Certas Semelhanças entre utopias

CERTAS SEMELHANÇAS ENTRE UTOPIAS

Miguel Duclós

Trabalho originalmente apresentado para a cadeira de Filosofia Geral III –
FFLCH-USP

   Embora a palavra Utopia só tenha sido cunhada a
partir da junção do advérbio grego ou com o substantivo topos por
Thomas More em dezembro de 1516, na ocasião da publicação de seu livro, o tema
a que se refere sempre foi rico de construções e alimenta a imaginação humana
da antiguidade até hoje. Na Antiguidade, há algumas obras sobre as quais
passarei a vista, tentando extrair semelhanças em conjunto com os três grandes
clássicos da Renascença. Quem se detém neste estudo logo percebe que a utopia é
um tema recorrente tanto no campo da filosofia – na esfera da crítica e teoria
política e social – quanto no campo da história, literatura e outros. O
subterfúgio para propor a existência de um estado ideal parte de dois motes
principais: o primeiro é a consciência do autor acerca de algumas injustiças, iniqüidades
e imperfeições de sua própria sociedade, o segundo é o desconhecido ou o
estranho, que existe em outro espaço indeterminado – como a Atlântida, a cidade
de Utopia, a cidade do Sol, a Nova Atlântida de Bacon – ou em algum tempo
diferente, assumindo assim a forma de lenda ou de profecia – como também é o
caso de Atlântida ou dos mitos milenaristas cristãos. Os conhecimentos
geográficos dos gregos eram limitados, como sabemos, e isso possibilitou
imaginar Atlântida além do Grande Oceano, das duas colunas de Hércules do
estreito de Gibraltar. Com as grandes navegações na Renascença, o mundo volta a
existir em sua vastidão indeterminada de outrora. As façanhas e os relatos dos
viajantes, e a descoberta de terras e povos desconhecidos fermentam de novo a
imaginação dos europeus, em particular dos nossos três filósofos, More, Bacon e
Campanella. Aliás, tais relatos continuaram alimentando as gerações dos
escritores nos séculos seguintes, como se observa em parte do Cândido, de
Voltaire, que conta a utopia de El Dourado; ou nas Viagens de Gulliver; de
Charles Swift, ou no Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens de
Rousseau; ou na utopia brasileira A cidade Perdida, de Jerônimo Monteiro.
Porém, temos em tais obras e romances que contam relatos de viagens duas
vertentes distintas. No gênero utópico, o viajante chega, freqüentemente saído
das garras da morte, e é muitíssimo bem recebido pelo estranho povo, não
cessando então de admirar a nova forma de organização social. Assim é Nova
Atlântida
de Bacon, onde o sentimento de inferioridade dos europeus é
extremo, e onde sua admiração pela magnitude do povo de Bensalém se mostra em
vários pontos. Na outra vertente, temos a figura do colonizador. O colonizador
traz consigo as virtudes de sua própria civilização, e impõe aos povos bárbaros
sua superioridade e valores. Tal é o caso, por exemplo, de Lord Jim de
Joseph Conrad ou de tantos outros, mais próximos da realidade.

   Falamos apenas das utopias renascentistas –
frutos, em parte, das grandes navegações – e da clássica Atlântida. Mas durante
a Idade Média o tema da utopia não deixou de ser palco de férteis elucubrações.
O espaço então desejado como ideal era religioso, com a promessa da volta do
Cristo, que daria início a um reino de mil anos de paz na Terra, segundo os
milenaristas, que se contrapunham ao Apocalipse, cujo relato profetiza o fim do
mundo na ocasião da volta de Cristo. Cristo viria para julgar as almas,
vencendo definitivamente o anticristo, salvando os justos para junto de Deus e
imputando uma segunda morte no lago de enxofre aos ímpios, fornicadores,
tiranos, etc. Além desse enfoque religioso, vemos surgir outros relatos mais
amenos e humorados, como o do País da Cocanha, que projeta, numa Europa
assolada pela fome e pela peste, uma terra de fartura, de saúde, de descanso, e
principalmente de alimentos. Como na fábula de João e Maria, a matéria do país
da Cocanha era feita de comidas apetitosas e guloseimas. O homem não precisaria
trabalhar para garantir seu sustento, se reintegrando assim à natureza e se
livrando daquilo que aparece como uma praga divina em diversas religiões: o
trabalho. Isto se vê, por exemplo, em Hesíodo, no livro Os trabalhos e os
Dias
, quando Zeus castiga os homens beneficiados por Prometeu com o
trabalho; ou no Gênesis, quando, após comer o fruto da ciência do bem e
do mal, o homem é expulso do paraíso e obrigado a garantir seu sustento pelo
suor do seu rosto, na produção de vestuários e na busca de alimentos.

