O Ramaiana (épico sânscrito da Índia)

O Ramaiana (India)

O NASCIMENTO DE RAMA

ERA uma vasta e extensa comarca, alegre, abundante em trigo e rebanhos, junto das margens do Sarayu, chamado, também, Kasala. Havia ali uma cidade, célebre em todo o Universo, fundada por Manu, o chefe do gênero humano. Chamava-se Ayodhya.

Cidade bela e feliz, inexpugnável, provida de portas bem distribuídas, com ruas amplas, grandes, entre as quais destacava-se a Rua Real, onde o rocio da água destruía as volutas do pó.

Numerosos mercadores freqüentavam seus bazares e vários joalheiros adornavam suas vitrinas. Casas enormes cobriam sua superfície, embelezada com pomares e jardins públicos. Fossos profundos e intransponíveis circundavam-na. Seus arsenais armazenavam grande quantidade de armas de toda a espécie. Arcos ornamentais coroavam suas portas, constantemente vigiadas pelos archeiros.

Um rei magnânimo, chamado Daçaratha, que juntava vitória sobre vitória para o império, governava naquela época a cidade, como Amaravati governava a cidade dos imortais.

Aquele príncipe magnânimo, bem instruído na justiça, e para o qual a justiça era o fim supremo, não tinha um filho que prolongasse sua descendência, e seu coração consumia-se de dor. Um dia em que pensava em sua desgraça, ocorreu-lhe esta idéia:

— Quem me impede de celebrar um asvameda (1) para suplicar um filho?

Foi o monarca procurar Vachichta, e depois de oferecer-lhe uma homenagem de cumprimentos, dirigiu-lhe estas respeitosas palavras:

— É necessário celebrar imediatamente um sacrifício na forma pela qual o ordena o Sastra (2), e tão cuidadosamente, que nenhum dos gênios maus, destruidores das cerimônias santas, possa impedi-lo. Exijo de ti esse sacrifício.

— Farei — disse o mais virtuoso dos regenerados — — quanto deseja Tua Majestade.

Vachichta, por sua vez, mandou chamar Sumantra, o ministro, e disse-lhe:

— Convida os reis da terra e os fiéis à justiça.

Depois de transcorridos alguns dias e algumas noites, chegaram em grande número os reis chamados por Daçaratha, e aos quais êle enviara um presente régio. Então, Vachichta, com a alma cheia de satisfação, expressou-se assim ante o monarca:

— Vieram, ó rei ilustre entre os ilustres, todos os reis, conforme teu desejo. Recebi-os e honrei-os, a todos, dignamente.

O rei, encantado com aquelas palavras, falou:

— Que hoje mesmo seja celebrado o sacrifício, integralmente, em todas as suas partes e com todos os oferecimentos.

A seguir, os sacerdotes, mestres consumados na ciência de interpretar as Santas Escrituras, deram princípio à primeira das cerimônias, a ascensão do fogo, segundo os ritos do sutra do Kalpa (3). As regras da expiação também foram escrupulosamente observadas, e fizeram-se as libações exigidas pelas circunstancias.

Kaosalya descreveu um pradaksina (4) em torno do cavalo sacrificado, adorou-o com unção, derramou sobre ele perfumes e grinaldas de flores. Depois, a casta esposa, em companhia do advaryu (5), tocou a vítima, e passou a noite junto dela, para obter o filho que era objeto de seus desejos.

Imediatamente, o rituidje (6), depois de degolar a vi-tírna e tirar-lhe o tutano dos ossos, conforme mandavam as regras sagradas, esparziu-o e derramou-o sobre o fogo, convidando para o sacrifício cada um dos imortais, com a fórmula habitual das orações. Então, movido pelo desejo ardente de obter progenie, o rei Daçaratha, unido nesse ato com sua fiel esposa, aspirou o fumo dos tutanos queimados, que o braseiro consumia sobre o altar. Os oficiantes cortaram em pedaços, além disso, os membros do cavalo, e ofereceram no mesmo fogo, aos habitantes do céu, a parte que o ritual lhes confere.

Eis que, imediatamente, apareceu aos olhos de todos, saindo do fogo sagrado, um grande ser, de refulgente esplendor, parecido ao braseiro. A tez morena, envolvido numa pele negra que lhe servia de trajo, a barba verde, os cabelos presos à djata (7), o ângulo dos olhos bem oblíquo, e os próprios olhos vermelhos como o lótus. Sua voz era como o soar de um tambor e como o ruído de uma nuvem majetosa. Possuindo todos os atributos da felicidade, ornada com enfeites celestes, alto como o pico de uma montanha, tinha olhos e peito de leão. Apertava entre os braços, assim como se aperta uma esposa querida, um vaso fechado, de ouro puro, que parecia algo maravilhoso, cheio de licor celestial.

 

 

A emanação resplandecente do dono soberano das criaturas (8), disse ao filho de Ikachvaku:

— Grande rei, dou-te este vaso da felicidade, que é o objeto caro de teu piedoso sacrifício! Toma-o, pois, homem eminente entre os eminentes, e faze com que tuas castas esposas bebam este líquido que os deuses prepararam. Que saboreiem éste néctar, augusto monarca, pois ele produz saúde, riqueza e filhos, para as mulheres que o bebem.

Depois de ter entregue a bebida ao monarca, a maravilhosa aparição desvaneceu-se no ar, e Daçaratha entrou em seu gineceu, e disse a Kaosalya:

— Rainha, saboreia esta bebida geradora, cuja eficácia deve produzir efeito sobre ti mesma.

Tendo assim falado com sua esposa, que distribuiu a ambrosia em quatro partes iguais, serviu duas partes a Kao-salya, e deu a Kckeyi a metade da outra metade. Repartiu depois em duas a quarta porção, e fêz com que Sumitra bebesse a metade. Refletiu um instante, e tornou a dar a Sumitra a última porção do néctar composto pelos deuses.

Segundo a ordem com que suas mulheres tinham bebido a ambrosia sem par, servida pelo rei no auge da ventura, as princesas conceberam frutos formosos e resplandecentes, semelhantes ao sol e ao fogo sagrado.

Daquelas mulheres nasceram quatro filhos de beleza celeste e esplendor infinito: Rama, Lakchamana, Satruna e Barata.

Kaosalya foi mãe de Rama, o primogênito, e o mais virtuoso e belo dos irmãos, dotado de força hercúlea, e semelhante a Vixenu(9) pelo seu valor.

Sumitra foi mãe de dois varões: Lakchamana e Satruna, inabaláveis em sua abnegação e grandes pela sua força. Entretanto, eram inferiores a Rama, em suas qualidades.

 

Vixenu formara aqueles gêmeos com uma quarta porção do si próprio: um nascera de uma metade, e o outro da outra metade da quarta parte.

O filho de Kekeyi chamou-se Barata: era justo, magnânimo, respeitado por seu vigor e pela sua força, e tinha a energia da verdade.

Desde a infância, Lakchamana manteve apegada e fiel amizade a Rama, amor das criaturas: em troca, aquele, cuja ajuda serviu poderosamente o irmão mais velho, o justo, virtuoso, vitorioso Lakchamana, fez-se mais caro do que a própria vida a Rama, destruidor invencível de seus inimigos.

Lakchamana amava seu irmão Rama tal como Satruna amava Barata. Este era mais caro àquele, e aquele, ao outro, do que o hálito que lhes mantinha a vida.

Alegria de seu pai, objeto dos olhares de toda a gente, como exemplo entre seus irmãos, Rama era imensamente querido por todos, dadas as suas qualidades naturais. Como soubesse conciliar suas virtudes com o amor dos mortais, deu-se-lhe o nome de Rama, que quer dizer homem que agrada, ou homem que se faz amar.

PRIMEIRA EMPRESA HERÓICA DE RAMA

Um grande santo, chamado Vichivamitra, chegou à cidade de Ayodhya, levado pela necessidade de ver o soberano.

Os Râkchasas(lO), apoiados em sua força, em sua coragem, em seu conhecimento de magia, interrompiam incessantemente o sacrifício daquele homem prudente e abnegado no amor de seus deveres. Por isso, o anacoreta, que não podia, sem obstáculos, finalizar suas cerimônias, desejava ver o monarca a fim de pedir-lhe proteção contra os perturbadores de seus piedosos sacrifícios.

 

— Príncipe, — disse-lhe ele, — se amas a glória e aspiras sustentar a justiça, ou se tens fé nas minhas palavras, prova-mo, cedendo-me um único homem: teu filho Rama. Na décima noite presenciará êle o meu sacrifício, no qual serão vencidos os râkchasas por uma façanha de teu filho.

Daçaratha beijou amorosamente seu filho e entregou-o ao santo ermitão, em companhia de seu fiel companheiro Lakchamana,

Quando estava a meia yodjana (11) da margem meridional do Sarayu, disse docemente Vichivamitra:

— Rama, é conveniente que atires água sobre ti mesmo, conforme nossos ritos. Vou ensinar-te nossas saudações, para não perdermos tempo. Primeiro, recebe estas duas ciências maravilhosas, a POTÊNCIA e a ULTRAPOTÊNCIA. Elas impedirão que a fadiga, a velhice, ou outro mal qualquer jamais invadam teus membros.

Pronunciadas estas palavras, Vichivamitra, o homem das mortificações, iniciou Rama nas duas ciências, já purificado pelas águas do rio, de pé, a cabeça inclinada, as duas mãos juntas.

Então, o guerreiro, cuja força jamais o traíra, e que conhecia a importância do lugar, do tempo e de todos os meios de luta, disse, com grande oportunidade, a Vichivamitra:

— Anacoreta, desejo que me digas em que momento devo destruir os demônios noturnos que põem obstáculos aos teus sacrifícios.

Cheios de alegria diante dessas palavras de Rama, Vichivamitra e os outros solitários elogiaram-lhe a conduta, e disseram-lhe:

— A partir deste dia é necessário, Rama, que durante seis noites tu veles constantemente, pois uma vez as cerimônias preliminares do sacrifício iniciadas, é proibido ao solitário romper o silêncio.

Rama, tendo ouvido aquelas palavras dos cenobitas de alma contemplativa, esteve seis noites de pé, velando com Lakchamana o sacrifício do anacoreta, com o arco na mão, sem dormir nem fazer movimento, tal como se fosse um tronco de árvore, impaciente por ver os râkchasas abaterem seu vôo sobre o eremitério.

Quando o curso do tempo trouxe o sexto dia, os fiéis observadores de seus votos, os magnânimos anacoretas, firmaram o altar pela base. O sacrifício, rociado com manteiga clarificada, tinha terminado, entre hinos, conforme os ritos: a chama ardia no altar, onde rezava o contemplativo de alma atenta, quando de pronto ouviu-se imenso ruído, como sombria nuvem no seio dos céus, em tempo de chuvas. E eis que se precipitam sobre o eremitério, Maricha, Subau, e os servidores dos râkchasas, usando todo o poder de sua magia.

Rama viu-os imediatamente, com seus olhos belos como

O lótus, e, apanhando em seu carcaz a flecha chamada Dardo do Homem, sem se deixar dominar pela cólera, lançou-a contra o peito de Maricha.

Conduzido até a beira do Oceano pela impetuosidade da flecha, Maricha nele caiu como uma montanha, com os membros agitados por tremor de espanto.

Depois, o valoroso descendente de Ragu (12) tirou de seu carcaz o dardo chamado Flecha do Fogo, e lançou-o ao peito de Subau, que caiu por terra, morto.

E, retirando a Flecha do Vento, ao mesmo tempo que enchia de alegria os solitários, o ilustre descendente de Ragu imolou todos os outros demônios.

Cumprida sua missão, Rama e Lakchamana passaram ainda ali a noite, honrados pelos anacoretas de alma alegre. No momento em que as primeiras luzes da aurora iluminaram o dia, os dois heróis, sobrinhos de Ragu, foram prostrar-se ante Vichivamitra, a quem disseram:

— Estes dois guerreiros que diante de ti se prosternam, ó eninente entre os anacoretas eminentes, são teus servidores: ordena! Que queres que façamos, ainda?

 

O CASAMENTO DE RAMA

Vichivamitra respondeu:

— Djanaka, o rei de Mitila, vai celebrar, dentro em pouco, um sacrifício muito santo, e é certo que nós iremos ter com êle. Tu mesmo virás conosco: és digno de ver ali o arco famoso, maravilha e pérola dos arcos. Em outro tempo, Indra e os deuses deram em depósito ao rei de Mitila aquele arco gigantesco, ao terminar a guerra com os demônios (13). Nem os deuses, nem os gandharvas, nem os yakchas, nem os nagas(14), nem os râkchasas são capazes de armar aquele arco: com menos motivos, nós, homens, poderíamos fazê-lo!

E Rama se pôs a caminho, em companhia daqueles santos à testa dos quais marchava Vichivamitra. Quando já adiantados iam pela estrada, nas margens do Sona, no momento em que o sol desaparecia no horizonte, detiveram-se para acampar diante de suas margens.

Dormiram o resto da noite à beira do Sona. Quando a aurora começou a dissipar as trevas, Vichivamitra, dirigindo-se ao jovem Rama, disse-lhe:

— Levanta-te, filho de Kaosalya, pois a noite já se dissipa!

Depois de longo caminho, o dia fêz-se completamente, e apareceu aos eminentes richis (14A) o rei dos rios, o Ganges. Ante suas límpidas águas, sulcadas por cisnes e por todo o gênero de aves aquáticas, os anacoretas e o descendente de Ragu sentiram-se muito alegres.

 

Acamparam com suas famílias na margem do rio e banharam-se em suas águas. Saciaram os deuses com oferendas, bem como os manes dos antepassados, queimaram no fogo manteiga clarificada, comeram, como ambrosia, o resto das oblações, e saborearam, com a alma cheia de inefável gozo, o prazer de habitar a margem pura do santo rio.

Quando Djanaka soube que o santo ermitão Vichivamitra havia chegado ao seu reino, escolheu oito partes de que se compõe o argya e, dando preferência no cortejo a Sata-nanda, seu puroíta, e acompanhado pelos demais sacerdotes de seu piedoso oratório, acudiu precipitadamente para cumprimentar Vichivamitra, oferecendo-lhe a cesta santificada das rogativas.

O rei Djanaka, juntando, então, as mãos, disse a Vichivamitra:

— É para mim uma felicidade, um favor do céu, grande anacoreta, que tenhas vindo acompanhado pelo nobre ra-güita, para assistir ao meu sacrifício. Só a tua presença já me confere grande mérito.

E quando a aurora acendeu-se com sua luz mais pura, o monarca foi em busca do magnânimo Vichivamitra e do valoroso filho de Ragu, e disse:

— Sede bem-vindos! Que queres que faça por ti, grande asceta? Digne-se tua santidade dar-me ordens, pois sou leu servo!

Vichivamitra respondeu nestes termos às palavras do magnânimo soberano:

— Os filhos do rei Daçaratha, dois ilustres guerreiros do mundo, desejam ardentemente ver o arco divino que guardas com religioso respeito em tua casa. Mostra aquela maravilha a estes jovens, filhos de rei, e quando tenhas satisfeito seu desejo, mostrando-lhes o arco, farão por ti o que tua vontade determinar.

O rei Djanaka, juntando as mãos, respondeu assim àquelas palavras:

— Ouvi primeiro a verdade acerca daquele arco, e a razão pela qual foi depositado em minha casa. O arco foi confiado a um príncipe chamado Devaratha, o sexto da minha estirpe, depois de Nimi. Outrora, durante a matança que ensangüentou o sacrifício do velho Dakcha, com este arco invencível Sankara (15) mutilou todos os deuses, fazendo-lhes, ao tempo, esta merecida censura:

— "Deuses! Sabei que se derribei com este arco os vossos membros, foi porque recusastes a parte devida do sacrifício!"

Tremendo de espanto, os deuses inclinaram-se com respeito diante do invencível Rudra (16) e prometeram a si próprios recuperar a benevolência dele. Siva, satisfeito, en-fim, com eles, devolveu sorrindo àqueles deuses de imensa Força, os membros derribados pelo seu arco magnânimo.

Este é, santo anacoreta, o arco celeste do sublime Deus dos Deuses, que se conserva no seio de nossa família, no meio das mais religiosas honras.

Eu tenho uma filha, bela como as deusas e dotada de todas as virtudes. Não foi engendrada em entranhas de mulher, mas nasceu de um sulco que um dia abri na terra. chama-se Sita, e guardo-a como digna recompensa para a fôrça; Vários reis vieram pedir-ma em casamento, e a eles eu respondi:

— Sua mão será o prêmio do maior vigor.

A ule isso, desejando todos os pretendentes de minha filha fazer uma demonstração de sua força, vieram à minha cidade. Mostrei o arco a todos eles, com o desejo de conhecer-lhes o vigor, mas — Brama venerado — nenhum pôde, sequer, levantar aquela arma. Agora vou mostrar ao valoroso Rama e a seu irmão Lakchamana, o arco celeste, no limbo de sua luz resplandecente, e se por acaso Rama chegar a levantá-lo, comprometo-me a dar-lhe a mão de Sita, com o fim de que a corte do Rei Daçaratha se embeleze com uma nora que nao foi concebida em ventre de mulher."

E, dizendo aquilo, o rei, que parecia um deus, dirigiu-se os ministros nos seguintes termos:

— Que tragam aqui o arco divino, para que o filho de aosalya o veja!

Imediatamente, os conselheiros entraram na cidade e fizeram, com que vários servos conduzissem o arco. Oitocentos homens de estatura elevada, de grande vigor físico, levaram com esforço o pesado estojo, arrastado sobre oito rodas.

Rama aproximou-se logo do estojo, dentro do qual estava encerrado o arco, e levantou-o com uma só mão, como se fosse um brinquedo. Rindo, passou-lhe a corda, diante de todos os concorrentes que se tinham posto em torno dele. Depois de ter colocado a corda, brandiu o arco com mão robusta, mas a tensão do esforço heróico foi tal que êlc ie rompeu pelo meio. E, ao quebrar-se, a arma produziu ruído fragoroso, imenso, como o de uma montanha que se enterrasse pela terra adentro, ou como o de um trovão lançado por [ndra em pessoa, sobre a fronde de uma árvore.

Aturdidos com o ruído, os homens tombaram por terra, exceto Vichivamitra, o rei Mitila e os dois filhos de Ragu. Quando as pessoas, cheias de pânico, voltaram a si, o monarca, tomado de admiração, juntando as mãos, dirigiu-se a Vichivamitra nos seguintes termos:

— Bem-aventurado solitário, muito ouvira eu falar de Rama, o filho do Rei Daçaratha, mas o que êle acaba de fazer é mais prodigioso, maior do que tudo quanto se possa imaginar! Sita, minha filha, ao dar sua mão a Rama, o daçarita, honrará a família dos djanakidas, e eu cumpro a minha promessa ao honrar, com esse matrimônio, a força heróica de Rama! Casarei, pois, Rama com minha filha Sita, que me é tão cara quanto minha própria vida!

