A CORTE DO RIO, O GABINETE DE MADRI E AS POTÊNCIAS MEDIANEIRAS DA EUROPA – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

CAPÍTULO XVI

A CORTE DO RIO, O
GABINETE DE MADRI E AS POTÊNCIAS MEDIANEIRAS DA EUROPA

É um problema a resolver até que ponto a Espanha e Portugal, mesmo independente da pressão
contrária das grandes potências, ansiosas pela manutenção da legitimidade mais avessas à reabertura
dos conflitos internacionais
armados, estariam dispostos a levar a dissidência ou contenda suscitada pela
usurpação de um território contíguo aos domínios de uma daquelas nações, e que
as circunstâncias tinham convertido num centro perigoso de agitação, donde até
partiam ataques contra os navios do país vizinho,
expostos a supostos corsários insurgentes.

Em muitos casos da história política do mundo têm sido menores os motivos de intervenção. Em
condições normais a Espanha indubitavelmente hostilizaria a expedição que violava a sua
soberania, mas esta não mais existia ali de fato. Por isso parece lícito perguntar se a Espanha no
fundo não estaria
de acordo, ou se era com indignação sincera que combatia a referida invasão portuguesa; se,
já meio descoroçoada de recuperar íntegro o seu império colonial e por um
movimento que não estaria por certo muito no caráter nacional, não abria ela
mão da Banda Oriental em troca de outras vantagens, a posse incontestada de Olivença e a aliança para
sufocar as idéias liberais na Península; ou também se, não tendo meios para se opor além-mar àquela
intervenção armada da corte do Rio, não esperava a Espanha aproveitar-se
depois, em proveito da coroa de Fernando VII, da ordem restabelecida e da
destruição da independência de Buenos Aires, neste caso afigurando-se-lhe dever a guerra com
as províncias do Rio do Prata ser a
conseqüência fatal da expedição contra Artigas?

O
matrimônio, no próprio ano de 1816, de Dona Maria Isabel e Do-na Maria
Francisca de Assis com o rei da Espanha e seu irmão, deveria indicar acharem-se
as duas cortes num pé de intimidade. Em Londres até se supusera, por causa
destes enlaces, ser a expedição fruto de um ajuste secreto, mas depressa o conde de
Fernan Nunez, embaixador da Espanha, dissuadiu disso lord Castlereagh, o qual
recebeu com satisfação o esclarecimento, porquanto a Inglaterra não considerava, como
sabemos, a política
portuguesa de imperialismo sul-americano com olhos favoráveis.

Não só se arreceava o governo britânico de que o reino do Brasil adquirisse influência excessiva no
Novo Mundo que pudesse no futuro vir a prejudicar os seus interesses comerciais, como antevia
a estabilidade que a
anexação da margem oriental, senão das duas margens do rio da Prata, daria à corte do Rio de Janeiro
e nutria algum temor da absorção pela Espanha da parte européia da monarquia portuguesa. O
equilíbrio da Península
ficaria assim desmanchado e o vigor da Espanha quiçá renasceria, resultados
tão contrários à política britânica, essa união e esse fortalecimento da monarquia
castelhana, que sempre lhe provocariam os ciúmes. É sabido como, para não
perder sua influência em Madri, hostilizou o gabinete de Saint James em tempo de Luiz Felipe os
célebres casamentos
espanhóis que ajudariam a expansão francesa, econômica e política, além dos
Pirineus, e consumariam a íntima aliança das duas nações latinas urdida por Luiz XIV.

Os acontecimentos dinásticos nem sempre atuam e dirigem porém os acontecimentos políticos. A
expedição portuguesa ao rio da Prata, contra a qual nada pôde a nova aliança de família,
lograria porventura ser vantajosa às pretensões restauradoras da Espanha na América do Sul, cooperando para a primitiva unidade
colonial com extinguir o foco da anarquia que se alastrava por Entre-Rios e Comentes para atingir
o Paraná, e destarte
alimentava não pouco o espírito de desunião predominante em Buenos Aires.

A expedição não era todavia empreendida senão em benefício das velhas ambições portuguesas de
integração do Brasil e, mais do que com quaisquer desígnios que, mesmo
benévolos, não podiam ser duradouros, da Espanha, contava com o cansaço no próprio Uruguai,
onde não pouca
gente, farta de vexames oriundos da rebelião de contrabandistas e patriotas que já degenerara em
razias de bandidos, aspirava e de antemão estava com não importa que solução que trouxesse a
pacificação. E, segundo
testemunhava Luccock em 1818, a ação brasileira foi salutar mesmo sobre a índole dos
habitantes, determinando maior doçura, posto que eles jamais sentissem inclinação pelos novos
dominadores, de outro povo e de outra
língua.