   Na contemporaneidade a utopia adquire formas
incrivelmente complexas em um exército de comentadores, críticos, analistas,
transformando-se, além de crítica, em teoria sociológica e objeto de
importantes estudos, como os de Manhein, Marcuse e Paul Ricoeur. Mas continua a
existir também no campo da imaginação, em obras de ficção literária ou artística,
e em preocupações do novo grande movimento de expansão humana: a conquista
espacial. As conquistas científicas, as viagens espaciais e a descoberta de uma
vastidão sem fim de galáxias e mundos trouxeram de volta a indeterminação do
espaço e propiciaram a criação de certas utopias do século XX. Temos as utopias
hippies, que chegaram a experimentar "sociedades alternativas" em
suas comunidades, ou as utopias negativas, feitas sob o impacto da guerra e sob
os efeitos negativos do avanço científico ou de contextos políticos, como 1984
de Orwell ou Admirável Mundo Novo de Huxley. Porém, é particularmente
interessante notar uma espécie de utopia que vem se mostrando persistente.
Agora os ETs, roubando o papel antigamente destinado a anjos ou outros seres
fantásticos, aparecem freqüentemente como figuras sobrenaturais, com poderes
sobre-humanos, com um conhecimento científico perfeitamente avançado, ou com um
modelo de sociedade ideal. O personagem viajante do livro de Bacon, quando
chega na Nova Atlântida e encontra almas tão boas e generosas, pensa por um
momento estar numa cidade de anjos, divina. Adotando uma postura feurbachiana, poder-se-ia
dizer que os autores de utopias projetam suas esperanças de justiça e virtude
que não vêem realizados em sua própria terra, em algum além-mundo, seja ele
divino, galáctico ou terreno, e com isso humanizam, ocidentalizam o
indeterminado segundo as partes boas e puras de sua civilização ou as
conquistas potenciais que um dia virão. Por isso, não é de se admirar que os
habitantes das longínquas ilhas de Nova Atlântida em Bacon ou da Cidade do Sol
de Campanella tenham elementos estritamente ocidentais, sabendo falar espanhol,
latim e até mesmo reconhecendo a divindade messiânica de Jesus. Aliás, o
cristianismo é uma religião que aspira a totalidade por sua própria natureza,
neste aspecto, é quase uma reforma do judaísmo tradicional, que admitia a
palavra de salvação apenas para os hebreus. O cristianismo promete a redenção
de toda a humanidade, e de todos os povos, que aceitarem e seguirem como
verdadeira a palavra de Jesus. Na própria Utopia de Morus os habitantes da ilha
nada conhecem da civilização ocidental, mas muitos se cristianizam ao ouvirem
pregada a palavra do Evangelho. Neste sentido, Rafael Hitlodeu e seus comparsas
assumem um papel parecido com o dos jesuítas, da CIA de Jesus de padres
militares fundada por Ignácio de Loyola para catequizar os índios em meio à
selva. Aliás, o Éden, a rigor uma outra forma de utopia, é comparado muitas
vezes com as novas terras descobertas por Portugal e Espanha na América, aonde
os indígenas andavam nus sem sentirem vergonha, e o calor e a vegetação dos
trópicos lembrava uma fartura prometida na Bíblia, mas raramente alcançada no
clima de secura e severidade do Oriente Médio e Europa.

   A explicação para os habitantes da Cidade do Sol
e da Nova Atlântida conhecerem traços da cultura ocidental é que os habitantes
das utopias teriam "batedores avançados" que percorreriam o mundo
atrás de boas novidades. Os habitantes da Cidade do Sol, chamado
"solares", teriam inclusive estátuas e homenagens para proeminentes
personagens muito nossos conhecidos, sejam pela ciência, milícia, ou religião,
como Aníbal, Arquimedes, Abraão, etc. Os solares são os menos isolados das
Utopias, pois além das nações vizinhas, chegaram a travar contato com outros
povos mais longínquos, como os hindus. Na Nova Atlântida de Bacon os habitantes
clamam para si um conhecimento mais pretensioso: eles dizem que conhecem muitos
aspectos da civilização ocidental melhor do que os próprios europeus, pois
saberiam remontar mais perfeitamente a tradição ancestral de que os europeus só
tinham vestígios. Assim, a Bíblia chega como que por milagre no mar, anunciada
por um imenso facho de luz celeste, que leva os barqueiros a procurarem e
acharem o baú contendo as sagradas escrituras. Logo depois da morte de Jesus, a
Bíblia – tanto o Novo quanto o Velho Testamento – chega completa aos atlantes,
e, o mais curioso, inclusive com os livros que ainda estariam por ser escritos!
Bacon propõe também uma variação do recorrente mito da inundação. Bacon mistura
as enchentes de Platão com o dilúvio universal da Arca de Noé. Para ele, numa
época remota, a navegação era muito mais avançada do que em sua época. O mundo
inteiro era navegado por diversas frotas de diferentes países ao redor do
globo, por fenícios, trácios, atlantes e novos atlantes. Bacon admite a
existência dos atlantes, e nesta parte o personagem de sua utopia dialoga
diretamente com Platão – assim como os personagens de Campanella e de Morus –
mas tira do filósofo a veracidade do destino final da Atlântida. Eles foram
castigados pelos céus sim, mas ao invés de um terremoto que fez o mar tragar a
Ilha, foram apenas inundados, num imenso dilúvio. A Atlântida é a América de
Colombo, e não é de se espantar o estado de primitividade em que viviam os
indígenas, pois eles, outrora os poderosos atlantes, haviam perdido todos os
seus costumes e cultura durante o dilúvio, voltando à barbárie. Bacon, porém,
não parece ter notícia das imensas e complexas civilizações existentes na
América, como os povos incas, maias e astecas, que além de terem cidades
urbanas com milhares de habitantes, tinham o poder de um Estado e uma
organização social e cultural riquíssima, em alguns pontos lembrando os antigos
egípcios.