Foram enviados mensageiros ao rei de Ayodhya. Le-viram-lhe a agradável notícia, num discurso concebido nestes termos:

"Poderoso monarca: o rei de Videa, Djanaka, pergunta-te, a ti, seu amigo, se a prosperidade é contigo e se tua saúde é perfeita! E, depois, anuncia-te por nossa boca esta nova: "Sabes que tenho uma filha que foi designada como recom-pensa, como prêmio, à maior força: sabes que sua mão foi pedida muitas vezes por soberanos, mas nenhum tinha força bastante para ganhá-la. Pois bem, poderoso monarca, teu filho acaba de conquistar minha nobre filha, tendo vindo à minha cidade pelos conselhos de Vichivamitra. Com efeito, o magnânimo Rama dobrou o famoso arco de Siva, e, demonstrando sua força ante uma grande assembléia, rompeu-o pelo meio. É preciso que eu outorgue a mão de Sita, nobre prê-mio da força, a teu filho. Quero cumprir minha palavra: digna-te aceder aos meus desejos! Digna-te, também, augusto e santo rei, vir, sem demora, a Mitila!"

Ouvindo o discurso dos mensageiros, o rei Daçaratha disse a Vachichta e aos demais sacerdotes:

— Brama venerado: se a aliança com o rei Djanaka obtém primeiro a tua sanção, o teu beneplácito, vamos depressa para Mitila!

— Bem — responderam, deleitados, os brâmanes, e Vachichta, seu chefe: — que a felicidade digne-se descer sobre ti! Iremos a Mitila!

Mal recebeu a ordem, o exército empreendeu imediatamente o caminho, acompanhando o rei, que o precedia a uma distância de quatro corpos, com os richis e os santos. Depois de quatro dias e quatro noites, chegava à terra dos videanos.

Feliz com a notícia de que seu amado hóspede se achava em seus domínios, o soberano de Videa, acompanhado de Sa-tananda, saiu ao encontro dele, e saudou-o com estas palavras:

— Bem-vindo sejas, grande rei! Que felicidade! Já te encontras em meu palácio! Que felicidade para ti, também, nobre filho de Ragu, pois vais ter o prazer de ver teus dois filhos!

Quando a aurora apareceu, quando as cerimônias da manhã terminaram, Djanaka pronunciou este doce discurso para Satananda, seu sacerdote particular:

— Tenho um irmão mais moço, chamado Kuchadvadja, que, cumprindo ordens minhas, mora em Sankasya, cidade magnífica, que o Ikchikuvati banha com suas águas frescas. Desejo vê-lo. Que mensageiros tratem de ir buscá-lo e que o tragam à minha casa o mai.’ depressa possível!

Obedecendo à ordem de seu irmão, Kuchadvadja pôs-se a caminho, e, depois de se ter inclinado diante de Satananda e de Djanaka, sentou-se, com permissão do sacerdote e do monarca, numa cadeira de grande distinção, digna de um rei. Os dois irmãos, sentados um junto do outro, mandaram chamar Sudamana, o primeiro ministro, e ordenaram-lhe o seguinte:

— Vai depressa, ministro eminente entre os eminentes, até onde se encontra o rei Daçaratha, e acompanha-o aqui, com seu conselho, seus filhos e seu sacerdote particular.

O enviado chegou ao palácio, e disse:

— Rei, soberano de Ayodhya, o monarca videano de Mitila deseja ver-te com urgência, em companhia do sa-cerdote da tua casa e de tua bela família.

Ouvidas essas palavras, o rei Daçaratha, seus parentes e a multidão de richis, transportaram-se para o lugar onde o rei de Mitila esperava seu real hóspede.

— Rei poderoso, — disse o de Mitila, — dou-te por noras minhas duas filhas: Sita a Rama, e Urmila a Lak-chamana. Minha filha Sita, nobre prêmio da força, dou-a a Rama, que a conquistou heroicamente, por sua força e vigor.

Quando terminou de falar, o prudente Vichivamitra, o grande anacoreta, disse-lhe, ao mesmo tempo que falava pelo piedoso Vachichta:

— Vossas famílias são parecidas ambas com o mar imenso: louva-se a estirpe dos Ikchivaku e gaba-se da mesma forma a dos Djanaka. Teu irmão, Kuchadvadja, o heróico monarca, é igual a ti. Sabemos que êle tem duas filhas jovens, de incomparável beleza. Pedimos essas jovens, pois, a ti, que és a justiça em pessoa, para dois príncipes descendentes de Ragu: o justo Barata e o prudente Satruna. Une-os às duas irmãs, se nossa petição te for grata.

O rei Djanaka, juntando as mãos, respondeu nestes termos às palavras de Vichivamitra e Vachichta, os dois eminentes solitários:

— Vossas Reverências nos demonstram que a genealogia de ambas as famílias são iguais: seja feito como desejais! Dou uma das donzelas a Bharata e a outra a Satruna.

Naquele momento propício aos matrimônios, Daçaratha, rodeado por seus quatro filhos, abençoados já com as preces que inauguram um dia de himeneu, ornados com ricos adereços e com esplêndidas vestes, foi buscar, segundo as regras da urbanidade, o soberano de Videa.

O rei dos videanos disse a Rama, valoroso descendente do antigo Ragu, cujos olhos pareciam-se às pétalas dos lótus:

— Aproxima-te do altar! Que minha filha Sita seja tua legítima esposa! Toma sua mão na tua, digno descendente do nobre Ragu! Vem, Lakchamana! Aproxima-te, meu filho, e recebe na tua mão a mão de Urmila, que eu mesmo te apresento, augusto filho do Ragu!

Uma vez tendo dito isso, Djanaka, a justiça em pessoa, convidou o filho de Kekeyi, Barata, a tomar a mão de Mandavi. E o mesmo Djanaka dirigiu estas palavras a Sa-truna, que se achava ao lado de seu pai:

— Apresento-te a mão de Strutakirti: toma sua mão na tua. Vossas esposas são iguais a vós pelo berço, heróis aos uais o dever guia imperiosamente! Cumpri bem os nobres esígnios a que vosso nome vos obriga, e que a prosperidade seja convosco!

Os quatro jovens guerreiros tomaram as mãos das quatro virgens, e o próprio Satananda abençoou o himeneu. A seguir, os quatro casais, um depois do outro, executaram um pradaksina em torno do fogo.

DESTERRO DE RAMA

Rama não desejava que o cetro recaísse em suas mãos, conforme a ordem hereditária da família, e sim achava que alcançar o auge da ciência é preferível à honra de subir ao trono.

O rei Daçaratha não podia afastar aquele pensamento do fundo de sua alma, e que o torturava com insistência:

"É preciso que eu consagre meu filho Rama como participante da coroa e príncipe da juventude".

Essa idéia agitava constantemente o coração do prudente monarca. "Quando verei Rama ungido rei? Quando vir esse filho, glória minha, elevado ao trono por mim mesmo, governando a vasta superfície da terra, irei docemente para o céu, para onde minha idade avançada está me chamando."

Quando os homens prudentes e de bom siso, dados a inquirir o fundo das coisas, guias espirituais, conselheiros de Estado, cidadãos e até os aldeões, souberam quais eram as intenções do monarca, reuniram-se em conselho, e resolveram, unanimemente, dizer ao velho rei Daçaratha:

— Augusto monarca, eis que já estás várias vezes centenário: eis, pois, que és digno de consagrar como herdeiro da coroa teu filho Rama.

O rei, dissimulando sua emoção diante daquele discurso que estava de acordo com seus desejos, respondeu, para melhor conhecer os pensamentos daqueles homens:

— Por que querem Suas Excelências que eu eleve meu filho ao trono, quando ainda posso governar de acordo com os ditames da justiça?

E os cidadãos responderam ao magnânimo:

— Numerosas e ilustres, ó rei, são as qualidades de teu filho. É doce, de costumes honestos, de alma celeste e de seus lábios saem apenas coisas amáveis, e nunca invectivas. Gosta de fazer o bem, é pai e mãe de teus vassalos. Digna-te, ó tu que és um deus entre os homens, a associar teu filho à coroa. Rama é digno de ser rei, senhor do mundo, dono da alma e do amor dos homens, dos quais faz as delícias, por suas virtudes.

O rei Daçaratha mandou chamar imediatamente Sumantra, e disse-lhe:

— Traze, depressa, meu virtuoso Rama!

Depois, ali sentados todos os reis do Ocidente, do Norte, do Oriente, do Sul, dos mlechas, dos javhanas e até dos sakas, habitantes das montanhas lindeiras do mundo, instalaram-se abaixo de seu augusto monarca feudal Daçaratha, tal como os deuses se colocam abaixo de Indra, filho de Vasu.

Sentado em seu palácio, no meio deles, como Indra entre seus maruts (17), o santo monarca viu avançar em seu carro, como se fora o rei dos gandharvas, o valoroso filho — cujo valor já era celebrado em todo o Universo — de compridos braços, alma grande, ar majestoso, como a passagem de um elefante embriagado de amor.

Quando Sumantra ajudou a descer do seu carro magnífico o jovem descendente do antigo Ragu, seguiu-o com as mãos juntas, enquanto o valoroso e denodado herói avançava para junto de seu pai. Juntando as mãos e inclinando o corpo, aproximou-se do monarca, e honrando-se a si mesmo, disse-lhe:

 

— Sou Rama.

E acercou a fronte dos pés de seu pai. Este, porém, vendo seu bem-amado filho assim prosternado, tomou-lhe as mãos, atraiu-o docemente para si, e beijou-o. Depois, o venturoso monarca ofereceu-lhe com um gesto, assento incomparável, deslumbrador, o mais digno de todos, ornado de pedrarias e ouro. Sorrindo, dirigiu-lhe a palavra, expres-sando-se nesta linguagem:

— Rama, tu és meu filho bem-amado, o mais eminente por suas virtudes, e, como eu, filho de uma esposa sem igual e a primeira das minhas esposas. Vencidos por tuas boas qualidades, estes povos a ti se apegaram. Recebe, pois, a consagração de co-participante da minha coroa, no tempo em que a lua vai logo fazer sua conjunção com a constelação de Pusya, que é propícia.

Depois de se inclinar diante do rei seu pai, o ragüida, resplandecente, subiu para seu carro, e, rodeado pela multidão, regressou ao seu palácio.

Os cidadãos partiram, e o monarca, como homem habituado a resoluções enérgicas, tomou uma decisão:

— A constelação Pusya deve aparecer amanhã no horizonte — disse êle — e quero que meu filho Rama, que tem uma menina de olho dourada como a flor do lótus, seja consagrado à legitimidade presuntiva da herança do reino!

Assim falou o poderoso monarca.

A Rua Real de Ayodhya esteve obstruída em todos aqueles dias pela multidão cuja curiosidade tal acontecimento excitara. As danças alegres produziam um ruído semelhante ao do mar quando o vento lhe encrespa as vagas. A nobre cidade regou e varreu suas ruas principais, adornou a Rua Real e embandeirou-se com seus melhores estandartes.

Rama recolheu-se em sua alma pura e entrou com sua esposa, a bela videana, no santuário doméstico, assim como Narayana e Lakchmi (18). Segundo o costume estabelecido, pôs na cabeça uma pátera de manteiga clarificada, e derramou obre o fogo aceso a libação, em honra do deus grande. Depois de ter comido o resto da oblação, depois de pedir aos imortais seu favor e benevolência, o filho do melhor dos reis entregou-se ao silêncio e à meditação a propósito do deus Narayana, e, com santa continência, repousou ao lado da encantadora videana, em uma cama de verbena, cuidado-samente estendida na capela brilhante consagrada a Vixenu.

Nas últimas horas da noite despertou e ouviu as vozes sonoras dos bardos entoando palavras de bom augúrio. Adorou a aurora nascente, murmurando a oração com a alma recolhida, e vestido com trajo de linho imaculado. Quando os habitantes souberam que o nobre filho de Ragu havia celebrado com sua esposa a cerimônia das núpcias de jejum, entregaram-se todos a efusões de felicidade.

Nos templos dos imortais, cujos tetos assemelhavam-se, em conjunto, no fundo, a nuvens brancas; nas encruzilhadas das ruas; nas grandes vias públicas; na fronde das árvores lagradas; nas platibandas dos palácios; nos bazares, onde se acumulam infinitas mercadorias de todos os gêneros; nas suntuosas mansões dos chefes de família; em cima de todas as casas destinadas a albergue de assembléias; nas cúpulas das majestosas árvores, ondulavam, erguidos, os estandartes e as bandeiras polícromas. Por toda a parte viam-se grupos de dançarinos, de comediantes e cantores, cuja voz se modula para prazer e delícia da alma e do ouvido.

Uma criada de Kekeyi, sua parente afastada, que ela trouxera consigo para Ayodhya, subiu naqueles dias ao terraço do palácio, e, passando os olhos pela cidade, con-templou a Rua Real, brilhantemente engalanada, e todas as ruas embandeiradas de estandartes, invadidas pelo povo satisfeito.

Ante o espetáculo da cidade risonha e tomada pela gente em trajos de festa, aproximou-se de uma ama que estava perto dela e perguntou-lhe:

— Qual é a razão do júbilo a que se entrega toda essa gente? Dize-me, que coisa propícia fêz aos cidadãos o poderoso monarca? Por que razão, em encanto supremo, a mãe de Rama dilapida tesouros?

A ama, feliz, contou àquela mulher, que era corcunda, a consagração da coroa, esperada pelo povo.

— O rei fará consagrar amanhã, como herdeiro do trono, seu filho Rama. Por isso o povo está jubiloso, esperando a hora da cerimônia. Por isso estão decoradas as ruas da cidade e por isso é que vês tão feliz a mãe de Rama.

Mal escutou tais palavras, a corcunda, que as achara desagradáveis, possuída pela cólera, deixou imediatamente o terraço. Acabava de conceber um mau pensamento, e com os olhos injetados de furor, Mantara dirigiu-se para os aposentos de Kekeyi, e lhe disse:

— Mulher cegai Sai da cama! Mas ainda dormes! Um perigo espantoso te ameaça! Infeliz, não chegaste a compreender que estás sendo arrastada ao abismo!

Kekeyi, em cujos ouvidos a corcunda vertera com perversa intenção, e em seu furor, palavras tão amargas, perguntou-lhe:

— Que te faz assim encolerizada, Mantara? Conta-me isso que não te sentes capaz de suportar. Estás triste e tens o semblante desfigurado!

Mantara, que era hábil na urdidura de discursos artificiosos, e desejava aumentar a perturbação de sua senhora e separá-la de Rama, cuja perda aquela detestável mulher anelava, respondeu, com olhos vermelhos de cólera e inveja:

— Grave mal te espera, ó minha rainha! O rei Daçaratha dispõe-se a consagrar herdeiro da coroa seu filho Rama. A esposa bem-amada do rei, desse rei de palavras falazes e mentirosas, vai colocar no trono seu filho Rama, e tu, imprevidente criatura, serás sacrificada com teu filho!

Kekeyi, arrebatada de júbilo ao ouvir as palavras da corcunda, arrancou de seu adereço uma jóia deslumbrante e ofereceu-a de presente a Mantara. Depois de ter entregado à pérfida serva a jóia magnífica, como testemunho do prazer com que ouvia aquela notícia, respondeu, contente, à corcunda:

— Mantara, o que acabas de contar-me é muito agradável para mim, pois trata-se de uma coisa que eu desejava. Por isso, dou-te, com prazer, esse testemunho de minha viva satisfação. Meu coração não distingue entre Barata e Rama, e verei com agrado que o rei conceda a este último a real unção.

Mantara atirou ao chão a jóia de Kekeyi, e respondeu, como se imprecasse, nestes termos:

— Mulher ignorante, por que te mostras alegre no momento em que o perigo te ameaça? Não compreendes que estás mergulhada num oceano de tristeza? Feliz é aquela Kaosalya, que um dia verá seu filho ungido e consagrado como herdeiro do trono de seu pai! Tu, porém, mulher ignorante, despojada de tua grandeza, ficarás submissa como uma serva, enquanto ela, Kaosalya, enaltecida, chegará ao auge da ambição! A esposa de Rama gozará do trono e da fortuna, mas tu, nora obscura, vegetarás em situação inferior!

Kekeyi, fixando os olhos em Mantara, que falava com ar muitíssimo aflito, começou a elogiar as virtudes de Rama.

Mantara, profundamente angustiada, respondeu a Kekeyi, depois de prolongado e ardente suspiro:

— Ó tu que não tens penetração no olhar, mulher ignorante, não vês que tu própria te afundas num abismo, na morte, num inferno de dor? Se Rama chegar a ser rei, se depois suceder-lhe no trono seu filho e a seguir o rebento nascido de seu neto, não ficará Barata excluído da família do monarca? Falei no teu próprio interesse. Tu, porém, não compreendes. Desde que Rama se encontre de posse do diadema, desterrará Barata, para desembaraçar o caminho desse espinho perigoso, ou, o que é mais provável, mandará matá-lo. Contente com a tua beleza, sempre desdenhaste, por orgulho, a mãe de Rama, esposa, como tu, do mesmo esposo. Com que força ela te fará sentir, agora, o peso do seu ódio!

Kekeyi suspirou, e respondeu à serva:

— Dizes-me a verdade, Mantara, e conheço quanto me és devotada. Mas não sei de meio algum que leve meu filho a obter, pela força, o trono de seu pai e de seus avós.

A corcunda deliberou em sua mente durante algum tempo, procurando levar avante seu criminoso intento, e disse:

— Se quiseres, levarei Rama a um bosque, e eu mesma farei com que seja ungido teu filho Barata.

Kekeyi, com a felicidade na alma ao ouvir as palavras de Mantara, levantou-se um pouco do leito, docemente preparado, e respondeu-lhe:

— Dize-me, mulher de inteligência superior, dize-me, Man-tara, qual é o meio pelo qual possível se fará levar Barata ao trono e lançar Rama para a selva?

Resolvida a realizar o que seu criminoso pensamento sugerira, Mantara disse à rainha, para ruína de Rama:

— Ouve e reflete bem, uma vez que me tenhas ouvido. Outrora, no tempo da guerra entre os deuses e os demônios, solicitado teu esposo pelos reis dos Imortais, afrontou aqueles combates. Desceu à praia do sul, na comarca de Dandaka, onde o deus que leva em seu estandarte a imagem do peixe Timi possui uma cidade chamada Vedjayanta. Ali, um grande Asura (19) não vencido pelos exércitos celestiais, e cujo nome é Sambara, poderoso na magia, deu-se a uma batalha com Sakra (20). O rei foi ferido com uma flecha, naquele dia terrível. Regressou vitorioso, e por tuas mãos, rainha, foi curado. Graças a ti, a chaga cicatrizou-se. Feliz, o monarca outorgou-te, ó mulher ilustre, dois favores, que poderias livremente escolher e pedir. Tu, porém, respondeste:

— Reserva esses dois favores para o momento em que eu exija seu cumprimento!

