Ilíada de Homero – Canto XIII

Ílíada de Homero
Resumo e apresentação da Ilíada
Prefácio a Ilíada de Homero
Canto I
Canto II
Canto III
Canto IV
Canto V
Canto VI
Canto VII
Canto VIII
Canto IX
Canto X
Canto XI
Canto XII
Canto III
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XXIV

Ilíada – LIVRO 13
Versão brasileira de Manoel Odorico Mendes


ARGUMENTO DO LIVRO
X I I I

Grande mortandade
feita pelos Troianos entre os Gregos. — Neptuno

comovido por este
triste espectáculo vem em socorro dos navios Gregos.

— O deus do mar desperta
a coragem dos dois Ajax e dos outros

combatentes. — Heitor
por sua vez encoraja as suas falanges. —

Teucro imola o Troiano
ímbrio. — Peitos dos dois Ajax, que ferem

a Heitor e o repelem
para longe. — Neptuno irritado pela morte de

Anfímaco prepara
aos Troianos novas calamidades. — O deus excita

Idomeneu ao combate.
— Idomeneu vai buscar em sua tenda Merion,

seu fiel escudeiro,
e com ele se dirige para a esquerda do exército. —

Terrível peleja entre
os Gregos e os Troianos. — Júpiter favorece aos

Troianos, e Neptuno
protege os Gregos. Idomeneu fax prodígios de

valor. — Pende a
vitória para o lado dos Gregos. — Heitor fica em

seu posto inabalável.
— Os dois Ajax avançam com seu exército ao

encontro do herói
Troiano. — A conselho de Polidarnas, Heitor reúne

todos os guerreiros,
e dirige a Paris amargas censuras. — Paris

defende-se das acusações.
— Os dois irmãos lançam-se à peleja e pre-

tendem levar a perturbação
ao centro dos Gregos. — Ajax, certo por

um feliz presságio,
recomeça o combate. — Horríveis clamores que se

elevam de todas as
partes

Jove, Heitor já na
praia, deixa aos Teucros

A angústia e o peso;
aos Traces cavaleiros

Fúlgidos olhos volve,
aos Hipomolgos

Glatófagos longevos,
aos rompentes

Mísios, Ábios justíssimos
dos homens;

Nem pensou que imortal
algum viesse

Favorecer a Gregos
ou Troianos.

Em não cega atalaia,
do alto cume

Da Samotíácia umbrosa,
contemplando

A guerra o Enosigeu,
todo o Ida avista,

A Priâmea cidade
e as naus atenta:

Ali do mar saíra,
e dos vencidos

Graios com dó, se
inflama contra Jove.

Desse alcantil baixando,
o monte e a selva

Sob os seus pés retremem;
dá três passos,

E ao quarto Eges
alcança, em cujos mares

Tem fundo áureo palácio
indestrutível.

Entra, junge os erípedes
fogosos

De crinas de ouro,
de ouro o corpo arnesa,

De ouro o chicote
apunha artificioso,

E monta ao coche,
pelas ondas voa:

Conhecendo a seu
rei, surdindo exultam

Cetáceos mil; a vaga
alegre amaina;

A rapidez é tal que,
sem molhar-se

O eixo de bronze,
à frota em breve chegam.

Entre Imbro áspera
e Ténedos, Neptuno

Em ampla equórea
gruta os brutos larga,

Para de ambrósio
pasto alimentá-los,

E em peias insolúveis
e inquebráveis

Áureas os prende,
a fim que esperem quedos

Que do exército Aqueu
seu dono torne.

Como incêndio ou
procela, em sanha e urrando

A Heitor seguem os
Troas, na esperança

De em suas naus exterminar
os Gregos.

Mas o que abarca
a terra, do áqueo pego

Estes veio animar;
o vulto a Calças

Toma e a voz indefessa,
e mais abrasa

Os ardentes Ajax:
"Ajax, mantende

O Aquivo alento,
longe o frio medo.

Não temo alhures
o inimigo ousado,

Bem que o muro passasse;
hão-de contê-lo

Nossos heróis: de
cá receio a fúria

De Heitor, que marcha
como horrível chama

E de filho de Júpiter
bíasona.

Um deus vos dê firmeza,
e ânimo aos outros

Inspirai; que há
de ser das naus repulso,

Embora o excite o
mesmo Omnipotente."

Aqui toca-os Neptuno
com seu ceptro,

E os fortalece e
alesta-lhes os membros,

A mão lhes faz robusta
e o pé ligeiro;

E abalou como açor,
que as asas bate

E se despenha sobre
fraca pomba.