   É, aliás, no Egito, que o paralelo com a
Atlântida de Platão encontra novas veredas. Bacon, em Nova Atlântida, se mostra
como no restante de suas obras, disposto a renovar e reformar o saber clássico,
superando-o. Este é o principal motivo do frescor de seus títulos, como Novo
Organón
, Nova Atlântida, etc. No início do diálogo cosmogônico de
Platão, o Timeu e mais detalhadamente no Crítias, está contada a
lenda de Atlântida em sua fonte antiga mais divulgada e completa. Plutarco cita
que a lenda de Atlântida havia começado a ser contada por Sólon, o célebre
legislador ateniense, mas que se constituía uma obra inacabada. Sólon aparece
nos diálogos de Platão como tento voltado de uma viagem ao Egito, na primeira
cidade divisada pelo Rio Nilo. Um sacerdote egípcio recebe muito bem o
ateniense, mas em seguida zomba dos gregos por causa da "meninice"
deste povo. Os gregos não teriam as tradições milenares enternecidas pelo tempo
do Egito, pois estariam condenados e perder toda a sua cultura escrita a cada
dilúvio que ocorresse. Os egípcios seriam protegidos de tal mal por causa do
deserto e das cheias regulares do Nilo, mas os gregos perderiam a sua memória antepassada
a cada enchente, julgando assim que sua cultura havia começado há apenas algumas
centenas de anos. O sacerdote situa então uma civilização grega muito mais
antiga, no incrível tempo de dez mil anos antes da época de Sólon, no século V.
Tal civilização teria como capital uma cidade no exato lugar onde se encontra
Atenas. Foi essa antiga Atenas que liderou o mundo ocidental conhecido contra
um poderoso invasor, vindo do oeste, além das Colunas de Hércules, em vastas
frotas navais.

É, portanto dentro dessa longa tradição e desses vastos mares da utopia que
tentaremos navegar, usando como farol algumas ilhas, ou melhor, obras, capitais
para o assunto.

   Reconhecidamente, o primeiro grande livro a
traçar os contornos de um estado imaginário é a obra prima de Platão, A
República. Este livro começa tratando do problema da justiça, no livro I que
questiona, sem encontrar desfecho: "O que é a justiça?". Para se contrapor
ao relativismo do sofista Trasímaco – para quem, como Cálicles no Górgias, a
justiça é o direito do mais forte – e a inexatidão das definições dos outros
convivas, Sócrates se dispõe a buscar a origem da justiça, supondo que para
encontrá-la seria mais fácil dialogar com os jovens Glauco e Adimanto a fim de
imaginar uma cidade justa.