A justificação da intervenção aduzida pela corte do Rio era precisamente que não possuindo a
Espanha, conforme os fatos estavam de sobejo provando, vigor nem
prestígio para restabelecer a paz nas suas colônias rebeladas, pelo menos enquanto durasse a sua
crise financeira e militar, Portugal tinha forçosamente que assumir esse papel no que tocava ao
rio da Prata. Não
lhe era permitido em boa política consentir semelhante estado de coisas, vendo
proibido o seu comércio de fronteira e ameaçada a sua segurança interna pelas tropas
indisciplinadas, em grande parte formadas de foragidos e criminosos, que obedeciam a Artigas,
e não só faziam
correrias no Rio Grande como planejavam ali excitar a revolta contra o governo de Dom João VI.

A Espanha retirava, pois, da repressão portuguesa a mencionada positiva vantagem de ser posto
cobro à anarquia quase irremediável já na Banda Oriental, e o governo provisório em que
falavam as proclamações do general Lecor como devendo ser instalado pelas forças da ocupação, tendia a fazer geralmente crer
que a intervenção portuguesa se exercia de concerto expresso ou tácito com o
gabinete de Madri. Mais tarde, quando ficasse decidida a questão entre a Espanha e suas
colônias, era idéia da corte do Rio que se verificaria qual o governo de direito, não só de
fato, ao qual se
devia restituir o território ocupado ou, muito mais provavelmente, com o qual cumpria
negociar sua aquisição, pois que o Brasil não mais abriria mão, podia bem
conjeturar-se, da posse da província Cispla-tina, que tantos sacrifícios, dissabores e lutas custara
ao governo de Lisboa e ia custar ao do
Rio de Janeiro.

Quando não partisse mais da Espanha, a oposição partiria
de Buenos Aires. O
governo das Províncias Unidas detestava no íntimo a ocupação estrangeira tão ao pé da
porta que já lhe entrara em casa, por território que de bom direito julgava
pertencer ao seu composto orgânico. Não se reconciliava, malgrado as aparências impostas pela
necessidade, com a
idéia dessa invasão, por mais que o certificassem que as pretensões portuguesas à anexação de boa fé
paravam no Uruguai e não se estendiam até o Paraná, e por mais que se desculpasse a corte do
Rio com a imprete-rível
urgência da defesa contra a propaganda revolucionária e a invasão aleivosa, sendo tomados, até se
liquidar a situação da região, os pontos donde
Artigas podia molestar o Brasil.

Nem se podia ainda Buenos Aires resolver, como depois teve de fazê-lo, a reconhecer em absoluto a
independência daquele outro fragmento do seu prévio vice-reinado. Pungia o seu governo a
recordação do que sucedera
cinco anos antes, quando em 1811, levantado o sítio de Montevidéu diante da marcha das forças
portuguesas de D. Diogo de Souza e concluído com o comando da praça o armistício que paralisou
a ação do auxílio estrangeiro, o triunvirato
executivo (cessara, com esta redução de pessoal, o contrapeso incômodo dos deputados provinciais
que tinham formado a Junta Conservadora) encarregara Belgrano e Echevarria de
concluírem a paz
com o Paraguai, admitindo sua autonomia. Em vão esperara, porém, Buenos Aires que em
troca de semelhante concessão, obtida sem condições pela suma habilidade de
Francia, vogai da junta local, o novo governo do Paraguai ajudasse à causa comum,
atacando de flanco os
domínios de Dom João VI, ou criando pelo menos uma diversão direta à atividade das tropas portuguesas que tinham invadido
o território uruguaio.475

Nada consta entretanto de inteligências entre as cortes
de Madri e do: Rio
de Janeiro, segundo as insinuavam as gazetas inglesas do tempo, as sugeriam as proclamações
instruídas pelo governo português aos seus generais e as enxerga possíveis a crítica distante
dos acontecimentos, ao examinar todos os aspectos da questão. O que consta são os passos oficialmente dados pelo gabinete de
Fernando VII,
que dizem ter estado
quase disposto a
recambiar por desforço as duas infantas portuguesas, junto às cortes das cinco grandes
potências para protestar solenemente contra a ocupação de parte das suas
possessões no rio da Prata e pedir o apoio delas como medianeiras, contra tão imoral agressão.

Foi o empenho em satisfazer esta exigência, considerada
justíssima, da
Espanha, evitando ao mesmo tempo um rompimento que possivelmente da sua repercussão na Península
se propagaria a outros pontos da Europa de fácil conflagração, que determinou a nota ao marquês
de Aguiar de 16 de
março de 1817, assinada em Paris por Vincent, Richelieu, Stuan Goltz e Pozzo di Borgo. As
potências representadas por estes homens de Estado ou diplomatas — Áustria,
França, Inglaterra, Prússia e Rússia — aceitando o papel de medianeiras, pediam explicações ao
governo português
sobre suas vistas e convidavam-no a tomar as medidas mais prontas e próprias para desvanecer as
justas apreensões que a invasão em questão estava
causando na Europa.