Ajax de Oileu persente
e ao sócio fala:

"Não é Calças
aquele, ó Telamónio,

Mas íncola do Olimpo
que, do vate

Sob o semblante,
propugnar nos manda:

É por detrás diverso
e na pegada:

Fácil no andar se
reconhece um nume.

Por combates meu
peito mais palpita,

Pulsa-me o braço
e o pé." — Responde o amigo:

"Ora espontâneo
a mão da lança ferra,

O ânimo cresce, à
luta os pés me impelem

Só por só com o indómito
Priâmeo."

Enquanto alegres
da peleja tratam,

O deus que os acendera,
anima a outros,

Que extremos ante
as naus do afã respiram;

Dor íntima os trabalha
e os esmorece,

E ao ver que o muro
escala a Teucra gente,

Lágrimas das pestanas
lhes borbulham,

Crêem o exício infalível.
Mas Neptuno

Concita as Graias
hostes; vem primeiro

Aos heróis Teucro
e Antíloco e Deipiro,

Merion e Leuto, Peneleu
e Toas,

E exclamou: "Que
vergonha, ó flor dos jovens !

Em vós eu punha a
salvação da armada:

Cessais de combater,
e eis luz agora

Nosso dia supremo.
Ohl Céus, com pasmo

Vejo incrível milagre,
às naus chegarem

Fugazes Troas como
fracos cervos,

Que errantes na floresta,
são de pardos

Chacais e lobos,
cevo: à força Aquiva

Dantes nem a arrostar
se abalançavam;

Hoje em face das
naus feros pelejam!

Do soberano é culpa,
é dos soldados

Que, a despeito das
ordens, refusando

O assalto repelir,
matar se deixam.

Mas, se obrou mal
no insulto ao grande Aquiles,

Toca-nos ao conflito
nos furtarmos?

Sus, não persistem
no erro as almas nobres:

Bravos dos bravos,
onde o brio vosso?

Desculpo o imbele
que recua e afrouxa;

Mas arde-me no peito
essa moleza.

O pejo e a repreensão
vos falem n’alma:

Cumulais nosso dano;
o risco aumenta;

Ante as naus já corusca
o herói Priâmeo;

Barras quebrou, despedaçou
trincheiras."

Assím Neptuno. Aos
dois Ajax rodeiam

Falanges tais, que
Marte as aplaudira,

E a belígera Palas.
Gente egrégia

A Heitor e os seus
espera, escudo a escudo,

Lança a lança, elmo
a elmo, rosto a rosto;

Flamejam confundidas
as cimeiras

E undantes crinas,
tão cerrados eram;

Vibram-se audazes
freixos, vai travar-se

O acérrimo conflito.
— Heitor o enceta,

Com densos batalhões
acre rompendo.

Se, túrgida por chuvas,
a torrente

Arruinador penedo
arranca e rola

De pedregoso vértice,
ele aos tombos

Com ímpeto incessante
o bosque atroa,

Té que em planície
estaca e desfalece:

Tal Heitor, que estender
ao mar o estrago

Ia e destruir tudo,
à vista acalma

De unidos batalhões;
a dardo e espada

Contêm-lhe os Dânaos
o furor pujante.

Rebatido repeda,
e horrendo grita:

"Pugnazes Lícios,
Dárdanos, Troianos,

Constância ! não
é longa a resistência:

De lança espero aos
Gregos esse basto

Quadrado penetrar,
se é que me inspira

De Juno o altíssono
e potente esposo."

Isto os robora. De
rodela alçada,

O Priâmeo Deifobo
ardido avança

Hasta fulgente Merion
certeiro

Vibra, e Deifobo
receando o bote,

No táureo escudo
o apara, e ao pé da choupa

Rebenta o cabo; aos
seus reverte iroso

O Grego herói, por
ter falhado o golpe

E quebrar-se o arremesso;
em busca de outro,

Que deixara na tenda,
além do campo,

Corre; e crescendo
fica o estrondo e a guerra.

Teucro o primeiro
prostra bélico ímbrio,

Geração de Mentor
em corcéis rico:

Habitava em Pedeu,
por mulher tendo

Medesicasta, Priameia
espúria;

Mas, à nova da Grega
instruía armada,

ínclito em armas
veio, e em casa o sogro

O honrava como a
filho: o Telamónio

Júnior de pique sob
a orelha o fere;

Sacado o pique, tomba
como um freixo

Que, vistoso de longe
em pino excelso,

Ao corte aéneo abate
as folhas tenras;

Na queda as armas
soam. Teucro ansioso

Quer despi-las, e
Heitor um dardo esgrime,

Que ele esquiva,
e aos peitos vai de Anfímaco,

Do Neptúnio Cleato
insigne prole,

De fresco vindo;
ao baque o arnês murmura.