Não é verdade que assim falaste a teu magnânimo esposo, e que êle consentiu no que dizias? Reclama agora de teu esposo o cumprimento daqueles dois favores, pede que um deles seja a consagração de Barata, e o outro o desterro, durante catorze anos, de Rama. Mostra-te ofendida, veste trajos amarfanhados, deita-te no chão duro, e nunca dirijas o olhar ao rei, nem lhe fales, como mulher abandonada, que dorme por terra. Verás que depressa o monarca, mergulhado na tristeza, tratará de obter tua simpatia e perguntará o que desejas. Se te oferecer pérolas, ouro, as jóias mais valiosas, mostra-te inamovível, nem te dignes, sequer, voltar os olhos para seus presentes. Mas se êle cuidar de completar seus bons desejos, tomando-te as mãos para levantar-te do chão, encadeia-o primeiro, obriga-o pela fé do seu juramento, e depois, radiante de beleza, solicitarás dele, como primeiro favor, o desterro de Rama durante nove anos e outros cinco anos, e, em segundo lugar, a herança do reino para Barata.

Seduzida pela serva, a senhora aceitou por bom o que era mau, e não sentiu em sua alma que aquela ação era culposa.

Tomou, pois, em seus braços a corcunda de intenções criminosas, estreitou-a contra seu peito, e, sob impulsos de uma alegria, de tal forma excessiva que chegava a perturbar-lhe a razão, disse-lhe:

— Estou muito longe de desprezar tua delicada previsão, ó tu que sabes encontrar os mais sábios conselhos! Sabe que não existe no mundo outra mulher que te iguale em inteligência!

Lisonjeada com aquele elogio, a corcunda, para tornar a rainha ainda mais decidida, respondeu nestes termos:

— Levanta-te, pois, ó dama ilustre! Assegura tua felicidade e introduz a perturbação no coração do monarca!

— Sim! — respondeu Kekeyi, conformando-se com as palavras dela. E, firme em sua resolução, conforme os desejos de Mantara, prometeu a si própria elevar Barata à unção real.

A nobre rainha despojou-se de seu colar de pérolas, constelado de brilhantes magníficos, e com a alma cheia de ódio, ali instilado por Mantara, entrou no aposento da cólera, isolando-se na força de seu orgulho e de sua ambição.

Quando o rei marcou dia e hora para a unção de Rama, dirigiu-se o poderoso monarca para o gineceu, a fim de anunciar a Kekeyi a agradável notícia. Ao ver estendida no chão a sua esposa, em estado indigno de sua hierarquia, o ancião, poderoso monarca, dono do mundo, adiantou-se, transido de dor, para a jovem, que ele amava mais do que à própria vida.

Acariciou com suas mãos a inconsolável, e disse-lhe:

— Não sei quem pode alimentar tua cólera. Quem ousou ofender-te? Por que, mulher antes ditosa e agora desolada, por que, com viva dor para mim, jazes no chão despido, no pó, como viúva inconsolável, num dia que é todo de júbilo para a minha alma?

Disse, e levantou sua inconsolável esposa. Então, ela respondeu com estas palavras:

— Não recebi ofensa de ninguém, magnânimo rei, mas, seja qual fôr o meu desejo, digna-te fazer uma coisa que aspiro realizar. Promete-me, neste momento, que estás disposto a satisfazer-me, e, uma vez que eu tenha tua promessa, direi em que consiste o meu desejo.

O príncipe, contemplando em dor sua querida esposa, disse:

— Não sabes, mulher amada, que, exceto Rama, não existe no mundo outra criatura a quem eu ame mais do que a ti? Arrancaria meu coração para dar-to! Assim, minha Kekeyi, olha para mim, e dize-me o que desejas.

Então, Kekeyi, satisfeita, deleitada, revelou ao rei seu odioso desejo, com estudada, profunda perfídia.

— No tempo da guerra dos deuses com os demônios, — disse ela, — ó rei, contente com os meus cuidados, conce-deste-me dois favores, que hoje reclamo. Quero que meu filho Barata receba a unção real, como herdeiro do trono, na mesma cerimônia preparada para ungir Rama. E que este, levando consigo o djatá, a pele de corça e o trajo de cortiça (21), vá viver no bosque durante nove anos e cinco anos. Eis as duas coisas que eu desejo.

As palavras de Kekeyi feriram o coração do poderoso monarca. Sob o golpe de sua imensa dor ele tombou ao chão, desmaiado.

Quando voltou a recobrar os sentidos, com a alma cheia de angústia, amargurado, respondeu, com cólera, a Kekeyi:

— Malvada! Mulher corrompida! Que mal te fêz Rama, ou te fiz eu, inimiga de minha família? Basta! Renuncia ao teu desejo! Eis-me com a fronte a teus pés, mas, por misericórdia, desiste dessa petição.

E caiu por terra, abraçando os pés de sua mulher, cujas mãos, por assim dizer, comprimiam-lhe dolorosamente o coração. E, com voz entrecortada, suplicou:

— Misericórdia, minha rainha!

 

Enquanto o grande rei jazia a seus pés, numa atitude indigna dele, Kekeyi acrescentou estas palavras:

— Por que, senhor, vacilas em cumprir os favores que me outorgaste?

Trêmulo, emocionado, irritado, o rei Daçaratha, ouvindo aquelas palavras de Kekeyi, respondeu:

— Mulher ignóbil, inimiga, saboreia — ah! — a felicidade de ver morrer teu esposo e Rama, o altivo elefante dos homens, desterrado num bosque! Maldição sobre mim, cruel, natureza impotente, de pouco vigor, homem subjugado por uma mulher e incapaz de elevar-se pela cólera, sem energia e sem alma!

E elevando as duas mãos para Kekeyi, a fim de tentar ainda persuadi-la, disse-lhe, novamente:

— Protege este infeliz ancião, débil de espírito, escravo de tua vontade e que em ti busca seu apoio. Sê propícia comigo, mulher encantadora! Se se trata de um ardil para saber o que guardo no fundo do coração, alegra-te, mulher do sorriso gracioso, e vê, na verdade, a minha alma: estou disposto a fazer o que ordenes, o que desejares será teu, tudo, menos o desterro de Rama! Tudo quanto me pertence, minha própria vida, se quiseres!

A mulher de alma corrompida e cruel não cedia, nem diante das lágrimas e dos rogos do esposo, o rei de alma pura:

— Por que, — disse ela, — se és amigo de cumprir tuas promessas, recusas cumpri-las, como um avarento ou um vilão? Manda teu filho Rama para a selva! Se não cumprires tuas promessas, porei termo à minha vida diante de teus olhos!

Comprometido o monarca com Kekeyi, como outrora Bali com Vixenu, preso na rede de seus ardis, não pode livrar-se das malhas.

Quando os primeiros raios da aurora começaram a iluminar a noite, Sumantra chegou à porta do rei, com as mãos juntas, e despertou-o:

— Oh! Rei — disse êle — o dia começa a clarear! Sobre ti desça a felicidade! Desperta, ó tigre dos homens, e recolhe tua felicidade e teus bens!

O monarca, tomado de imensa dor, ante as alegrei saudações de seu escudeiro, respondeu:

— Por que vieste felicitar-me, condutor de meu carro, no momento em que a tristeza me invade a alma? Com tua linguagem acrescentas nova dor aos meus sofrimentos.

Nesse tempo, Kekeyi, perseverando em seu criminoso desejo, disse novamente a seu esposo, ao qual desejava estimular com o aguilhão de suas palavras:

— Por que te expressas nesses termos, como um ser da mais vil condição? Manda buscar Rama e, sem mais fraquezas, ordena-lhe que siga para a selva! Se és fiel a tuas promessas, cumpre uma palavra que me é tão cara!

Ferido pelo aguilhão de sua esposa, o rei disse a Su-mantra:

— Condutor de meu carro, estou unido à cadeia da verdade, minha alma sente-se conturbada. Traze-me Rama, imediatamente. Desejo vê-lo.

Quando Kekeyi ouviu aquelas palavras, disse ao escudeiro:

— Vai procurar Rama e dize-lhe que se apresse e que aqui venha ter o mais depressa possível.

Aquele era o próprio dia em que a lua ia efetuar sua conjunção com a constelação Pusya, e tudo estava arranjado para a cerimônia da consagração de Rama. Um trono resplandecente, magnificamente adornado, que ostentava uma pele arrancada ao rei dos quadrúpedes, fora arranjado. Para Rama fora também preparado um cetro de ricas jóias, e de brilho tão puro quanto os raios da lua. Havia um mosqueiro, leque magnífico, decorado com grinalda radiante, tal como o disco do astro da noite em seu plenilúnio. Tinha sido construído, além disso, para a ascensão de Rama ao trono paternal, um vasto pára-sol, emblema da realeza.

Ao chegar à Rua Real, Sumantra rompeu as quietas ondas da compacta multidão, ouvindo pelo caminho as palavras trocadas durante a conversação, em elogios a Rama.

— Neste dia — dizia o povo — Rama recebe a herança do reino, proclamada por seu próprio pai. Oh! os favores do céu estão hoje conosco: o amor amado pelos homens virtuosos nos protegerá desde hoje, como pai que defende os filhos de sua carne!

 

Sumantra ouvia aquelas palavras da multidão, enquanto se dirigia precipitadamente para a casa de Rama, a fim de conduzi-lo ao palácio de seu pai.

Com ar de modéstia, Sumantra inclinou-se e Saudou Rama, cuja beleza refulgente assemelhava-se ao sol que nasce: \

—Que feliz é a rainha Kaosalya, por possuir um filho tal como ele! — dizia consigo o escudeiro. — O rei, — acrescentou em voz alta, — em companhia de Kekeyi, deseja ver-te. Vem, pois, Rama, se isso te parece bem.

Rama recebeu a ordem de seu pai com a cabeça inclinada, e disse a Sita:

— Sita, o rei e a rainha reuniram-se para deliberar, sem dúvida, sobre a minha consagração como herdeiro da coroa. Sem dúvida, minha mãe Kekeyi, guiada pelo desejo de realizar uma coisa agradável para mim, neste momento usa de toda a sua habilidade para convencer meu pai da necessidade de que eu cinja a coroa. Vou, pois, impaciente para ver o dono da terra em seu aposento secreto, só com Kekeyi, livre de inquietações.

E Sita respondeu a seu marido:

— Vai, nobre esposo, ver teu pai e tua mãe!

Rama encontrou seu pai sentado numa cadeira, em companhia de Kekeyi, mostrando na expressão do rosto as marcas da dor e da insónia. Juntando as mãos, prosternou-se diante dele, e tocou seus pés com a fronte. Inclinou-se outra vez e prestou a mesma homenagem a Kekeyi.

A atitude de Rama, que estava diante dele com ar tão modesto, desanimou o rei Daçaratha, que não teve forças para dar a odiosa notícia àquele filho irrepreensível e bem-amado. Apenas pôde pronunciar-lhe o nome: "Rama!" e ficou mudo, como que amordaçado, e impedido de falar pela impetuosidade das lágrimas. Não podia articular palavra, nem levantar os olhos para aquele filho querido.

Rama, cheio de inquietação, ao ver a revolução que se operara no espírito de seu pai, tão diferente de tudo quanto esperara, ficou também abatido, como se tivesse pisado uma serpente. Olhou, com rosto consternado, para Kekeyi, e disse-lhe:

— Rainha, terei ofendido, talvez por ignorância, o senhor da Terra, e por essa ofensa, demudado e triste, não ousa ele falar comigo? Terei suscitado involuntariamente suas iras? Dize-me, e pede-lhe que me perdoe!

Kekeyi, alma vil, corrompida pelas falas de Mantara, e que conhecia muito bem a sinceridade do jovem príncipe, disse-lhe:

— Outrora, nobre filho de Ragu, na guerra dos deuses e demônios, teu pai, satisfeito com meus serviços, concedeu-me a graça de solicitar-lhe duas coisas de minha livre escolha. Acabo de pedir-lhe que cumpra essas promessas. Peço-lhe o trono para Barata, e para ti um desterro de catorze anos. Se queres que teu pai conserve sua excelsa reputação e a sinceridade em suas promessas, ou se estás resolvido a sustentar pessoalmente a verdade, renuncia ao diadema, abandona este país, erra pelos bosques, caminha para as selvas durante sete anos, e outros sete anos, a partir de hoje, com um couro de animal como trajo, e prendendo teus cabelos com o djatá dos anacoretas.

Para resistir à violência daquelas palavras, Rama refugiou-se na força de sua alma, e, considerando que a palavra que seu pai comprometera era um dever a que se obrigava igualmente o filho, resolveu partir para a selva. E, sorrindo, o bom Rama respondeu assim à fala de Kekeyi:

— Seja! Habitarei no bosque durante catorze anos, vestido com cortiça e com os cabelos amarrados, para salvar da mentira a promessa de meu pai. Só desejo saber uma coisa: por que não é o próprio rei, com toda a segurança, quem dá ordens a este seu servidor, obediente às suas vontades?

O monarca ouvira com os olhos cerrados as cruéis palavras de Kekeyi, e, no paroxismo da dor, ouvindo o filho, exclamou:

— Ah! Eu morro!

E, abatido, gemeu de tristeza.

Aquelas amargas palavras da cruel Kekeyi excitaram Rama, que, tal fogoso corcel, e embora tivesse a intenção de lançar-se imediatamente ao coração do bosque, sem que isso o perturbasse, respondeu àquela mulher nos seguintes termos:

— Não sou homem que faça das riquezas o principal fim de sua vida, não ambiciono uma coroa, rainha. Não minto, sou homem de palavra sincera c alma ingênua. Por que desconfias de mim? Tão depressa tenha dito adeus a minha mãe e me despedido de minha esposa, sairei para as selvas. Tranqüiliza-te. Trata de ver que Barata governe bem o império e seja dócil para com o rei seu pai. Para ti, isso é um dever imprescindível, em todos os momentos.

Depois, inclinando o corpo, Rama tocou com a cabeça os pés de seu pai, que estava desfalecido. Fêz o mesmo com Kekeyi, descreveu um pradaksina em torno do rei Daça-ratha e de sua vil esposa, e abandonou o palácio. Seguido por seu irmão Lakchamana, que estava branco de cólera, foi em busca da mãe. Encontrou-a no templo, sacrificando em honra dos deuses. Rama contou-lhe qual a condenação que lhe havia sido imposta, e então ela, como uma árvore arrancada pelas raízes, tombou ao solo, chorando amargamente. E exclamou:

— Ai de mim! Toda a austeridade e os sacrifícios não serviram de nada. Sempre receei um desenlace destes. Eu, que sou a mais velha das esposas do rei, irão fazer-me passar agora uma vida insuportável. Mas não será assim: vou seguir-te no desterro, como a vaca segue a sua cria.

Depois, falou Lakchamana, quase sem poder conter-se, tão grande era a sua ira:

— Havemos de nos armar, e lutaremos. Foi Kekeyi quem preparou toda esta trama, e não vejo razão para que consiga triunfar.

Rama, porém, falou aos dois com palavras de consolo e carinho, devolvendo a uma a fé e ao outro a tranqüilidade. Então, foi ver Sita, sua esposa. Ela, com o instinto de amorosa, levantou-se, e o corpo todo tremia-lhe, pois tivera o pressentimento do mal. Longamente falou-lhe ele, dizendo-lhe quanto lhe doía abandoná-la naquele momento, mas que tinha sido condenado a uma vida de ermitão, durante catorze anos, e precisava partir o mais depressa possível.

— Assim, ficarás aqui, e eu irei para o bosque.

Sita ouviu quanto seu marido lhe disse, e, então, dirigiu-se a Rama, falando:

— Que frases indignas são essas que ouço? Está bem que um pai ou um irmão abandone os entes queridos na hora de necessidade, mas não sabes, ó Rama, que a obrigação de uma mulher é seguir seu esposo em todas as vicissitudes de sua vida? Para mim, os perigos dos bosques e das gentes que neles estão me são indiferentes, se eu estiver a teu lado. Estarei tão unida a ti que serei a tua sombra e hei de preceder-te no caminho e na comida.

E tanto è tanto insistiu, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto como gotas de orvalho pelas folhas dos lótus, que Rama não teve outro remédio senão aceder, dizendo:

— Já que me queres seguir, assim seja. Deposita tuas riquezas nas mãos dos brâmanes, e segue-me.

Ao sair, encontrou-se com seu irmão Lakchamana, que, agarrando-se aos pés dele, suplicou que o deixasse ir em sua companhia, insistindo:

— Se vais para o bosque com os elefantes e cervos, também eu te seguirei, e juntos viveremos onde as canções dos pássaros e os zumbidos das abelhas sejam um sedativo para nossos corações. Eu te acompanharei e procurarei ervas e raízes que sejam boas para comer, e quando tenhas de levantar Sita para passar em caminhos ásperos, irei adiante, aplanando-os.

Rama não o pôde convencer, e disse-lhe:

— Vai ter ao meu arsenal e apanha as cotas de malha, os sabres e os arcos com que Djanaka me presenteou no dia de meu casamento. Traze-os aqui.

Todos procuraram convencer Kekeyi de que o que ela estava fazendo era uma monstruosidade, mas inalterável como pedra manteve-se ela, e seus ouvidos fecharam-se a quaisquer queixas. Tudo correu como devia correr. Rama, Sita e Lakchamana subiram para um carro puxado por potentes cavalos e partiram velozmente em direção do bosque onde deviam viver durante catorze anos. Nem uma só vez Rama quis olhar para trás, pois tinha medo de não resistir à tentação.

Daçaratha voltou-se contra Kekeyi, amaldiçoando-a e afastando-a de sua presença, aos gritos, dizendo que desde aquele momento não mais poria os olhos sobre uma mulher

que tanto mal lhe havia causado. Desde então passava seu tempo no quarto de Kaosalya, pois dizia que era ali o único lugar onde se respirava tranqüilidade.

A MORTE DE DAÇARATHA

Ayodhya, a capital do reino, de cidade a mais alegre que era, tornou-se a mais triste de todas, com a partida de Rama, Sita e Lakchamana. No quinto dia de tais sucessos, a mãe de Rama, Kaosalya, permitiu-se censurar o monarca a respeito de sua conduta com relação ao filho, e naquele momento Daçaratha recordou um pecado que cometera em sua juventude, com uma flecha que encontrava a vítima pelo som. Naquela mesma noite o triste soberano contou esse pecado à esposa:

— Era eu um arqueiro tão bom quando isto aconteceu, que podia disparar minhas flechas guiando-me apenas pelo som. Então, tu, senhora, estavas solteira e eu era um jovem príncipe. Tratava-se da época em que as primeiras chuvas caem, depois de um calor abrasante. As montanhas mostravam-se ocultas por aguaceiros contínuos. Foi num dia assim, digo, que me ocorreu sair para a caça. Caminhava ao longo do rio Sarayu, quando ouvi um ruído como o de um elefante bebendo. Sem mais olhar disparei minha flecha na direção do ruído, e a seguir ouvi queixumes lastimosos.

