A capitania geral do Rio de Janeiro – História do Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

CAPÍTULO X

A capitania geral do Rio de Janeiro

Ao sul do rio Mucuri (18°-30′ de latitude sul), começa o quarto grupo de Estados brasileiros, a capitania geral, depois vice-reino, do Rio de Janeiro, que, a 17 de setembro de 1658, portanto, mais ou menos ao mesmo tempo que a capitania geral de Pernambuco, foi emancipada da autoridade do governador-geral na Bahia.

O capitão-general deste novo território teve a sua sede na cidade de São Sebastião, situada na baía do Rio de Janeiro, e dali governava ele diretamente a real capitania de igual nome e a já completamente incluída, antes capitania feudal, dos Campos dos Goitacases (Paraíba do Sul ou São Tomé), ao passo que sobre os governos hereditários de Espírito Santo, São Vicente e Santo Amaro, apenas exercia fiscalização. Todavia, logo houve uma mudança nessa situação, pois também aqui foram pouco a pouco extintos os poderes feudais. Assim aconteceu com a capitania do Espírito Santo: depois de haver ela ficado século e meio na família do primitivo donatário, Vasco Fernandes Coutinho, um de seus descendentes, Antônio Luís da Câmara Coutinho, vendeu-a, cerca do ano 1690, pela quantia de 40.000 cruzados, ao coronel Francisco Gil Araújo; mais tarde, ainda mudou de dono duas vezes, até que, finalmente, em 1717, o rei d. João V comprou por 40.000 cruzados o Espírito Santo e incorporou o mesmo às terras da coroa.

Por outro lado, formou-se um feudo novo em Campos dos Goitacases; isto é, por um documento de 15 de setembro de 1674, concedeu o rei d. Pedro II ao visconde de Asseca um litoral de 20 léguas, portanto a maior parte da antiga capitania de São Tomé, sob o nome de capitania da Paraíba do Sul; e, de fato, foi com isto este donatário obrigado a fundar duas cidades, uma para porto e outra no interior das terras — condição que ele cumpriu de modo satisfatório, com o estabelecimento ou antes o restabelecimento dos dois povoados, São João da Barra e São Salvador (Campos), ambos no rio Paraíba.

A família do donatário, contudo, pouco gozou do seu novo domínio; os colonos, reunidos de muitas procedências diversas, sem escolha, eram uma gente muito desassossegada e viviam em contínuas rixas, ora com o clero, ora com a autoridade; no ano de 1720 chegou mesmo o estado de coisas a uma formal revolução. Justamente a esse tempo, o clero, após longas altercações, havia excomungado os funcionários civis; instigou então o povo, e este, guiado por Bartolomeu Bueno, sublevou-se; todos os magistrados foram encarcerados e, como prisioneiros, deportados para o Rio de Janeiro; apenas por um triz a tal tratamento indigno escapou o lugar-tenente do donatário, pela fuga. Imediatamente depois, mandou o capitão-general do Rio de Janeiro tropas contra os revoltosos, e, Bartolomeu Bueno, com o seu bando, depois de haver tentado diversas vezes, sem resultado, a sorte das armas, foi durante tanto tempo perseguido, que evacuou a região.

Todavia, também depois de sua retirada e apesar de uma nova remessa de tropas, em 1728, a tranqüilidade e a ordem não se restabeleceram de modo permanente. A autoridade feudal era sempre desafiada publicamente; cerca de 1740, o conselho municipal de São Salvador (Campos) mandou embora, sem mais, um oficial que, por patente do governador, vinha assumir o comando militar; oito anos depois, 1748, quando morreu o donatário, chegou mesmo a audácia ao ponto de se recusar reconhecimento ao próprio filho e herdeiro, e somente depois de formais avisos ameaçadores do Rio de Janeiro, condescendeu o conselho municipal de São Salvador em prestar homenagem ao novo senhor da terra; porém, então, revoltou-se o povo, destituiu o complacente conselho municipal de suas funções e obstinou-se na oposição.

De todo modo, não se pôde resistir às forças reunidas do Rio de Janeiro e Espírito Santo; já em julho de 1748, estava São Salvador nas mãos das tropas do governo, e uma guarnição permanente assegurou daí em diante a obediência da população; contudo, ficou bem evidente para todos que a forma de governo feudal já havia passado do tempo aqui. Concluiu-se então um ajuste entre o rei d. José Manuel e o donatário, visconde de Asseca, no qual este último, mediante uma renda anual de 3.000 cruzados, renunciava a todos os seus direitos de propriedade; extinguiu-se a capitania da Paraíba do Sul e foi incorporada à capitania do Espírito Santo (l9 de junho de 1753). Assim ficou ela, então, durante oitente anos, até que, no curso dos anos de 1832-33, o parlamento brasileiro, por diferentes decretos, a separou e anexou à província do Rio de Janeiro, da qual forma atualmente uma comarca, sob o nome de Campos dos Goitacases.

Finalmente, quanto aos dois últimos feudos, os mais meridionais, São Vicente e Santo Amaro, haviam sido concedidos, como se sabe, primitivamente, a dois irmãos, a Martim Afonso de Sousa e a Pero Lopes de Sousa, e se transmitiam hereditariamente, na sua descendência. Pelas singulares condições territoriais da posse — cada uma das duas capitanias repartia-se em duas partes e as quatro eram contíguas e entremeadas; e quanto a uma demarcação de fronteiras, a ciência de então não bastava — não faltavam motivos para atritos; todavia, durante o século XVI, tudo andou bem; ambas as famílias governantes entenderam-se mesmo para uma administração em comum, em muitos sentidos centralizada; porém, com o tempo, os dois ramos, pouco a pouco, se foram afastando cada vez mais um do outro, os laços de parentesco afrouxaram, começaram os conflitos e processos sobre questões de limites, que duraram muitos anos.

Simultaneamente, quando em princípios do século XVII em ambas as famílias se extinguiu a descendência masculina direta, declarou-se entre o perentesco colateral uma contenda sobre os direitos do parente mais próximo; não pormenorizamos aqui os resultados; basta mencionar que, cerca de 1617 até 1621, foram reconhecidos e sancionados os condes de Monsanto como legítimos herdeiros de Pero Lopes, em Santo Amaro, os marqueses de Cascais como legítimos herdeiros de Martim Afonso, em São Vicente; porém, os condes de Monsanto tomaram posse em primeiro lugar, e com toda a espécie de artimanhas conseguiram deslocar os limites, de tal modo que as três cidades, São Vicente, Santos e São Paulo, foram atraídas para a capitania de Santo Amaro; por outro lado, os loco-tenentes do marquês de Cascais estabeleceram agora a sua sede mais para o sul, na cidadezinha do Itanhaém, cerca do ano de 1624.

Assim, daí em diante, diferenciam-se, segundo as novas capitais, os feudos principais de São Vicente (mais acertadamente Santo Amaro e São Vicente) e Itanhaém. Com esses princípios, naturalmente, as contendas entre ambos os vizinhos limítrofes nunca cessaram; porém, em breve, a questão se tornou mais complicada, pelo fato de entrar na liça do novo candidato, o conde da Ilha do Príncipe, que se apoderou de ambas as povoações de Cananéia e Paranaguá, que faziam parte da capitania de Itanhaém (1653). E verdade que três anos depois, 1656, teve que se retirar dali; entretanto, a sua influência na corte de Lisboa era muito poderosa, e ele soube conseguir que os direitos de posse de ambas as famílias Monsanto e Cascais fossem anulados, porém que fosse adjudicada a ele, conde da Ilha do Príncipe, a herança total de ambos os irmãos Sousa (1679).

Em vez das duas capitais, como até aqui, foi, ao mesmo tempo, elevada a cidade São Paulo a sede do governo provincial, de ambas as capitanias. Santo Amaro-São Vicente e Itanhaém reuniram-se numa só, que daí em diante usou o nome da capital, São Paulo.

Pode-se logo imaginar que os donos desapossados, Monsanto e Cascais, levantaram vivos protestos; de novo surgiu um processo, que durou trinta anos, e afinal se concluiu tomando o rei d. João V posse para si do objeto da contenda, a capitania de São Paulo, que reuniu às terras da coroa; ao marquês de Cascais, cujos direitos se provaram melhores e mais extensos, ele concedeu, além de algumas honrarias, uma indenização de 40.000 cruzados (18 de setembro de 1711); porém, os condes de Monsanto e os condes da Ilha do Príncipe tiveram as suas reclamações simplesmente recusadas.

Assim, todo o território ao sul do rio Mucuri passou ao imediato domínio da coroa; porém, não ficou todo com a capitania do Rio de Janeiro; a jurisdição seria demasiado extensa, e os descobrimentos de ouro, de então, no interior (província de Minas Gerais), que atraíam de todos os lados imigrantes, na maioria, da espécie mais licenciosa, tornaram necessária uma severa fiscalização; o rei d. João V elevou, por isso, a capitania de São Paulo, com o interior rico em ouro, a capitania geral autônoma — São Paulo e Minas (9 de novembro de 1709).

A capitania geral do Rio de Janeiro ficou com isso limitada à atual província do mesmo nome e à vizinha Espírito Santo; mais tarde, porém, foi-lhe anexada, por decreto real de 11 de agosto de 1738, o extremo sul do Brasil, que hoje compreende as províncias de São Pedro do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Além disso, tocar-lhe-ia em breve ainda uma grande distinção, passando o título e as honrarias de vice-reino, que até então pertenciam ao governador-geral da Bahia, para a sua capitania geral; e o primeiro vice-rei do Estado do Brasil, que residiu no Rio de Janeiro, foi o conde Antônio Álvares da Cunha, o IX, de 16 de outubro de 1763 a 21 de novembro de 1767; sucedeu-lhe o X, Antônio Rolim de Moura, conde de Azambuja, até 4 de novembro de 1769; em seguida o XI, Luís d’Almeida Portugal Soares de Eça Alarcão Silva Mascarenhas, marquês do Lavradio, até 5 de abril de 1779; o XII, Luís de Vasconcelos e Sousa, até 9 de julho de 1890; o XIII, Luís de Castro, conde de Resende, até 14 de outubro de 1801; o XIV, Fernando José de Portugal, conde e mais tarde marquês de Aguiar, até 21 de agosto de 1806; finalmente o XV, Marcos de Noronha, conde dos Arcos102, que a 7 de março de 1808 entregou o bastão do seu cargo às mãos da rainha d. Maria e do príncipe-regente D. João VI; extinguiu-se o vice-reinado, quando um verdadeiro rei pisou o solo brasileiro.