O elmo a desenlaçar-lhe
Heitor se apressa;

De lança o impede
Ajax, que não lhe ofende

O corpo horrente
em bronze, mas do escudo

Passa-lhe a copa
e intrépido o repulsa.

Heitor cede os cadáveres:
de Atenas

Os divos chefes Menesteu
e Estíquio

Vão carregando Anfímaco;
impacientes

Os fogosos Ajax de
ímbrio se apossam:

Qual dois leões,
que à densa moita levam

Alta do chão nos
queixos uma cabra,

De cães de fila aos
dentes arrancada,

Sustêm-no os dois
guerreiros e o despojam.

Pela morte de Anfímaco
irritado

O Oilíades o estronca,
e em ar de bola

Joga à turba a cabeça,
que rodando

Aos pés do mesmo
Heitor cai na poeira.

Defunto o neto no
hórrido conflito,

Parte Neptuno irado
ao campo Grego,

A maquinar dos Teucros
a ruína;

Encontra o hasteiro
Idomencu, que, entregue

Aos médicos um sócio,
no jarrete

Pouco há ferido e
em braços carregado,

Vem da tenda saciar-se
na batalha;

O Enosigeu lhe fala,
na figura

De Toas Andremónio,
que imperava

Toda a Pleurona e
a celsa Calidona,

Do povo Etólio como
um deus honrado:

"Príncipe dos
Cretenses, onde os feros

E orgulhosa ameaça
dos Aquivos?"

O conselheiro Idomeneu
responde :

"Toas, nenhum
varão, julgo eu, tem culpa,

Pois todos hoje denodados
fomos :

Não há terror, desânimo
ou frouxeza;

Capricho é do Supremo
que os Aquivos

Longe da comum pátria
inglórios morram.

Toas belaz, os tíbios
sempre exortas;

Ora prossigas, e
um por um despertes."

Mas o que abala a
terra: "Nem de Tróia

Saia mais, sim de
cães ludibrio seja,

Quem neste dia abandonar
o prélio.

Anda; bem que só
dois, já já, tardamos:

Presta dos fracos
mesmo unida a força;

Mas nós com fortes
pelejar sabemos."

Torna à peleja o
deus, e o rei na tenda

Se arma e hastis
dois meneia: qual, vibrado

Pelo Satúrnio do
fulgente Olimpo,

Lampeja o raio com
que assusta os homens;

Tal no peito ao marchar
o arnês brilhava.

Sai-lhe Merion seu
pajem, que ia à tenda

Buscar um pique,
e Idomeneu lhe fala:

"Veloz Merion
Molides, caro amigo,

Por que deixaste
o prélio? Estás ferido

E aflige-te algum
dardo ou vens por núncio?

Languir não quero
aqui, pelejar quero."

E o prudente Merion:
"Se o hás, pedir-tc,

Príncipe dos de Creta
eriarnesados,

Venho um pique: no
escudo o meu quebrou-se

Do cru Deifobo."
— Idomeneu replica:

"Se hastas queres,
não uma, acharás vinte

Sacadas a vencidos:
eu me gabo

De bater-me de perto;
assim, da tenda

Luzem-me nas paredes
piques, dardos,

E copados broquéis,
lorigas, elmos."

Então Merion: "Despojos
tenho muitos

Na tenda e fusca
nau, mas ficam longe.

Também no marte e
acção, que ilustra os homens,

Sempre adiante, não
deslembro a honra:

Talvez o ignore algum,
mas julgo o sabes."

"Sim, continua
o herói, sei quanto vales;

Mas por que mo recordas?
Por escolha,

Se estivéssemos ora
de emboscada

(Onde o medo aparece,
onde a coragem;

Onde o poltrão se
encolhe, e gela e embaça,

E titubam-lhe os
pés e os dentes fremem,

E pressago do mal
dentro em seu peito

Descompassado o coração
lateja;

Onde o forte nem
treme nem descora,

Arde pelo combate
e quedo o espera),

Quem teu vigor tachara
ou tua audácia?