Uma recusa dessas não deixaria mais dúvida sobre as
intenções reais de
Portugal, a cujo governo seriam imputados com razão os desastrosos efeitos que pudessem advir a
ambos os hemisférios. "A Espanha — dizia a nota —, depois de ter visto
toda a Europa aplaudir o seu sábio e moderado comportamento, acharia na justiça da sua causa, e
no apoio dos seus aliados,
meios suficientes para remediar seus agravos."

Também para a corte do Rio admitir mais explicitamente,
quando possível,
que a expedição contra Montevidéu fora de algum modo e até certo ponto feita de conivência com o
governo de Madri, com o fim de atalhar os progressos da revolução ultramarina, traria como
resultado concitar contra o novo reino americano todas as colônias espanholas revoltadas,
justificando as
presas de navios portugueses que já entravam a ser feitas pelos corsários do rio da Prata e
podiam ser objeto principal de corsários das outras possessões beligerantes. Outrossim
tornaria mais impopular a guerra, cuja desculpa única aos olhos dos brasileiros residia no
engrandecimento territorial que
proporcionava.

Em verdade teve o gabinete do Rio que defender diplomaticamente, e com tenacidade igual à do
ataque, o seu proceder contra a Espanha e os aliados naturais desta, fiéis à causa do status
quo ante bellum
com as variantes, bem entendido, introduzidas pelo
Congresso de Viena, e simpáticos em princípio à recolonização da América
Espanhola. Na Europa se
escrevia e se acreditava que o representante russo chegava a retirar-se do
Brasil, em 1817, sem se despedir do monarca e seus ministros por não ter querido o governo português
atender às suas representações adversas à invasão da Banda Oriental, onde a 20
de janeiro daquele ano o general Lecor recebera as chaves de Montevidéu, processionalmente
trazidas pelo Cabildo.

Assim explica verossimilmente o Correio Braziliense a retirada
do ministro Pedro
de Balk-Poleff, que Dom João VI recebeu a 13 de maio de 1817 no seu novo caráter de embaixador determinado pela
elevação do príncipe
regente ao trono dos seus antepassados por motivo de falecimento da rainha Dona Maria I. A segunda fase da missão de
Balk-Poleff foi, por
outras razões,476 mais desagradável e mesmo tempestuosa, mas é fato que a intimidade era então
muito grande entre os gabinetes de São Pe-xersburgo e de Madri, contribuindo porventura esta
circunstância para levar o mau humor do
diplomata aos despropósitos que cometeu.

O governo espanhol persuadira o czar Alexandre que a causa da realeza na América era a causa de
toda a Europa monárquica e absolutista, à qual tanto menos podia convir a independência das
colônias ibéricas quanto bem depressa lograria a sua separação transformar-se
em supremacia,
favorecidas como eram aquelas possessões pelo clima e pela fertilidade e riqueza do solo, ao ponto de ser para
temer que, segundo se não cansava de
vaticinar o abade de Pradt, para lá emigrassem da Europa a indústria e as artes. A intimidade
russo-espanhola tinha todavia fundamentos, senão mais consistentes,
mais práticos do que uma mera comunidade de
vistas reacionárias, um sentimento de legitimidade solidária.

A Rússia andava por esse tempo muito interessada na
costa ocidental da
América do Norte e o boato correu de que, a troco de um auxílio fornecido pelo Império para reduzir as
colônias insurgentes, estava a Espanha disposta a ceder-lhe Minorca no Mediterrâneo e as duas
Califórnias, Alta e Baixa, no Novo Mundo. Não é possível deixar de imaginar
que se isto houvesse ocorrido,
a face da terra se apresentaria hoje de algum modo diferente: a Rússia haver-se-ia tornado uma
potência naval do Mediterrâneo, com a sua Malta, e os Estados Unidos não teriam provavelmente
podido adiantar-se até o Pacífico, pois que os Russos, em vez de lhe venderem o Alasca, se
esforçariam desde
logo para ligá-la pelo litoral com os seus novos domínios mais ao sul, que são uma das poucas
regiões deliciosas do planeta.

Por seu lado, e atendendo mesmo à intimidade
russo-espanhola, não queria
o gabinete de Londres passar aos olhos de Madri por um governo de má fé. Já sir
Sidney Smith defendera477 sua atitude em promover os interesses platinos da princesa
do Brasil pela necessidade política de convencer a nação espanhola, em cujo território se ia travar
o duelo anglo-francês,
que a Inglaterra não esposava no Velho Mundo os direitos de Fernando VII, para intrigar no Novo em favor
das pretensões portuguesas ou das aspirações independentes. No dizer do almirante, colocar Dona
Car-lota Joaquina
na regência era equivalente a respeitar e garantir os títulos de monarca legítimo da Espanha.