   A República de Platão é um diálogo de
maturidade, diferente dos primeiros diálogos, ditos aporéticos, aonde uma
questão era levantada, mas não se obtinha conclusão. Embora o mencionado livro
I obedeça a esse molde ( sendo por isso algumas vezes considerado como um
diálogo à parte ), nos outros livros Platão chegará a algumas conclusões
bastante decisivas, que definirão a sua teoria tal como ela ficou conhecida na
posterioridade, como a teoria das Formas ou o julgamento das almas conforme o
Mito de Er. Temos a definição da justiça como "atribuir a cada um o que
lhe é devido". A justiça, o mais alto e necessário dos bens, é aplicado de
forma prática na cidade platônica com as relações entre o corpo social que a
compõe e as três partes distintas da alma e do corpo. Assim a cabeça estaria
ligada à razão e sabedoria e aqueles que a detivessem, em menor número, seriam
os guardiões. O peito estaria ligado à vontade e coragem, e aqueles que a
detivessem seriam os sentinelas, os soldados. Por último, o baixo ventre
estaria ligado ao desejo e à temperança, e aqueles que a detivessem seriam os
trabalhadores, os artesãos, na última classe social de Platão. O interessante é
que o pertencimento do individuo a tais classes estaria ligado sempre às suas
aptidões e inclinações naturais. Não haveria direito hereditário, por exemplo,
e testes seriam feitos constantemente para restituir, aos que deveriam
pertencer a outra classe que não a sua, o devido lugar. Na cidade do Sol de
Campanella, também temos uma atribuição das funções dos indivíduos conforme a
sua inclinação natural, fazendo-se testes para detectar em que tipo de ofício o
indivíduo de revelará mais apto, e portanto, útil. Essa divisão por classes,
além de outros aspectos, vai de frontal encontro aos que pretendem apontar uma
aproximação de Platão com o comunismo de Marx.

    Alguns dentre os guardiões são selecionados
para deter o poder político, e isto é uma aristocracia, pois os guardiões são
também os mais sábios. Os guardiões, tais como a alegoria da caverna mostra,
são os filósofos que ascenderam sua alma dialeticamente até a contemplação das
Formas, e voltaram para pagar sua dívida com a polis, tentando orientar os
cidadãos de acordo com o Bem. Na cidade do Sol, também temos um governo do mais
sábio: o Hoh, chamado por Campanella de O Metafísico. Este seria escolhido já
em idade avançada, depois de uma vida inteira de aprendizado e abstenções. O
metafísico deteria o poder supremo, mas seria auxiliado por três outros
governantes: Por, Sin, e Mor, que seriam responsáveis, respectivamente, pelas
decisões militares, científicas e sentimentais. Aliás, o Sol que aparece na
cidade de Campanella pode ser associado com a importância dada ao Sol em
Platão, como metáfora do Bem, na já mencionada alegoria da caverna. Já na
Utopia de Bacon também há essa classe superior, mas de uma forma mais
democrática. Cada 30 famílias nas cidades poderia eleger um sifogrante. A cada
10 sifograntes, corresponderia-se um protolarca, e em cada cidade haveria mais
ou menos 200 sifograntes. O poder das decisões e as querelas menores eram assim
divididos e nem todas as responsabilidades caíam sobre o príncipe Ademos. Na
Nova Atlântida de Bacon o governo estaria na mão de vários encarregados e
oficiais da casa de Salomão, em diferentes funções. Aqui temos também,
portanto, um governo de mais sábios.

   Uma das preocupações recorrentes dos que escrevem
sobre Utopia é delinear a educação dos jovens, e isso é um tema central da
Cidade do Sol de Campanella, onde os jovens receberiam todo tipo de instrução e
até os muros da cidade seriam decorados com todo o saber conhecido. Esta
preocupação já se encontra em Platão. A educação na República é feita através
da música e da ginástica. A música seria qualquer obra inspirada pelas musas –
e não somente o som musical. A educação grega de então era feita através da
tradição oral que ensinava os poemas homéricos, Ilíada e Odisséia.
Platão bane os poetas de sua utopia, pois os poemas, sendo representação do
mundo sensível, estariam três pontos afastados da realidade. Platão também
condena Homero por atribuir aos deuses e coisas divinas personalidades e
comportamentos por demais mundanos e humanos. No tocante à música, somente a
dória e a frígia seriam permitidas, sendo banidas as harmonias lídias e jônicas.
Em relação à ginástica, tudo seria direcionado de forma a garantir força e
austeridade. Na cidade do Sol de Campanella também há uma grande exaltação dos
exercícios e da ginástica, e os habitantes da utopia de Morus deveriam, em suas
horas de ócio, evitar ficar sentado jogando xadrez, por exemplo, para
exercitarem-se em jogos físicos como o pelão.

   Na alimentação de Platão, à maneira dos
pitagóricos, muitas delícias e excessos seriam proibidos, como o peixe e a
carne, os molhos e os doces. Na Nova Atlântida do Bacon comia-se bem, nos
jantares que não duravam mais do que uma hora e meia: as carnes eram tratadas cientificamente
de forma a não causar mal mesmo a quem fosse fraco de estômago. Os habitantes
da ilha de Morus também não se privam de doces. E como na Nova Atlântida, bebem
vinho, sucos, sidras e outras bebidas especiais. Bacon não poupa elogio nesse
quesito para os habitantes de sua utopia: eles teriam descoberto bebidas
agradabilíssimas e muito revigorantes. O almoço é rápido, mas no jantar os
utopianos comem doces e frutas. O fato de comerem todos em comum, a disposição
e a fala na hora da mesa também é ponto importantíssimo dessas utopias, e será
detalhado mais abaixo.