Talvez serás ferido
na refega,

Na nuca e dorso não,
mas na arca e ventre,

E sempre entre os
primeiros. Basta, e cessem

Estas jactâncias,
que estranhar-nos podem;

Da minha tenda uma
hasta rija toma."

Celeríssimo o herói
traz éreo pique,

E segue o rei por
se bater bramindo.

Contra os Efiros
ou briosos Flégias,

Quando Marte homicida
vem da Tácía

Com seu filho o Terror,
válido e ousado,

Que os mais firmes
assusta, inexoráveis

A um dos partidos
a vitória inclinam:

Em bronze coruscante
assim procedem

Os cabos dois, e
Merion começa:

"Deucálíde,
à sinistra investir queres,

Ou queres à direita,
ou pelo centro?

Geral contenda, creio,
avexa os Dânaos."

E Idomeneu: "No
centro há defensores,

Os dois Ajax e o
nosso archeiro

Teucro, inda a pé
galhardo; e, bem que estrénuo

Seja Heitor, formidando
e impetuoso,

Muito árduo lhe será
vencer tais braços

E as naus incendiar,
salvo se às popas

Darde o mesmo Satúrnio
ardente facho:

Não temas que se
dobre o Telamónio

A mortal que de Ceres
coma os frutos,

A bronze violável
e a penedos:

Nem ao rompe-esquadrões
sem-par Aquiles,

Com quem se mede,
excepto na carreira.

Marchemos à sinistra,
a ver em breve

Se a glória será
nossa ou do inimigo."

Disse e o márcio
Merion põe-se a caminho,

De ponto em branco
assoma; o rei seu fogo

Na turba acende,
e junto às naus se travam.

Se em dia seco sibilantes
ventos

Sublevam temporal,
puívérea nuvem

Levanta-se em remoinhos
das estradas:

Assim mescla-se a
lide; anseíam mútuos

Enterrar no contrário
ou dardo ou seta.

Mortais farpas zunindo
as carnes rasgam;

Deslumbra e olhos
comprime o fulgor d’elmos,

De encontrados broquéis,
de corsoletes

Recém-polidos: fora
despiedoso

Quem não se entristecesse
e ali folgasse.

Os de Saturno poderosos
filhos

Discordes aos varões
dor grave urdiam:

Júpiter, que o triunfo
a Heitor prepara,

Não quer o Graio
exício, quer de Tétis

Honrar a prole, o
glorioso Aquiles;

Magoado, a furto
o rei da salsa espuma

Surge a bem dos Grajúgenas
vencidos,

E ira veemente contra
o irmão concebe.

São ambos de um só
sangue, mas primeiro

foi Júpiter nascido
e há mais ciência:

Às claras pois Neptuno
os não socorre,

Mas sob alheia forma
os esporeia.

Os dois corda insolúvel
e infrangível

Da atroz pendência
pelos cabos tiram,

Que os joelhos enlaça
e a muitos prostra.

Grisalho embora,
inflama os companheiros

Idomeneu, que aterra
e dá nos Teucros.

De Cabeso Otrioneu,
da guerra à fama,

De fresco vindo,
a Príamo pedia,

Sem dotá-la, a belíssima
Cassandra,

Prometendo expulsar
de Tróia os Gregos:

Sob a fé regia, a
combater valente

Arrogante marchava,
quando a lança

Reluz de Idomeneu,
que ao ventre o encrava

Pela aénea loriga;
ele baqueia,

E o Cresso ali blasona:
"Se a palavra

Ao de Dardânia, Otrioneu,
cumprires,

Dos mortais rei te
aclamo: a filha sua

Te afiançou; nós
chamaremos de Argos

Ao teu dispor do
Atrida a mais formosa,

A expugnares conosco
Ílion suberba.

Vem às naus assentar
nos desposórios:

Sogros também iliberais
não somos."

Pela perna ei-lo
o puxa; ultriz lhe ocorre

Ásio a pé, cujo tiro
em mãos do auriga

Segue atrás respirando:
ávido busca

Ferir a Idomeneu,
que sob o mento

Lesto lhe embebe
na garganta a choupa:

Qual, para náutico
uso, cai no monte,

Por secure de artífice
amolada,

Robre duro, alto
pinho ou branco choupo;

Tal jaz ante seu
coche, e estruge os dentes,

E de punhos agarra
o pó sangüíneo.

O auriga de terror
nem retrocede

Para escapar: o infatigável
pique

De Antíloco lhe passa
e a coira e o ventre:

Ele em vascas do
assento precioso

Tomba e expira, e
o magnânimo Nestório

Toca os ginetes para
as Gregas filas.