Aproximei-me rapidamente e verifiquei que minha flecha havia transpassado um ermitão. Consolei-o como pude e êle me disse que morava no Estado vizinho, com seus velhos pais e que eu fosse até lá para ver se podia fazer alguma coisa por eles. Momentos depois morria. Lamentei-o muito e dirigi-me para onde seus pais moravam. Encontrei-os ali, tal como o ermitão me havia explicado. O pai era um richi, que me poderia ter reduzido a um montão de cinzas, mas que me perdoou por ter eu, desde o início, contado a verdade. Mandei preparar a pira funerária, e os dois velhos, depois de terem conversado com seu filho, lá do outro mundo, queimaram seus corpos na mesma pira, amaldiçoando-me com benévola maldição, na qual me auguraram que eu morreria tal como seu filho morrera. Sabes, ó nobre senhora, que as boas e más ações são recolhidas nesta vida. Infantil é aquêle que comete uma ação sem pensar nos resultados finais. Isso aconteceu comigo, e agora morro penando por meu filho Rama. Já quase não te vejo: sou como velha lâmpada que pouco a pouco se extingue.. . Ai, Rama! Ai, Kaosalya! Ai, infeliz Sumitra! Ai, cruel Kekeyi!

Lamentando-se dessa forma o rei Daçaratha expirou. Quando a notícia se fez pública, a cidade inteira cobriu-se do luto mais rigoroso, já que um reino sem rei é das coisas mais tristes e perigosas, pois esses cataclismos provocam as guerras. Os anciãos e os sábios da cidade reuniram-se para determinar o que deveriam fazer, e resolveram mandar notícia a Barata, por meio de mensageiros que montassem os cavalos mais velozes, a fim de que êle viesse imediatamente. Concordaram em nada lhe dizer sobre o desterro de Rama e a morte de seu pai, com a intenção de informar-lhe quando da sua chegada. Os mensageiros partiram a galope e não pararam até que alcançassem a cidade longínqua de Girivraja, em Kekaya.

Aquela mesma noite Barata tinha tido péssimos sonhos. Não conseguindo consolar-se passou a noite dizendo que alguém de sua família havia morrido, e, como natural, não sabia se se trataria de seu pai, de Rama, ou de seu outro irmão. Quando os mensageiros chegaram, Barata despediu-se de seu tio materno e partiu rapidamente em direção da capital do reino. O filho de Kekeyi viu a capital, no sétimo dia, e compreendeu que algo terrível se havia passado, ao contemplar as ruas desertas e as casas de comércio com as portas fechadas. Ao entrar no palácio quis ir à procura do pai, mas, não o encontrando, dirigiu-se para os aposentos de sua mãe, cujos pés beijou. Ela, encantada ao vê-lo, levantou-se de sua cadeira de ouro e perguntou-lhe pela sua saúde e pela sua viagem. Êle respondeu, e, em seguida, perguntou por seu pai. Então, Kekeyi, cega pelo poder, respondeu-lhe:

— Teu pai foi para onde vai tudo quanto existe.

Durante muito tempo Barata chorou a ausência de seu pai querido, e ao fim, murmurou:

— Felizes aqueles que, como Rama, puderam estar presentes quando meu senhor morreu, e para êle executaram os ritos mortuários. Onde está Rama, que é meu pai e meu irmão? Eu sou servo dele e quero render-lhe a devida homenagem.

Então, Kekeyi confessou-lhe que as últimas palavras de seu pai tinham sido: "Benditos os que virem o retorno de Rama, de Sita e de Lakchamana".

Barata, prevendo que havia ainda piores notícias, perguntou-lhe onde estavam Rama, sua esposa e seu irmão. Ela contou-lhe que Rama tinha ido para o bosque, a fim de ali viver como ermitão durante catorze anos, e que seu irmão e sua mulher o haviam acompanhado. Contou-lhe, a seguir, a história das duas petições que o Rei lhe concedera em sua juventude, pensando que o filho ficaria muito contente. Equivocou-se, porém, pois Barata enfureceu-se, dizendo que ela bem pouco sabia do carinho que Rama lhe merecia, e acrescentando:

— És como a brasa viva que veio para destruição de nossa raça. Não sabes o amor que tenho por meu irmão Rama: somente cm memória dele é que te chamo mãe. Fica sabendo que o reino é um peso demasiadamente grande para mim, e eu não o quero. Agora trarei Rama do bosque e tratarei de servi-lo. Tu, porém, sofrerás cruelmente nesta vida e na outra. O que mereces é morrer pelo fogo, ou ir para o desterro, com uma corda ao pescoço.

Entretanto, chegaram Kaosalya e Vachichta, e com êle levaram a cabo as cerimônias fúnebres devidas ao Rei. Depois de dez dias de luto, as cinzas forajni recolhidas, mas como Barata continuava aniquilado, Vachichta consolou-o, falan-do-lhe das penas e sofrimentos que acompanham a vida de qualquer mortal. Assim confortado, aquele chefe de homens levantou a cabeça, como o estandarte dos Indras, reluzente de sol e chuva.

REGÊNCIA DE BARATA

Quando chegaram ao décimo quarto dia, os ministros foram ver Barata, que continuava no palácio, entregue à meditação, a fim de que êle aceitasse o trono. Mas o príncipe recusou-o, dizendo que lhe era impossível aceitar uma coisa que não lhe pertencia. Em vez disso, organizou vasta expedição, para ir em busca de seu irmão Rama. Compunha-se ela de seis mil carros e mil elefantes. Além disso levava cem mil homens da cavalaria, homens de posição e cidadãos, tecelões e armadores, ourives e lavradores, atores e sábios. Fechavam o cortejo os brâmanes mais conhecidos do reino pela sua discrição e santidade. Pela madrugada, aquela hoste imponente, adornada com prata e ouro, saiu, aos raios do Sol, que faziam cabriolas sobre as armaduras dos cavaleiros e sobre as presas dos elefantes. A cidade inteira amontoou-se nas muralhas para contemplar aquele espetáculo nunca visto.

Quando passaram pelo reino de Guha, aquele convidou-os a todos do cortejo. O mesmo aconteceu em Barafwaga e em Prayag. Barafwaga foi o único que deu um conselho sábio a Barata, dizendo-lhe:

— Não culpes Kekeyi pelo desterro do Rei: é para bem dos homens, dos deuses, dos asuras e dos ermitãos.

Dali, o cortejo gigantesco encaminhou-se para o lugar onde Rama se instalara como ermitão. Ao vè-lo, Barata adiantou-se sozinho e, atirando-se ao chão, abraçou os pés do irmão. Este abaixou-se, e tomando-o nos braços, levantou-o. O aspecto de Rama era surpreendente. Vestido com uma pele negra de gamo, com os braços livres, que se destacavam por sua imensa musculatura, aquele homem de olhos de lótus parecia mais um deus do que um ser humano. A seu lado estava Sita, sua esposa, e seu irmão Lakchamana. Barata chorou ao ver Rama, ele, que estava habituado à realeza, vivendo em tão humilde choça. Passados os primeiros momentos, relatou-lhe tudo o que havia ocorrido e o desejo que êle e os demais tinham de que voltasse para governar seu reino. Mas Rama não quis aceitar, descul-pando-se:

— Como posso eu, a quem meu pai ordenou que viesse viver no bosque, contrariar semelhante ordem? Deves cumprir a vontade dele, reinando como êle queria, pois que a obediência é uma arte que os filhos e irmãos devem ter, e a ordem de uma mãe não é menos severa que a de um pai.

Barata, a seguir, disse-lhe:

— Oh! Irmão, se o reino é meu, é de minha incumbência o que faço com êle. De maneira que desejo dar-to de presente.

Mas nem assim Rama quis aceitar, nem se deixou comover por nenhum argumento, embora todos, separadamente, e em conjunto, procurassem convencê-lo. Barata pediu ao irmão as sandálias de ouro que êle usava sempre, dizendo:

— Durante esses catorze anos viverei nos arredores da cidade, como ermitão, e porei tuas sandálias no trono. Se ao cabo desse tempo não vieres, hei de atirar-me às chamas.

A isto Rama acedeu, e, abraçando o irmão, falou:

— Se queres que assim seja, será. Mas não te esqueças de uma coisa: não castigues Kekeyi nem sejas cruel para com ela. Isto, tanto eu como Sita te imploramos.

Dito isto, Barata levantou-se, andou em volta de seu irmão, no sentido da marcha do Sol, e, colocando as sandálias em cima de um elefante, dirigiu-se para Ayodhya. Uma vez ali, fêz o que tinha dito e colocou as sandálias no trono, para que regessem o país durante a ausência de seu irmão.

Rama não quis continuar vivendo em Chitrakuta: primeiro, porque as hostes de Barata o tinham tornado impuro; segundo, porque sempre era seguido por um bando de espíritos malignos que molestavam os demais sacerdotes, e terceiro, porque aquele lugar recordava-lhe demasiado a dor de seu irmão. De maneira que saiu de novo, sempre acompanhado por Lakchamana e Sita, em direção de Dandaka. Naquele tenebroso bosque entrou, radiante, como o Sol que se oculta por trás das aglomerações das nuvens.

A CÓLERA DE RAVANA

Quando Ravana soube que Rama estava destruindo os râkchasas, ficou tomado de grande cólera e coordenou um plano, através do qual seria fácil vencer Rama, roubando-lhe primeiro Sita. Tanto pensou, que terminou indo ver Ma-richa, conhecida pelas suas artimanhas. Durante muito tempo esteve consultando a mulher, mas Maricha, que algo sabia sobre o poder de Rama, aconselhou-o que o deixasse em paz, já que lhe traria azar. Ravana deixou-se convencer e voltou à capital de seu reino, que se chamava Lanka.

Aquele deus da maldade tinha vinte cabeças e vinte braços. Sentava-se num trono de ouro maciço e estava rodeado de sacrifícios, que de vez em quando lançava a uma fogueira mágica que tinha diante de si. Compridas cicatrizes cortavam-lhe os rostos e os braços, marcas deixadas pelos numerosos combates que havia sustentado contra os deuses do bem. Magnificamente trajado e coberto de jóias, eis como aparecia sempre o poderoso râkchasa. Dedicava-se continuamente ao mal, e gostava de destruir os sacrifícios que os brâmanes faziam aos deuses do bem. Era um deus intangível, e nenhum dos outros deuses poderia matá-lo, fossem espíritos, pássaros ou serpentes.

Um dia, quando êle estava em seu palácio, chegou sua irmã e mostrou-lhe grandes e profundas feridas que lhe fizera Rama em seu último combate. Ravana ficou encolerizado e jurou que aquele homem pagaria o que fizera. Entrou em seu carro, incrustado de pedras preciosas, e dirigiu-o pela costa, até a casa de sua amiga Maricha. Longamente estiveram conversando, e ela tornou a aconselhá-lo a não se meter com Rama, que antes o deixasse em paz. Ravana, porém, que estava furioso por causa das feridas de sua irmã, acusou Maricha de falta de lealdade e disse-lhe que êle, Ravana, ia ver-se na obrigação de matá-la. Maricha, com toda a certeza cheia de medo, aceitou ajudar o poderoso Ravana, mas com tristes pressentimentos, advertindo-o de que Rama não era um mortal comum. Apesar de tudo quanto ela lhe disse, partiram imediatamente para a ermida de Rama, e, pelo caminho, Ravana explicou a Maricha o que devia fazer para enganar Rama.

Maricha, que havia muito tempo tivera a vida salva por aquele, não teve outro remédio senão obedecer-lhe a sugestão. Converteu-se, então, num cervo. Jamais na História viu-se animal mais belo. Tinha os chifres feitos de pedras preciosas que cintilavam à luz solar, as orelhas da forma e cor das flores do lótus, os flancos como as pétalas das rosas, os cascos como que de jade, e a cauda de todas as cores do arco-íris. Mostrava as costas estreladas de ouro e prata e suas ancas brilhavam como a platina. E assim passou diante da choça de Rama.

Logo depois saía da casa a esposa de Rama, Sita, que ficou maravilhada com a forma e qualidade daquele cervo. Com uma exclamação, chamou Rama e pediu-lhe que lhe trouxesse o cervo, vivo ou morto. Rama prometeu-lhe fazer isso, mas Lakchamana aconselhou-lhe que não seguisse o cervo, pois, sem dúvida alguma, isso lhe traria desgraça, já que devia tratar-se de um espírito disfarçado. Rama objetou que se espírito era, não podia ser senão algum espírito maligno, levando em conta que os bons jamais aparecem sob a forma de animal. Foram inúteis os conselhos do irmão. Rama partiu e jurou voltar em seguida, com o cervo ou com a sua pele.

Durante muito tempo perseguiu o animal, que sempre se punha fora do alcance de seu arco, até que, cansado de tanto andar, sentou-se sob uma árvore para repousar das fadigas da caça. Naquele momento, Maricha, disfarçada em cervo, saiu de entre as matas e Rama, apanhando seu arco, disparou-o rapidamente em direção do animal, atravessando-lhe o coração. Sentindo-se ferida de morte, Maricha assumiu a forma normal, e aos gritos, lembrando-se das instruções de Ravana, chamou Sita e Lakchamana, imitando a voz de Rama. Este, no mesmo instante, apercebeu-se da traição e partiu como uma flecha em busca da esposa e do irmão, tomado dos piores presságios.

Sita, que estava esperando a volta de Rama, ouviu a voz dele e chamou, angustiada, por Lakchamana, a fim de que este fosse em socorro de Rama. Lakchamana, porém, sabendo que o irmão era imortal, tentou tranqüilizá-la, dizendo-lhe que nada lhe aconteceria. Sita, entretanto, atirou-lhe em rosto sua falta de carinho para com o irmão, dizendo-lhe que o que ele desejava era a morte de Rama, para poder casar-se com ela.

O pobre Lakchamana, ouvindo aquelas afrontas, decidiu sair em busca de seu irmão, olhando sempre em direção da choça, como se esperasse que alguém saísse da floresta para raptar sua cunhada. Suas suspeitas não foram infundadas, como se verá mais adiante. Ravana, que tudo estava obser-

vando, adotou a forma de um yogue(22) mendigo e aproximou-se de Sita, pedindo-lhe um pouco de pão e vinho. Sita, muito versada nos costumes da Índia, acreditando que se tratava de um brâmane que estivesse fazendo penitência, contou-lhe a história de sua vida. Ravana, levado pelos instintos malignos, disse-lhe quem era e ofereceu-lhe seus palácios, escravas, e tudo quanto pode apetecer aos humanos. Sita, porém, tomada de furor, respondeu-lhe:

— Sou a ‘escrava de Rama, potente como as montanhas, leão de todos os homens, forte como os oceanos, sorridente como a Indra. Querias arrancar os dentes ao leão mais forte das selvas ou nadar pelo oceano, levando uma pedra presa ao pescoço? Desejar-me, é para ti como desejar a Lua ou o Sol. Está evidente que Rama pouco se parece contigo, tão pouco quanto o leão se parece com o chacal ou o elefante com o gato, o oceano com um arroio ou o ouro com o ferro. Talvez pudesses levar contigo a mulher de Indra, mas se tentares levar a de Rama, podes estar certo de que perecerás, e o mais provável é que pereça eu contigo.

Depois disso, Ravana enfureceu-se a ponto de seus olhos amarelos se fazerem semelhantes a dois infernos abertos, e, agarrando Sita, saltou para dentro de seu carro de ouro e partiu pelos ares. Ela, porém, lembrou-se de que as plantas e as árvores, e em geral todos os animais, eram amigos de Rama, e por eles mandou-lhes esta mensagem:

— Ó árvores e flores, e vós, deidades das selvas! Suplico-vos que conteis a Rama, meu esposo, que Ravana me raptou.

Um pouco mais além viu um abutre grande, o Jataiú, que estava pousado num galho, e pediu-lhe que a ajudasse naquele transe. Jataiú preveniu Ravana de que Rama jamais perdoaria semelhante ofensa e que seria melhor para ele deixar Sita em liberdade. Ademais, Jataiú não estava disposto a deixar que Ravana manchasse a honra de Sita, e combateria com êle, arrancando-o de seu carro de ouro. Ravana, embriagado de coragem, precipitou-se sobre o gigantesco abutre e disparou contra êle tal quantidade de flechas, que este desapareceu sob o peso delas. O rei dos pássaros, porém, atacou-o e quebrou dois de seus mais famosos arcos, arrastando-o para fora de seu carro. Ravana caiu ao chão, com Sita entre seus braços. Jataiú, devido à sua avançada idade, estava cansado, e Ravana atirou-se sobre êle, cortan-do-lhe as asas com um punhal. Sita, que viu aquilo, correu para o seu amigo e levantou-o delicadamente entre seus braços. Ravana, porém, arrancou-o aos cuidados dela, agar-rando-a pelos cabelos e desaparecendo nos céus. Seu corpo, apertado contra a horrível forma do râkchasa, brilhava como ouro sobre carvão, ou como pano bordado a ouro sobre a pele do elefante.

Toda a natureza enlutou-se, e as flores dos lótus morreram. O sol obscureceu-se, as montanhas choraram através de suas cascatas, todas as deidades do bosque cobriram sua nudez, em honra de Sita, e até os cervos ficaram tristes. Brama, porém, vendo que Ravana roubara a esposa de Rama, regozijou-se, dizendo:

— Nosso trabalho está quase a terminar.

Os ermitãos, por meio das estrelas, compreenderam que a morte de Ravana estava próxima, e alegraram-se e entristeceram-se. Alegraram-se pela morte de Ravana, mas sentiram-se tristes pelo cativeiro de Sita.

Enquanto iam voando pelos ares, Sita viu três macacos gigantescos, sobre uma montanha, e, sem que Ravana visse, atirou-lhes suas jóias e um véu, para que eles os entregassem a Rama. Ravana, entretanto, livrou-se de todos os perigos que o ameaçavam, e chegou à cidade de Lanka, onde depositou Sita em quarto interno, com alguns de seus servos mais fiéis, a fim de que a vigiassem. Enviou espiões ao campo de Rama, para que o trouxessem ao corrente de quanto este preparasse.