   Temos ainda mais dois outros pontos que gostaria
de notar na constituição da República de Platão: A abolição de qualquer luxo ou
propriedade privada com a adoção de um regime de simplicidade e vida em
conjunto e a prática de uma política de matrimônios e eugenia. Isso também se
mostra recorrente em outras utopias. Na de More há também a abolição da
propriedade privada e os banimentos do ouro e da prata, usados de forma a se
tornarem desprezíveis. Isso é citado também na Utopia de Bacon. Em More, o ouro
é ensinado como inútil desde a educação das crianças, e a Ilha só o acumula
para pagar os vizinhos mercenários. Mas além dessa exortação à humildade e
igualdade, existe uma espécie de suntuosidade virtuosa no tocante ao
enriquecimento das habitações e das cidades da Ilha. Para More, é pelo fato dos
trabalhadores da Inglaterra terem de sustentar uma imensa corja de vagabundos,
como nobres, cortesãos e abades ociosos, que a jornada de trabalho se torna
demasiado longa. Em Campanella também vemos uma crítica semelhante, quando se
exemplifica dizendo que Nápoles tem 75 mil habitantes, mas apenas 15 mil destes
dão duro na labuta. More propõe que todos trabalhem igualmente, o que tornaria
o trabalho menos cansativo e longo. À agricultura, então, é dada primazia,
sendo obrigação de todos, não importando sua profissão, sendo limitada apenas
pela compleição física natural dos cidadãos. Este é um dos motivos da fartura
de Utopia, que produz mais do que consome, e que permite aos seus cidadãos
usarem seu tempo livre para estudar mais coisas ou embelezar a cidade em seus
concursos de jardim. Porém, é preciso observar que na ilha de Utopia existem
escravos. Os escravos seriam apenas os criminosos condenados ou os estrangeiros
capturados na guerra. Há ainda um terceiro tipo: os escravos voluntários, que
fugindo da ignominia dos seus países de origem, vem buscar refúgio na Ilha de
Utopia, muito xenófoba, e que, à maneira dos atenienses não aceitaria um
estrangeiro como cidadão. Esses escravos voluntários recebem respeito dos
utopianos e vivem de maneira quase livre. No mais, a escravidão seria um
castigo exemplar para os utopianos que, mesmo tendo uma educação esmerada,
insistiram em se tornarem criminosos. Mas, os filhos de escravo não são
escravos e os utopianos não os compram em outros países. A eles estaria
relegado o trabalho considerado indigno a um utopiano, um trabalho não elevado,
e que causaria asco aos piedosos utopianos, como o abate de gado para o açougue.
Campanella critica especificamente o péssimo hábito da Europa de manter servos
e escravos, propondo que, se todos trabalhassem por igual, tal exploração seria
totalmente desnecessária.

   Quanto à eugenia, os casamentos na República
seriam forjados pelos guardiões de forma a parecerem obra do acaso, mas com a
preocupação de garantir a melhor reprodução possível, com uma idade mínima e
máxima em que seria permitida a reprodução. Além disso, os casais não viveriam
juntos e os filhos seriam tomados de seus pais. Na Utopia de Thomas More, a
idade mínima é de 18 anos para as mulheres e 22 anos para os homens. Qualquer
ato sexual pré-nupcial é duramente castigado, sendo até os pais dos infratores
punidos por não terem dado aos filhos a educação adequada. Além disso, o
casamento utopiano tem uma peculiaridade interessante: um ritual, onde antes do
casamento, os noivos se vêem nus, uma forma de conhecerem-se na intimidade para
evitar decepções futuras. Este ritual é expressamente criticado na Nova
Atlântida de Bacon, sendo considerado uma falta de delicadeza anular um
casamento por causa disso. Porém, Bacon acaba propondo algo semelhante: um
local chamado fonte de Adão e Eva, onde os noivos seriam observados
separadamente nus por algum amigo em comum. Em Bacon temos também uma grande
homenagem para os pais de família que alcançarem a marca de mais de 30
descendentes maiores de 3 anos. Na Cidade do Sol de Campanella, há também esse
controle do casamento por parte do estado (19 anos para as mulheres e 21 anos para
os homens), porém é permitido ao homem, antes da Idade limite, aliviar suas
tensões concupiscentes com alguma matrona, ou grávida, ou estéril. Os que se
mantinham celibatos até a idade certa, receberiam grandes honrarias. O controle
eugênico da reprodução dos solares se dá de uma forma divertidamente diferente:
os casais são unidos tentando-se compensar as deficiências e extremos de cada
lado. Dessa forma, um homem robusto deve deitar-se com uma mulher gorda, um
senhor de idade deve deitar-se com uma jovem, um gordo deve deitar-se com uma
mulher magra. Na Cidade do Sol, porém, a reprodução é um tema seríssimo, que
ocupa várias páginas, até mesmo o ato sexual do casal tem data e hora marcada
pelo Estado para acontecer. O homem deve, inclusive, conservar-se e preparar-se
por três dias para garantir a pureza do sêmen. Os solares que, como já vimos,
conheciam as personagens ocidentais, criticam nominalmente o sistema platônico
de eugenia neste ponto, pois os guardiões apenas ludibriariam os amantes e
largariam a reprodução no fundo ao acaso. O matrimônio de Campanella e de Morus
volta a ter o seu caráter sagrado, e há uma crítica do casamento sem amor ou feito
sem vista à procriação dos europeus, se juntando assim a mais um item dos
hábitos corrompidos criticados pelos utópicos. Na Utopia de Morus, então, a
poligamia não é admitida.