De Ásio em vingança
a Idomeneu Deifobo

Dorido esgrime :
Idomeneu previsto

Sob a rodela táurea
e de éneas orlas,

De aptos manúbrios
dois, se agacha todo;

A hasta por cima
voa, e roça o escudo

Que árido ronca;
não frustâneo o bote

Pesado, por debaixo
do diafragma

Do Hipáside Hipsenor
de povos cabo,

Talha o fígado, os
órgãos lhe descose.

Troa Deifobo sobremodo
ovante:

"Ásio inulto
não morre: às portas mesmas

Do atro Plutão regozijar-se
deve,

Pois lhe dei companheiro
da jornada."

A Antíloco mormente
o gabo aflige;

Que, inda assim,
do consócio não se olvida,

Mas acorrendo sob
o escudo o ampara,

Té que em pranto Alastor e o de Équio filho

Mecisteu morto o
amigo às naus carregam.

Sempre agro Idomeneu,
cobrir deseja

De tenebrosa noite
algum Troiano,

Ou de chofre acabar
salvando os Gregos.

Vai-se a Alcatoo, de Esietes prole,

De Jove aluno, herói
que na ampla Tróia

Para Hipodame Anquises
escolhera,

Primogênita sua e
mui prezada,

Prazer da augusta
mãe, exemplo em casa

De préstimo e prudência
e formosura:

Tendo-o Neptuno a
Idomeneu votado,

Lumes lhe ofusca,
as plantas lhe ata e impede,

Que nem fugir nem
declinar pudesse;

Qual coluna ou folhuda
árvore esbelta

Recebe o golpe, que
éreo arnês lhe frange,

Do gentil corpo seu
defesa outrora;

Muge a coiraça, estrepitoso
tomba;

No coração tremente
é fixa a lança,

E o palpitar extremo
o conto vibra,

Té que o desarma
o truculento Marte.

Sem termo altivo,
Idomeneu troveja :

"Pouco há por
um, Deifobo, te jactavas;

Por três, cuido,
me cabe o gloriar-me.

Chega-te perto, provarás,
demônio,

Como é de Jove a
estirpe: o deus a Minos

Gerou de Creta abrigo;
este, ao famoso

Deucalion; Deucalion
gerou-me,

E à larga impero
nos Minónios reinos.

Vim por teu mal,
de Príamo e seu povo."

Cala, e Deifobo ansioso
cogitava

Se vá pedir auxílio
a heróis Troianos,

Ou se acometa só;
creu mais cordato

A Eneias ir, postado
na ala extrema,

Desgostoso do rei,
que o não tratava

Conforme a seu valor:
"Príncipe Eneias,

Se te move o cadáver
de um cunhado,

Que te criou menino,
a defendê-lo

Vamos; do hasteiro
Idomeneu foi morto."

Comoto e em brasa,
a Idomeneu procura,

Que não como criança
a fuga toma;

É montes javali,
que em ermo sítio

Audaz aguarda a gente
e ouriça as cerdas,

E contra cães e caçadores
pronto,

Os colmilhos aguça,
em fogo os olhos.

Firme o real Cretense
o ataque espera

Do Anquíseo impetuoso,
e olhando em roda,

Chama Ascálafo, Antíloco,
Deipiro,

Afareu, Merion, raios
da guerra,

E presto brada: "Amigos,
socorrei-me;

Temo o expedito herói
na flor dos anos,

De extrema robustez,
belaz, cruento.

Fosse eu, qual sou
no brio, igual na idade,

Que um de nós ganharia
ingente glória."

Todos então num ânimo
o rodeiam,

De escudo no ombro.
Os seus concita Eneias,

Fitando a Paris,
Agenor, Deifobo,

Chefes também; atrás
marchava a tropa,

Qual anda após o
aríete o rebanho,

Do pastor com prazer,
do prado à fonte:

Ao séquito brilhante
o herói jubila.

Ruem por Alcatoo
e enrestam lanças;

Áspero o arnês ressoa
aos fortes peitos,

Buscando-se entre
as alas: mais se estremam

Os dois rivais de
Marte, o Cresso e Eneias,

No afogo de embeber
um no outro o bronze.

Primeiro a Idomeneu
dardeja o Anquíseo;

O rei furta-se e
balda o enorme golpe;

Tremula a cúspide
érea, o chão profunda.