Nem era crível que, tendo feito as pazes com a Espanha e
cessadc até de
promover a separação de Buenos Aires em proveito próprio, se prestasse o governo britânico a fomentá-la
em benefício do seu velho aliado português, contentando-se num justo egoísmo com a
perspectiva da liberdade
de comércio que esperava alcançar como uma das recompensas, porventura a melhor, da sua eficaz
cooperação militar contra a invasãc napoleônica.

O gabinete de Saint James reprovou a primeira tentativa
de intervenção portuguesa no rio da Prata em 1811, e não reprovou menos o
segund: ensaio de 1816. Pelo contrário, apesar de desenhar-se de novo
claramente a esperança de uma final libertação das colônias sublevadas e dos
interesses do
comércio britânico já se irem radicando com a franquia mercantil na prática, a tentativa de reação
da metrópole espanhola encontrava em 1817
um certo eco no mundo político britânico.

A volta do domínio espanhol, com todos os seus velhos
processes significava
contudo o restabelecimento dos monopólios, infenso ao tráfico auspiciosamente
encetado. Podia não se ter ainda cristalizado a política ulterior de Canning,
oposta à ingerência das outras nações no conflito por julgá-la
atentatória dos interesses políticos nacionais, mas já ela se esboçava pela
força dos eventos, superior à dos propósitos. A neutralidade a princípio
afetada terminaria a breve trecho pela intervenção franca e parcial em prol das
novas nacionalidades, bastando para isto que a Grã-Bretanha se separasse da
Santa Aliança.

Os Estados Unidos percebiam perfeitamente
a fatalidade dessa evolução. O secretário de estado John Quincy Adams assim se
manifestava ao ministro no Brasil Thomas Sumter:478 "Pouca
dúvida há de que a verdadeira política da Grã-Bretanha esteja em promover a
causa dos independentes, e se bem que os não ajudará por meio de um
reconhecimento público, nem dará outro qualquer passo de que a Espanha possa
tomar ofensa, vigiará com especial cuidado que a aliança européia não adote contra
eles medida alguma ativa. Os agentes de Buenos Aires e da Nova Granada na
Inglaterra endereçaram ao Governo Britânico protestos contra a interposição dos
aliados, a não ser sobre a base da total independência das colônias, os quais
são irrespondíveis tanto pelos argumentos de direito, como de fato; e as
vistas da Grã-Bretanha e da Rússia acerca do que se deve fazer estão por forma
tal distanciadas {are so widely apart), havendo tão pouco desejo em
qualquer dos lados de chegar a acordo sobre este ponto, que nenhuma dúvida pode
existir de que o presente apelo da Espanha aos raios e coriscos dos aliados
termine em outra coisa a não ser em formal desapontamento."

A idêntico fim estava votado o
apelo do gabinete de Madri concernente à ocupação portuguesa da Banda
Oriental, ainda que lhe não houvesse faltado simpática correspondência da
parte das grandes potências européias. Castlereagh respondeu com marcada
benevolência à nota de Fer-aan Nunez de 17 de dezembro de 1816,479
anuindo à proposição espanhola de interporem as cortes aliadas seus bons
ofícios a fim de evitarem que estalasse a guerra, chamando Portugal à razão. Ao
mesmo tempo e em confirmação desta resposta, expedia o Foreign Office ao cônsul
geral encarregado de negócios no Rio um despacho em que se dizia esperar a Inglaterra
que as explicações portuguesas tornassem inútil a intervenção da Santa Aliança,
evidenciando a lisura do proceder da corte brasileira.

O que a Inglaterra afetava estranhar mais
era o método quase clandestino adotado pelo governo de Dom João, decidindo tão
séria expedição sem publicar sequer um manifesto expondo ao mundo os seus
moti-vos de ação. Com efeito a corte do Rio participara apenas muito sumaria-ite
às chancelarias espanhola e britânica, em maio e junho de 1815,

por motivo dos progressos assustadores do espírito revolucionário nas províncias do no da Prata,
limítrofes do Brasil, mandara o príncipe regente buscar uma divisão do seu exército de Portugal
"para ser empregada na defensa dos
seus estados na América".

Ajuntava Castlereagh480 que se o proceder do governo
português resultasse
contrário aos direitos da Espanha e às relações existentes entre as duas coroas, a Grã-Bretanha
retiraria a garantia da integridade e independência do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
contida no artigo III do tratado assinado em Viena a
22 de janeiro de 1815. Sem mesmo esperar a explicação aludida dos motivos da expedição, devia o
agente britânico no
Rio representar com energia "sobre a impolítica e o perigo da resolução que o governo português parecia ter
adotado".