Muito insistiu Ravana junto de Sita para que ela se casasse com êle. Sita, porém, predisse-lhe a morte, às mãos de seu marido. Então, êle passou das súplicas para as ameaças, e encarregou os mais horríveis râkchasas de seu reino de guardarem a doce Sita, recomendando que a amedrontassem constantemente, a fim de ver se daquela maneira conseguiriam corromper-lhe a moral. E ali ficou a pobre Sita, como um navio que naufraga ou como corça em meio de uma matilha de cães ferozes.

A CÓLERA DE RAMA

Quando Rama voltou da caçada do falso cervo, ia muito pesaroso, temendo que as notícias fossem más. A pouca distância de sua choça encontrou-se com seu irmão Lakcha-mana, e ralhou com êle por ter deixado Sita sozinha. Os chacais uivaram e os pássaros fugiram, tão terrível era a presença de Rama.

Chegando à casa, os pés de Rama negaram-se a andar e seu corpo imenso tremia como um álamo açoitado pelos ventos de um temporal. Procuraram por todos os lados, para ver se poderiam encontrar rastros de Sita, mas foi em vão, pois que Ravana havia partido pelos caminhos aéreos. Em sua desesperação, Rama perguntou a todos os animais se tinham visto Sita.

Caminhando apressadamente, chegaram ao local onde Jataiú tinha combatido com Ravana, e, vendo o terreno removido, acreditaram que os espíritos a houvessem comido. Logo depois encontraram o triste abutre, que estava agonizando. Rama, pensando que êle também fosse um inimigo, esteve a ponto de matá-lo de todo, mas o nobre pássaro disse-lhe, com voz velada, quem era e quem havia levado sua esposa. Muito chorou Rama a morte daquele nobre animal, que tinha sacrificado sua existência para salvar Sita. Construíram para êle uma pira funerária, que Rama abençoou. Graças a essa bênção, Jataiú alcançou alta posição na outra vida.

Rama e Lakchamana continuaram à procura de Sita em todos os recantos do mundo. Durante essas idas e vindas entabularam lutas com um espírito maligno, que muito lhes deu que fazer, até que por fim conseguiram vencê-lo. Aconteceu que ôsse râkchasa tinha tal forma como castigo de certo pecado que cometera em outra vida, e estava aguardando a vinda de Rama para que este o matasse, podendo, dessa maneira, conseguir a liberdade eterna. Foi êle quem disse a Rama:

— Ouve: quando te encontrares com Sugriva, que é o rei dos macacos, não o desprezes pela sua figura, antes, honra-o, pois é um dos poucos que te poderão ajudar na procura de Sita.

Rama prometeu agir assim, e com novo ânimo dedicou-se a procurar Sugriva. Pouco demoraram os dois irmãos a chegar às montanhas de Rishyamukha, onde morava Sugriva. O rei dos macacos vivia desterrado, e separado de sua mulher e de seu filho, por causa de seu cruel irmão Vali. Quando viu os dois heróis carregados de armas, acreditou, por alguns instantes, que tinham sido enviados por Vali, para sua destruição. Sugriva fugiu, e mandou Hanuman, disfarçado de ermitão, inteirar-se do propósito dos dois nobres. Lakchamana contou-lhe tudo quanto sucedera, dizendo que Rama procurava Sugriva para tê-lo como aliado.

Hanuman, considerando que a Sugriva também fazia falta um herói que o ajudasse a recuperar sua família e seu reino, levou-os à presença de Sugriva. Entretanto, Hanuman fêz fogo com dois pedaços de madeira, rodeando-o no sentido do sol, e assim fêz de Rama e Sugriva dois amigos para o resto da vida. Foi quando Sugriva contou sua história a Rama e pediu-lhe auxílio para recuperar sua mulher e seu filho, comprometendo-se êle, por sua vez, a ajudar Rama na recuperação de Sita. Depois, mostrou-lhes as jóias que Sita deixara cair sobre a montanha onde êle morava, e Rama, com lágrimas nos olhos, reconheceu-as imediatamente, dizendo:

— Os brincos e a pulseira não os reconheço, mas as pulseiras dos tornozelos sim, já que não estava habituado a levantar os olhos além de seus pés.

Rama acompanhou Sugriva à capital de seu irmão Vali, e venceu-o, devolvendo ao amigo seu império, sua mulher, e seu filho. Quando os meses das chuvas passaram e o Sol apareceu, Sugriva encarregou seus generais de reunirem as hostes de macacos, para preparar o cerco de Ravana. Todos os macacos do mundo vieram à chamada: desde os do Himalaia até os dos montes de Vindia e dos de Kalias, desde o Norte até o Sul, e de Leste até Oeste. Milhões de macacos surgiram e esperaram as ordens de Sugriva, seu chefe. Sugriva pôs todos eles às ordens de Rama, mas este, com muito acerto, não os quis comandar, e nomeou Sugriva como chefe, a fim de que pudesse tratar diretamente com eles, em sua linguagem.

O ENCONTRO DE SITA

Nenhum dos três, — Rama, Lakchamana ou Sugriva, — sabiam nada de Ravana, a não ser seu nome. Onde vivia e onde tinha seus exércitos, eis coisas que ignoravam completamente. ‘Sugriva enviou toda aquela quantidade de macacos às quatro estações do ano, para ver se poderiam informar-se onde se escondia Ravana. Sua confiança principal fixava-se cm Hanuman. Este macaco excepcional era o filho do Vento, e, veloz como o raio, sabia de política e tática militar, e que recursos empregar nas situações mais difíceis. Sem titubear, Rama encarregou-o, com especial carinho, da procura de sua esposa querida.

Todas as hostes partiram para as zonas previstas, com exceção de Hanuman, que partiu sozinho. Passou-se um mês, e os macacos reuniram-se nas costas do oceano, tristes e decaídos, já que não tinham podido dar com o paradeiro de Sita. Não queriam voltar à presença de Sugriva sem notícias, e, portanto, esperavam a chegada de Hanuman.

Hanuman viajou por todos os pontos do globo até encontrar Sampati, irmão de Jataiú. Este tinha ouvido os macacos falarem de seu irmão, e perguntou a Hanuman o que acontecera com êle. Hanuman, compreendendo que Sampati sabia algo, contou-lhe a morte gloriosa de Jataiú, e Sampati, lamentando-se profundamente, contou-lhe como havia visto quando Ravana fugia com Sita para a cidade de Lanka. E aquele abutre centenário acrescentou:

— Avisa Rama que sua mulher foi escondida nessa cidade e vinga meu irmão.

Todos os macacos estavam reunidos nas costas do mar, tristes e pesarosos, pensando na maneira de poder atravessá-lo, quando um deles recordou a Hanuman sua origem divina, dizendo-lhe:

— Tu, que provéns do deus Vento e que tua mãe Anjane deu à luz nas montanhas, quando eras pequeno acreditaste que o Sol era uma fruta que crescia no céu e deste um salto de milhares e milhares de quilômetros para alcançá-lo, de forma que Indra, ao ver que poderias chegar ao

Sol, disparou contra ti uma flecha que te rompeu a mandíbula. Isso enfureceu de tal maneira teu pai que ele ameaçou destruir todo o continente, precisando Brama pacificá-lo e prometer-lhe que seu filho Hanuman seria imortal. E Indra lhe concedeu o privilégio de escolher a própria morte. Toca-te agora, a ti, provar tua ascendencia divina e és tu quem tem de saltar através do mar, pois que és nosso campeão, o único que nos ultrapassa em tudo, tanto em movimento como em veemência.

Hanuman estufou como os ventos, e subiu pela montanha, sacudindo-a em sua cólera, e todos os animais fugiram diante de sua presença, já que sabiam que somente êle era capaz de cumprir a missão sem a ajuda de qualquer amigo. Ao chegar ao topo da montanha, Hanuman pediu ao Sol que lhe desse forças para realizar seu intento. Reunindo todas as forças de que dispunha, deu um grande salto no ar, e tal foi o seu ímpeto que arrancou as árvores de suas raízes, elevando-as até uma grande altura. Ia êle pelo céu, com os olhos distendidos pelo esforço, e lançando fogo pela boca. Nem mesmo quando o oceano lhe ofereceu descanso numa ilha imprevista, Hanuman quis aproveitar-se disso, antes continuou pelo céu, como se fosse Garuda em pessoa. Quando ia chegando, um râkchasa que o reconheceu, agarrou-o pela sombra e quis comê-lo, mas Hanuman, tornando–se dez vezes maior, fêz com que o outro estalasse, deixando-o morto e rebentado.

Por fim, chegou às costas de Lanka, e voltou a recuperar sua forma normal, já que temia não poder cumprir de outra maneira a sua promessa. Quando chegou ao palácio, procurou por todos os recantos, tratando de encontrar Sita, mas foi em vão. Não a encontrou em parte alguma. Nem nos camarins dos nobres, nem mesmo nos quartos de Ravana, todos incrustados de pedrarias e onde tudo era de ouro, deixando atônito o próprio Hanuman, que jamais tinha visto riqueza tão imensa.

Por fim, um perfume chamou-lhe a atenção, e, seguindo seu instinto, chegou aos aposentos particulares de Ravana. Se anteriormente tinha visto luxo, o que agora via ultrapassava tudo quanto já se relatou. As pedras preciosas abundavam por todos os lados, o ouro e a prata, misturados ao marfim, viam-se por todos os cantos. Ali estava o rei dos râkchasas, imerso em seu sono, vestido de púrpura e coberto de jóias. Quatro lâmpadas de ouro davam luz sobre sua cama. Em torno dele estavam suas esposas, também adormecidas. Umas, em sonho, moviam as mãos, como se estivessem em suas danças, outras sorriam. Todas estavam cobertas de jóias, as mais preciosas que Hanuman tinha visto em sua vida. À sua direita estava a Rainha, a preferida, conhecida pelo nome de Andordari, e tão bela era, que o Sol se punha quando ela se deixava ver.

Por mais que procurasse não conseguiu atinar com o lugar em que Sita estava escondida, e chamou em seu auxílio todos os deuses do céu. Pensando nisso, adormeceu, e viu, em sonhos, onde estava acorrentada Sita. Rápido como um cervo espantado, levantou-se e saltou na direção com que havia sonhado.

Escondendo-se sobre uma árvore, viu como Ravana adiantava-se para o local onde estava Sita. Também viu como o perverso tentava convencê-la de todas as formas possíveis: oferecia-lhe os tesouros do mundo, o poder dos oceanos. Nada houve que não pusesse à disposição dela, mas Sita continuava incólume e predisse a morte dele às mãos de Rama. Ravana, enfurecido, deu-lhe o prazo de dois meses. Se dentro desse tempo ela não o tivesse aceitado, seria mandada para a câmara das torturas e condenada à morte mais horrível que se pudesse imaginar. Sita dirigiu-se, então, para a árvore onde estava escondido Hanuman, e este, com muito cuidado e muito baixinho, começou a recitar a glória e as proezas de Rama. Sita primeiro olhou para cima, espantada com o que estava ouvindo, mas logo se tranqüilizou. Hanuman desceu da árvore para travar conversação com ela, que ainda teve um pouco de medo, pensando que talvez fosse Ravana, disfarçado. Então êle mostrou-lhe o anel de Rama, que trouxera consigo, dando-lhe, desta forma, sossego.

Sita alegrou-se muito com aquela inesperada visita e com o pensamento de estar tão próxima sua salvação. Depois de um momento de conversa, na qual louvou-lhe a discrição e a inteligência, Hanuman pediu-lhe uma prova, a fim de convencer Rama de que realmente a vira. Sita, então, contou-lhe uma história sobre um corvo, que só Rama conhecia.

Hanuman despediu-se da corajosa Sita, recomendando-lhe paciência, e partiu à procura de Rama, do outro lado do oceano. Sem se contentar em ter encontrado Sita, Hanuman pôs-se a destruir tudo quanto estava a seu alcance. Ravana, inteirado de que um macaco gigantesco estava arrasando suas possessões, mandou que um de seus mais valentes guerreiros o exterminasse. O guerreiro lançou uma seta, ferindo Hanuman, mas este atirou-lhe uma grande pedra, que o esmagou inteiramente. Ravana, percebendo que não seria possível matá-lo pelos métodos comuns, apontou-lhe uma flecha especial, que só êle possuía. Hanuman caiu ao solo envolto nela, e não ofereceu a menor resistência. Os râkchasas, que não conheciam a propriedade mágica daquele dardo, ataram-no com cordas, dando-lhe imediatamente a liberdade.

O macaco, percebendo a ocasião que lhe tinham oferecido, ficou quieto como um morto, sem nada dizer. Os espíritos do mal agarraram-no em braços e levaram-no à presença de seu senhor Ravana. Quando ficou a sós com Ravana, Hanuman contou-lhe sua história, esclarecendo ser efetivamente um macaco enviado pelo grande Rama, e que se êle quisesse evitar a própria destruição, deveria entregar Sita imediatamente.

Ravana, cheio de cólera diante das palavras do macaco, quis matá-lo. Seus conselheiros, entretanto, advertiram-no que essa era uma das poucas coisas a não lhe serem permitidas, pois que Hanuman era um emissário. Ravana, então, teve a diabólica idéia de amarrar-lhe na cauda um trapo molhado em azeite e tocar-lhe fogo, deixando-o em liberdade para que se queimasse lentamente. Hanuman, que era muito inteligente, pensou numa vingança, e ofereceu-se aos sábios para que o passeassem pela cidade com a cauda presa a uma tabuleta que o designasse como espião. Dessa maneira, poderia inteirar-se sobre as fortificações daquela cidade misteriosa.

Depois de ter visto uma boa parte da cidade, deu um grande salto e desapareceu no ar, voltando minutos depois a fim de incendiar os melhores palácios de Lanka. Depois de ter queimado Lanka de forma que nada mais ali restou, saltou por cima dela e apagou a cauda nas águas.

Por um momento teve receio de que o fogo que assolara Lanka tivesse talvez sido a perdição de Sita, e logo que pôde, voltou e encontrou-a sentada em seu jardim, sem uma arranhadura, sequer. Satisfeito com sua observação, tomou o caminho que o levaria a Rama, para dar-lhe as boas notícias.

Quando Hanuman acabou de contar a Rama as suas aventuras, este chorou de emoção ao pensar nos perigos que o heróico macaco passara, com o fito de auxiliá-lo. E lamentava-se por não ter com que o recompensasse, dizendo:

— Já que nada me resta, a única coisa que te posso oferecer é meu afeto, que em muitas ocasiões vale mais do que ouro.

E deu-lhe um abraço.

A seguir, Rama reuniu um conselho para determinar o que devia fazer para poder atacar o palácio de Ravana. Naquele momento chegou Vibhichana, irmão de Ravana, dizendo que vinha passar para o lado de Rama, dadas as crueldades que seu irmão estava perpetrando na cidade. Os macacos foram de opinião que êle devia ser morto, mas Rama falou cortesmente com êle, prometendo-lhe que se conseguisse vencer Ravana — coisa de que estava seguro — haveria de colocá-lo no lugar dele. Vibhichana agradeceu-lhe o trato que lhe dispensara e se pôs, incondicionalmente, a seu serviço.

Neste meio tempo as hostes de Rama tinham chegado à margem do oceano. Todos estavam preocupados com a maneira de cruzar a água que os separava, por tantos milhares de quilômetros, da cidade de Lanka. Entre todos, resolveram que Rama teria de pedir o auxílio do oceano, e Rama, de acordo com essa idéia, fêz uma esteira de ervas sagradas, deitou-se sobre ela, com os olhos voltados para o oceano, e em posição de prece, dizendo:

— Ou o oceano se rende, ou morrerei nesta postura.

E não tornou a mover-se. Mas o mar não queria vir em auxílio de Rama. O grande comandante enfureceu-se, e acrescentou:

— Já que o oceano não quer vir atender minhas súplicas, virá atender minhas ameaças.

Escolhendo uma de suas terríveis flechas, ia dispará-la, quando surgiu o rei dos oceanos, pedindo-lhe perdão pela demora e exclamando:

— Oh! Rama! Só a ti deixarei construir uma ponte sobre mim, e hei de sustentá-la, a fim de que possas ir buscar tua esposa.

Os macacos trouxeram pedras e troncos de árvores, com os quais poderiam construir uma ponte, e começaram a atirá-los no mar. O rei dos oceanos chamou seus filhos, e, entre todos, sustentaram a ponte a fim de que Rama e suas hostes pudessem passar por cima das águas e dessa maneira entabular uma batalha final com Ravana. As primeiras catorze léguas estavam construídas e a estrada ficou terminada em cinco dias, larga e lisa como uma risca na cabeça do oceano. Tantos e tantos passaram, alguns viajaram pelo ar, outros pelo mar, e tão ensurdecedor era o ruído dos passos de tantos milhares de milhares, que mal se ouvia o rumor das ondas do oceano.

Assim chegou Rama às fortificações de Lanka, cujas casas jaziam num montão de ruínas, depois de terem sido queimadas por Hanuman. O cerco da fortaleza e as sangrentas batalhas começaram.

A TOMADA DE LANKA

Todos os guerreiros de Ravana estavam contra a idéia de se fazer guerra por causa de Sita. Alegavam que os deuses não se mostravam propícios. O céu tinha mandado sangue e a terra havia estremecido. As forças de Rama enchiam as costas, onde iam chegando. Mas Ravana não se dava por vencido, e decidiu conseguir Sita através de uma falsidade. Desceu à casa onde estava reclusa a mulher de Rama e comunicou-lhe que as hostes de Rama tinham sido destruídas, mostrando-lhe, além disso, o arco e a cabeça de Rama, que êle fabricara com sua arte mágica. Naquele momento chegou um dos generais de Ravana, dizendo-lhe que a batalha começara e que sua presença se fazia necessária. Ravana se foi imediatamente, e no mesmo momento

o arco e a cabeça de Rama desapareceram, com o que Sita compreendeu que fora enganada pela magia de Ravana.

Rama colocou suas hostes da seguinte maneira: o macaco Nila, atacando a porta norte da cidade sitiada, que estava protegida pelo general râkchasa Prahasta; Angada na porta sul, por sua vez guardada por Mahaparshwa; Ha-nuinan, na porta leste, defendida pelo príncipe Indrajiit, e êle, em pessoa, atacou a porta oeste, chamando Ravana para que viesse enfrentar um combate pessoal.

As hostes de Rama iniciaram o ataque ao mesmo tempo, ao grito de "Vitória para Rama e Sugriva!" A batalha foi igual para as duas partes, durante o dia. Os râkchasas resolveram esperar pela noite, já que sabiam que durante a noite eles eram mais fortes do que os assaltantes. Quando o Sol se pôs, caíram sobre os macacos, matando-os aos milhares. Estes, ao verem a terrível matança a que estavam sujeitos, retiraram-se, e o príncipe Indrajiit, percebendo que fugiam, fèz-se invisível, através de arte mágica, e feriu Ha-numan, Rama e Vibhichana. Depois voltou para junto de seu pai e apresentou-se como vencedor, recebendo as suas felicitações.