Imediatamente, em seguida, foi dividida também a capitania geral do Rio de Janeiro, foram colocadas diretamente sob o governo central, como havia sido disposto, pelo decreto de 25 de fevereiro de 1807, ambas as províncias de São Pedro e de Santa Catarina; a mesma coisa aconteceu ao Espírito Santo. Somente ficou até certo ponto em comum a justiça, porque ainda atualmente devem recorrer à Relação de Segunda Instância, que foi fundada na cidade do Rio de Janeiro, a 15 de julho de 1751, quase todas as províncias que a princípio pertenciam à jurisdição da capitania geral deste mesmo nome.

Quanto às condições da Igreja, já havia sido estabelecida uma prelazia, por um breve papal, de 19 de julho de 1575 e decreto real de 11 de maio de 1577, na cidade do Rio de Janeiro; independente do bispo da Bahia, devia ela administrar as capitanias sul-brasileiras. Ela subsistiu cem anos; então foi o Rio de Janeiro elevado, pela bula de 16 de novembro de 1676, a diocese, cujo bispo devia ser sufragáneo do novo arcebispo da Bahia, e era essa diocese encarregada de toda a antiga esfera da capitania geral do Rio de Janeiro.

Todavia, fizeram-se depois importantes mudanças ali; por bula papal, de 6 de dezembro de 1746, tiveram as províncias de São Paulo e Minas Gerais cada uma o seu próprio bispo; igualmente, nos últimos anos, a província do Rio Grande do Sul; de sorte que a diocese do bispo do Rio de Janeiro compreende atualmente só três províncias: a de igual nome, a de Espírito Santo e a de Santa Catarina.

* * *

Contemplemos agora as diferentes províncias de nossa capitania geral. Primeiramente, a província do Espírito Santo, limitada ao norte pelo rio Mucuri, ao sul pelo rio Itabapoana, que desemboca algumas léguas ao norte do rio Paraíba do Sul, no oceano Atlântico; abrange ela uma área de 3.000 léguas quadradas, com mais ou menos 51.300 habitantes. Por conseguinte, se excetuarmos o Alto Amazonas, é a mais escassamente povoada entre todas as regiões brasileiras; ela constitui, com o território sul-baiano, a velha capitania de Porto Seguro e dos Ilhéus, o trecho de costa atlântica que, após 300 anos de colonização, é a que ainda mais atrasada permanece — uma região selvagem, pobremente cultivada, entre a baía de Todos os Santos e a baía do Rio de Janeiro.

 

E, entretanto, as condições naturais, aqui, não são, em absoluto, desfavoráveis. Ao longo da praia do mar, que é acompanhada por ininterrupta série de escolhos chamados Abrolhos (em português: "Abra os olhos"), continua em considerável largura a abençoada tira de costa que mencionamos em Pernambuco e Bahia como muito própria para o cultivo de produtos coloniais — açúcar, algodão e café.

Seguindo para o interior, eleva-se o solo pouco a pouco em lombadas baixas e vai sempre subindo para o planalto interior brasileiro de Minas Gerais; aqui não são mais as planícies desnudas e pobres de águas e de árvores, do planalto ao norte, mas por toda parte rica vegetação tropical, e solo regado e sulcado por numerosas caudais encachoeiradas.

Porém, justamente essas montanhas cobertas de matas foram grande impedimento à colonização, pois ofereciam ao indígena seguro esconderijo, de onde se lançava em assaltos devastadores sobre as colônias européias, e onde rapidamente se refugiava, antes que os prejudicados se pudessem levantar em represália.

Toda a historia dessa região e especialmente da província do Espírito Santo, visto ela (excetuando um assalto de holandeses contra a cidade de Vitória, 1625) não haver tomado parte alguma nos grandes acontecimentos históricos, limita-se às alternativas de guerra com as tribos selvagens dos Aimorés (Botocudos), Puris e Goitagases, que uma vez ou outra, depois de pesadas derrotas, se conservavam sossegados mais tempo, às vezes durante decênios, porém, logo que se restabeleciam ou se reforçavam com alianças novas, reencetavam as antigas guerras.

Contentamo-nos em apontar o resultado: a colonização portuguesa teve que limitar-se exclusivamente sempre à imediata proximidade do mar, e, como não recebesse auxílio, nem de imigração, nem outro qualquer, dificilmente também aqui ela se teria podido manter, -se não lhe houvessem vindo em socorro algumas numerosas tribos de índios da costa.

Estes, convertidos pelos jesuítas, na guerra contra as hordas selvagens das matas das montanhas, puseram-se ao lado dos brancos e acostumaram-se à vida de lavoura; eles fundaram perto das primitivas povoações dos brancos, Espírito Santo (Vila Velha), Vitória, São Mateus, as aldeias de missão — Itapemirim, Reri-tigba ou Benevente, Almeida, etc, cujos inícios datam, na maioria, dos fins do século XVI, e que até a expulsão da Companhia de Jesus (3 de setembro de 1759) alcançaram um considerável desenvolvimento e não pequeno grau de florescência; contavam-se então mais ou menos uns 40.000 índios civilizados, que viviam contíguos à população branca, mas, absolutamente, não mesclados à mesma pelo contrário, era por lei proibido aos brancos penetrar nas aldeias das missões, sem especial licença, e outra parede divisória era mantida pelo fato de conservarem os jesuítas o uso da língua primitiva dos índios.

Com o tempo, tudo isso mudou, para desvantagem dos índios; os novos regulamentos do marquês de Pombal, de 17 de agosto de 1758, produziram aqui o mais prejudicial efeito, como, aliás, por toda parte; os índios a princípio sob a fiscalização de diretores, depois entregues completamente a si mesmos, voltaram ao estado de selvageria e dispersaram-se, e assim subsiste atualmente aqui apenas um único aldeamento, com 70 habitantes meio civilizados; todas as restantes povoações índias, inteiramente ou em grande parte, passaram às mãos de colonos brancos, e tomaram lugar entre as mais importantes cidadezinhas provinciais.

Em lugar do sistema destruído, depois que o Espírito Santo, ano de 1809, obteve a sua completa autonomia provincial, recorreu-se a outros meios, para elevar de novo esta província abandonada. Primeiramente, procurou-se atrair para ali a imigração estrangeira. O governo do império mandou buscar dos Açores um certo número de colonos, cerca de 50 famílias, que, a 14 léguas ao noroeste da capital, Vitória, entre os rios Itaquari e Santo Agostinho, então se estabeleceram na encosta da serra dos Aimorés; a fundação recebeu o nome de Viana, nome do intendente -geral da polícia, Paulo Fernando Viana103, que vivamente se interessou pelo plano e cooperou na sua realização (1812-1816). Contudo, a princípio foi duvidoso o êxito; o clima tropical, as insalubres emanações das baixadas vizinhas e os pesados trabalhos dos primeiros estabelecimentos ceifaram muitas vidas de colonos; além do que Viana, que devia servir como que de obra avançada para Vitória, teve de sofrer repetidos ataques dos Botocudos selvagens, pelo que a maioria dos açorianos tratou de fugir; porém, o governo mandou buscá-los de novo por soldados e deu ao povoado uma guarnição para sua defesa e vigilância. Pouco a pouco, foram melhorando as condições, e Viana subsiste ainda, em geral cuidando da cultura do café, todavia sem grande importância, e sobretudo sem que o seu exemplo tenha exercido influência digna de nota para a imigração e a lavoura.

Somente no ano de 1847 foi empreendida segunda tentativa de colonização, fundando o então presidente provincial, Luís Pedreira do Couto Ferraz, a colônia Santa Isabel, nos arredores de Vitória; primitivamente povoada com 176 imigrantes alemães, que receberam as suas terras em donativo, contava, no ano de 1850 apenas 164 habitantes, que foram elevados, até 1856, a 225.

Além dessa, foram projetadas mais duas colônias em tempos recentes: Rio Novo, custeada por uma companhia de colonização, constando de 20 léguas quadradas de terras, onde são oferecidos lotes por aforamento ao imigrante, e Santa Maria, na margem do pequeno rio de igual nome, constando de quatro léguas quadradas, onde o próprio governo vende as terras para livre posse.

Todavia, todas estas coisas passam para segundo plano; o mais importante aspecto na história provincial moderna são os planos para a navegabilidade do rio Doce; e, para podermos apreciar esta obra, devemos lançar ainda um golpe de vista sobre as condições geográficas.

 

 

Do núcleo de rocha do coração do Brasil, da província de Minas Gerais, des-penham-se, em direção ao mar, perpendiculares à costa, três cursos de água de ordem média; ao norte, o rio Jequitinhonha (Belmonte), que desemboca a pouca distância de Porto Seguro, província da Bahia (e já mencionamos que desde mais de 40 anos se pensa em tornar navegável esse rio), depois o rio Mucuri e o rio Doce, que ambos têm a sua embocadura em terras do Espírito Santo. Todos estes rios, ao primeiro golpe de vista, parecem oferecer as naturais vias de comércio entre o interior e a costa; porém, tal não se dá, pois sendo o seu curso relativamente curto, tanto maior é a sua queda; em sucessivas cachoeiras fazem caminho pelos diversos degraus do planalto, e a grande quantidade de massa de aluvião, que as águas bravias arrebatam consigo e depositam no curso inferior, tornam essa parte da costa somente navegável por embarcações de pequeno calado; para efetuar uma comunicação fluvial, portanto, tem-se de contar com colossais esforços e despesas.

O governo português-brasileiro, enquanto persistia no velho cioso sistema colonial, não queria outra coisa; a fim de poder melhor fiscalizar a exportação, sobretudo de metais e pedras preciosas de Minas Gerais, procurava concentrar a mesma, quanto possível, no Rio de Janeiro; e, se o comércio feito ali com os portos do Espírito Santo (respectivamente Porto Seguro), não era formalmente proibido, todavia nada se fazia para torná-lo possível, para facilitá-lo; deixaram-se os rios no seu estado natural e deixaram-se em paz as tribos selvagens, que tornavam pouco seguras as vizinhas montanhas cobertas de matas.