Salvo ele, de Enomau
nos intestinos

Mete pelo vazio a
letal farpa;

No pó resvala o triste
e o solo aferra;

Idomeneu tirou-lhe
o pique longo,

Não a armadura; os
remessões lhe chovem.

Já frouxo, ir pelo
seu nem mais podendo,

Nem lestes evadir-se
a qualquer outro,

Fixo e tenaz peleja
e a morte arreda,

Lento recua. Ao tardo
herói Deifobo

Rancoroso desfecha
hasta fulmínea,

Que se esgarra, e
em Ascálafo, renovo

Do Eniálio, pelo
húmero penetra;

Ele de palmas deu
consigo em terra.

Do filho a queda
ignora o deus violento;

Pois lá no Olimpo,
numa nuvem de ouro,

Jove o retinha, e
aos imortais vedava

Participar do acérrimo
conflito.

Por Ascálafo o prélio
se encruece.

O lúcido elmo rouba-lhe
Deifobo:

Pula o márcio Merion,
no punho o espeta;

Pontudo esse elmo
escapa-lhe estrondando;

Qual abutre Merion
de novo pula,

Saca e recobra o
dardo e aos seus reverte.

Da horríssona tormenta
o irmão Polites

Em braços leva aonde
o coche belo

Atrás o pajem tem;
gemente à casa

Transportam-no, e
do punho escorre o sangue.

A acção prossegue,
em tétrica alarida.

De Afareu Caletóride
arrostante

Lanceia a gola Eneias:
ele inclina

Da outra parte a
cabeça, o escudo e o casco;

Cerca-o morte voraz,
Toon dá costas;

Ao percebê-lo, Antíloco
lhe fende

Veia que a nuca pelo
dorso corre;

Toon supino aos Teucros
tende as palmas:

O Nestório, esguardando-se,
o desarma,

Bem que a tropa lhe
bata o vário escudo;

Mas não lhe ofende
a carne éreo chuveiro,

Que o salva o Enosigeu
de irosos tiros.

Nem larga o posto;
inquieta brande a lança,

Ou de longe ou de
perto a ferir prestes.

Adamas filho de Ásio,
que o pressente,

Prega-lhe a sua do
broquel em cheio.;

O mesmo azul Neptuno
o golpe esfria;

Qual se fosse combusta,
a frágil haste

Meia fica pregada
e meia em terra.

Aos seus vai-se acolher:
veloz, de encontro,

Fisga-o Merion por
entre o embigo e o púbis,

Ferida a mais fatal
que inflige Marte:

Segue do bote o impulso,
a contorcer-se

Bem como o boi laçado
que os vaqueiros

Trazem do monte à
força; estrebuchando

Breve palpita, que
do corpo o Dânao

Saca-lhe a ponta,
em sono o imerge eterno.

Com seu Trácio espadao
talha a Deipiro

Heleno a fonte, e
roto o casco rola

Aos pés dos Gregos,
um dos quais o apanha;

Nos olhos se lhe espalha escura noite.

Magoado assalta Menelau
valente

O heróico Heleno,
que seu arco atesa;

Um de lança, um de
seta, ambos remetem.

Aos peitos voa a
seta, e é repulsada

Pela couraça: qual
na eira hervanços

E negras favas, que
estridentes sopros

Ao ventejar atiram
pelos ares,

A acerba frecha da
armadura salta.

O bravo Atrida à
mão que o arco tinha

Sacode a lança, e
a lança a mão lhe crava

No arco brunido:
à sombra dos seus Teucros

Volta, e na mão pendente
arrasta o freixo,

Que Agenor bom despega,
e a chaga envolve

Na atadura de lã
que havia o pajem.

Direito ao vencedor
marcha Pisandro;

Funesta sorte o leva
a ser domado

Por ti, sublime rei.
Já cara a cara,

Do Atrida a lança
aberra; a de Pisandro

Se lhe fixa ao broquel,
e estrala a ponta

Nas lâminas de bronze.
O Teucro ovante

N’alma se rega; mas
de espada o Grego

Claviargêntea acomete;
sob o escudo

O outro secure primorosa
toma

De oliagíneo cabo
e terso e longo:

Mais se encarniçam.
No cocar eqüino

Bate a secure; corta
a espada a fronte

Sobre o nariz e os ossos lhe espedaça:

Km sangue aos pés derramam-se-lhe
os olhos,

Cumbo cai; Menelau lhe calca os peitos,

Despe as armas ao morto, a gloriar-se:

"Sereis assim repulsos com pujança,

Sequiosos fedífragos Troianos.