A anulação da garantia, intimada para o caso de se suscitar na Europa uma guerra entre Portugal e
Espanha, justificava-a o Foreign Office com o fundamento de que "nunca se poderia exigir
que uma semelhante garantia se aplicasse às eventualidades de uma guerra
injustamente empreendida pelo governo
português".481

Embora tivesse Palmela espirituosamente ponderado em Londres de antemão que "as garantias
viriam a ser inúteis se fosse lícito retirá-las todas as vezes que assim parecesse
convir",482 as instruções mandadas a Chamberlain eram de "fazer
oficialmente a sobredita declaração" a menos que não houvesse razão para crer que tudo se
arranjaria amigavelmente, caso em que deixaria de ser transmitida a ameaça, célebre na história
das relações diplomáticas
anglo-portuguesas.

Tão séria pretendia a ameaça ser que a Espanha dela
recebia simultaneamente aviso, ficando prevenida483 de que a
Grã-Bretanha renunciaria eventualmente à sua proteção de Portugal. Era o mesmo que conceder ao gabinete de Madri liberdade de
ação, escancarar-lhe o campo na parte ocidental da Península, convidar praticamente o cobiçoso de
sempre à ane-xação
do vizinho, se apenas fosse sincera a permissão. De fato a Inglaterra não podia consentir em tal
conquista, por oposta diametralmente aos seus interesses, e tanto que as reservas se seguiam
imediatamente: "Ao mesmo tempo S.
Ex. D. José Pizarro não pode deixar de compreender que os direitos assegurados a Portugal pelos seus tratados com as potências
aliadas existirão em toda a sua força enquanto durarem as negociações, ou até que o governo português haja formalmente
recusado aceder às justas
reclamações de S. M. C. É de esperar que as diligências da Grã-Bretanha determinarão S. M. C. a não se arredar da
política moderada que até aqui a guiou, e a aguardar a solução da mediação,
antes de recorrer a medidas ameaçadoras e hostis."

O encarregado de negócios
britânicos no Rio foi quem não aguardou instruções para tomar acertadamente posição definida
contra a expedição do sul. "De seu próprio impulso e sem intruções
informava Maler484
— protestou contra a invasão atual, recebendo uma reposta evasiva e insignificante." A
1 de abril de 1817, dessatisfeito com as respostas explicativas dadas sobre a
ocupação da margem oriental do Prata, Chamberlain levava a efeito a formal declaração de que o
governo britânico renunciava à garantia
dos domínios e estados sobre que reinava a Casa de Bragança.

A garantia em questão era sem dúvida preciosa, mas a sua
aplicação não era tão simples quanto à primeira vista parece. No velho reino a
ani-madversão aos
ingleses andava tão marcada que, no dizer das informações reservadas do cônsul-geral
Lesseps,485 o povo, apesar da calma e indiferença que distinguem
essencialmente o moral português, veria com maus olhos qualquer ensaio de desembarque de forças
britânicas, mesmo sob pretexto e na intenção de defender o país contra
agressivos desígnios espanhóis.
Os ingleses tinham ocupado Portugal por longo tempo ao sabor das últimas ocorrências, e os
inconvenientes de muitos gêneros que de tal ocupação resultaram, estavam ainda demasiado frescos
na memória nacional para poderem deixar de produzir qualquer movimento rea-gente como o que já fermentava, e
só esperava o contato da fagulha incendiaria
para fazer explosão.

A tendência antiinglesa tanto se destacava que, mesmo no Rio, se tornara perceptível. Escrevia Maler486
que no ânimo da corte brasileira havia uma disposição para lançar sobre os ingleses a culpa
de quanto sucedia, sendo uma espécie de moda queixar-se do gabinete de
Londres. "Tal é
o espírito ou impulsão do momento: os portugueses podem impunemente descurar ou mesmo estragar seus
próprios negócios: os ingleses deveriam arranjar
e consertar tudo a contento deles."

Se
a Inglaterra se mostrava infensa a Portugal na questão de Montevidéu, não espanta que muito mais
assim se mostrasse o resto da Santa Aliança, que não andava unido a ele por idênticos laços.
Fiel ao sistema adotado
de apelar para as potências antes de apelar para a força, o governo espanhol mandou o seu
embaixador em Paris, conde de Peralada, entregar ao duque de Richelieu, a 25 de novembro de 1816,
logo que a expedição
foi divulgada em Madri, um longo memorando sobre o comportamento iníquo do
gabinete do Rio. Nele se denunciava o constante imperialismo de Portugal no
Novo Mundo e se apontava para a sua recusa de associar seus esforços com os da Espanha a fim de
impedirem a constituição de um estado independente e republicano paredes-meias com a monarquia portuguesa, preferindo esta
executar sozinha a repressão.