Esse estado de coisas só mudou, quando, com a transferência da família de Bragança (1808), cessou o antigo constrangimento colonial; ambas as partes; o interior e a costa, desejavam ligar-se, e o governo, acedendo a estes desejos, resolveu construir uma estrada entre as cidades de Vitória (Espírito Santo) e Mariana (Minas Gerais), ao longo do rio Doce. Logo o primeiro governador provincial do Espírito Santo, Antônio Pires da Silva Pontes Leme (1809 e seguintes), empreendeu uma exploração desse rio e fundou, à margem sul do mesmo, a pouca distância da fronteira de Minas Gerais, o Porto de Sousa, que, provido de uma guarnição militar, devia conter os selvagens botocudos e assegurar o tráfego; nesse mesmo tempo, cerca de 1810, foi fundada segunda aldeia, no curso inferior do rio, Linhares, assim chamada em honra do ministro de Estado de então, conde de Linhares, a qual daí em diante progrediu bastante e no ano de 1839 subiu à categoria de vila.

Também pelo outro lado, alguma coisa se fez; em Minas Gerais: no curso superior do rio Doce, cerca do ano 1820 e seguintes, o francês Guido Tomás Mar-lière 104 e 104"A, como diretor geral, trabalhou com grande resultado para a civilizacão dos índios; conseguiu por seu modo de proceder, inteligente e humanitário, pacificar diversas populações selvagens, que até então haviam vivido na mais feroz inimizade com os brancos e entre si, e convertê-las para a vida domiciliada, de sorte que nestas regiões de certo modo se assegurou a paz pública. O tráfico foi pouco a pouco atraído para o novo caminho: todavia, pela condição do rio e como, demais, a travessia era sujeita a um imposto de fronteira provincial, ele ficou de pouca monta, razão pela qual se julgou conveniente chamar em auxílio o concurso do interesse estrangeiro.

O governo do império cedeu em 1824 a navegação do rio Doce e exploração das minas de ouro, e em todos os seus afluentes, a uma companhia anglo-brasileira, que de seu lado também não tirou proveito algum digno de nota e, depois de haver aplicado ali inutilmente avultadas quantias, extinguiu-se às caladas.

Sem embargo, formou-se dez anos depois segunda companhia anônima de acionistas, a Companhia de Navegação a Vapor para o rio Doce, que obteve plenos poderes para tornar navegável este rio, por arrebentamento das cachoeiras ou pelo estabelecimento de canais de desvio; para esse fim lhe foi garantido por vários anos o monopólio da navegação entre o mar e a cidade de Mariana, e, além disso, em todos os pontos da margem que julgasse apropriados para fundação de colônia, doação de duas léguas quadradas de terra (1835).

No ano de 1839, começaram os trabalhos preparatórios, e, em 1841, pôs-se em movimento o primeiro barco a vapor no rio Doce; porém, imediatamente depois, a empresa, com grande prejuízo dos acionistas interessados, acabou de modo lamentável.

Esse duplo insucesso de exploração estrangeira, sem dúvida alguma, deve ser imputado em parte às intrigas e à má vontade da população brasileira, que no seu ciúme via com maus olhos firmar-se uma potência financeira estrangeira nesse distrito suposto aurífero; porém, as razões principais foram, entretanto, os quase insuperáveis obstáculos naturais e, sobretudo, o clima insalubre do vale profundamente cavado. É que o rio Doce e seus afluentes, quando crescem no tempo das águas, transbordam por toda parte; e, como o seu curso passa em geral por entre densas matas virgens, não pode aqui o sol secar a terra encharcada; assim se formam nas matas extensos pantanais, cujas exalações mortíferas engendram as mais malignas febres; e essas doenças não ameaçam somente o imigrante estrangeiro, porém igualmente o colono indígena, mesmo no pior dos casos, o própio viajante que ali transita tem por muito tempo que sofrer as suas conseqüências. Em todo caso, pode esse inconveniente, com o tempo, ser removido pelas roçadas; porém isso custará muitos sacrifícios de vidas humanas, que o Brasil de fato não pode fazer; e a Europa dificilmente o quererá fazer.

Nos tempos mais recentes, volveu-se a atenção pública de preferência para o terceiro rio, o rio Mucuri, onde as condições para a navegação parecem mais favoráveis ; no mais, porém, é o mesmo que no rio Doce.

Já desde anos havia pensado o governo brasileiro em estabelecer colônias, aproveitando os malfeitores condenados das vizinhanças de Minas Gerais e Bahia, entre o Mucuri e o afluente Todos os Santos, em terras de Minas Gerais; todavia, nada deu esse plano; em compensação, atualmente a iniciativa particular tenta ali fundar uma colônia denominada Saxônia, povoada com imigrantes alemães. A coisa estava assim esboçada: a 19 de outubro de 1847 foi sancionada, por decreto imperial, a Companhia Mucuri, que se encarregava de tornar navegável o rio Mucuri, e por essa via estabelecer uma comunicação regular entre o Rio de Janeiro e a cidade de Minas Novas ou Fanado (província de Minas Gerais); em troca, obtinha como privilégio durante quarenta anos o exclusivo transporte de todas as mercadorias nessas paragens, a um preço máximo fixo, cessão do imposto provincial de importação e o (monopólio?) comércio de vinho, sal, ferro, chumbo, aço, etc. Ao que se diz, a companhia já havia adquirido um vapor de mar, Mucuri, para a viagem do Rio de Janeiro até São José de Porto Alegre, na foz do Mucuri, e dois pequenos rebocadores para a navegação fluvial, e a comunicação se inaugurou a 20 de agosto de 1855.

Entretanto, parece que não se considera toda essa empresa como bastante rendosa, e, por isso, se quer anexar a ela um negócio de terras. Assim foram compradas no acima mencionado distrito (província de Minas Gerais) 10 léguas quadradas de terras do Estado e no ponto central das mesmas, à margem do rio Todos os Santos, foi demarcada uma "cidade do amor fraternal", Filadélfia, pela engenheiro alemão Robert Schlobach, a qual devia servir como estação intermediária entre Minas Novas e São José de Porto Alegre. Logo em seguida apareceu em Leipzig — como disse a crítica105 brasileira, — uma publicação "espontânea, totalmente alemã", que recomendava o mais calorosamente possível a empresa aos emigrantes alemães; ao passo que de um lado gabava, exaltava a segurança da Companhia Mucuri e às favoráveis condições para compra de terras que se ofereciam aos colonos, por outro lado dava da natureza do terreno e do clima as mais tranquilizadoras garantias106.

Nós cremos e esperamos que o mencionado folheto não tenha tido nem venha a ter resultado digno de nota; "de mais a mais", assim refere uma carta particular da Bahia, que temos presente, "quem não tiver medo das febres palustres e maleitas, das quais morrem até os próprios soldados e engenheiros e seus auxiliares brasileiros, esse cuide de reconciliar-se com Deus" *.

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A vizinha do Espírito Santo, ao sul, a província do Rio de Janeiro, que desde 1832-33 também contém os Campos de Goitacases, é limitada em sua maior parte pelo curso principal do rio Paraíba (índio— "o rio claro")107 e alguns afluentes, compreende uma área de cerca de 1.352 léguas quadradas. Ela consiste, em grande parte, de um planalto médio, no qual as montanhas da costa, quase a meia distância entre o Paraíba e o mar, percorrem toda a província e de ambos os lados estendem as suas ramificações e declives; na proximidade de Cabo Frio, o planalto vem quase à imediata vizinhança da costa. Assim, devemos considerar a parte norte da província, Campos de Goitacases, como o último prolongamento da fértil baixada da costa, que começa mais ou menos junto do rio Paraíba do Norte, vindo terminar aqui junto do Paraíba do Sul.

Todavia, também o planalto primitivamente, e ainda hoje, em grande parte coberto de matas, não é estéril, absolutamente; além de ser próprio para o cultivo das plantas alimentícias comuns, presta-se especialmente para o cafeeiro; e este último tornou-se aqui, como nos territórios vizinhos de igual formação — províncias de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina — o principal artigo de comércio, de maneira que este grupo de províncias cafeeiras pode ser equiparado às províncias açucareiras do Norte tropical.

No capítulo oitavo caracterizamos o cafeeiro como planta democrática, em contraste com os aristocráticos algodoeiro e cana-de-açúcar; portanto, dever-se-ia esperar aqui uma composição social diferente; contudo, não é esse o caso. Pois, assim como no Norte, também na costa sul a princípio era o açúcar propriamente a principal indústria, e, somente depois que por seu efeito se firmaram as condições das fazendas e da sociedade, é que surgiu a produção do café; só em 1770, sobretudo graças aos especiais esforços do vice-rei marquês do Lavradio, se deu ao plantio do café maior atenção; só desde 1820 é que figurou o café entre os artigos de exportação; e, embora daí em diante, de ano para ano, ele sempre fosse tomando a precedência sobre o açúcar, não conseguiu até aqui modificar coisa alguma nas condições locais estabelecidas.

Encontra-se por isso aqui, no Rio de Janeiro, fundamentalmente a mesma composição de povo, como nas províncias do norte (açucareiras): uma população escrava, que pelo menos faz contrapeso à população livre, e, por outro lado, entre os livres, em contraste com uma grande massa de povo destituída de recursos, uma pequena aristocracia de fazendeiros rurais, que tem nas suas mãos mais ou menos todas as terras e, embora incapaz de só por si tirar proveito delas, todavia, pelo seu cioso capricho de soberania, não quer abrir mão de coisa alguma. Daremos a este respeito apenas um exemplo mais frisante.