Entretanto, no campo de Rama, a desolação era grande. Os macacos acreditavam que Rama tinha morrido e Vibhichana, vendo o estado moral em que estavam, fez um supremo esforço e falou-lhes, dizendo-lhes que Rama não morrera. Entretanto, Rama recuperava os sentidos e os macacos regozijaram-se, mas ao ver que seu irmão jazia como morto, grandes foram suas lamentações. Por fim, deu permissão a seus exércitos para irem para onde quisessem. Todos estavam de acordo em partir, já que não tinham vontade de continuar uma batalha tão sangrenta. O próprio Vibhichana era daquela opinião, e já não desejava o trono de Lanka. Foi então que Sugriva começou a pagar a dívida que tinha com Rama, alentando-os a fim de que continuassem, e o mago Sushena contou-lhes que existiam umas ervas mágicas, que cresciam ao lado do oceano branco, e curavam todas as feridas, por muito terríveis que fossem. Reuniram-se todos para ver a quem caberia fazer viagem tão longa em tão pouco tempo, e, como é natural, todos escolheram Ha-numan.

Enquanto assim falavam, um vendaval tremendo ergueu-se, açoitando o mar, até convertê-lo num espetáculo que infundia pavor ao mais valente. No meio daquele espantoso temporal, apresentou-se Garuda, e, ao aparecer, as feridas de todos que se encontravam às portas da morte cerraram-se, e os filhos de Daçaratha voltaram a recuperar a saúde. Rama dirigiu-se a Garuda e perguntou-lhe quem era. Garuda respondeu-lhe da seguinte forma:

— Sou teu amigo: sou Garuda, que veio ajudar-te, sabendo que estavas como que preso, sob o efeito das flechas mágicas de Indrajiit. Daqui por diante deverás ter cuidado com os râkchasas e saber que eles combatem com magia, de maneira que não deves confiar no campo de batalha. Eu tomarei meu caminho e não te preocupes em saber como existe amizade entre nós dois. Tudo saberás quando a batalha termine. Seguramente, matarás Ravana e resgatarás Sita.

Garuda despediu-se de Rama e dos chefes dos macacos e desapareceu nos céus. As hostes tornaram a animar-se, e os tambores e demais instrumentos para fazer com que o medo entrasse no coração do inimigo, foram usados durante toda a noite, formando, ao ouvido, uma melodia horríssona. Os râkchasas atacaram durante a noite, comandados por Dunrakchasas, mas Hanuman saiu com um grupo dos seus, para efetuar o contra-ataque. Dunrakchasas feriu-o com um dardo envenenado, e foi tal a fúria de Hanuman, que arrancou o topo da montanha, deixando-a cair em cima dele. Os râkchasas, ao ver a morte de seu chefe, retiraram-se.

Ravana estava enfurecido, e logo depois mandou um de seus chefes mais temidos, chamado Trovão. Contra este saiu Angada e atravessou-o com uma lança, cortando-lhe a cabeça e levando-a a Rama. Ravana jurou vingança e mandou Akampana, mas este sofreu a sorte dos demais, às mãos de Hanuman, em combate singular. Ravana, dessa vez, ficou preocupado e compreendeu que chegara, enfim, o dia. O seguinte a entrar na liça foi Prahasta, a quem êle deu o encargo de terminar, de uma vez, com todos os macacos e trazer Rama vivo ou morto.

Prahasta saiu em seu carro prateado, e, armado com umas flechas feitas com arte mágica, começou a matar milhares e milhares de macacos. De tal maneira caíam as hostes de Rama, que um rio de sangue chegou até o oceano. Então, o filho de Agni, chamado Nila, atacou Prahasta com uma árvore. Prahasta feriu Nila com uma verdadeira nuvem de dardos. Nila, repondo-se, conseguiu quebrar-lhe o arco, e, então, os dois esforçados campeões lutaram corpo a corpo. Prahasta deu ao outro um golpe terrível com sua clava, mas Nila atirou-lhe uma pedra de tais dimensões que lhe esmagou o crânio." Ravana cobriu a cabeça quando teve conhecimento da morte de Prahasta.

No dia seguinte, a batalha alcançou seu apogeu. Ravana em pessoa saiu para decidir a sorte do dia. O primeiro a apresentar-se ao combate foi Hanuman. Longa foi a luta, e de tal ferocidade, que o próprio Ravana teve que reconhecer as proezas de que Hanuman era capaz. Enquanto o lisonjeava, deu-lhe um terrível golpe de clava, e Hanuman tombou desacordado.

Todos os macacos suplicaram a Rama que tomasse parte no combate, e Rama, que esperava ansiosamente aquela ocasião, ia lançar-se sobre Ravana, quando seu irmão Lakcha-mana lhe disse que a ele tocava aquela vez. Rama compreendeu que seu irmão tinha razão, e concedeu-lhe o privilégio. Lakchamana derribou Ravana de seu carro de ouro, coisa que jamais ocorrera em nenhuma das batalhas nas quais Ravana tivera parte. Mas, ao fazê-lo, foi ferido, e então Ravana quis apoderar-se dele para lançá-lo ao mar. Qual não foi seu assombro, ao ver que não podia levantá-lo, êle, que inclusive moveria o Himalaia! Naquele momento crítico chegou Hanuman, agarrou Lakchamana, atirou-o às costas e partiu com êle, levando a rapidez de um raio.

Naquele dia, Rama resolveu a batalha. Entrando na lide como um furacão, destruiu o carro de Ravana e atravessou-lhe o corpo com flechas ardentes, rompendo-lhe a cabeça a golpes de clava. Ravana tombou ao solo, sangrando e desfalecente. Rama, que era a bondade personificada, compreendendo que Ravana fizera esforços terríveis contra muitos naquele mesmo dia, perdoou-lhe a vida, dizendo-lhe:

— Vai para Lanka, Ravana, e cura tuas feridas, já que fizeste atos dignos de um herói. Volta amanhã, entretanto, e eu te desafiarei para um combate singular.

Ravana partiu para Lanka, e todos os deuses cantaram as proezas do magnânimo Rama. Ravana, em vez de aceitar o combate com Rama, no dia seguinte, decidiu chamar seu aliado mais poderoso e ordenou que acordassem Kumbakarna, que já havia nove meses vinha dormindo. Desde sua última batalha, conforme era de seu costume. Tratava-se do guerreiro mais esforçado entre os râkchasas, e Rama, ao ver o estado em que estavam suas tropas, resolveu que seria melhor efetuar uma retirada e assim o fèz.

Os râkchasas, convictos de que haviam vencido, dedicaram-se a festejar a vitória, em Lanka, segundo Rama previra. Foi então que Hanuman encarregou-se de colher as ervas mágicas que tudo curam. Hanuman partiu, dando um salto terrível, e ao chegar ao Himalaia, como o tempo era escasso, apanhou o monte inteiro onde cresciam as ervas e voltou com elas para as hostes exaustas de Rama. Todos os que beberam o filtro das ervas mágicas recobraram seu vigor, como se não tivessem sido feridos. Indrajiit saiu para o combate no dia seguinte, mas encontrou a morte às mãos dos guerreiros de Rama. Grandes foram os lamentos de Ravana ao inteirar-se da morte de seu filho:

— Os três mundos, com todos os seus bosques e montanhas, estão vazios, agora que tu, ó herói, te fôste para o mundo de lama. Tu é que devias prestar-me as honras fúnebres, não eu a ti!

Tão terrível foi seu desgosto que decidiu matar Sita. Os sábios que sempre o acompanhavam, entretanto, lembraram-lhe que não tinha poder para matar uma mulher, e aconselharam-no a matar Rama, casando-se a seguir com Sita.

No dia seguinte saiu Ravana com uma arma e não parou até localizar Rama, a quem atacou. Terrível foi a batalha: os dardos acesos atravessavam o céu, iluminando-o com luz mais intensa do que a do Sol. Rama apanhou sua cimitarra mágica e atacou Ravana num corpo a corpo. Mal lhe cortava as vinte cabeças e outras vinte saltavam, pondo-se no lugar das cortadas. Rama, compreendendo que assim não chegaria a matá-lo, apanhou a arma que Agastia lhe dera, e então o vento cessou de soprar, o sol e o fogo esconderam-se, e apareceram Neru e Mandara, abençoando a arma de Rama. Este a colocou em seu arco, como uma flecha, e

disparou-a contra Ravana. Assim morreu o rei dos râkchasas, o temido Ravana.

O céu aquietou-se e ouviram-se vozes celestiais que cantavam louvores a Rama e a todos os seus descendentes. Terminada a batalha, Lakchamana trouxe água pura do oceano, e ungiram Vibhichana rei de Lanka, efetuando-se a cremação de Ravana com todas as honras devidas a um herpi que morrera no campo de batalha. Todos os presos e cativos que estavam em Lanka foram postos em liberdade, por ordem do novo rei, e as mulheres regressaram, descendo dos esconderijos das montanhas, onde se haviam ocultado até então.

A PURIFICAÇÃO DA RAINHA SITA

Então, o valoroso Rama disse ao macaco Hanuman:

— Meu amigo, pede permissão a Vibhichana, o poderoso monarca: entra na cidade de Lanka e dá os bons dias à princesa de Mitila. Comunica-lhe que me encontro bem de saúde, assim como Sugriva e Lakchamana, e dize-lhe que Ravana encontrou a morte em combate. Conta à minha videana essas agradáveis notícias, e volta logo que ela te tenha comunicado as suas.

O macaco vigorosíssimo introduziu-se no opulento palácio de Ravana, e ali encontrou, desprovida de honrarias, Sita, a virtuosa esposa de Rama. O macaco saudou a militiana, inclinando o corpo e abaixando a cabeça. A seguir, transmitiu-lhe as palavras do esposo. Sita levantou-se, sobressaltada, mas a alegria tirou-lhe a voz, e aquela mulher de lindo rosto brilhante como o do astro da noite, não conseguia articular palavra.

O macaco, que se conservava de pé diante dela, prosseguiu:

— Mulher virtuosa, que te consagras à felicidade de teu marido e que eras para êle a felicidade da vitória, digna-te dar-me tuas ordens e voltarei ao lugar onde me espera o ragüidal

A filha do rei Djanaka replicou:

— Chefe dos macacos, o que desejo é ver meu esposo!

O macaco de grande ciência foi à procura de Rama, e disse estas nobres palavras ao herói:

— Tua mitiliana está absorvida pela tristeza, em prantos, e, sem mesmo inteirar-se da vitória, fêz-me saber que deseja ver-te.

Rama, banhado em lágrimas ao ouvir Hanuman, abandonou suas reflexões.

Depois de longos e apaixonados suspiros, olhando para o chão, disse a Vibhichana, o monarca dos ràkchasas:

— Manda vir aqui a princesa de Mitila, Sita, a minha videana, assim que ela tenha lavado a cabeça e vestido seus trajos celestes e se adornado com celestes jóias.

Ainda não tinha acabado de falar e já Vibhichana partia diligentemente. Entrou no gineceu, e, juntando as mãos, disse a Sita:

— Lava a cabeça, cobre-te com trajos celestes, e sobe, se te parece bem, ao carro, pois teu esposo deseja ver-te.

A videana, para a qual seu esposo era uma divindade, ao ouvir aquelas palavras, disse, fiel ao amor e à vontade de Rama:

— Assim seja!

Duas jovens num momento lavaram-lhe a cabeça e pentearam-na. Adornaram-na, depois, com roupas preciosas e ricas jóias. A seguir, Vibhichana ajudou-a a subir para uma liteira magnífica, coberta com tapetes suntuosos, e conduziu-a, escoltada por numerosos ràkchasas. Excitados pela curiosidade e desejosos de ver a mitiliana, os macacos principais a esperavam à passagem, e contavam-se por centenas de milhares.

— Que beleza será essa videana? Quem é a pérola das mulheres, pela qual arriscou-se o mundo dos macacos? — diziam entre si.

O prudente Rama disse então a Vibhichana, com voz forte que se assemelhava ao ruído de um choque de nuvens:

— Não são as casas, nem as roupas, nem o recinto cercado de um serralho que põem uma mulher ao abrigo dos olhares: o véu de uma mulher é a virtude da esposa! Esta

que vemos nos traz a guerra e é presa de um grande infortúnio. Não acho mau, portanto, que os olhares se dirijam para ela, sobretudo em minha presença. Faze com que ela desça da liteira e conduze-a a pé até aqui! Que os homens do bosque a vejam!

E Vibhichana trouxe a mitiliana à presença dele.

Quando ouviram as palavras do ragüida, os macacos e todos os generais de Vibhichana, e o povo, se entreolharam e diziam consigo:

— Que vai ele fazer? Adivinha-se nele uma cólera secreta, que aparece em seus olhos.

E ao ver os gestos de Rama surgiu o medo em seus ânimos, e, trêmulos, mudaram de côr. Lakchamana, Sugriva e Angada, o filho de Bali, encheram-se de confusão, e, abstraídos em seus pensamentos, pareciam mortos. Ante a indiferença que êle mostrava por sua esposa, e ante suas maneiras terríveis, Sita parecia um ramalhete de flores murchas, abandonado pelo dono.

Seguida por Vibhichana, desfalecendo seus membros púdi-camente, a mitiliana adiantou-se para seu esposo. Viram-na aproximar-se dele, tal como Sri, revestida de um corpo, ou tal como a deusa de Lanka, ou tal, enfim, como a esposa do Sol, Pabra. Ao ver Sita, todos os macacos sentiram-se transportados da mais alta admiração pelo poder de sua graça e beleza.

A djanakida, perturbada pelas lágrimas e pelo pudor diante daquela reunião de povos, acercou-se de seu esposo, como a encantadora Lakchmi aproximara-se de Vixenu. O ragüida, ao contemplar aquela mulher, de beleza celeste, prorrompeu em pranto, mas não disse uma só palavra, pois a dúvida surgira em sua alma. Solicitado pela cólera e pelo amor, pálido, os olhos avermelhados, esforçava-se por conter as lágrimas. Via de pé, diante dele, aquela rainha, tomada de calafrios de pudor, perplexa em seus pensamentos, presa da mais viva aflição, e como viúva abandonada. Irrepreensível, inocente, alma pura, não conseguia que seu esposo lhe dirigisse a palavra. E com os olhos banhados de lágrimas pudicas, desatou diante daquela assembléia numa torrente de prantos, e aproximou-se de Rama, dizendo:

— Meu esposo!

Essas palavras, que pronunciara soluçando e suspirando, perturbaram com uma lágrima os olhos dos capitães símios, que choraram tristemente. O sumitrida sentiu renascer sua emoção, cobriu o rosto com as vestes e fêz um esforço para conter as lágrimas e permanecer impassível em sua firmeza. Por fim, Sita, a de talhe encantador, tendo observado a mudança operada em seu esposo, despojou-se de sua timidez e pôs-se diante dele. Em seu olhar lia-se mais de um sentimento: a surpresa, o amor, a cólera e a dor.

Rama franziu suas sobrancelhas negras e lançou olhares oblíquos para Sita, e ante os macacos e os râkchasas dirigiu-lhe estas palavras mordazes:

— O que um homem está obrigado a fazer para lavar as ofensas, fiz eu, e por isso reconquistei-te. Salvei, pois, a minha honra. Mas não esqueças uma coisa: os trabalhos e as fadigas que junto com meus inimigos suportei nesta guerra, foram frutos do rancor, senhora, e não enfrentados por tua causa! Reconquistei-te de entre as mãos de meu inimigo, em minha cólera, para salvar minha honra e lavar a mancha lançada sobre a minha ilustre família. Tua presença me incomoda, como lâmpada que se apresentasse a intervalos diante de meus olhos. Vai-te, pois. Eu te autorizo a ir! Vai-te, djanakida, para onde quiseres! Aqui tens os dez pontos do espaço: escolhe! Não há nada comum entre tu e mim. É digno de um homem de coração, filho de nobre família, voltar a tomar uma esposa, depois de ter esta habitado o teto de outro homem e quando a dúvida empanou-lhe a alma?

Ao ouvir pela primeira vez as horríveis palavras de seu esposo ante a assembléia de povos, a mitíliana curvou-se ao peso do pudor. Depois, enxugando o rosto banhado em lágrimas, lentamente, com voz vacilante, disse estas palavras ao esposo:

— Por que falas comigo, herói, como com uma esposa vulgar, nessa linguagem ofensiva e sem igual? Nunca, nem mesmo em pensamentos, fui infiel a ti! Oxalá os Deuses, nossos senhores, dessem o testemunho da certeza desta verdadeira palavra! Se minha alma e minha natureza castas, se nossa vida comum não puderam arrancar-me de ti, esta desgraça irá produzir-me a morte eterna.

E Sita, ao falar assim, chorava, com voz balbuciante de lágrimas. Depois recolheu-se em seu espírito, e disse com tristeza a Lakchamana:

— Filho de Sumitra, levanta-me uma pira. Esse será o remédio para o meu infortúnio. Combatida injustamente por tantas desgraças, já não tenho forças para suportar a vida.

Lakehamana olhou para o rosto de seu irmão, e como viu manifestar-se sua opinião na expressão de seus traços, o robusto guerreiro fez uma pira. Imediatamente, a videana adiantou-se para o fogo aceso, e juntando as mãos e erguen-do-as à altura da fronte, dirigiu esta oração ao deus Agni: "Assim como jamais violei em público nem em particular, em ações ou palavras, em espírito ou em corpo, minha fé dada ao ragüida, assim como meu coração jamais se separou do ragüida, protege-me, Fogo, testemunho do mundo, protege-me!"

E, prosternando-se ante seu esposo, atirou-se depois, resolutamente, às chamas. Imensa multidão de adultos, crianças e velhos, reunida diante daquele lugar, viu a miti-liana atirar-se à pira. Depressa foram ter ali, todos juntos, Kureva, o rei das riquezas; lama, com os Manes; o deus dos mil olhares, Monarca dos Imortais; o ditoso Siva, o de três olhos, cuja bandeira tinha um touro por emblema; o bem-aventurado criador do mundo, Brama, e o rei Daça-ratha, que foi conduzido em meio do espaço por um carro de esplendor igual ao do Rei dos Deuses. Todos chegaram apressadamente, com seus carros semelhantes ao sol, ante os muros de Lanka.

Depois, o mais eminente dos Imortais, o santo criador de todo o universo, estendeu um braço, cuja mão lhe servia de adorno, e disse ao ragüida que se achava diante dele, com as mãos em forma de taça:

— Como podes ver com indiferença Sita lançar-se ao fogo da pira? Como não te reconheces a ti mesmo, ó tu, o maior dos deuses maiores! Tu és quem duvida da videana, como um esposo vulgar?