Não basta, cães, o agravo e a nódoa
minha;

I )o hospitaleiro Jove altitonante,

Que T r ó i a há-de assolar-vos, sem
receio,

Por mim não provocados, me roubastes

Riquezas e a mulher que esposei virgem,

Por quem, traidores, acolhidos fostes!

Não contentes, às naus quereis pôr
fogo,

M a t a r Gregos heróis! Pois incitados

[nda havemos no marte escarmentar-vos.

Tudo isto vem de ti, que em siso,
dizem,

Vences, padre supremo, homens e deuses;

Pois ora galardoas a aleivosos

Troianos, que só folgam de injustiças,

I >e prélios e ímpia guerra insaciáveis.

Do sono todos e do amor se fartam,

Como de airosa dança e canto ameno,

Mais suaves prazeres que as b a t
a l h a s :

Eles nunca de estragos se aborrecem."

Nisto, o cruento espólio entrega aos
sócios,

Entre os chefes primeiros se mistura.

Sai lhe o filho do régio Pilemenes

Harpelion, que o pai seguira a Tróia,

E à pátria não tornou: do Atrida o
escudo

Fere de hasta, que amolga em éneas
chapas,

Vai recolher-se, em torno olhando
cauto;

Merion de frecha a nádega direita

Lhe alcança, e a frecha por debaixo
do osso

Lhe atravessa a bexiga: em mãos dos
sócios

A alma exalando, pelo pó se torce

Como um verme, e atro sangue a terra
banha.

Curam dele os briosos Paflagónios,

Levam-no em carro
a Íílio; o pai com estes

Ia chorando o filho
não vingado.

Furente Paris, que
hospedava o morto

E a muitos Paflagônios,
seta expede

Ao Coríntio Euquenor
possante e forte,

Que embarcou já ciente
do seu fado:

Polído pai lhe disse,
vate egrégio,

Que de mal grave
em casa morreria,

Ou junto à Graia
frota a mãos Troianas.

Veio, por evitar
castigo e opróbrio,

Do tetro morbo a
dor; mas sob a orelha

Dá-lhe a seta no
queixo, os laxos membros

Desata, e o cerca
de hórrida caligem.

Em fogo arde o conflito;
e Heitor ignora

Que à sestra os seus
perecem, que a vitória

Os Dânaos vão ganhar:
tanto os abrasa,

Tanto os protege
o Enosigeu Neptuno.

Persiste às portas,
que assaltou por entre

Eriadargadas hostes,
e onde em seco

Protesilau e Ajax
as popas tinham;

Lá se abaixava o
muro, e mais renhido

Peões e cavaleiros
combatiam:

Jónios de longas
túnicas, Beócios,

Lócrios, Ftios, Epeus,
das naus propugnam;

Mas rebater o flâmeo
Heitor não podem.

Na ala primeira Menes
teu Petides

A flor de Atenas
rege; a outros Fidas

E Estíquio e Bias
forte; os Epeus claros

Manda o Fílides Meges,
e Ânfio e Drácio;

Medon e o pé-veloz
Meneptolemo,

Os Ftios: é Medon
bastardo filho

De Oileu e irmão
de Ajax, e o da madrasta

Eriópide havendo
assassinado,

Longe da pátria em
Fílace habitava;

Do Filácide Ificlo
o outro é prole.

À frente ambos dos
Ftios belicosos,

As naus entre os
Beócios defendiam.

Os dois Ajax um do outro não se apartam;

Qual negros bois
que, a tosco jugo atados,

Água a brotarem da
raiz dos cornos,

Iguais em ânimo,
a charrua tiram,

E por duro maninho
o sulco rasgam.

Seguia ao Telamónio
ardida gente,

Que lhe agüenta o
pavês, quando o cansaço

E harto suor afraca-lhe
os joelhos.

O Oilíades não tinha
alguma escolta,

Que a pé seus Lócrios
aturavam pouco:

Sem cascos éreos
de cimeira eqüina,

Broquéis redondos
nem fraxíneas lanças,

De arco e lanosa
bem tecida funda

Arrojaram-se a vir,
e a crebros tiros

As Troianas falanges
derrotavam.

Enquanto à frente
opõem-se os lorigados

Aos do Priâmeo herói,
detrás os Lócrios,

Inesperadamente a
granizarem

Hastas pedras e setas,
os conturbam.

A Ílio ventosa, com
matança enorme,

Fora a Troiana força
rechaçada,

Se Polidamas não
clamasse: "Avisos

Contigo, Heitor,
não valem. Porque Jove

Te fez guerreiro,
os outros no conselho

Cuidas vencer? Nem
tudo abraçar podes.