No início do século XIX, estava quase todo o distrito de Campos dos Goitacases repartido entre quatro fazendeiros apenas, portanto cada um deles tinha de seu um território de colossal extensão; contava cada um deles com um grande número de arrendatários, que anualmente pagavam módico imposto territorial e cujo contrato, em regra geral, só valia por quatro anos; contudo, raramente se negava prorrogação do mesmo, e muitos sítios arrendados estavam já desde muitas gerações nas mãos da mesma família. Se esse estado de coisas subsiste até ao tempo atual, é o que resta a saber; em todo caso, porém, o certo é que ainda é sempre muito difícil para o pequeno lavrador, é mesmo quase impossível adquirir a sua parenteticamente o étimo indígena "der böse Fluss", isto é, "o rio mau". Mas, à pág. 448, à qual corresponde a desta nota, adotou outra forma gráfica, Paraíba, dando-lhe novo sentido, "der klare Strom", "o rio claro". Ora, o vocábulo é o mesmo, e a sua exata significação é a primeira acima indicada, "rio mau", como se pode ver no livro, já tantas vezes citado, de Teodoro Sampaio, O Tupi na geografia nacional, pág. 254.

 

No ano de 1854 foi apresentado ao imperador d. Pedro II um ancião de mais de cem anos, Francisco Tomás da Silva, filho de pais brancos, de Pirai, na província do Rio de Janeiro, que havia reunido em torno de si uma prole de filhos, netos e mais descendentes, num total de 263 pessoas; e, entre todos, nem um só deles, nem o avô nem o neto, jamais havia podido chamar seu um só palmo de terra que fosse; sempre o trabalho de suas mãos havia beneficiado um estranho: o dono das terras. Como teria sido em tudo diferente a sorte de uma tal família nos Estados Unidos da América do Norte!

É quanto basta dizer sobre o desenvolvimento do povo no interior; voltemq-nos agora para a história exterior. A capitania do Rio de Janeiro havia tido durante os primeiros cem anos, com curtas interrupções, três governadores de uma só família, dos Correas de Sá: Salvador (1568-72, 1576-1598), seu filho Martini (1602-8, 1618-31), e seu neto Salvador (1637-42, 1658-62); e sob o governo deles rapidamente progrediu, tanto que por suas próprias forças o último referido Salvador pôde reunir um considerável contingente de soldados e dinheiro para aquela expedição marítima que ele, no ano de 1648, empreendeu para reconquistar as antigas colônias portuguesas na África.

O motivo dessa relativamente rápida florescência em grande parte residia no negócio de comissões e corretagem que os comerciantes das praças marítimas brasileiras, sobretudo as de Santos e São Sebastião, faziam com as colônias do Prata e, por intermédio delas, ainda mais além, com o interior do Peru. A princípio severamente proibido (1552), a coroa de Espanha, todo o tempo de seu domínio sobre Portugal (1580-1640), tacitamente consentiu nesse tráfico; em seguida, depois da separação dos dois reinos, ela procurou na verdade suprimi-lo, e em quase todos os tratados devia Portugal prometer a sua cooperação para esse fim, promessa que, contudo, por muito tempo, não foi cumprida.

Porém, quanto era importante tal comércio, demonstra-o a seguinte notícia: no ano de 1693 sobreveio, afinal, uma paralisação desses negócios, pela ação conjunta das duas coroas, e, então, só na cidade do Rio de Janeiro ficou retido em mercadorias um capital de 600.000 cruzados, sem contar as quantias menos avultadas, porém sempre importantes, nos outros portos sul-brasileiros. Desse golpe nunca mais se restabeleceu inteiramente aquele comércio, c, se de fato não se extinguiu, todavia mudou de roteiro daí em diante. Ê que o gabinete de Lisboa, sobretudo desde lins do século XVII, quando, pelos descobrimentos de ouro em Minas Gerais, o território central do Brasil havia adquirido excepcional valor para a coroa de Portugal, julgou necessário suprimir ali, com o máximo rigor, todo o comércio estrangeiro; ao contrário, os portos mais importantes, do Sul, especialmente a recém-fundada colônia do Sacramento, portuguesa (no atual Uruguai), de boa vontade foram deixados abertos aos contrabandistas, e, assim, esta última povoação se tornou, em lugar do Rio de Janeiro, o principal empório para o contrabando hispano-português.

Porém, não foi menos ricamente indenizado o Rio de Janeiro desse pesado prejuízo; simultaneamente com o descobrimento do ouro, também se estendeu desde o início do século XVIII a colonização portuguesa em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso; e para esse imenso <• rico território interior era a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, então, o mais importante, mesmo o quase exclusivo porto e praça do comércio; uma nova inesgotável fonte de bem-estar com isto se criava, a qual manou abundantissimamente, durante muitos anos seguidos, e tornou possível a essa cidade, e a toda a província do Rio de Janeiro, tomar pouco a pouco a dianteira sobre todas as outras províncias brasileiras.

Deste modo, ocupados desde o princípio em intensa atividade comercial, os "fluminenses"108, assim se chamavam os habitantes do Rio de Janeiro, levaram em geral uma existência tranqüila, regrada. Quando aqui a habitual ordem pública era de qualquer modo perturbada, em geral isso se dava por influência de fora, ou sendo a província atraída a uma revolução das suas vizinhas, ou sendo chamada pelas autoridades para suplantar tal sublevação.

À primeira categoria pertencem, em primeiro lugar, ambas as perturbações da ordem ocorridas durante o governo de Salvador Correa de Sá e Benevides: a revolta de 22 de junho de 1640, em que os jesuítas foram assaltados, no seu colégio em São Sebastião do Rio de Janeiro pela população, e forçados a anuir a um-acor-do desvantajoso; e o levante de 8 de novembro de 1660, etc, que visava até à deposição do mesmo capitão-general, c que foi abafado dentro de pouco tempo; ambos estes movimentos são, todavia, tão ligados à muito citada questão dos Índios, que mais minuciosamente deles trataremos, quando estudarmos esta questão no Sul do Brasil.

Por outro lado, na segunda categoria, citamos os esforços dos capitães-generais do Rio de Janeiro para manter de pé a ordem ameaçada, ao tempo do descobrimento do ouro, nas "minas gerais", mormente as duas expedições que foram empreendidas para ali, nos anos 1708 e 1709; porém naturalmente estes sucessos só serão incluídos na história do descobrimento do ouro.

Muito mais importante e, de fato, o acontecimento de maior importância na história do Rio de Janeiro, foi o duplo ataque dos franceses à cidade de São Sebastião (1710 e 1711). Como se sabe, também, a coroa de Portugal tomou temporariamente parte na guerra da sucessão espanhola (1701-1715) e aí se achou no partido dos adversários da França. Nada mais natural, portanto, do que haver ocorrido que um dos muitos corsários e comandantes de navios de guerra, que então percorriam o oceano, o capitão Duclerc, se dirigisse ao reino colonial português no Sul da América, para atacá-lo e saqueá-lo; e ele optou pela capital da antiga "França Antártica", Rio de Janeiro, que, no momento, como porto de exportação das terras interiores ricas de ouro, parecia prometer despojo especialmente farto. Ao cair da tarde de 16 de agosto de 1710, apareceu a sua esquadra, forte de cinco velas, à entrada da baía do Rio de Janeiro; no dia imediato tentou ele penetrar na mesma, porém as fortalezas à beira-mar o repeliram energicamente, e então ele navegou de novo para o alto-mar (18 de agosto).

No Rio de Janeiro acreditou-se com isso haver passado todo o perigo: entretanto, Duclerc absolutamente não havia abandonado o seu plano; ele tomou rumo do sul, e, depois de duas tentativas de desembarque, frustradas diante da milícia por toda parte prontamente alarmada, conseguiu afinal tomar pé na costa, perto de Guaratiba, 12 léguas OSO da capital; ali foram desembarcados mil soldados da marinha, dois negros aprisionados tiveram que servir de guias, e pôs-se então Duclerc em marcha para São Sebastião. A sua caminhada durou sete dias, passando em parte por ínvios morros cobertos de matas; contudo, nada se fez do lado dos portugueses para embargar-lhe o passo.

O capitão-general, Francisco de Castro de Morais, à testa de alguns mil soldados e milícias da terra, resolveu esperar o inimigo no Rio de Janeiro, e tomou uma posição fortificada. Nem ainda quando finalmente chegaram à vista os inimigos (18 de setembro), ele não se mexeu; depois de havê-los presenciado desbaratar os primeiros destacamentos avançados, deixou-lhes franca a entrada na cidade, e os franceses, com rapidez inconsiderada, a invadiram. Em pequenos destacamentos, eles se dispersaram pelas ruas, ao passo que o corpo principal marchou a dar assalto ao palácio do governo; era como se revivesse neles a temeridade petulante dos flibusteiros, que, no século precedente, sob as vistas do exército espanhol, superior de muito em número, haviam conquistado e saqueado ricas cidades. Porém, o resultado não foi tão feliz; no palácio do governo cinqüenta jovens opuseram uma eficaz resistência aos atacantes; os cidadãos organizaram-se em grupos para defender os seus lares, ao que um religioso, Francisco de Meneses, gloriosamente, os incitava com palavras e com o exemplo; o capitão-general, de seu lado, destacou afinal tropas, que foram ao encalço dos destacamentos dispersados do inimigo e os debandaraml09.

Viu-se assim Duclerc, depois de encarniçados combates de rua, vencido por todos os lados; na verdade, ele julgava poder ainda exigir sua livre retirada, porém a proposta foi repelida, e, quando se ameaçou canhonear os prédios onde ele havia tomado posição, teve que se render à discrição. Com isto haviam os brasileiros alcançado uma vitória, porém pouco gloriosa; e ainda menos glorioso foi o tratamento que deram aos vencidos: durante o combate e depois dele, muito sangue se derramou inutilmente; o povo matava fugitivos e prisioneiros; dentre os feridos, muitos morreram, por lhes haverem faltado os devidos cuidados; o próprio Duclerc, a quem se havia concedido, sob solene palavra de honra, a cidade por mensagem, foi alguns meses depois assassinado uma noite, sem que as autoridades municipais julgassem valer a pena ordenar uma investigação judicial.

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O castigo para tudo isso não faltou. Apenas chegou à França a notícia do empreendimento de Duclerc e do seu lamentável desfecho, a opinião pública, unânime, exigiu desforra pela afronta sofrida.