Rama respondeu ao Rei dos Imortais:

— Eu sou simplesmente um filho de Manu, nascido do rei Daçaratha.

O ser de infinito esplendor, que existia por si mesmo, replicou:

— Escuta a verdade, kakutsida, ó tu em quem a força jamais foi desmentida! Tua Excelência é Narayaná, o Deus augusto e bem-aventurado, cuja arma é a chakra! (23) És a mansão da verdade: viveste no começo e no fim dos mundos, mas teu fim e teu princípio são desconhecidos. Se aqui encarnaste num corpo de homem, foi para produzir a morte de Ravana. Foi, pois, graças a nós que realizaste essa façanha, ó tu, a coluna mais forte entre as que sustentam o dever! Agora que o ímpio Ravana está morto, volta, feliz, à tua cidade natal!

O fogo ardente, sem fumaça, respeitou a djanakida. Subitamente, as chamas tomaram um corpo, que apareceu levando Sita nos braços. E de seus braços passou ela para os de Rama, a jovem, prudente videana, adornada com jóias de ouro maciço, os cabelos negros e encaracolados, vestida com roupas de côr escarlate, realçada com frescas grinaldas de flores, semelhante ao Sol Menino.

A testemunha incorruptível do mundo, o Fogo, disse a Rama:

— Aqui está tua esposa, Rama. Recebe-a, pura, sem mancha, eu te asseguro. O Fogo vê tudo quanto se manifesta e vê tudo quanto se oculta.

O herói de grande esplendor e incomensurável energia, Rama, respondeu ao mais excelente dos Deuses:

— Era absolutamente necessário que Sita fosse submetida ante os mundos a esta prova purificadora, pois habitou longo tempo, ela, mulher encantadora, no gineceu de Ravana. Entretanto, eu sabia que a filha do rei Djanaka não havia deixado de amar-me e de me ser fiel. Sabia que de mim se ocupava constantemente seu pensamento. Não! Sita não pode entregar o coração a outro, assim como o esplendor não pode divorciar-se do Sol!

Depois de ter ouvido essas palavras do magnífico Rama, o velho avô das criaturas, o augusto Svayambu (24) falou assim ao seu amado herói:

— Vês ali, num carro, o rei Daçaratha, aquele que foi teu ilustre pai e guru (25) no mundo dos filhos de Manu? Pois hoje, salvo por ti, é feliz, e entrou no mundo de Indra: inclina-te diante dele, e o mesmo deve fazer Lakchamana, teu irmão.

O ragüida e Lakchamana tocaram os pés de seu pai, que estava sentado no meio do carro. O rei Daçaratha disse a seu filho:

— Viste transcorrer, herói, catorze anos nas selvas, por amor de mim, em companhia da tua videana e de Lakchamana. Tua promessa está, pois, cumprida, e tua estada no bosque é uma dívida paga. Tua piedade filial, meu filho, salvou a verdade da minha palavra, e a morte de Ravana, imolado por tua mão, satisfez aos Deuses. Agora, goza tranqüilo, com teus irmãos e em teu reino, a felicidade de uma longa vida.

Depois de ter iluminado com seus conselhos a djanakida e seus dois filhos, o monarca descendente de Ragu, Daçaratha, elevou-se brilhante, para o mundo de Indra. Seguiu o caminho dos Deuses, e ao afastar-se a terra de seus olhos, eles não se separavam do rosto de seu filho, belo como o astro da noite.

Enquanto o kakutsida deificado se afastava, Indra disse a Rama:

— Estamos contentes contigo: dize-me o que teu coração deseja.

O ragüida, com a alma serena, deleitado, respondeu:

— Se consegui agradar-te, ó Soberano dos Imortais, vou pedir-te uma graça, rogando-te que ma concedas. Que os macacos vencidos em combate, por minha causa caídos no império de lama, ressuscitem para uma nova vida. Que brotem como que límpidos mananciais e nasçam raízes, flores e frutos, ainda que não sejam da estação, nos lugares onde se encontram os macacos.

O grande Indra respondeu:

— Hoje mesmo há de realizar-se o que pedes. Nobres, gente do povo e chefes, todos os macacos ressuscitarão, como saem do leito os adormecidos, ao final do sono. Haverá aqui árvores carregadas de frutos e de flores, mesmo que não seja a estação, e rios de águas puras.

Quando o ilustre Monarca dos Deuses acabou de articular essas palavras, Sakra fez cair uma chuva entremeada com ambrosia, sobre o campo de batalha. No momento em que a água vivificante os tocava, os magnânimos macacos voltavam a viver. Dir-se-ia que despertavam de um sonho, quando os inimigos os derribara, mortos, com os membros dilacerados, cheios de ferimentos. Todos ergueram-se perfeitos e sãos, abrindo grandes olhos, com estupor.

RETORNO TRIUNFAL DE RAMA

Ao fim desses acontecimentos, Rama disse a Vibhichana:

— Arranja a forma que me permita voltar depressa à minha cidade, pois o caminho para Ayodhya é difícil de superar.

Vibhichana respondeu:

— Filho do Monarca da Terra, farei com que te con- ‘ duzam para tua cidade num carro celeste, refulgente, incomparável, chamado Puspaka.

E chamou, rapidamente, o carro celeste. O ragüida nele se instalou, acompanhado por seu irmão, levando sua videana, que corava de pudor. Disse, então, a Sugriva:

— Sobe depressa ao carro, com teus generais. E sobe também com teus ministros râkchasas, Vibhichana.

Sugriva e os três reis dos macacos, Vibhichana e seus conselheiros, subiram no mesmo momento para o carro Puspaka, cheios de felicidade. Quando ali se instalaram, Rama ordenou que o veículo partisse, e o incomparável carro de Kuvera (26) elevou-se nos ares.

O carro voou pelos céus como nuvem movida pelo vento. Dali, relanceando os olhos para todos os lados, o guerreiro descendente de Ragu disse a Sita, a mitiliana, com semblante que se parecia ao astro da noite:

— Olha, diviso ali o palácio de meu pai… Ayodhya! Inclina-te diante dela, Sital

Todos os presentes, à exceção dos que já a conheciam, ficaram maravilhados ao ver que a cidade brilhava com o mesmo esplendor de Amaravati, capital de Indra. Era o quinto dia depois dos catorze anos do desterro a que Rama fora condenado. Saudando o ermitão Baradwaja, por êle soube que seu irmão Barata esperava-o com impaciência, levando a vida de um ermitão e honrando as sandálias de Rama. Baradwaja concedeu-lhe a honra de que as árvores e demais plantas estivessem em flor, ao longo do caminho, até a capital, como graça àquele grande triunfador.

Hanuman foi enviado adiante dos demais, para que anunciasse a chegada do vitorioso. Adotou a forma humana e desapareceu com grande velocidade. Chegou ao eremitério onde Barata se havia instalado, e encontrou-o vestido de yogue, magro, com aspecto fatigado. Sua expressão, entretanto, era a de um homem que havia triunfado em seu propósito como vice-rei das sandálias de ouro de seu irmão Rama.

Hanuman contou-lhe quanto acontecera com Rama, desde o momento em que se haviam separado em Chitrakuta, e Barata alegrou-se com todas as coisas que seu querido irmão tinha executado. Deu ordens oportunas aos habitantes da cidade, para que preparassem um festejo como a história não conhecera jamais, para que adornassem as ruas, regassem os pisos, a fim de que não houvesse pó em parte alguma. E que as melhores flores do reino fossem espalhadas por onde Rama devia passar, em sinal de júbilo. Em poucas horas as ruas retumbavam com o pisar da cavalaria, dos elefantes, e com o ruído das trombetas.

 

Chegou Rama, e seu irmão Barata adorou-o e lavou-lhe os pés, adotando as atitudes mais humildes. Rama, comovido com tanto carinho, tomou-o entre seus braços de ferro e abraçou-o com todo o amor do mundo. Barata saudou Sita e foi apresentado a Sugriva, ao qual chamou "nosso quinto irmão". Grandes foram os regozijos, quando Barata e Lakchamana se encontraram.

Rama, deixando os demais, foi apresentar-se ante sua mãe, cujos pés humildemente beijou. Depois, saudou os sacerdotes da capital. Entretanto, Barata trouxera-lhe as sandálias de ouro que lhe pedira naquela famosa ocasião, e colocou-as nos pés de seu irmão e senhor, futuro rei da nação.

Os gritos do povo eram ouvidos mesmo no interior do palácio de Ayodhya, tendo Rama chegado várias vezes aos balcões, para que sua gente pudesse contemplá-lo quanto queria. Era como se o povo jamais se cansasse de aclamá-lo, tal a alegria que manifestava.

RAMA E SITA

Barata, então, devolveu o reino a seu irmão, com as seguintes palavras:

— Deixai que o dia de hoje mostre ao mundo meu irmão Rama em seu posto. Tu, apenas podes suportar o peso de um império como o nosso. Jamais terás que viver em lugares afastados, e sim despertarás aos acordes da música mais suave e tuas escravas estarão dispostas a cumprir teus mais leves desejos. Que reines sobre o povo tanto tempo quanto o Sol exista e até onde a terra estende seus limites.

Rama respondeu:

— Assim seja.

Depois dessa declaração, os barbeiros mais cuidadosos do reino chegaram e pentearam Rama e seu irmão Lakchamana, como era próprio de príncipes, cortando-lhes as melenas que lhes haviam crescido durante os catorze anos de seu des-

têrro. E ambos foram vestidos com as sedas mais finas trazidas de países longínquos. As esposas de Daçaratha fizeram o mesmo com Sita, e cobriram-na com as jóias mais preciosas que já existiram. Entretanto, Kauchalia fazia o mesmo com as esposas dos convidados e os sacerdotes davam as ordens necessárias para a coroação.

Terminados aqueles preparativos, Rama subiu para seu carro, que era guiado por seu irmão Barata, enquanto Strigna levava o leque real e Lakchamana, sobre um coxim bordado com ouro e prata, conduzia o cetro do Império. Sugriva montava sobre um elefante sagrado, e os demais de seu exército, que o haviam acompanhado, iam sobre outros, perfazendo o número de nove mil. O ruído da música precedia Rama, anunciando à cidade a chegada do deus, rei e dono dos humanos. Quatro jarros de ouro puro foram dados a Hanuman, Jambavan, Vegadarsi e Richava, para que fossem aos quatro oceanos e trouxessem água pura para a coroação. Aqueles mensageiros subiram aos ares e partiram para os confins do mundo, trazendo água pura do Norte, do Sul, de Leste e de Oeste.

Vachichta, quando a água chegou, aspergiu todos com o precioso líquido, e proclamou Rama como rei de todos os homens. Ao lado dele estava Sita, que também foi consagrada sobre o trono de ouro que a ambos servia para a cerimônia.

Então, alegraram-se os deuses, os gandharvas cantaram e os asparas dançaram. A terra encheu-se de música, os jardins floresceram, assim como todas as árvores e plantas, reconhecendo Rama. Este, por sua vez, conferiu aos brâmanes toda a sorte de dádivas, desde ouro até cavalos e vacas. Deu a Angada uma cadeia de ouro como as que usam os deuses, a Sita ofereceu um cordão de pérolas como não havia igual sobre a terra, além de outros numerosos presentes, tais como trajos feitos com os tecidos mais finos, trabalhados por espíritos do outro mundo.

Sita, porém, recebendo as pérolas, olhou para seu senhor, e depois para Hanuman. Rama, lendo seu desejo, fêz um sinal de aprovação e Sita ofereceu o magnífico colar de pérolas a Hanuman. O filho do deus Vento, ao colocar ao pescoço aquele calor de pérolas tão extraordinário, iluminou-se como as montanhas quando a Lua as beija com seus raios. Rama entregou os presentes mais finos a todos os demais, e de tal porte como alguns deles nunca tinham visto iguais.

Terminada a cerimônia, Sugriva, Hanuman e Jambavan voltaram para suas terras, e Vibhichana também regressou a Lanka. Rama ficou em Ayodhya, governando um vasto império.

Em seu tempo os homens viviam durante milhares de anos, e as chuvas caíam quando deviam. Os ventos sempre foram favoráveis e durante todo aquele período não houve qualquer doença e os animais selvagens não fizeram desordem alguma entre os súditos de Rama. Não houve, também, invasões de gente estranha, e todos os homens foram felizes, como se estivessem vivendo nos jardins do Éden.

O REINADO DE RAMA

Enquanto Rama esteve no trono, todos os sábios e eremitas vieram visitá-lo. Chegavam do Norte, de Leste, do Sul e de Oeste. Todos iam enviados por Agastia, e Rama adorou-os e indicou-lhes seus magníficos tronos feitos com ervas mágicas e forrados com peles de gamo. Os sábios disseram a Rama a sorte que êle tivera e por que a vitória sobre o filho de Ravana fora mais importante do que a morte do próprio Ravana, já que aquele filho era pior e mais terrível do que êle.

Rama, interessado em tudo quanto estavam dizendo, perguntou qual era a história passada de Ravana e qual a origem dos râkchasas. Tudo lhe contaram com as frases mais lisonjeiras, terminando por dizer:

— Lembra-te, ó Rei dos Homens! Lembra-te de que és Narayana, lembra-te que és Vixenu eterno, e que Sita é Lakehni.

Rama, seus irmãos e todos os que estavam presentes, maravilharam-se com as palavras dos sábios. Agastia, aproveitando um momento de silêncio, despediu-se de todos, e, embora fosse pleno dia, quando êle se levantou de sua cadeira de honra a noite lançou-se sobre tudo, e todos os animais do mundo calaram-se, respeitando a ausência do maior sábio de todo o mundo.

Os macacos ficaram hospedados em Ayodhya por mais de um mês, comendo mel selvagem e tudo quanto lhes apetecia. Todo aquele tempo não lhes pareceu mais do que um momento, já que estavam muito à vontade com Rama, ao qual consideravam como rei e senhor. Chegou o tempo e a hora em que tiveram de seguir para a sua própria cidade, e todos foram beijar os pés de Rama, chorando lágrimas de dor por precisarem despedir-se daquele que tinham acabado por considerar como um pai, mais do que como um rei. Ha-numan foi quem pediu a Rama um favor especial. E com tal graça o fêz que Rama, sem saber o que êle ia pedir, concedeu-lhe de antemão tal favor. Hanuman disse, então:

— Ó Rei, eu quisera continuar vivendo neste mundo durante o tempo de tua existência, e mesmo depois, enquanto os homens continuarem falando de tuas proezas.

Rama concedeu-lhe o que pedia, e colocou-lhe ao pescoço uma correntinha de qualidades mágicas, para que nada no mundo pudesse alterar o que fora solicitado.

Durante dez mil anos Rama continuou governando Ayodhya, e, por fim, aconteceu o que tinha de acontecer: Sita, a bela esposa de Rama, preparou-se para dar ao mundo um filho. Aconteceu que Rama perguntou a esposa se ela tinha algum desejo particular, e Sita respondeu:

— O que mais desejo é visitar os eremitas das margens do Ganges.

Foi concedida aquela graça e a visita preparada para o dia seguinte. Na mesma noite estava Rama reunido com seus conselheiros e sábios, quando lhes perguntou:

— Que dizem meus cidadãos sobre Sita, meus irmãos e Kekeyi?

Um dos conselheiros respondeu que muitas vezes as pessoas falavam da batalha que Rama, seu rei, tinha tido contra Ravana. Rama insistiu sobre esse ponto, já que muito lhe interessava conhecer a opinião de seu povo. Houve um momento de terrível silêncio, e, por fim, o mais velho dentre os conselheiros, falou:

— Sabe, ó senhor, que as pessoas não falam da conquista que efetuaste sobre Ravana, mas apenas estranham que tu, sendo como és, tenhas tornado a receber uma mulher que viveu na casa de outro.

Rama mandou que seus conselheiros saíssem, e chamou seus irmãos. Estes, vendo que Rama estava triste e preocupado, acariciaram-lhe os pés e ficaram olhando para ele, em silêncio, à espera da palavra do sábio Monarca. Rama confiou-lhes o que lhe haviam dito os sábios, acrescentando:

— Sou de uma família muito ilustre, como vós o sois, e Sita provém de uma outra não menos ilustre. E bem sabeis que Sita introduziu-se no fogo diante de vós para provar sua inocência, e que os deuses todos, do ar, do mar e do fogo, e demais hierarquias celestiais, proclamaram que ela era pura. Eu mesmo sei que ela é incapaz de ser outra coisa, senão pura. Mas as maledicêndias de meu povo fazem sangrar meu coração. Mau é para quem quer que seja ter má fala, mas para mim é pior. Tanto assim que não o posso suportar. Tu, Lakchamana, amanhã levarás Sita ao eremitério que há ao lado do Ganges, como ela deseja, sem dizer-lhe nada, e por mais que o queirais, não trateis de demover-me deste meu desejo, pois assim acreditarei que sois meus inimigos.

No dia seguinte Lakchamana foi buscar Sita numa carruagem das mais preciosas que Rama possuía, e disse-lhe que Rama lhe ordenara que a acompanhasse na peregrinação. Sita correu aos seus aposentos para apanhar toda a espécie de presentes valiosos para os brâmanes que habitavam as margens do Ganges. Em dois dias de viagem chegaram ao local desejado. Sita estava encantada, mas Lakchamana outra coisa não fazia senão chorar. Ela, que não compreendia o que se estava passando, disse-lhe que era natural que chorasse pela ausência forçada a que o submetera seu Senhor e Rei, e que também ela desejava ver Rama de novo, para poder contemplar os olhos côr de lótus que êle tinha.

Lakchamana ordenou que mandassem chamar os barqueiros, e atravessaram o rio. Por muito tempo esteve Lakchamana orando, e quando terminou disse a Sita que não se contrariasse pelo que ia dizer-lhe. E continuou, assim:

— O que te vou dizer é extremamente difícil para mim. Deves saber, ó Sita, que meu irmão renunciou a ti porque os habitantes da cidade falam contra ti, por causa do tempo

em que estiveste vivendo com Ravana. E êle ordenou-me que te abandone aqui, em atenção a teus próprios desejos. Mas não chores, porque êle e eu, todos nós, sabemos que és inocente. Podes ficar com Valmíqui, o amigo de nosso pai, e nunca te esqueças de Rama, que nestes momentos está sofrendo as torturas mais espantosas e será abençoado pelos deuses.