Ele a uns doa bélicas
virtudes,

A tais a dança, a
tais a lira e o canto:

No peito põe de alguns
útil prudência,

Que as cidades mais
guarda e os homens rege,

E quem dela é dotado
o reconhece.

Franco te falarei.
Flagrante guerra

Te coroa em redor;
c os nobres Teucros,

Depois do ataque,
ou têm-se à parte em armas,

Ou poucos sendo,
o número os dispersa.

Retrocedendo, os
próceres convoca:

Deliberemos se investir
nos cumpre

(O céu nos dê vitória)
ou retirar-nos

Em seguro. Que os Dânaos se desforrem

De ontem receio:
a bordo é sempre o homem

Sequioso de batalhas,
e eu duvido

Que ele de pelejar
de todo cesse."

Disto agradou-se
Heitor, que armado apeia

E açode com resposta:
"Aqui retenhas

Os mais galhardos.
Vou-me à esquerda, e volto

Mal a pugna restaure
e as ordens passe."

Logo, a brilhar como
nevoso monte,

Voa aos Teucros bradando
e aos federados.

À sua voz, a vir
se apressam todos

Ao Pantóides virtuoso
conselheiro.

Heitor pela vanguarda
Heleno busca,

Deifobo, Ásio de
Hirtácio e o filho Adamas;

A nenhum acha ileso:
extintos parte

Em Gregas mãos jaziam;
parte em Ílio,

Ou de longe ou de
perto vulnerados.

Da lagrimosa lide
à extrema esquerda,

Encontra o sedutor
da pulcra Argiva,

A animar, a incitar,
e assim o exprobra:

"Mulherengo
falaz, belo e funesto,

Que é de Heleno e
Deifobo, Adamas e Ásio?

De Otrioneu dá-nos
conta. Ah! do fastígio

Tróia desaba, e incólume
respiras."

"Irmão, replicou
Paris, mesmo insonte

Me culpas sempre.
Subtraído às vezes

Me tenho à guerra,
sim; mas não cobarde

Gerou-me nossa mãe;
depois que à frota

Nos mandaste, incessante
arrosto os Gregos.

Os que apontas morreram;
dois somente,

Deifobo e Heleno
rei, na mão feridos

Por hastas longas,
os livrou Satúrnio.

‘Guia-me aonde esse
ânimo te pede:

Prontos estamos;
contentar-te espero

Do meu próprio denodo:
além das forças,

Bem que abunde o
querer, ninguém peleja."

Destarte o abranda; e à rija pugna marcham

Onde Cebrion e o celso
Polidamas,

Orteu, Falces e o
divo Polifetes,

Resistem, mais os
três Hipotiónios

Pálmis e Ascânio e
Móris, que da Ascânia

Glebosa eram de véspera
chegados,

Por Júpiter às armas
compelidos.

Qual, trovejando o
céu, tufão no campo

Rui, e o pego fluctíssono
encapela,

Fervendo uma após
outra a espuma e a vaga;

Tais a seus cabos,
em compactas filas,

Os Teucros vão seguindo
erifulgentes.

H e i t o r à testa,
a M a r t e cru parelho.

De peles tem rodela
e de éneas chapas,

Elmo emplumado às
fontes coruscante;

Sonda as hostes em
roda, e sob escudo

Avança e crê turbá-las.
M a s não curva

O ânimo dos Aqueus,
e a passos largos

Ajax é que o provoca:
"Vem, demônio,

Vem de mais p e r
t o : amedrontar-nos cuidas!

Imbeles não, mas nos
castiga Jove.

As naus arrasar pensas;
por estorvos

Nossos braços t e
r á s : primeiro, saibas,

Extirparemos a orgulhosa
T r ó i a ;

N e m longe está que
ao P a d r e e aos numes rogues

Asas de gavião, com
que os ginetes,

E n t r e nuvens de
pó dispersa a coma,

Levem-te em fuga a
Ílio." — Entanto, uma águia

Altiva à dextra voa;
a Graia gente

O fausto agouro jubilosa
aplaude.

Retorque H e i t o
r : "Bazófio, devaneias?

Do Egífero e de Juno
veneranda

Assim fosse eu nascido,
e igual nas honras

Sempre a Tritónia
e Apoio, como é certo

Que este dia aos Aqueus
será funesto-

Rasgar-te-ei também,
se me arrostares,

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