   Neste controle rígido da natalidade vemos, como
no resto, uma brusca perda da individualidade, uma submissão dos interesses do
indivíduo aos interesses do Estado. Este também é um tema recorrente nas
utopias: há a abolição da propriedade privada, de qualquer luxo desnecessário
que adule as vaidades, e a instauração de dormitórios e refeitórios comuns.
More critica o monstro pestilento do orgulho que assola a Europa, e Campanella o
excessivo amor próprio, egoísta, que deve ser substituído por um amor ao
Estado. Tudo é feito nas vistas da sociedade. Na utopia de More, há um severo
sistema de vigilância por parte de todos os habitantes, que, como numa cidade
interiorana tudo sabem a respeito das vidas dos outros, e que exortam uns aos
outros a permanecer na prática da virtude. Os habitantes, para saírem dos
limites das cidades, deveriam obter uma autorização especial do príncipe, e
sofreriam castigos se fossem apanhados sem ela. Em Bensalém também vemos essa
rigidez e severidade. Os náufragos de Bacon se vêem presos, mas não
prisioneiros, de um controle externo e que não aparece, mas que enche aquele
lugar benfazejo de mistério. Os agentes do Estado utópico de Bacon vão
aumentando de hierarquia, o que mostra também uma divisão de classes sociais. A
princípio, o mensageiro do Estado recusa a recompensa pela sua boa vontade
afirmando que não poderia ser pago duas vezes. Depois, o hebreu lhe conta um
resumo dos costumes de Nova Atlântida, sem, contudo lhe revelar detalhes
importantes. O viajante de Bacon vê-se então, incrivelmente afortunado porque
Bensalém recebe a visita – a primeira em mais de 10 anos-, de um dos sacerdotes
da instituição que controla a ilha: A Casa de Salomão. Esta é assim chamada por
seu fundador – um antigo e virtuoso rei – em homenagem ao rei Salomão, cuja
obra, por sinal, os bensalenses também conhecem em mais detalhes que os
próprios hebreus. O sacerdote concorda em encontrar com o narrador de Bacon,
que afinal, é o líder de sua tripulação. A partir desse relato, o livro de
Bacon muda de rumo. Os mistérios quase místicos que envolviam a cultura e os
costumes de Nova Atlântida são desvelados para dar lugar ao grande avanço
científico propiciado pela Casa de Salomão. Aqui aparece o tema do domínio
técnico da natureza, constante na obra de Bacon, que propõe uma renovação dos
saberes, uma ciência positiva, um otimismo no progresso e a proposta de novos
métodos de investigação. Esses avanços dos atlantes baconianos se deram, ao longo
dos anos, em vários ramos, desde o controle meteorológico da atmosfera, até a
medicina e as delicias gastronômicos já citadas. Bacon apresenta as figuras
incríveis de ermitões morando em profundas cavernas para realizar experiências
segundo os sacerdotes.

   Este avanço científico também é mencionado nas
outras duas obras da Renascença, mas de forma menos decisiva. Morus faz menção a
vários pontos em que o conhecimento dos utopianos seria mais avançado que o dos
europeus, como na confecção de um tipo especial de vidro. Os solares, além de
absorverem o melhor dos outros povos, ainda tinham um conhecimento exato e mais
avançado acerca de questões astrológicas e de outras artes liberais.