Sita, .ao ouvir aquelas palavras, tombou desacordada. Depressa recuperou os sentidos, porém, e queixou-se amargamente, dizendo:

— Ai de mim! Muito devo ter pecado na vida passada para ver-me separada de meu senhor nesta vida, sem ter culpa alguma. Ai, Lakchamana! Antes, viver no bosque não representava provação alguma para mim, já que tinha Rama, a quem servia. Mas, agora, como vou viver sozinha? E que responderei àqueles que me perguntem que fiz eu para merecer semelhante castigo? Preferiria mil vezes atirar-me ao rio, mas não posso destruir a raça de meu senhor. Faze o que Rama te mandou fazer e leva-lhe esta mensagem: "Sabe, ó Rama, que te sou dedicada de corpo e alma. Compreendo que renuncias a mim para evitar as murmurações, e compreendo que, como tua mulher que sou, é de minha obrigação obedecer-te até no desterro. Um marido é o deus da mulher, seu amigo e seu guru. Não me lamento pelo que me sucedeu, porque sei que tudo é devido às más línguas do povo". Vai-te, Lakchamana, e dize estas coisas a Rama.

Lakchamana chegou à capital e apresentou-se a seu irmão com estas palavras:

— Ó irmão! Tudo foi feito conforme teus desejos. Deixei tua santa mulher no eremitérito de Valmíqui. Não deves entristecer-te, pois assim é o tempo, e os que são sábios não lutam contra a hora. Onde as coisas nascem também há podridão: onde há nascimentos há também mortes. Portanto, o amor que se tem aos pais, irmãos, marido ou mulher é mal empregado, já que a separação mostra-se inevitável. Não deves deixar que o povo te veja triste, pois que pode lançar-te culpas, outra vez.

Rama imediatamente sentiu-se melhor e louvou os conselhos e o carinho de seu irmão Lakchamana, mandando avisar de novo aos conselheiros e sacerdotes a fim de reatar as tarefas do governo.

OS ÚLTIMOS DIAS DE RAMA

Na porta do palácio havia um cão que passava o dia chorando e latindo. Aconteceu que um dia, Rama, cansado de ouvi-lo, mandou que seu irmão descesse para ver o que queria aquele animal. O irmão desceu e perguntou ao cão o que lhe acontecia. O animal respondeu que desejava falar com o poderoso Rama, a fim de que este julgasse um caso que era de justiça. Disseram aquilo a Rama, que ordenou fosse o cão levado ao palácio, até a sala do trono. Quando comunicaram a resposta ao pobre animal, este queixou-se amargamente de ser da espécie inferior, pois, assim sendo, como iria penetrar na morada do rei dos homens!

Quando Rama soube do que dissera o cão, respondeu que lhe comunicassem que êle, Rama, autorizava a entrada do cão no Palácio. Cheio de júbilo, o animal meteu-se pelo recinto da mansão do Rei dos reis. Quando chegou diante de Rama, este lhe perguntou o que desejava de sua justiça, ao que o animal respondeu:

— Ó senhor dos senhores! Aconteceu que um dia em que eu caminhava por uma estrada, um brâmane me viu e espancou-me vilmente, sem razão. Venho pedir-te justiça.

Rama ouviu o que o cão dissera e mandou que imediatamente trouxessem o brâmane à sua presença. Quando este chegou, perguntou-lhe se era verdade que tinha espancado o cão sem razão alguma, ao que o brâmane respondeu:

— Estive o dia inteiro pedindo esmolas, e sentia-me cansado e faminto. Este cão não se quis afastar do meu caminho, apesar de eu lhe ter pedido isso. Ó Rei, bati-lhe com um pau: acuso-me culpado e creio que Vossa Majestade devia castigar-me: assim, não terei que ficar com o constante temor do inferno.

Rama consultou com o cão sobre que espécie de castigo deviam aplicar ao brâmane, mas o cão não queria senão que o nomeassem pai de família. Rama consentiu e gabou a perspicácia do animal. Os conselheiros olhavam-se com assombro, até que Rama tornou a chamar o cão a fim de que os sábios da corte compreendessem o acontecido. O cão voltou, e explicou-lhes:

— Uma vez, na outra vida, fui pai de família e tinha criados: era cuidadoso com eles e sempre os servia antes que eu próprio comesse. Entretanto, ó Rei, já podes ver em que penúria caí. Sabei, senhores, que esse brâmane é homem cruel c carece de paciência. Portanto, há de enfurecer-se e terminará caindo nos laços do inferno.

Rama ficou maravilhado com as palavras que acabava de ouvir, mas o cão foi para o bosque de Benares onde começou a fazer penitência.

Também aconteceu que um brâmane apareceu um dia no palácio, com o cadáver de seu filho nos braços e queixou-se ao Rei que por causa de algum pecado cometido, e não por sua culpa, seu filho fenecera.

Rama ouviu o que êle dizia e pensou que o Rei sempre tinha razão. Pediu, imediatamente, seu carro mágico, chamado Puspaka, e subiu para êle. Recorreu todos os confins de seu reino, mas em nenhuma das províncias pôde descobrir o menor sinal de falta leve ou grave.

Tanto em sua viagem de ida como na de volta encontrou–se com um yogue que se estava castigando com as mais terríveis disciplinas, e Rama dirigiu-se a êle, pensando que se alguém poderia saber de alguma coisa, esse alguém devia ser aquele asceta. Desceu da carruagem e acercou-se do yogue, perguntando-lhe cortesmente:

— Ó bendito e santo varão! Dizei-me quem sois, e que quereis ganhar nesta vida e na outra, para que assim vos obrigueis a tais penitências.

O yogue respondeu-lhe:

— Eu vos saúdo, grande Rama. Sou dos Sudras (27), e é pelo céu que faço esta penitência.

Rama arrancou a espada e cortou-lhe a cabeça, com o que os deuses alegraram-se e deixaram tombar uma chuva de flores. Então, Rama orou aos deuses, desejando que devolvessem a vida ao rapaz que jazia morto em seu palácio.

 

Os deuses concederam-lhe o que pedira, e quando Rama regressou encontrou-se com o brâmane que saía de mãos dadas com seu filho, que durante todo aquele tempo havia estado morto.

Entretanto, Sita continuava em seu desterro nos bosques, e ali deu à luz dois filhos. Cresceram eles na selva, sendo educados pelo sábio Valmíqui, que lhes ensinou tudo quanto levara tantos anos a aprender, e, além disso, ensinou-lhes o Ramaiana, dividindo-o em slokas (28), para que em todos os lugares o recitassem, edificando o povo.

Naqueles dias Rama preparou o sacrifício de um cavalo negro como azeviche, com manchas de boa sorte, e ordenou que Lakchamana, seu irmão, o seguisse em suas correrias. Mandou convites a todos os que o haviam ajudado em seu reinado, para que presenciassem o espetáculo final da volta do cavalo. Riquezas incomensuráveis espalhou Rama durante o ano em que o cavalo esteve fora, mas nunca baixou de nível seu tesouro, e jamais houve no mundo tal asva-meda.

Kusha e Lava vieram com Valmíqui à festa, e se alguém lhes perguntava respondiam que eram filhos de Valmíqui. Foram por toda a cidade e cantaram as proezas de Rama. Aquilo chegou ao ouvido dele, que os mandou chamar, reunindo todos os poetas e cortesãos do reino na gigantesca sala do trono, a fim de que ouvissem as novas maravilhas da dicção. Todos os homens que estiveram presentes à festa ficaram admirados com a proeza dos dois meninos, e com suas qualidades de declamadores. Maravilharam-se, também, com a parecença que existia entre eles e Rama, dizendo uns aos outros:

— Parecem-se como dois grãos de milho a um terceiro grão de milho!

Terminado o primeiro dia, Rama quis cobri-los de riquezas, mas eles responderam:

— Para que queremos riquezas, se somos moradores das selvas? Que representa o dinheiro para nós?

Quando ele lhes perguntou quem havia composto a canção, responderam:

— Valmíqui, que é nosso mestre. E ouve, ó Rei: se os relatos de tuas proezas te agradam, ouve-os com tranqüilidade.

Rama ouviu os versos dia após dia, e assim inteirou-se de que aqueles meninos eram filhos de Sita, sua muito querida esposa. Imediatamente, Rama enviou mensagem ao desterro de Sita e perguntou aos eremitas e aos homens santos se responderiam pela inocência dela.

— Perguntai-lhe — disse Rama — se está disposta a provar sua inocência diante de meu povo e levantar tão terrível falsidade de sobre meu nome e seu nome.

No dia seguinte, Sita e os eremitas puseram-se de acordo em que ela se apresentaria diante de Rama e provaria sua castidade. Quando chegou o dia em que Sita devia demonstrar sua inocência, Valmíqui apresentou-se, trazendo-a pela mão. Sita estava mais bela do que nunca. Os anos não se passavam para ela, e cada dia se parecia mais a uma flor de lótus. Foi quando Valmíqui falou diante da multidão, dizendo a Rama:

— Ó filho de Daçaratha! Sita é a pureza em pessoa, e, seguindo o caminho da razão, tu te separaste dela, devido às murmurações do povo. Permite que ela dê, agora, o testemunho de sua pureza. Asseguro-te eu, que há centenas de anos sigo a verdade, que estes dois meninos são teus filhos. Também é verdade o que agora vou dizer: se alguém fôr capaz de encontrar o mais leve pecado em Sita, estou disposto a renunciar a qualquer mérito que me possa advir de todas as inclemências que venho sofrendo há tantos anos.

Quando Rama viu que Sita estava diante dele com as mãos cruzadas, na mesma atitude que uma deusa adotaria, exclamou:

— ó magnânimo brâmane! Creio em tudo quanto me disseste e neste momento reconheço os gêmeos Kusha e Lava como meus próprios filhos. Sita, porém, terá de demonstrar sua inocência, não perante mim, que dela não duvido, mas ante esta multidão que aqui se congregou neste dia e para esse fim.

Quando Rama acabou de pronunciar aquelas palavras, soprou vento suave, os céus esparziram maná sobre os presentes, ficando todos muito assombrados com o que ocorria, pois tal coisa não acontecia desde a Idade do Ouro. E Sita falou, com a cabeça inclinada perante seu senhor:

— Nunca pensei em ninguém mais do que em Rama, mesmo na profundeza de meu coração. Tanto quanto isto é verdade, permitam os Deuses que minha Mãe Terra seja minha protetora. Sempre roguei aos deuses pelo bem-estar de Rama, e por isso rogo a Vachundara que me recolha.

Tendo ela dito isso, apareceu, saindo da terra, um trono resplandecente, de ouro, incrustado com pedrarias e toda a espécie de coisas belas, e que vinha trazido sobre a cabeça de oito poderosas nagas, serpentes semidivinas, semi-humanas. A Terra, ato contínuo, abriu os braços e recolheu Sita em seu seio, desaparecendo ela e o trono, imediatamente, da vista dos humanos. Os deuses encheram o céu de bênçãos de todas as espécies, que tombaram sobre a Terra. Assim, ficou provada a pureza de Sita.

Rama, ao contrário, não se alegrou, já que, diante dele, Sita, sua querida esposa, havia desaparecido, e a Terra a recebera em seu seio. Tal era seu furor que quis declarar guerra à Terra, por lhe ter roubado seu mais precioso tesouro. Valmíqui, vendo que ele estava fora de si, disse-lhe:

— ó Rama dos ditos poderosos! Não deves consumir-te de cólera! Recorda-te que és Vixenu. Sita não tem culpa, e, portanto, sua mãe Terra recolheu-a em seu seio, que é de onde ela provém, e ievou-a para a residência das nagas. Mas não te preocupes: ao reino do céu irás com ela. Ouve, agora, o final da história que Valmíqui compôs, e então conhecerás tua história futura.

Valmíqui, com essas palavras, retirou-se da presença de Rama, a fim de continuar sua penitência, e Rama designou o dia seguinte para que seus dois filhos continuassem a

narração começada. Rama estava muitíssimo triste, o mundo parecia-lhe vazio, sem a presença de Sita, mas deu, a todos, presentes de ouro em tal quantidade que os converteu nos súditos mais ricos do mundo.

Passaram-se mil anos, e Rama ordenou que construíssem uma imagem de Sita, para que com êle sua esposa pudesse compartilhar de todos os ritos religiosos, assim como dos negócios do* Estado.

No dia em que Kaosalya morreu, e com ela Kekeyi, estas ingressaram na corte de Daçaratha. Bharata era rei de Kekaya, e Satruna possuía o reino de Mahdu. Os filhos de Rama instalaram-se em reinos especiais, que tinham sido criados para eles. Por fim, chegou ao palácio de Rama o temido Tempo, que se chamava Narayana, e disse:

— Ó Rei Rama! Vieste ao mundo para destruir o râk-chasa Ravana e além disso te comprometeste a residir neste mundo de misérias durante onze mil anos. Agora esse tempo já se passou e Brama, que tudo sabe, mandou-me que te viesse dizer isso. Agora, responde-me: queres continuar governando os homens ou desejas regressar ao reino dos deuses?

Tendo dito isto, os quatro irmãos, sem combinação prévia, por inspiração dos deuses, uniram-se na mesma cidade de Ayodhya. Ocorreu que todos os seus súditos, inclusive os macacos, que tanto haviam ajudado, queriam ir com êle para o céu. Então, Rama pensou no que precisaria dizer-lhes para ficar bem com tantos vassalos queridos. Aos macacos concedeu o privilégio de acompanhá-lo, mas a Hanuman disse que êle, por sua própria vontade, havia centenas de milhares de anos tinha desejado ficar na terra enquanto houvesse um homem que se recordasse das façanhas de Rama, e portanto, teria que ficar.

No dia seguinte, os quatro irmãos, com todos os que os seguiam, dirigiram-se para Sarayu, que era o lugar onde Brama os aguardava, Brama o deus dos deuses, que saudou Rama da seguinte maneira:

— Saúde, ó Vixenu! Tu e teus irmãos podeis adotar a forma que mais vos agrade, já que voltais para nossa casa.

— Vixenu, ou Rama, entrou então no céu sob sua forma, acompanhado de todos os seus irmãos e servidores, e os

deuses do céu regozijaram-se. Assim, todos os que entraram com Rama chegaram a obter lugares de máximo prestígio rio céu e todos viveram felizes, retirando-se Brama para seu reino particular.

Este é o final do Ramaiana, respeitado por Brama e feito por Valmíqui. Dizem as Escrituras de Brama que aquele que leia o Ramaiana alcançará neste mundo o que queira, como Rama, que, por fim, conseguiu viver com Sita, coisa que os mortais nunca o deixaram fazer.

Notas

(1) Sacrifício aos deuses.

(2) Um dos livros religiosos hindus.

(3) Um sutra é uma máxima, um aforismo. Kalpa é um longo período de tempo, composto de períodos menores, chamados Man-vantaras.

(4) Saudação que expressa o máximo respeito e que se faz dando voltas cm torno da coisa ou pessoa, oferecendo-lhe sempre o lado direito do corpo.

(5) Sacerdote.

(6) O encarregado da parte material do sacrifício.

(7) Cabelos amarrados em molho no alto da cabeça, tal como usavam os ascetas.

(8) Referência a Vixenu.

(9) Segunda pessoa da Trindade bramânica (Brama, Vixenu e Biva), o conservador da criação, o deus conservador por excelência. Teve várias encarnações (avatares), realmente nove, e há de encarnar-se m.iis uma vez, para destruir nosso globo. Buda é considerado o nono Vttar de Vixenu.

(10) Gênios malignos, inimigos do homem, que se transformavam, sempre que assim o desejassem, cm toda a espécie de animais ou de monstros.

 

(11) Medida itinerária equivalente a umas seis milhas.

(12) Príncipe da dinastia solar, rei de Ayodhya e bisavô de Rama.

(13) É interessante observar como esta guerra dos deuses com os demônios, da mitologia hindu, se parece à dos deuses com os gigantes, da mitologia grega.

(14) Gandharvas são seres inteligentes e espirituais, como os anjos do cristianismo; os que cantam e tocam instrumentos harmoniosos, no céu de Indra. Yakchas são servidores de um dos oito Vaçus (gênios protetores das oito regiões do mundo). Nagas são semideuses, com corpo de homem, tendo, em lugar das pernas, uma cauda de serpente.

(14A) Espécie de patriarcas divinos, divididos em três classes principais: os Maharichis, ou grande Richis; os Devarichis, ou richis divinos, e os Radjarichis, ou reis ou príncipes richis.

(15) Um dos nomes de Vixenu.

(16) Um dos nomes dados a Siva, e também, como nome gené-rico, aos semideuses que são manifestações inferiores de Siva.

(17) Gênios dos ventos.

(18) Nome dado a Vixenu, em seu aspecto de "espírito que se move sobre as águas". Lakchmi é a deusa da formosura, nascida da espuma formada quando os deuses bateram o oceano de leite. Esposa de Vixenu e ariãe de Kama, o deus do amor. A Afrodite grega e a Vénus romana têm notória analogia em relação a ela.

(19) Entidades maléficas, tais como os demônios do cristianismo.

(20) Um dos nomes de Indra (Deus do ar e das estações, regente do Oriente e um dos guardiões do mundo).

(21) Os ermitãos hindus vestem-se com trajos feitos de cortiça.

(22) Asceta que através de determinado treinamento, chamado Yoga, chega a possuir faculdades pouco comuns entre os homens. Não confundir com a acepção comum que sc dá também à palavra faquir.

(23) Palavra sânscrita que significa roda, e designa os sete centros de energia que, segundo os ocultistas, existem no corpo humano.

(24) A divindade não revelada, o ser que existe por si mesmo, e em si mesmo, gérmen central e imortal de tudo quanto existe no Universo. Três Trindades ou Tríades confundem-se nele, formando uma Unidade Suprema, que dele emana. Essa tríplice Trindade, compõe-se da Tríade inicial: Lenara. Nari, Viradj; da Tríade manifestada: Agni, Vayu, Surya; e da Tríade criadora: Brama, Vixenu e Siva.

 

(25) Mestre, no sentido didático de instrutor de alguma disciplina científica, ética ou filosófica, e que se aplica aos mestres de compaixão e sabedoria apenas em suas relações com os cheias, ou discípulos.

(26) Oitavo deus védico, vindo logo depois de Brama, Vixenu e Siva. No Panteão Purânico vem cm primeiro lugar, com as divindades celestes.

(27) Pertencente à casta servil, nascida do quarto filho de Brama, surgido de seu pé direito.

(28) Tipo de verso usado nas poesias hindus, composto de dois membros de oito sílabas, com uma cesura. O próprio Ramaiana conta que Valmíqui admirava um casal de passarinhos junto de um rio, quando um caçador, alvejando o macho, feriu-o de morte. Revoltado, Valmíqui não pôde conter uma imprecação contra o perverso matador da avezinha. Essa imprecação saiu-lhe, entretanto, involuntariamente, sob a forma de um sloka. E foi nesse tipo de verso que Brama lhe ordenou que narrasse as empresas de Rama. isto é, que produzisse o Ramaiana. Do fato de ter Valmíqui ensinado Kusha e Lava, os gêmeos, a cantar sua epopeia, veio o nome de Kuchilavas, dado aos cantores populares, dali por diante.

Fonte: Maravilhas do conto Mitológico. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.

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