Um dos mais experimentados navegantes, Du Gay Trouin, declarou-se pronto para tentar novo ataque ao Rio de Janeiro; seis particulares, a saber, cinco cheio de casas comerciais em Saint-Malo (Bretanha) e um funcionário do tesouro real. puseram à sua disposição, para esse fim, a quantia de 1.200.000 libras; também o governo sancionou a empresa e deu navios e tripulações; e, depois de se havei caladas, em diferentes pontos da costa, providenciado sobre os aprestos nece» rios, reuniu-se a esquadra no porto de La Rochelle e dali se fez de vela, a 9 de junhe de 1711.

A 27 de agosto, havia a frota, que constava de quinze veleiros, alcançado a latitude da Bahia; e pensou então o almirante em primeiramente entrar neste pono e na cidade de São Salvador; porém o plano foi rejeitado pelo conselho de guerra reunido e a viagem continuou, e chegaram à entrada da baía do Rio de Janeiro ¿ 11 de setembro.

Ali já se estava prevenido; justamente havia chegado de Lisboa a trota anual de comércio, que havia trazido os primeiros boatos, e imediatamente em seguida um veleiro rápido inglês trouxe a notícia lormal da expedição francesa; entretanto. não se haviam feito os preparativos necessários para a defesa, e, assim, conseguiram os franceses, protegidos por uma forte cerração matinal, entrar no porto; quando finalmente, ao meio-dia, se dissipou o nevoeiro, já eles davam as costas para fortalezas do porto e ancoravam defronte da cidade (12 de setembro).

Agora, as autoridades portuguesas perderam completamente a cabeça; à sua ordem foram tocados para a praia e incendiados os navios de guerra e os de mércio parcialmente armados, que se achavam no porto; os canhões, na vizinha ilha das Cobras, foram encravados, e depois abandonaram aos franceses esta importante posição, que domina toda a cidade, quase que sem resistência (13 de setembro).

Du Gay Trouin mandou logo estabelecer ali novas baterias, e sob a sua proteção desembarcou no dia imediato os seus soldados e marinheiros, ao todo uns 3.000 homens, com 24 peças de campanha.

O capitão-general Francisco de Castro de Morais tinha em número de tropas decisiva superioridade sobre essas forças militares; todavia, do mesmo modo que no ano precedente c justamente na mesma posição fortificada, ficou ele também esta vez quieto, sem barrar os acessos da cidade; desta feita, porém, não conseguiu atrair o inimigo à armadilha.

Os franceses procederam com toda a ordem; depois de se haverem fortificad na costa, levantaram novas baterias para eventual bombardeio, e então mandou almirante intimar o capitão-general para imediata rendição. "A cidade e a pro vinda — acrescentou ele — estavam nas suas mãos, toda resistência seria baldada contudo, não faria represálias, com igual crueldade, pelo que havia acontecido > ano precedente; o rei, seu senhor, o havia encarregado somente de libertar os seus compatriotas prisioneiros e levantar na cidade um tributo, como expiação dos habitantes pelos crimes cometidos, e a fim de cobrir as despesas desta segunda expedição Irancesa".

Quando o capitão-general, como era de esperar, deu resposta negativa a essa mensagem (19 de setembro), começou no dia 20 o canhoneio contra as trincheira-portuguesas, como preparo do ataque geral, que estava marcado para o dia seguinte. Entretanto, já antes, na noite de 20-21 de setembro, chegou o momento decisivo; um destacamento francês, que, sob a proteção da noite, se encaminhava para tomar a sua posição de assalto, foi descoberto pelos portugueses e violentamente atacado; os franceses responderam logo com o fogo de todos os seus canhões; toda a noite, durante a qual desabou uma pavorosa tempestade, lançavam seus brandões acesos no meio da cidade.

Tão dura provação não pôde suportar a coragem da população e da guarnição portuguesa; tumultuosamente fugiram com os seus haveres para os arredores; também o capitão-general se retirou, depois de haver entregado às chamas os armazéns públicos. E, quando, então, na manhã seguinte, Du Gay Trouin se preparava para o assalto, eis que se lhe apresenta um compatriota, antigo ajudante do capitão Duclerc, com a notícia inesperada da vitória; cheios de júbilo, entraram os franceses na conquistada Rio de Janeiro e foram ali acolhidos com vofos de boas-vindas pelos 500 compatriotas prisioneiros, que os receberam como libertadores (21 de setembro de 1711).

A cidade de São Sebastião foi então entregue ao mais terrível saque, sendo, porém, por gratidão, poupadas as casas daqueles cidadãos que haviam tratado com bondade os homens ide Duclerc, durante o seu cativeiro; foi enorme o despojo e, como cada um tratava de arrecadá-lo por si mesmo, em breve apresentava a cidade conquistada, com a soldadesca francesa, o espetáculo da mais selvagem confusão.

Debalde se esforçava Du Gay Trouin por manter a ordem; ele matou, com as próprias mãos, alguns recalcitrantes; mandou circular patrulhas, porém estas se dispersaram, para tomar parte no saque; e, houvesse o capitão-general português, que dispunha de forças combatentes superiores de muito e ainda se achava às portas, aproveitado este momento, ele teria podido recuperar com pouco trabalho a cidade perdida, teria desbaratado e esmagado o inimigo. Porém disso ele não cogitou; cerca de uma légua de distância, foi tomar posição entrincheirada, para onde mandou chamar as milícias das províncias vizinhas; por outro lado, voltaram os franceses à ordem, pouco a pouco, e então também se lhes entregaram, à primeira intimação, as poderosas fortalezas do porto, de sorte que dominavam completamente a baía do Rio de Janeiro.

Estavam aqui as coisas tais quais no princípio da invasão holandesa, na Bahia e Pernambuco (1624-25, 1630-32): cidade e porto estavam nas mãos de uma potência estrangeira, que era cercada por todos os lados pelos nacionais; entretanto, caso havia uma diferença essencial: Du Gay Trouin não havia vindo para conquistar; ele não cogitava, de todo, de conservar o que havia ganho, sustentando um demorado cerco, mas ele só fazia questão de uma coisa: obter alto resgate da ddade. Mandou ele, por isso, informar ao capitão-general que se, dentro em breve, não pagasse contribuição pesada pelas casas e restantes bens de raiz, ele arrasaria tudo, antes de embarcar; e, para mostrar que a ameaça era séria, começou logo com a destruição de umas casas de campo nos arredores. Isso surtiu efeito: o capitão-general ofereceu um resgate de 600.000 cruzados, que o almirante francês a princípio recusou como insuficiente, esperando com ameaças novas extorquir maior quantia; contudo, depois de algumas negociações, finalmente se deu por satisfeito, e, por intermédio de alguns padres jesuítas, foi ultimado um ajuste, em virtude do qual os franceses, contra o pagamento da dita quantia, prometiam poupar a cidade e evacuá-la (10 de outubro de 1711).

Justamente a tempo, pois ao cabo de alguns dias, chegou ao acampamento português o capitão-general da vizinha província de São Paulo e Minas, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho; acompanhavam-no 1.500 cavaleiros e outros tantos homens a pé, e 6.000 negros armados estavam apenas a alguns dias de marcha. Antônio de Albuquerque era homem de resolução e de reconhecidos dotes militares, c na verdade para os franceses os negócios estariam mal parados, se tivesse ele podido proceder à sua vontade; todavia, estava firmado o pacto; e, embora ele não aprovasse a atitude medrosa do capitão-general do Rio de Janeiro, contudo não se sentiu autorizado a quebrar a palavra dada, de um colega de iguais direitos.

Assim foi o convênio por ambas as partes pontualmente executado; a 4 de novembro de 1711 pagou-se a última quota; no mesmo dia, embarcaram e fizeram-se de vela os franceses, com todo o despojo que puderam transportar, depois de haver o almirante reunido e entregado todos os objetos roubados da igreja, à mão fiel da Companhia de Jesus. O solo do Rio de Janeiro foi libertado dos invasores, e daí em diante nunca mais foi profanado pelos pés de um inimigo estrangeiro.

Na verdade, o relativamente tão fácil e tão brilhante sucesso de Du Gav Trouin (embora na viagem de regresso se perdessem diversos navios e com eles uma parte do despojo, ainda assim rendeu a expedição aos empresários 92% de lucro) convidou à imitação, e, de fato, aprestou-se na França no ano seguinte, por especulação particular, terceira esquadra de flibusteiros, porém esta limitou as suas atividades a fazer presas no alto-mar.

Por outro lado, os funcionários portugueses da coroa, que por sua pusilanimi-dade se tornaram culpados da desgraça do Rio de Janeiro, foram severamente castigados; à expressa vontade do conselho municipal do Rio de Janeiro, o capitão-general Francisco de Castro de Morais depôs o seu cargo às mãos de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, provisoriamente; porém, no ano seguinte, foi ele, à ordem do rei, chamado a apresentar-se à justiça e foi condenado à destituição do seu cargo e à perpétua prisão numa fortaleza das índias Orientais; idênticos castigos soíreram os chefes subordinados, mais ou menos culpados.

Depois dos anos 1710-11 (que, sobretudo, na história do Brasil do século XVIII, são de extraordinária importância, pois recaem neles, contemporâneos da invasão francesa que acabamos de citar, em Pernambuco, a guerra contra o Recife, c na Bahia o levante em São Salvador), quase nada digno de nota, para a história geral, se tem que destacar na história particular da província do Rio de Janeiro.

Em geral, se os governadores da coroa mereceram recordação, foi na maioria das vezes por sua colaboração na política exterior do Brasil (nas negociações sobre limites hispano-portugueses durante o século XVIII, das quais nos ocuparemos depois, na respectiva ocasião) ou simplesmente por melhoramentos locais, que para nós não têm interesse.

Mencionaremos apenas de passagem a gestão de trinta anos de Gomes Freire de Andrade, conde da Bobadela (26 de julho de 1733 e seguintes), que durante todo o tempo governou, além da capitania geral do Rio de Janeiro, também a de Minas Gerais, e provisoriamente ainda a capitania geral de São Paulo, além de Goiás e Mato Grosso, para o que ele se fazia substituir, ora aqui ora acolá, por um lugar -tenente por ele mesmo nomeado; coroa e povo depositavam nele a mais incondicional confiança, e tiveram motivos de sobra para se satisfazerem com o seu governo. O seu domínio era, de fato, um vice-reinado, pois compreendia a maior parte de todo o Sul e Oeste do Brasil; todavia, Gomes Freire não teve o título de vice-rei; somente depois de sua morte (ele morreu em São Sebastião, a 1? de janeiro de 1773), foi transferida a sede do vice-reinado da Bahia para o Rio de Janeiro, sem que, entretanto, algum dos seus sucessores jamais exercesse de fato uma tão extensa autoridade.

