Os príncipes coroados – Contos Maravilhosos

Os príncipes coroados

NUMA cidade havia três moças órfãs de pai e mãe.

Um dia estavam à janela de sua casa, quando viram passar o rei. Era jovem, belo, elegante e montava um formoso cavalo. A mais velha das moças, extasiada com a beleza do rei, exclamou: — Se eu me casasse com ele, far-lhe-ia uma camisa como nunca viu! A do meio, cheia de admiração, disse: — Se eu me casasse com ele, far-lhe-ia umas calças como nunca teve! A mais jovem disse: — E eu, se me casasse com ele, da-he-ia três filhos coroados.

O rei ouviu a conversa e, no dia seguinte, foi à casa das moças e lhes falou: — Apareça a moça que disse que, se casasse comigo, me daria três filhos coroados. A moça se apresentou e, como era muito formosa, o rei ficou apaixonado e casou-se com ela. As irmãs ficaram com inveja, mas fingiram que nada sentiam e que estavam até muito contentes com o casamento.

Tempos depois a jovem rainha avisou que ia ter um filho. As irmãs correram logo para o palácio, dizendo que desejavam ajudar a rainha. Aproximando-se o dia desta dar à luz, ofereceram-se para servi-la e dispensaram o médico. Nasceram três lindos príncipes. Todos tinham uma pequena coroa na cabeça. Mas as irmãs malvadas da rainha esconderam as crianças numa caixa e a atiraram ao mar. Em lugar dos príncipes, levaram ao rei um sapo, uma cobra e um rato, dizendo com fingida indignação: — Veja Vossa Majestade os coroados que aquela impostora deu à luz! O rei ficou muito desgostoso e, aconselhado pelas cunhadas, mandou enterrar a mulher até o pescoço, perto da escada do palácio, dando ordem para que todos que por ali passassem, cuspissem no seu rosto.

Um velho pescador achou no mar a caixa, abriu-a e encontrou os três meninos ainda vivos. Encantado com a beleza das crianças, levou-as para casa. Sua mulher, que era muito bondosa, criou os meninos com todo carinho, sem saber que eles eram príncipes. Quando ficaram crescidos ao ponto de irem para a escola, passaram um dia pelo palácio do rei e foram vistos e reconhecidos pelas tias. Elas os chamaram, fizeram-lhes muitos agrados e lhes ofereceram frutas envenenadas. Os meninos comeram as frutas e, no mesmo instante, ficaram todos os três transformados em pedra.

Quando soube do que acontecera, o pescador ficou muito triste, mas sua mulher que era adivinha disse ao marido: — Não se aflija. Vou à casa do Sol buscar um remédio milagroso e com ele farei os meninos voltarem à vida. E partiu montada num cavalo. Depois de muito viajar, encontrou um lindo rio. Este lhe perguntou: — Aonde vai, minha velhinha? — Vou à casa do Sol para êle me ensinar que remédio se deve dar a quem virou pedra, respondeu a velha. O rio então disse: — Pergunte também ao Sol o motivo pelo qual, sendo eu um rio tão bonito, nunca tive peixes.

 

 

Em lugar dos príncipes, levaram ao rei um sapo, uma cobra e um rato.
Em lugar dos príncipes, levaram ao rei um sapo, uma cobra e um rato.

A velha continuou sua viagem. Adiante, encontrou uma bela árvore, mas sem um único fruto. Ao avistar a velha, a árvore indagou: — Aonde vai, minha velhinha? — Vou à casa do Sol à procura de um remédio para gente que virou pedra. A árvore então pediu: — Pergunte-lhe também o motivo pelo qual, sendo eu uma árvore tão grande, tão verde e tão bela, nunca dei um só fruto. A velha prosseguiu na sua marcha. Depois de muito caminhar, encontrou uma casa onde havia três moças, lindas e solteiras, mas que já estavam passando a idade de casar. As moças ao vê-la, perguntaram: — Aonde vai, minha avozinha ? A velha disse para onde seguia. As moças pediram-lhe então para indagar do Sol o motivo pelo qual, sendo elas tão formosas, ainda não se tinham casado.

A velha continuou a caminhar. Depois de viajar dia e noite sem parar, chegou finalmente à casa do Sol. A mãe deste, que era muito boa, recebeu a velha delicadamente e ouviu com atenção, toda a sua história. Ficou com pena da corajosa velhinha e prometeu auxiliá-la. Mas disse-lhe que, antes de falar com o filho, ia escondê-la, pois o Sol não consentia que pessoas estranhas entrassem em sua casa. Quando o Sol chegou a casa, depois de ter queimado tudo que encontrou em seu caminho, sentiu cheiro de gente e perguntou zangado à sua mãe: — Há gente estranha nesta casa? Estou sentindo cheiro de carne humana! — Não é nada, meu filho! disse-lhe a mãe. E o cheiro de uma galinha que matei para o nosso jantar.

