Vida de Jesus Cristo – François-René de Chateaubriand

Vida de Jesus Cristo

Aparece Jesus Cristo no meio dos homens, cheio de graça e verdade. Arrebatam a autoridade e doçura da sua palavra. Che­ga para ser o mais desgraçado dos mortais, e todos os seus prodí­gios são feitos em bem dos miseráveis. Os seus milagres, diz Bos- suet[1]) são mais bondade que poder.

Escolhe o apóligo ou a parábola, que fàcilmente se entalha 2) no espírito dos povos, para recomendar os seus preceitos. Vai ca­minhando e ensinando através dos campos. Encontrando flores, exorta seus discípulos a confiarem na Providência, que ampara as plantas débeis e alimenta as avezinhas; encontrando os frutos da terra, ensina a avaliar o homem por suas obras. Se lhe trazem uma criança, recomenda a inocência; no meio de pastores, dá-se a si mesmo o título de Pastor das almas, e figura-se levando aos ombros o cordeiro tresmalhado[2]). Na primavera assenta-se na colina, e dos objetos que o rodeiam tira assunto para instruir a multidão assentada a seus pés. Do próprio espetáculo desta multi­dão pobre e desgraçada nascem as suas BEM-AVENTURANÇAS: Bem-aventurados os que choram! Bem-aventurados os que têm fo­me e sêde! Os que observam e os que desprezam êstes preceitos são comparados a dois homens que edificam duas casas, uma sôbre rocha, outra sôbre areia movediça: no entender de alguns intérpre­tes mostrava êle, assim falando, uma aldeiazinha florente sôbre uma colina, e ao sopé desta colina as cabanas alagadas por uma inundação. Quando pede água à mulher de Samária, afigura-lhe a sua doutrina sob a formosa imagem duma fonte de vivas águas.

Os mais violentos adversários de Jesus Cristo não ousaram jamais atacá-lo em pessoa. Celso [3])’, Juliano 2), Volusiano [4]) con­fessam seus milagres, e Porfirio [5]) conta que até os oráculos dos pagãos o denominavam homem ilustre por sua piedade; Tibério [6]) quisera classificá-lo entre os deuses; segundo^Lampridius [7]), Adria­no [8]) erigira-lhe templos, e Alexandre Severo [9]) reverenciava-o a par das imagens das santas almas, entre Orfeu e Abraão, Plínio [10]) depôs ilustre testemunho sôbre a inocência dêsses primitivos cris­tãos que seguiam de perto os exemplos do Redentor. Não há aí filosofia da antigüidade irrepreensível em vícios; os próprios pa­triarcas tiveram fraquezas; só o Cristo é imaculado; é a brilhan­tíssima cópia desta soberana beleza que reside sôbre o trono dos céus. Puro e sagrado como o tabernáculo do Senhor, respirando só amor de Deus e dos homens, infinitamente superior à glória vã do mundo, prosseguia, através das dores, a grande emprêsa da nos­sa salvação, forçando os homens com a superioridade das suas vir­tudes, a abraçar-lhe a doutrina e a imitar uma vida que fôrça [11]) lhes era admirar.

Era amável, franco e terno o caráter, e ilimitada a caridade de Jesus. Isto era: duas palavras, nos dá a conhecer o Apóstolo: “la êle praticando o bem.” Resignação na vontade de Deus luz em todos os momentos da sua vida. Amava e conhecia a amizade; e Lázaro, a quem tirou do túmulo, era amigo seu: o maior milagre fê-lo pelo maior sentimento da vida. Foi modêlo em amor da pá­tria: “Jerusalém, Jerusalém!” exclamava êle, meditando na conde­nação que ameaçava esta cidade criminosa: “eu quis ajuntar teus filhos, como a galinha ajunta sob suas asas os pintainhos; mas tu não o quiseste assim.” Do tôpo de uma colina, lançando a vista a esta cidade condenada por seus delitos a uma destruição horrorosa, não pôde conter as lágrimas: “Viu a cidade, diz o Apóstolo, e chorou”

Não foi menos de notar a: sua indulgência, quando seus discí­pulos lhe rogaram que fizesse baixar fogo sôbre uma cidade de samaritanos que lhe negaram hospitalidade. Respondeu indigna­do: “Vós não sabeis o que me rogais!”

Se o filho do homem saíra 1X) do Céu com tôda: a sua fôrça, pouco lhe custaria a praticar tantas virtudes e a suportar tantas penas; mas aqui salta a glória do ministério; o Cristo sentia a dor; partia-se-lhe o coração como o do homem; nunca deu sinal de có­lera senão contra a dureza e a insensibilidade d’alma. Freqüente­mente repetia: “Amai-vos uns aos outros.” Meu pai, exclamava êle sob os ferros dos verdugos, perdoai-lhes, que não sabem o que fazem.” Prestes a deixar os amantíssimos discípulos, debulha-se [12]) em pranto; ente os terrores do túmulo e as angústias da cruz; um suor de sangue lhe desliza pelas faces divinas; queixa-se de que seu Pai o abandonou. E ao apresentar-lhe o Anjo o cálix, diz: “O’ meu Pai! Faze que êste cálix passe longe de mim. Contudo, se o devo beber,’ a tua vontade se faça.” Então saiu da sua bôca êste dizer, onde se respira a sublimidade da dor: “Minha alma está triste até à morte.” Ah! se a mais pura moral o mais terno co­ração, se uma vida passada a combater o êrro e a consolar o mal dos homens são os atributos da divindade, quem pode negar a de Jesus Cristo ?\!. . . Modêlo de tôdas as virtudes, a amizade o vê adormecido no seio de S. João ou legando sua mãè a seu discípulo: a caridade o admira no julgamento da mulher adúltera: em tudo a piedade o acha abençoando os prantos do infeliz: sua candura e inocência manifestam-se no amor às crianças: a fôrça de sua alma brilha no meio dos tormentos da cruz e o seu derradeiro suspiro é um suspiro de misericórdia!. ..

(Idem).

As idéias grandes e generosas dilatam o horizonte da pátria;


[1] Bossuet — insignéescritor e orador sacro da França.

[2] tesmalhado — sin. perdido.

[3] Celso — escritor latino.

[4] Volusiano — imperador romano (251-253 dep. de Cristo).

[5] Porfírio — escritor latino.

[6] Tibério — imperador romano (14-36 dep. de Cristo).

[7] Lampridius — biógrafo latino.

[8] Adriano — 8) Alexandre Severo — imperadores romanos.

9) Plínio — epistológrafo e panegirista latino.

10) Fôrça — (por enálage) em lugar de forçoso.

11) Saíra ou saísse.

[12] Debulhar-se erl^^’anto — desatar-se, desfazer-se em pranto.

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.

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