Depois ainda sete vice-reis (IX-XV) residiram no Rio de Janeiro; foi o último o conde dos Arcos e a ele competiu dar as boas-vindas à família real de Bragança, quando ela fugiu de Portugal, e, depois de pequena demora na Bahia, a 7 de marco de 1808, desembarcou na baía do Rio de Janeiro, a fim de aqui estabelecer a sede de sua residência.

A cidade de São Sebastião, a província do Rio de Janeiro tornaram-se com isso para o Brasil o que Lisboa e Portugal haviam sido, até aqui, o ponto central do governo, de onde irradiava e era guiado o desenvolvimento político geral; devemos, por isso, interromper agora a história provincial desta região, a fim de que (na 111 seção) nos possa servir de arcabouço para a história geral do Estado independente — reino e império — do Brasil.

Somente um fato da história provincial moderna devemos e queremos separar e encaixar aqui, um golpe de vista sobre o mais recente desenvolvimento material e as condições de então do Rio de Janeiro.

Contemplando primeiramente o que ao tempo se chama colonização no Brasil, os esforços para atrair ali imigrantes estrangeiros e concentrá-los em pequenos núcleos isolados, veremos que já d. João VI havia começado: a 32 léguas a NE da capital, no Morro Queimado, ele mandou construir pequena casa de campo, para seu uso, e resolveu fundar próximo uma colônia suíça, que devia servir de modelo aos brasileiros para a indústria de laticínios, isto é, para o fabrico de manteiga e de queijo.

Nicolas Gachet, agente do cantão de Friburgo, encarregou-se, por ajuste de 16 de maio de 1818, de mandar trazer os colonos, e assim foram transportados para aqui, no ano de 1819, 1.682 suíços, na maioria procedentes dos cantões de língua francesa, à custa do governo; eles receberam terrenos gratuitos e durante os primeiros anos também algum auxílio em dinheiro; todavia, não teve o devido sucesso Nova Friburgo, como foi batizada a colônia, por ordem real de 3 de janeiro de 1820.

O sítio da fundação foi mal escolhido; toda a região em volta é árida, muito pedregosa, densamente coberta de matas e tão acidentada, que poucos pontos se oferecem aptos para roçadas; e, para estabelecer campos de lavoura e pastagens, foram necessários os mais penosos esforços.

Muitos dos colonos suíços (645) em breve se aborreceram da empresa e se dispersaram por todos os lados; para substituí-los, foram mandados vir 342 alemães, da região do Reno, que receberam passagem e terras gratuitas; porém, em seguida, não se lhes forneceu auxílio financeiro, e, assim, foi assegurada a existência de Nova Friburgo; ela pode contar agora, com as povoações vizinhas filiais, 1.500 a 1.600 almas. Porém os colonos por muito tempo passaram vida miserável; mesmo atualmente só uma minoria goza de sólido bem-estar, e também para o futuro a perspectiva é pouco promissora: produtos tropicais não prosperam aqui, tão alto acima do nível do mar; campos de lavoura e pastagens são raros, e pela falta de comunicações se torna muito difícil a venda dos produtos, de sorte que o lugar provavelmente nunca conseguirá verdadeiro florescimento.

A glória única de Nova Friburgo consiste no grande colégio ali fundado pelo alemão Johann Heinrich Freese e que desde muitos anos por ele é dirigido; é um instituto que se equipara aos melhores estabelecimentos de igual gênero, públicos eparticulares, no Brasil, e atrai alunos de toda a parte do império.

Desde a fundação de Nova Friburgo se passou um quarto de século antes que se formasse na província do Rio de Janeiro segunda colônia, e esta exclusivamente alemã. O que lhe deu origem foi o seguinte: no ano de 1843, a legislatura da província tomou a resolução de, a fim de estabelecer melhores e mais seguras comunicações com a região vizinha de Minas Gerais, construir algumas estradas e canais; tratava-se, para isso, de mandar vir os necessários trabalhadores, e com esse intento o presidente provincial, a 15 de junho de 1844, assinou contrato com Eugênio Pisani, agente da firma Delrue e Cia., de Dunquerque, segundo o qual essa casa de negócio se comprometia a mandar, dentro de dezoito meses, 600 famílias para o Rio de Janeiro; de seu lado, prometeu o governo provincial indenizar as despesas de viagem e pagar 245 francos por cabeça, a metade por criança. Delrue &: Cia. começaram logo o seu recrutamento na Alemanha, mormente na região do Reno e do Mosela, no qual foi empregada toda a antiga arte enganadora de sedução do negociador de carne humana, e, apesar de repetidas advertências, teve completo sucesso; dentro em breve foi arrebanhado o número exigido e ainda mais, e puseram-se a caminho para o embarque em Dunquerque.

Não se pode descrever o que eles sofreram nesse porto e na viagem do mar, por culpa do armador que, animado da mais vil cobiça, não providenciou para o necessário, faltando os devidos cuidados aos viajantes; depois, no próprio Brasil, a terra sonhada dos diamantes e palmeiras, esperava pior sorte aos imigrantes (julho de 1845). O governo provincial do Rio de Janeiro havia entrementes abandonado o projeto de construção de estradas, sobretudo não pensava mais nos operários encomendados, e para seu acolhimento nenhuma disposição tomou: de sorte que os desgraçados, ao desembarcar, se acharam completamente abandonados, ao meio de um povo estrangeiro, não acostumados ao clima tropical, entregues à mais cruel miséria, foram vitimados por uma epidemia, que, dentro de umas três semanas, arrebatou uma sexta parte deles, 314 pessoas.

Então os negociantes alemães e o pessoal da legação alemã se apiedaram desses desgraçados padecentes; entre todos se salientou o imperador d. Pedro II nos socorros eficazes concedidos aos recém-chegados; em parte pagou do seu bolso um considerável número dos compromissos obrigatórios do contrato, e os mandou despachar para o Sul, para as colônias alemãs das províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde no meio de parentes e compatriotas facilmente acharam emprego; outros se destinaram à fundação de mais algumas colônias alemãs; ainda outros foram para o Espírito Santo, onde fundaram a colônia de Santa Isabel.

Além disso, para dar ocupação aos restantes, o imperador retomou um plano longamente afagado e mandou construir, mais ou menos 15 léguas ao norte da capital, na serra, à margem do córrego Seco, uma quinta de recreio, para residência de verão; em torno foram repartidas em aforamento as terras do governo provincial entre os colonos alemães, livres de taxas por 10 anos, depois sujeitas a módico imposto territorial. Assim nasceu a cidade de Petrópolis, que no ano de 1850 contava 2.565 habitantes de raça alemã, entre eles 985 protestantes, e, segundo a narração de um viajante contemporâneo (Burmeister), já apresentava quase que o aspecto elegante de uma estação balneária européia; mas, para chegar a tanto, muito custou.

Quando os colonos chegaram ao solo e território da atual Petrópolis, existiam ali apenas cinco miseráveis choças de barro, cercadas por frondosa mata virgem, e a eles competia agora o pesado trabalho das roçadas, quando já tinham que lutar contra a miséria, doenças e privações de toda espécie; foi, além disso, a paz interior perturbada por ódios de religião e maquinações de proselitismo, a que desta vez deram início, segundo se diz, os protestantes, mas isso, graças ao bom senso da população alemã, não durou muito.

Mais séria era a oposição nacional, entre brasileiros e alemães, que já diversas vezes deu ocasião para cenas tumultuarias. Junto dos imigrantes vivem, naturalmente, na cidade e vizinhança, também nacionais, e à frente de todos estava o funcionalismo brasileiro, de resto, não da melhor qualidade, que em geral pesava de modo particular sobre os estrangeiros; os assim chamados diretores da colônia que dispõem da autoridade discricionária e ilimitada, como parece, não souberam até agora obter a amizade e consideração dos alemães, e freqüentemente usavam de seu poder de modo interesseiro ou tirânico, até mesmo o primeiro, major J. F. Kohler, embora sendo de nacionalidade alemã.

De mais a mais, declarou-se recentemente, janeiro-abril de 1855, entre o pároco católico alemão, dr. Th. Wiedemann, e seu colega brasileiro uma rivalidade de jurisdição, que, embora a razão estivesse sem dúvida do lado do primeiro, todavia terminou desfavorável para ele, com a sua expulsão; foi então com isso abolido o pároco católico alemão e somente o evangélico alemão continua a subsistir até hoje. Também para a organização de escolas alemãs nada se faz.

Aquela questão eclesiástica isolada poderia, contudo, parecer insignificante; porém, pelo que as altas autoridades civis e eclesiásticas declararam ao pároco Widemann, é vontade do governo que daí em diante se faça uma fusão em Petrópolis, no sentido de tudo ser disposto de conformidade com os costumes brasileiros; não se pode tolerar que se desenvolva no Estado segundo Estado; e por isso, ele, como campeão do germanismo, devia ser afastado, por perigoso para o Estado; isso merece especial consideração. E a isto acrescentaremos: pode Petrópolis chegar a feliz desenvolvimento, como cidade brasileira, porém, como colônia alemã, ela está em decadência e não pode exercer atração alguma para a colonização, alemã*.

De outras empresas de colonização no interior da província do Rio de Janeiro, pouca coisa há para relatar.

Por ocasião da fundação de Petrópolis, recrutou o dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, naquela leva de imigrantes alemães, cerca de uns 140, que se encaminharam com ele para Macaé, na costa do mar, onde num profundo vale úmido foi estabelecida uma colônia; oito meses depois, 23 desse número haviam morrido e dos restantes nenhum mais prestava para o trabalho; quem ainda podia, fugiu.