À habilidade de Brito, que era grande, competia defender
cabalmente em
Paris a atitude da sua corte, e não se pode senão considerar valiosa a sua
defesa. Na nota a Richelieu de 30 de janeiro de 1817487 tratou ele de explicar a impossibilidade
moral em que se encontrava o governo português de não reagir contra uma
propaganda anarquista feita nas suas portas e que ameaçava provocar os
habitantes à revolta e emancipar os escravos. Eram afinal puras medidas defensivas as empregadas,
e a corte do Rio
ver-se-ia perdida diante do rancor dos insurgentes, sobretudo por julgarem-na conluiada com a de
Madri se não houvesse congregado em redor de si os recursos precisos para extinguir o
incêndio desmoralizador da revolução. ‘ ‘Tais são as circunstâncias em que a
lei suprema da salvação
do estado forçou o rei fidelíssimo a agir prontamente e com energia contra o inimigo das duas
coroas,
a fim de que aquele país entregue à anarquia e à destruição, abandonado
seis anos há pela metrópole, se não converta num vizinho ainda mais perigoso,
consolidando seus meios de ataque e renovando no Brasil as cenas sanguinolentas de São Domingos."488

Havia daí que concluir que o proceder do governo português não era prejudicial, antes vantajoso,
aos interesses do rei católico, ao mesmo tempo que mantinha e assegurava a existência social e
política do Brasil. Ocupar território subtraído ao domínio efetivo da Espanha, assenhoreado pelo
inimigo comum das duas coroas, não podia nem devia ser considerado ato hostil contra aquela
metrópole. Ao Brasil mesmo era impraticável realizar a ocupação militar da margem esquerda do
rio da Prata em nome de
Fernando VII,
sem atrair contra
si uma guerra geral da parte dos insurgentes de raça espanhola que ao longo de uma enorme
fronteira, desde o
Paraguai até a Guiana Espanhola, envolviam a monarquia portuguesa.

Terminava Brito a sua nota com esta bem cabida, quase
irreplicável referência
à atividade da Santa Aliança: "O soberano português no cumprir um dever que lhe
impunha o interesse dos seus estados, e que era o de levantar uma barreira
entre a anarquia dos países limítrofes e a tranqüilidade do Brasil, exerceu o mesmo direito de
que se têm valido em casos análogos as grandes potências. Considerando mais que por efeito da última aliança essas potências
são com ele solidárias na extirpação dos princípios revolucionários, que infelizmente depois de
percorrerem o hemisfério
americano podem regressar à Europa, o referido soberano deve nutrir a esperança de achar nos
seus altos aliados outros tantos fiadores das suas intenções pacíficas e da necessidade política da
expedição do Prata.

 

A corte da França, tendo presente a insurreição das
colônias inglesas e suas
fatais conseqüências, será sem dúvida a primeira a justificar a política do gabinete português e a
persuadir o de Madri de adotar as medidas mais convenientes para recuperar o completo domínio das
suas colônias."

Noutra nota de data posterior489 voltava o
representante português a explicar que os sublevados orientais tinham querido
açular os índios e negros
brasileiros à revolta, ao mesmo tempo que especuladores estrangeiros
introduziam armas e munições de guerra nos portos do rio da Prata. Nesta nota
Brito — o incômodo Brito, que Richelieu achava insuportável pelas teimosas exigências e
Maler execrável pelas informações pessimistas que ministrava — apontava para a circunstância da
expedição Mo-rillo não ter por fim tido
por destino o rio da Prata, como uma prova mais
da inconstância do governo espanhol e uma nova razão da pouca confiança que ao governo português podia oferecer
essa intervenção da metrópole, que a
atitude irreconciliável e as correrias de Artigas tornavam o mais
urgente.

O encarregado de negócios inglês no Rio, observava Brito, protestara contra a expedição alegando que
S. M. Britânica fora mediador e garante do armistício de 1812490 com o governo de
Buenos Aires; mas Portugal não podia admitir semelhante protesto baseado sobre uma garantia que
nunca existira, tanto mais quanto todos os outros motivos alegados na nota mencionada de Chamberlain
em caso algum deveriam prevalecer sobre o direito mais sagrado que havia, que era o da defesa
dos próprios Estados. Deixando esta
tarefa a Portugal, a Espanha pouparia esforços e despesas em subjugar o território rebelado, cuja independência Buenos
Aires reconhecera, hostilizando-o apenas porque Artigas, sem título nem eleição,
ali se apoderara ou tentava apoderar-se do mando supremo.