   No tocante à guerra, a coisa difere um pouco. A
república de Platão teria a classe dos sentinelas, mas estes não eram treinados
para conquistar, mas sim para defender. Os utopianos tinham horror à guerra, e
só entravam em conflito bélico por fortes motivos, como autodefesa, expulsão
dos estrangeiros invasores, ou ajuda às nações amigas. Os utopianos, como já
observei, acumulavam ouro e prata unicamente com o propósito de subornar as
cidades inimigas. A ilha de Bacon é quase que totalmente isolada, recebendo
somente visitas esporádicas, e recebendo muito bem os estrangeiros. Porém,
Bacon critica outros povos, como os chineses, que não permitiam a entrada de
estrangeiros, mas exploravam terras estranhas ao seu bel-prazer. A Cidade do
Sol de Campanella é a mais bélica de toda. Além de um governante exclusivamente
para assuntos de milícia, ainda temos a seguinte política: os solares
provocavam a guerra periodicamente, mesmo em tempos de paz, para evitar o
afrouxamento e o destreino de seus soldados. Os melhores guerreiros e sua
coragem – uma elevada forma de virtude – seriam louvados, enquanto os covardes
sofreriam penas públicas.

   Para finalizar, gostaria de sair um pouco do
campo da ficção para citar o campo da história, ainda que não uma história
científica, mas cercada também de inexatidão, mistério e mito. Plutarco inicia
o seu capítulo de Vidas dos Homens Ilustres Comparadas sobre o rei lacedemônio
Licurgo afirmando que nada de certo pode ser afirmado sobre sua vida, nem de
pouco controverso. É por isso que este capítulo é voltado mais à constituição
de Esparta propriamente do que à biografia de Licurgo. Ora, é sabido que a
ascendência de Platão estava ligada diretamente a alguns nobres espartanos,
como Crítias, que foi um dos 30 tiranos que, a mando de Esparta, governaram aterrorizando
Atenas depois de sua derrota na guerra de Peloponeso. Platão, aristocrata,
entrou em conflito com a democracia ateniense instaurada no tempo de Péricles.
Diversos pontos da constituição Esparta, tal como contada por Plutarco, se
fazem sentir na República de Platão, e isso é apontado em muitos comentadores.
Porém, mesclado à rudeza espartana, misturam-se elementos culturais e
espirituais, derivados de Atenas, tais como a exaltação do Bem e das Formas, a
educação esmerada, etc.

   A austeridade espartana tornou-se proverbial já
entre os gregos e alcançou mesmo helenistas modernos. La Boétie, no Discurso
sobre a servidão voluntária cita o episódio de dois lobos irmãos, um alimentado
e mimado desde a infância, outro obrigado a caçar e matar sua presa, para
exemplificar a importância da educação. Rousseau, apesar de ser defensor da
democracia, também em diversas passagens mostra sua preferência por Esparta,
por causa da falta de luxo e da austeridade de seus cidadãos. Na Carta a
D´Alembert, por exemplo, cita um episódio num teatro grego em que um velho
procurava lugar no estádio lotado sendo rechaçado impiedosamente pela massa de
jovens. Os embaixadores espartanos, ao verem aquilo indignados, colocaram o
velho sob sua honrosa guarda, proteção e companhia, o que o levou a exclamar,
diante do silêncio respeitoso da multidão: "Ai de mim, os atenienses sabem
o que é virtude, mas são os lacedemônios que a praticam!".

   Pois bem, conta-se que Licurgo era o irmão
caçula do rei de Esparta, e que quando esse morreu, era o herdeiro natural da
coroa. Porém, de última hora, descobriu-se que sua cunhada estava grávida,
pertencendo, portanto a coroa ao seu filho. A sua cunhada propôs-lhe o seguinte
acordo: ela casaria-se com ele, e abortaria o filho, sendo Licurgo o rei.
Licurgo, horrorizado com tal trama, fingiu acreditar, mas no momento do
nascimento fez empossar o filho do irmão. Sua cunhada, contrariada, passou a
tramar junto com outros, a condenação de Licurgo, acusando-o de querer matar o
jovem rei. Licurgo foge então de Esparta para escapar de qualquer suspeita.
Esparta, porém, corrompida pelo luxo, abastamento, devassidão, etc, manda
chamar de volta, arrependida, o justo Licurgo.