Foi depois, em 1847, fundada a colônia Valão dos Veados, pela "Companhia para combater o comércio dos escravos e promover a colonização", com auxílio do governo, e povoada com imigrantes de diversas nacionalidades — belgas, alemães, franceses, portugueses; em 1850 contava 246 habitantes, e daí em diante não terá aumentado o número antes diminuído, visto que já então todos aqueles que tinham uma profissão se dispersaram pelos arredores.

Finalmente, subsistem ainda cinco colônias, que todas datam do ano de 1852: a do visconde de Baependi — Santa Rosa, com 132 habitantes; a de N. A. N. Vale da Gama — Independência, com 172; a de Brás Carneiro Beléns — Santa Justa, com 155; a do marquês de Valença — Coroas, com 143, e a de José Cardoso de Meneses — Martim de Sá, com 67 habitantes; esta última, desde muito em completa, decadência (relatório oficial de 1855); todas elas se baseiam no sistema de parceria, onde o colono tem que entregar, como pagamento, a metade de sua colheita (café) ao dono do terreno; e todos foram recrutados na Alemanha (Holstein, Turín-gia, etc.).

Resumindo agora em poucas palavras o resultado total, vemos que, quanto à província do Rio de Janeiro, o acréscimo em lavradores colonos, vindos da Europa, até aqui tem sido de pouca monta; esse contingente é de muito inferior à corrente européia de negociantes, artistas e operários profissionais, de capitais, que ininterruptamente, desde que o Brasil foi aberto, em 28 de janeiro de 1808, ao comércio mundial, afluíram aos grandes portos do Pará, Pernambuco, Bahia e, mais que todos, à cidade do Rio de Janeiro, proporcionando-lhes os melhoramentos materiais modernos e ainda conservando sempre em mão a mais importante parte do seu comércio e indústria.

Para a lavoura, ao contrário, foi de muito maior importância a imigração africana, que o tráfico de escravos fornecia; até aos tempos recentes, a par de Pernambuco e Bahia, o porto do Rio de Janeiro era a terceira praça para a introdução de africanos; e, desde que foi definitivamente suprimido esse tráfico, pela lei de 4 de setembro de 1850, a província do Rio de Janeiro’recruta!a sua população do trabalho por meio de comércio interno de escravos, comprando-os nas províncias do Norte. Contudo, com o aumento da produção, e depois da pavorosa devastação nos últimos anos, ocasionada pelo cólera e a febre amarela, não bastam os existentes braços de trabalho.

Imitou-se, então, o recurso não menos atroz, que os ingleses foram os primeiros a inventar, para substituir o tráfico de negros, a saber, o trato de jornaleiros livres, da China ou da índia, que, transportados grátis, depois (como antes os escravos brancos, Redemptioners, na América do Norte) eram vendidos aos fazendeiros, para determinado tempo de trabalho; a 9 de fevereiro de 1855, alcançou a baía do Rio de Janeiro uma nau mercante americana, que entregou, à consignação de Manuel de Almeida Cardoso, os primeiros 300 chineses; e a este carregamento daí em diante seguiram-se outros, de navios da mesma espécie, endereçados para diferentes portos.

De resto, não era de todo a primeira vez que se empreendia a entrada de imigrantes chineses no Rio de Janeiro; a propósito, devemos lembrar uma antiga tentativa singular de colonização, que ocorreu no reinado de d. João VI: foi quando se tratou de, com eles, introduzir o cultivo do chá no Brasil (tal como a fundação da colônia suíça de Nova Friburgo devia apresentar ao povo brasileiro um modelo de uma fazenda de laticínios).

Cerca do ano de 1817 ocorreu à idéia do então ministro do império, conde de Linhares, o plano de mandar vir dois milhões de chineses e com o auxílio deles fundar uma produção de chá brasileiro no, que deveria fazer concorrência ao chá chinês. Efetivamente, foram atraídos do interior do Celeste Império, a verdadeira pátria da árvore do chá, 400 a 500 imigrantes, somente homens, e chegaram a salvamento; uma quantidade de casitas chinesas foram construídas no domínio da coroa, Santa Cruz, 12 léguas SO da capital, e a plantação de chá medrou bastante bem; todavia, a mercadoria não achava mercado.

 

Entretanto, morria o protetor do empreendimento; os auxílios do governo foram cada vez mais minguados e mais raros, e o povinho, desgostoso com o pouco compensador lucro e com o celibato, começou a dispersar-se. A maioria se entregou ao negócio de retalho: tomava a crédito, de negociantes, mercadorias chinesas, a fim de as vender nas ruas, até haver ajuntado o dinheiro para o regresso à pátria; outros deixaram-se batizar e casaram com raparigas do país, de sorte que, em poucos anos, dispersada toda a colônia chinesa, deixou de existir. Não cremos que se possa oferecer melhor prognóstico para uma imigração chinesa moderna!

 

* * *

Volvamos agora um golpe de vista geral para o atual estado de coisas.

A província do Rio de Janeiro, que até então formava um todo, desde os anos de 1834-1835 foi separada em duas partes. Quando, na ocasião do Ato Adicional à Constituição do Império, 12 de agosto de 1834, todas as províncias obtiveram uma certa autonomia e, por conseguinte, também o Rio de Janeiro tratou de se constituir, considerou o poder executivo do império brasileiro necessário reservar para si um território propriamente seu, que em todos os sentidos fosse sujeito à sua imediata gestão (tal como o poder central dos Estados Unidos o possui no Distrito Federal, em Colúmbia). Para esse fim foi a cidade de São Sebastião (Rio de Janeiro) com os seus distritos, ao todo 16 freguesias, sendo oito na cidade e oito rurais, separada da província do Rio de Janeiro e elevada a município independente (Município Neutro ou também Município da Corte); como tal, tem o seu próprio conselho municipal, escolhido ali mesmo, e governo próprio em todos os sentidos, porém é diretamente sujeito às autoridades do império, que ali têm a sua sede, como também por outro lado os estabelecimentos públicos e instituições desta cidade são custeados diretamente pelo tesouro geral, pelo orçamento do Interior e da Justiça.

Todo o restante do território, por sua vez, ficou pertencendo à recém-consti-tuída província do Rio de Janeiro, e o seu governo provincial (presidente e legislatura) tomou sede à margem fronteira da baía do Rio de Janeiro, na velha vila de Praia Grande, que daí em diante (6 de março de 1835) era elevada a capital da província, e no ano seguinte, sob o nome de Niterói, recebeu os foros de cidade (2 de abril de 1836).

Assim existem, dentro do mesmo território, uma província e um município! Acerca do número de almas de ambas as partes, possuímos minuciosas informações de tempos recentes, que em toda a estatística da população do Brasil maior crédito merecem; damo-las a seguir, resumidas.

Primeiramente, o município, que no ano de 1838 apenas tinha 137.078 habitantes, contava, nos fins de 1849, 266.466 com 27.024 moradas, do que resulta para os anos intermediários um acréscimo de 11.762 almas, na média; desse número total competem à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro 36.330 estrangeiros brancos, domiciliados, 77.989 brancos nacionais, 78.855 escravos e 10.732 livres de cor, ao todo 203.906 habitantes; nas freguesias rurais, 1.594 brancos estrangeiros, 26.490 brancos nacionais, 31.747 escravos e 2.629 livres de cor, ao todo 62.560. As informações sobre a província são mais recentes, cerca de fins de 1851, e dão 556.080 almas, das quais 262.526 livres e 293.554 escravos. Existe, pois, entre as duas estatísticas um espaço de dois anos, e devemos, portanto, antes de as adicionar, juntar um acréscimo igual ao dobro da média anual no município; assim encontraremos nos fins do ano de 1851, para ambas as partes do território do Rio de Janeiro, um provável total de 850.000 almas.

Não podemos, portanto, absolutamente, tanto mais por haverem, nesse espaço de tempo, grassado o cólera e a febre amarela, dar crédito à estatística brasileira oficial, quando lhe aprouve estimar recentemente o número de habitantes em 1.200.000 (relatório oficial de 1856); e este exemplo dá demonstração concludente da pouca fé que merece.

É o café o principal ramo de indústria da província, como já se disse, e de fato só ela produz de muito a maior parte de todo o café brasileiro; no ano financeiro de 1854-55, em que o total de exportação deste artigo montou a 13.027.523 arrobas, só do porto do Rio de Janeiro (que certamente também encaminha alguma coisa das províncias vizinhas) saíram 11.900.790 arrobas, e do vizinho porto de Santos (província de São Paulo) 846.184 arrobas, no valor de 44.471 e 2.960 contos, respectivamente. Ao contrário, a exportação do açúcar, antigamente principal produção do Rio de Janeiro, é atualmente escassa e morta, quando muito, à 8* ou 10ª parte das da Bahia e Pernambuco, apenas 400.000 arrobas.

Com uma tão importante e sempre crescente produção, goza a província de muito alto bem-estar, e o seu orçamento excede de muito o das outras províncias; assim, por exemplo, no ano de 1855 obteve ela dois impostos provinciais e municipais uma receita total de 2.048 contos, ao passo que nesse mesmo ano a da Bahia só orçava em 919 contos e a de Pernambuco só em 844 contos.

E, assim como a província do Rio de Janeiro entre as províncias brasileiras, tem a primazia a cidade de igual nome entre portos e praças de comércio, não somente do Brasil, porém de toda a América do Sul. Sem nos empenharmos nos pormenores das estatísticas do movimento comercial, citamos apenas que no ano financeiro de 1854-1855 a exportação do mesmo foi avaliada em 51.171 contos e a importação em 47.064 ni, mais da metade do valor da importação e exportação de todo o Brasil (respectivamente, 90.570 e 84.780 contos); o movimento comercial aqui foi, portanto, cerca do quádruplo do da Bahia e Pernambuco (com, respectivamente, 10 a 12.000 contos), cerca de doze vezes o do Pará (com 3 a 4.000 contos). Além disso, a fim de caracterizar a recente florescência da vida comercial, aqui damos atenção somente ao significativo acréscimo da arrecadação da alfândega; a do Rio dc Janeiro cobrou, em 1845, em direitos de importação 8.043 contos, nos de exportação 1.747 contos; no ano de 1850, respectivamente, 9.195 e 2.889 con-. tos; finalmente, no ano financeiro de 1854-55, respectivamente, 12.791 e 2.618 contos; ao passo que os três seguintes grandes portos brasileiros (Pernambuco, com, respectivamente, 3.704 e 502 contos.; Bahia, com 3.539 e 585 contos; Pará, com 1.103 e 202 contos) ficavam muito distanciados. Essa arrecadação da alfândega do Rio, no total de 15.409 contos, é mais da metade dò conjunto da receita aduaneira do Brasil, que então montou a, respectivamente, 23.680 e 4.632 contos, e muito mais de uma terça parte de toda a receita do império, então de 35.595 contos.