O Sol ficou tranqüilo e sentou-se à mesa para jantar. Enquanto êle comia, a mãe perguntou-lhe jeitosamente:

— Meu filho, um rio muito fundo e largo por que não dá peixe? — E porque nunca matou gente! respondeu o Sol. Depois de algum tempo, a velha fêz nova pergunta: — E uma árvore grande, verde e bonita, por que não dá frutos ? — Porque há dinheiro enterrado entre suas raízes. A velha esperou mais um pouco e arriscou outra pergunta: E umas moças bonitas e ricas por que não se casam? — Porque costumam cuspir para o lado em que surjo no céu, todos os dias. — E qual será o remédio para gente que virou pedra? perguntou finalmente a velha. Aí o Sol se irritou:

— A senhora já está me amolando com essas perguntas! Mas a velha acalmou-o: — Desculpe, meu filho, como fico o dia inteiro sozinha, vivo imaginando tolices. Então o Sol, arrependido da sua irritação com a mãe, fêz-lhe a vontade: — O remédio para gente que virou pedra é colocar sobre a mesma um bocado do que eu estiver comendo.

A velha prestou atenção às palavras do Sol e, daí a pouco, levou a mão à boca do filho e tirou um bocado do que êle estava comendo, dizendo: — Não é nada, apenas um cisquinho que estava na sua comida. Momentos depois, repetiu o gesto: — Agora, meu filho, é um cabelo. E tornou a esconder o bocado. Na terceira vez, o Sol ficou zangado: — Ora, minha mãe, sua comida está hoje muito suja! Não quero mais comer! Dizendo isto, levantou-se e seguiu para o céu, a fim de realizar sua viagem diária.

A mãe do Sol foi então ao quarto onde estava a velhinha, contou-lhe tudo e deu-lhe os três bocados que tirara da boca do filho. A velhinha montou o seu cavalo e procurou logo o caminho de casa. Passando pela residência das moças, pernoitou na mesma, mas não lhes disse o motivo pelo qual elas não tinham casado. Pela manhã, viu que estavam cuspindo para o lado do nascer do Sol. A velha então as repreendeu, dizendo: — Eis a razão pela qual vocês ainda não casaram. Deixem esse costume de cuspir para o lado em que nasce o Sol. As moças seguiram o conselho da velha e acharam logo casamento.

A velha seguiu viagem. Ao encontrar a árvore que não dava frutos, pôs-se a cavar sob suas raízes, sem dizer nada. Quando, por fim, descobriu, enterrado, um cofre cheio de moedas de ouro, disse à árvore o motivo pelo qual ela não dava frutos. Pouco depois, a árvore ficou carregada de frutos deliciosos.

A velha continuou sua viagem. Ao chegar à margem do rio, este perguntou-lhe pela resposta do Sol. A velha ficou calada enquanto atravessava o rio. Quando se viu na outra margem, andou bastante até ficar bem longe do rio e daí gritou para êle: — Você não tem peixes porque nunca matou gente! O rio aumentou logo o volume de suas águas e produziu uma enchente tão grande que, por um triz, não afogou a velha.

Finalmente, a corajosa velhinha chegou à sua casa. Sem mais demora, colocou os três bocados sobre a cabeça das crianças que, no mesmo instante, se desencantaram, voltando à vida. A notícia do desencantamento dos meninos correu pela cidade e chegou até o Rei. Este ficou interessado em conhecer a história e mandou convidar o velho e os três meninos para jantarem no palácio. O velho não quis ir nem mandar as crianças. Mas o rei exigiu a presença dos mesmos em seu jantar. A velhinha aconselhou então aos meninos que fizessem o seguinte: — Quando vocês chegarem ao palácio e passarem pela escada, ponham-se de joelhos e tomem a bênção àquela pobre mulher que está lá enterrada, que é a sua mãe. Quando chegar a hora do jantar, não queiram ir para a mesa, sem que o rei mande desenterrá-la e sentá-la também à mesa. Quando cada um de vocês receber seu prato de comida, não comam nada e dêem os três pratos à sua mãe que os há de devorar num instante, pois está morta de fome. Aí as duas moças que lá estarão e que são tias de vocês, hão de dizer: — Por que estão dando sua comida a esta mulher? Nada lhe devem! Vocês responderão: — Esta mulher é nossa mãe e nós somos os três príncipes coroados! E mostrarão ao rei suas cabeças.

Foi justamente o que aconteceu. Os meninos cumpriram fielmente as recomendações da velha. O rei abraçou os filhos chorando de alegria e pediu perdão à esposa. Mandou cortar o pescoço das suas diabólicas cunhadas. Mas a rainha implorou-lhe que não mandasse matar suas irmãs. O rei atendeu ao seu pedido, porém condenou as maldosas criaturas à prisão perpétua. Os príncipes pediram ao rei que trouxesse para o palácio os dois velhinhos que os haviam criado. E todos viveram alegres e felizes, por muitos anos.

 


Fonte : Contos Maravilhosos – Theobaldo Miranda Santos, Cia Ed. Nacional

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