No prosseguimento da sua política, que repudiava como
sendo de conquista
e somente consentia em que fosse qualificada de resistência ditada pelo instinto da conservação e
horror à anarquia, o governo do Rio assegurava oficialmente uma vez mais pela pena de Brito que,
ao fazer ocupar por
suas tropas o país situado à esquerda do Uruguai, o rei não tinha tido outro
fim senão o de abafar o espírito revolucionário numa região limítrofe do Brasil. Tomava uma linha
natural de preservação para conservá-la até o dia em que a luta entre as colônias espanholas e a
mãe-pátria estivesse terminada.

Só então, restabelecido o sossego, reclamaria S. M.
Fidelíssima indenização
pelos prejuízos sofridos pelos seus súditos e compensação pelas despesas ocasionadas por uma
guerra determinada pela agressão dos insurgentes e pela incúria do ministério
espanhol, pois que os próprios desagradáveis ifâcheux) sucessos de Pernambuco se
teriam evitado se a corte de Madri houvesse agido de combinação com a do Rio para a pacificação das províncias rebeldes da
América. Apesar das justas reclamações que lhe seria lícito apresentar contra a Espanha,
sobretudo por motivo da
vila e termo de Olivença, que essa potência retinha contra o voto solene emitido no Congresso de Viena
por todos os soberanos, Portugal não visava contudo a adquirir um penhor de tal restituição, e
o rei fidelíssimo nunca
se recusaria a entrar em acordo com o rei católico para ajustar as diferenças levantadas e convir
definitivamente numa linha de limites, que para o futuro evitasse entre as duas coroas, tão
estreitamente ligadas, as continuadas dissenções que desde longo tempo se
tinham criado.491

É interessante ouvir a outra parte, como os mesmos fatos serviam a
argumentação contrária. Na circular dirigida pela mesma data quase492 aos ministros das potências
medianeiras, insistia Fernan Nunez no perigo que havia em transigir com o
espírito revolucionário que a Europa tamanho trabalho tivera para debelar.
Ora, a atitude de Portugal no rio da Prata
apenas servia de dar alento ao partido rebelde de Montevidéu, "que já se achava muito enfraquecido e prestes a
abrandar inteiramente. A invasão
tornou-se o melhor meio, mais poderoso, de despertar o espírito dos sediciosos,
e o povo que se achava fatigado, opresso e debilitado, de novo se exacerbou vendo arvorar nesses países pavilhões
que lhe são estranhos e que tinha em
horror, entregando-se por esse mesmo motivo e com novo ardor aos mesmos
excessos".

Ciente desta execração, que não pedia licença para
manifestar-se, e no intuito de se sustentar é que o governo português poupava o
governo rebelde de
Buenos Aires, usando com ele, no dizer do embaixador da Espanha, de considerações que são
somente devidas à autoridade legítima. Em verdade a corte do Rio conhecia já a tendência dos
sentimentos coloniais e não procedia mais às cegas, como D. Rodrigo de Souza
Coutinho com suas
intimativas feitas ao desembarcar e que só serviram para provocar o vivo orgulho da raça espanhola.

Em março de 1817 dera-se a insurreição de Pernambuco e
tanto o gabinete
de Madri como as potências medianeiras a quiseram à fina força relacionar com a
ocupação da Banda Oriental, atribuindo a possibilidade da sedição à escassez no Brasil
de tropas regulares produzida pela aplicação no sul da política imperialista de Dom João VI. A sedição pernambucana proporcionou, na sua
explicação, ensejo a Fernan Nuhez para um rasgo de ênfase castelhana que fosse pautada por uma
sutileza italiana.

"O estado de perturbação em
que presentemente se encontra uma parte do Brasil e cujas conseqüências podem resultar as mais
funestas, serve para
provar altamente a grandeza da alma do rei meu senhor e demonstrar toda a generosidade de que ele
faz uso nas suas deliberações: S.M. Católica tem pressa de fazer conhecidos seus desejos de que as
potências aliadas queiram
conjuntamente ocupar-se da urgente necessidade que há de destruir esse espírito
revolucionário, o qual compromete a segurança do Brasil e a do trono de S. M.
Fidelíssima, como igualmente se opõe à felicidade de todas essas belas possessões pertencentes
aos dois soberanos."493

Tal devia ser, a saber, castigar o espírito rebelde, o verdadeiro fim
da grande
confederação européia que pretendia reger os destinos do mundo, e como o episódio pernambucano
viera bem a propósito revelar que aquele espírito grassava em toda parte, tanto mais urgindo
aniquilá-lo, Fernan Nunez astutamente fez menção de voltar contra Portugal o
argumento da intervenção por pavor do contágio, para rematar sua circular:
"O rei meu amo,
vivamente comovido pelas desagradáveis notícias que lhe chegaram ultimamente e que permitem
enxergar-se o perigo iminente em que se acha no Novo Mundo a monarquia portuguesa, encarrega-me
de fazer esta comunicação
às potências aliadas para provocá-las a se concertarem entre si relativamente à necessidade e
meios de conter essas desgraças que tendem
decididamente à destruição dos governos e ruína dos estados."