Rio de Janeiro, ou, consoante o decreto de 9 de janeiro de 1823, segundo o seu título oficial, "a muito fiel e heróica cidade de São Sebastião", já é por conseguinte atualmente a mais valiosa jóia da coroa imperial brasileira e, por sua feliz situação, como empório de uma região colossal, ricamente dotada pela natureza, além disso, situada a meio caminho do comércio mundial para o arquipélago Índico e o oceano Pacífico, ainda a espera no futuro o mais grandioso desenvolvimento; "todo o mundo civilizado teria de novo que voltar a barbaria, antes que ela possa perder a sua categoria entre os mais consideráveis lugares do globo terrestre" (Southey).

A velha cidade colonial, ainda bastante modesta no princípio deste século, mormente dos últimos dez anos para cá se tem então esforçado deveras por enfeitar-se magnificamente, como rainha do comércio, para o que os meios não lhe faltam, pois, além do próprio orçamento do município — 392 contos — costuma ultimamente também o governo do império (que pelo outro lado arrecada diretamente aqui uma grande parte dos impostos municipais) empregar anualmente, pelo próprio ministério do Interior 250 contos, pelo da Justiça 700 contos, para a administração, para instituições públicas, construções e melhoramentos. Assim se conseguirá muito, sem dúvida, dentro de pouco tempo, e com justo orgulho mostram os brasileiros a sua cidade imperial; porém, nós, de nosso lado, não devemos nunca perder de vista que a pulsação intensa de vida, a riqueza e magnificência que o Rio de Janeiro apresenta (Bahia e Pernambuco em menor escala) não dão de todo a medida, antes formam contraste do estado material do resto do império.

111 Na importação do Rio de Janeiro figurava, em primeiro lugar, a Grã-Bretanha, com 24.116 contos; depois a França, com 6.223; a América do Norte, com 3.671; os Estados Platinos, com 3.306; Portugal, com 3.133; as cidades hanséaticas, com 2.202; a Bélgica, com 1.291; e o Chile, com 1.128 contos. (Nota do autor).

 

 

O mesmo se pode dizer de certo modo da vida intelectual do Rio de Janeiro. Já o grande número de estrangeiros, que aqui se domiciliaram de vez, fez que se tornasse possível e necessária instituição de bons colégios, sobretudo para as mais altas classes dos cidadãos; e isso havia de irradiar também além dos muros da cidade, de sorte que a instrução pública nesta província é melhor, e maior é a freqüência das escolas do que em qualquer outra.

Aqui, onde, por um decreto real de 13 de maio de 1808, foi criada a primeira imprensa brasileira, se tem desenvolvido desde então uma rica publicação de periódicos. Além disso, acumula-se no Rio de Janeiro, como capital do império, a maioria das instituições científicas, um Instituto Histórico e Geográfico, fundado a 21 de outubro de 1838, uma Biblioteca Nacional, um Museu Nacional, um Jardim Botânico, etc, que todos, porém, pertencem não à cidade nem à província, mas a todo o império, e, por este motivo, quando mais adiante nos ocuparmos do grau geral de cultura brasileira, de novo serão objeto de consideração.

Para concluir, ainda algumas palavras sobre as vias de comunicação.

A cidade do Rio de Janeiro alcança, desde fins do século XVII, entre todos os portos brasileiros, o primeiro lugar; a esfera do seu comércio compreendia todo o sul e oeste do Império; e uma rede de estradas de caravana e picadas, que se estendem até às nascentes do Paraguai, na província de Mato Grosso, vêm todas às suas portas, ao passo que por outro lado uma incipiente navegação costeira mantém comércio bastante insignificante comas demais cidades da costa. Todavia, era tudo sumamente irregular e não podia mais bastar, quando a província e a cidade do Rio de Janeiro em 1808 se tornaram a sede do governo imperial e logo a seguir o centro e o ponto de partida de vida política movimentada.

Contudo, nos primeiros decênios nada de importância se fez nessa matéria; as condições, quando muito, melhoraram um pouco com a abertura de novas picadas, pelo mesmo processo usual. Somente no fim do quarto decênio deste século se cuidou a sério do estabelecimento de um sistema regular de comunicações, e para ele devia o Rio de Janeiro, naturalmente, ser o ponto central; aqui, em São Sebastião, se assentou a sede do correio do império.

A baía do Rio de Janeiro era o porto principal para ambas as linhas de vapores subvencionadas pelo tesouro do império, linhas que, em períodos regulares determinados, navegavam ao longo da costa oriental brasileira, sendo uma do Rio de Janeiro para o norte, até Belém (Pará), a outra para o sul, até Porto Alegre (Rio Grande do Sul); formaram-se depois muitas outras linhas menores, a fim de manter o comércio entre os diferentes pontos da baía do Rio de Janeiro, entre si ou com os portos vizinhos, como Santos (São Paulo), por meio de vapores; nos últimos tempos juntou-se à linha principal para o norte, do Rio a Pará, a Companhia

de Navegação a Vapor do Amazonas; e atualmente se cogita mesmo de fundar uma linha de vapores que, partindo do Rio de Janeiro, deve alcançar Cuiabá (Mato Grosso), passando por Buenos Aires e Montevidéu, e tomando pelo rio da Prata e Paraguai. Com isso, todos os caminhos por água, abertos pela natureza, ficarão utilizados para via regular de comunicação, ao passo que aqueles cursos de água, que necessitam previamente de forte auxílio da mão do homem, como o São Francisco, o Jequitinhonha, etc, ainda continuam imiteis.

Porém, por outro lado, permaneciam más as comunicações por terra, e, se em algumas se fizeram muitos melhoramentos, em regra geral as viagens e transportes de mercadorias no interior são, ainda hoje, tão difíceis como há cem anos atrás. Somente desde um decênio se vê também neste sentido maior atividade: os governos provinciais, a cuja competência pertence a construção das estradas, pontes e canais, procuram obrar tanto quanto os seus meios lhes permitem, e o poder central concede-lhes um auxílio anual, que a princípio, em 1845 e seguintes, consistia em somente 112 contos, nos últimos anos, porém, subiu a 400 contos; recentemente, sobretudo as províncias de São Paulo e Bahia, projetaram extensas redes de estradas, que devem abranger todo o território provincial; e, naturalmente, entre todas a mais rica província, Rio de Janeiro, tomou a dianteira com o bom exemplo.

Aqui também surgiu, então, outro movimento, cujo contágio com demasiada rapidez se estendeu às outras províncias, que não dispunham de tão avultados recursos; queremos dizer, a paixão pelas estradas de ferro. Antes de tudo, foi a vaidade nacional, o desejo de obter a primazia também a este respeito sobre todos os outros Estados americanos, o móvel que deu o impulso. Primeiro, começou-se com uma pequena ferrovia, que corria umas três léguas alemãs, das portas do Rio de Janeiro a Mauá, na raiz da serra da Estrela, sendo inaugurados solenemente os trabalhos a 29 de agosto de 1852, e a 30 de abril de 1854 entregue a linha ao tráfego; todavia, ela é destituída de importância comercial, uma simples estrada de ferro de recreio, para facilitar as comunicações entre a capital do império e a residência estival do imperador — Petrópolis (a colônia alemã).

Outra coisa foi a segunda ferrovia, de cuja construção se cogitou logo a seguir; porque com esta é patente o propósito de realizar uma possivelmente rápida ligação entre todo o distrito da produção do café e o seu porto. E a denominada Estrada de Ferro D. Pedro II, que, partindo do Rio de Janeiro, segue para o interior, subindo a serra e tomando o vale do Paraíba do Sul, onde se separa em duas linhas férreas, das quais uma segue até à vila de Cachoeira, à margem do Paraíba, província de São Paulo; a outra desemboca em Porto Novo do Cunha, no Paraíba, alfândega de fronteira de Minas Gerais.

A 26 de junho de 1852 foi este plano sancionado pelo imperador e pelo parlamento; o governo imperial prestou-se também a dar uma garantia de juros de 5%, e a essa acrescentou o governo provincial do Rio de Janeiro mais uma garantia adicional de 2% (13 de outubro de 1854); todavia, ambas essas garantias, de acordo com as suas cláusulas vigentes, durarão apenas 33 anos, e não excederão do capital calculado para a construção, 38.000 contos; também por outro lado os garanti-dores, se durante o dito prazo os dividendos se elevarem a mais de 8%, reclamam para si a metade do excedente; igualmente há transporte gratuito, respectivamente redução de preço, para remessas oficiais e passageiros do governo. Baseada nessas condições, formou-se no Rio de Janeiro, com auxílio de capitalistas ingleses, uma companhia para empreender a construção e exploração da projetada estrada de ferro; a 9 e 10 de maio de 1855 foram sancionados pelo imperador d. Pedro II os estatutos e o contrato em questão, e ainda no mesmo ano começaram as obras, pois a primeira seção, até ao rio Guandu, que será construída pelo inglês Edward Price, deve, segundo o contrato, estar concluída a 9 de agosto de 1857, e toda a estrada de ferro a 9 de agosto de 1866. Se será possível observar exatamente esses prazos, só o tempo nos dirá112; à falta geral de braços para o trabalho no Brasil, e tanto mais por se haver convencionado a imposição de só empregar gente livre, nenhum escravo, terá, sem dúvida, a companhia que lutar com grandes dificuldades; contudo, aqui já se pode antes esperar o feliz resultado, e sem dúvida alguma a província do Rio de Janeiro dentro em breve possuirá inteiramente a sua primeira grande ferrovia, ao passo que a realização das mesmas na Bahia e Pernambuco nos parece ao menos ainda muito problemática*.

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