   Este então toma algumas medidas principais, que
serão base de uma constituição que durará por séculos, já que Licurgo é um
personagem muito antigo, quase da mesma época que Homero. Veremos nesta
constituição muitos pontos em comum com as constituições das utopias já
tratadas. Primeiramente Licurgo bane da cidade o valor do ouro e da prata,
transformando-os em matéria sem importância. O dinheiro é feito de um ferro
ordinário, que não podia sequer ser fundido em grandes quantidades. Licurgo
também cria um Senado, para moderar o poder e mediá-lo entre o povo e a
nobreza. Assim, escapa-se da tirania de um rei e da inquietação anárquica do
populacho. Há também a abolição da propriedade privada e qualquer riqueza não
pode ser exposta em público. Os artesãos não confeccionaram luxos
desnecessários, como tapetes e adornos, mas fariam muito bem apenas o básico. A
riqueza privada em casa não permitiria a ostentação, causa de muitos males. Há
a instauração de acampamentos e refeitórios comuns, e a educação dos mais
jovens pelos mais velhos, o exemplo da mesa, e os dísticos exaltando a virtude.
Essa medida foi uma das mais controversas, segundo Plutarco. A multidão
enfurecida por não poder cometer os excessos da glutonia, teria perseguido
Licurgo até que um jovem mais afoito desferisse um golpe num olho de Licurgo,
cegando-o. A multidão, então, teria perdido perdão entregando o jovem à justiça
do legislador, mas Licurgo não impôs nenhuma espécie de castigo ao jovem,
obrigando-o apenas a viver em sua companhia, para aprender o que é uma vida
saudável e justa. Plutarco aponta que o excesso de comida torna o corpo
indolente e preguiçoso, pois é obrigado a dormir longos tempos ao fazer a
digestão. Os jovens espartanos estavam sempre forçando seus corpos ao limite.
Quase não tomavam banho, vivendo sebosos e com a mesma túnica simples,
descalços. Isso nos lembra os habitantes da Utopia de Morus, que raramente
trocavam de roupa, usando sempre uma vestimenta única e durável. Os espartanos
dormiam muitas vezes ao relento, e só podia transgredir o regime de refeições
em comum ao empreenderem alguma caça individualmente.

   A eugenia e o controle da reprodução também está
presente, de forma mais brusca até do que nas utopias. Os jovens não podiam
reproduzir-se aquém de uma idade limite, mas podiam dar escapadelas estéreis,
como em Campanella. Os casamentos eram feitos de forma a garantir que os melhores
filhos sairiam dos melhores pais. A poligamia era permitida, e não encarada
como adultério. Pelo contrário, um velho senhor casado com uma jovem moçoila
podia dividir sua mulher com um rapaz, orgulhoso que ele a enchesse de boa
semente. O jovem que desposasse uma mulher teria de ir furtivamente à noite num
dormitório aonde ela era mantida no escuro, para lá poder com ela se deitar. A
escuridão garantia o clima de mistério e transgressão – ainda que controlada –
mantendo assim acesa a chama do desejo, às vezes por meses. Muitas vezes os
noivos só conheciam suas mulheres à luz do dia tempos depois. Os filhos eram
arrebatados dos pais pelo estado na idade de dez anos. A educação era feita em
rígidos moldes militares. Muitas vezes os jovens tinha de roubar para garantir
seu alimento, sendo castigados se fossem apanhados, mais pela imperícia na arte
de roubar do que pelo roubo em si. As mulheres participavam ativamente dos
exercícios físicos, tanto para poderem gerar filhos mais fortes ao Estado
quanto para suportar melhor as dores do parto. Os recém-nascidos eram
observados, e, se constatada qualquer imperfeição ou fraqueza de índole que
poderia frutificar em afrouxamento e doença, eram atirados em precipícios ou
deixados em vasos ao sol para morrer. A importância da geração de descendentes
era tão grande que muitas vezes superava a hierarquia de idade. A um senhor que
não tinha gerado filhos e andava, pedindo passagem, um jovem retrucou que não
deveria dar-lhe passagem, pois ele não havia deixado nenhum descendente que
procedesse da mesma forma com ele no futuro.

   A educação era feita com base quase que somente
na ginástica. Em relação às letras, eras-lhe ensinado somente o suficiente para
serem respeitosos e temedores dos deuses. As leis de Esparta eram curtas e
poucas, para garantir assim sua universalidade. Os espartanos costumavam falar
pouco e dizer frases ferinas. Os estrangeiros eram em geral mais ignorados do
que desprezados. Os costumes espartanos eram tidos como estranhos pelo resto da
Grécia e vive-versa. Apesar de toda a força militar, Plutarco conta que não era
aconselhado fazer a guerra mais de uma vez com o mesmo povo, sob pena de que
este povo se tornasse tão feroz e acurado na arte da guerra quanto os
espartanos.

BIBLIOGRAFIA

  • Bacon, Francis. A Nova
    Atlântida. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural. Tradução de José de
    Andrade
  • Campanella, Tommaso. A Cidade
    do Sol. Tradução de Aristides lobo. Atena Editora. São Paulo
  • More, Thomas A Utopia.
    Tradução de Jefferson Camargo e Marcelo Cipolla. Editora Martins Fontes.
    São Paulo, 1993.
  • Platão. A República. Tradução
    de Maria Helena da Rocha Pereira. Editora Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa,
    Portugal.
  • Plutarco. Vida dos Homens
    Ilustres. Comparação entre gregos e Romanos. Volume 1. Tradução de Paulo
    Sousa Queiroz. Editora das Américas
  • Russel, Bertrand. História da
    Filosofia Ocidental. Tradução de Brenno Silveira Volume I. Editora
    Companhia Nacional.

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