundo o seu preceito, o círculo inteiro da sabedoria In imana. Acaso a experiência não tinha continuado mesmo durante a Idade Média? No seu tempo mesmo Hão era ela empregada por Copérnico, por Kepler, por Galileu, que dela tirou tão importantes descobertas, ao passo que a Bacon não forneceu nenhuma?

A mesma indução, esse fundamento da filosofia baconiana, não é antes um método natural do que uma arte? Ela foi posta em uso por todos os filósofos pos teriores, mas de uma maneira diferente da sua, sem as aproximações dos fatos, sem as categorias de fenôme nos, sem as classificações que êle tinha proposto: êle ensinou quando muito os limites necessários em quê convinha restringi-la. Mas é isso porventura criar um método? Não era essa a conseqüência natural do aumento dos fatos e dos fenômenos submetidos aos observadores, do espírito positivo e inimigo dos sistemas que se tinha introduzido nas ciências?

Precisamente no seu tempo tinha-se esgotado a erudição, e todas as vistas se haviam volvido para a natureza. Ora, tendo Bacon proclamado a necessidade de a patentear por meio da experiência, parece que as descobertas que se seguiram foram devidas ao mérito do seu método, enquanto que êle fala, pelo contrário, com desprezo das ciências que medram, e diz que o tempo está carregado, porque fecha os olhos com uma obstinação imperturbável.

Não obstante ser muito citado, êle era contudo pouco lido; e até 1730 não se tinha feito de suas obras senão uma única edição na Inglaterra. O efeito que êle produziu foi portanto fraco, enquanto que a escola experimental italiana abriu o caminho para insignes descobertas. Bacon é considerado inferior a Galileu por Hume, seu compatriota. Somente quando no dé-cimo-oitavo século se começou a fazer uma guerra de morte à Idade Média, Bacon foi elevado às nuvens, como o homem que tinha sabido apartar-se dela; e, por isso que não devia encontrar em seus predecessores senão ignorância e credulidade, foi preciso atribuir-lhe o mérito de ter inventado de um só jato a filosofia experimental, único que se quis aceitar para a fundar definitivamente sobre a sensação. Então prodigalizaram-lhe incenso à porfia; Condillac chegou a proclamá-lo criador da verdadeira metafísica, êle que jamais se ocupou dela senão incidentalmente. Quando depois a Enciclopédia francesa foi enxertada na sua árvore científica, pareceu que êle estava constituído representante do saber moderno, de que apenas tinha sido um dos promotores.

Porém. Descartes e Gassendi, de quem nos reservamos a falar no século seguinte para os não separar daqueles que os desenvolveram ou os combateram, tiveram bem diversa influência sobre o progresso da ciência, assim como sobre o renascimento da filosofia.


Fonte: Edameris, 1965. Traduzido por Sáverio Fittipaldi.

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