Como a Santa Aliança tinha por fito conhecido e razão de ser ostensiva o acabar no mundo com o
vírus republicano, é claro que a Espanha por todos os meios se servia do
espantalho revolucionário para enraizar mais fundo as simpatias da Europa pela sua causa, a causa
por excelência da legitimidade e da reação. No dizer neste ponto algum tanto
exagerado de Maler,494
cedo não se poderia mais respirar o ar do hemisfério austral sem ao mesmo tempo se respirar
os miasmas da revolta, sendo o grande foco pestilencial a cidade de Buenos Aires, prazo-dado
dos sediciosos aventureiros do mundo
inteiro.

O que tinha o condão de levar ao auge a irritação do velho militar realista que a Restauração
galardoara com um posto diplomático, era que entre os emigrados no rio da Prata
se contavam não poucos daqueles oficiais do grande exército napoleônico, pelo novo regime
reduzidos ao meio soldo
ou privados de todo o soldo, que Balzac tão vigorosamente desenhou em romances seus, saudosos
do passado, descontentes do presente, esperançosos do porvir, prontos a
batalharem sempre que se falasse nos imortais princípios que o seu Imperador imortal
simbolizara, absorvendo-os. Iam esses
militares para o rio da Prata, ao que diziam entregar-se a explorações agrícolas, de fato
alistar-se a combaterem pela liberdade de terras
oprimidas.

Os desertores eram ainda mais numerosos. "Penso já ter feito observar
a V. Exª que os navios que vão ao rio
da Prata perdem ali suas tripulações por efeito da deserção. As embarcações francesas que entram
neste porto,
procedentes do rio da Prata, trazem todas novas folhas de tripulação firmadas pelas autoridades
portuguesas de Montevidéu, e outro tanto acontece com os navios ingleses. Cada dia um novo enxame
de mal intencionados
vai pois avolumar a aglomeração, e o espírito de moderação do atual diretor Pueyrredon
constitui uma fraca garantia contra as conseqüências possíveis do mal de que ele poderá bem vir a
ser uma das primeiras vítimas."495

Pelos diplomatas acreditados no Rio de Janeiro a mediação das grandes
potências era considerada preciosa não só para chamar à ordem o dís-colo governo português, como
também para remendar o laço que unira a metrópole espanhola às suas colônias, o rio da Prata e
Chile tanto quanto Nova
Granada e Venezuela. Quando se falava em restabelecer a autoridade real no disperso e revolto
império, logo se ajuntava, porém, que com algumas modificações indispensáveis,
Fernando VII
e Alexandre I eram porventura as únicas pessoas a julgarem possível a
recolonização pura e simples. As reflexões de Maler são interessantes neste ponto
e dignas de divulgação,
por trazerem estampada a imagem daquela opinião do mundo diplomático do Rio de Janeiro — o único então da
América do Sul — que, sendo conservadora, não o era em extremo.

"Não existe a menor dúvida, Monsenhor, que mais se
tardará em oferecer
qualquer barreira ao espírito de independência e a todas as ilusões de que o sabem engalanar, tanto
mais difícil e depressa impossível se tornará arrancar as raízes profundas que lhe terão permitido
desenvolver e firmar.
Diversas circunstâncias e considerações existem que reuniriam uma parte da população destas
províncias ao seu rei se fossem ostensiva e sabiamente apoiadas pelas potências da Europa;
acontece com as revoluções do Novo Mundo o mesmo que com as do Velho Mundo, é sempre uma minoria facciosa que se
guinda e arrasta e dirige a multidão; ora a imoralidade, a versatilidade dos corifeus de Buenos
Aires, suas tramas e secretos conluios com a pequena corte do Brasil, tudo
enfim deve levai nos
a crer que, com auxílio, uma mão hábil saberia facilmente fazer vacilar as opiniões desses chefes
ávidos e tirar vantajoso partido da sua cobiça e ambição; por outro lado se está extremamente
fatigado de tantas inquietações,
agitações e convulsões; propostas conciliatórias sustentadas pela mediação das grandes potências
européias prontamente dariam ânimo e energia ao partido certamente mais numeroso… Meu
coração encerra todas
as disposições para sentir vivamente as cenas que por assim dizer me cercam, para deplorar a
incapacidade dos generais que tão mal servem o rei da Espanha e o desatino dos seus súditos que
o atraiçoam. Não posso também ver sem a mais forte indignação que a corte do
Brasil tão terna-mente
unida ao rei Fernando pelos laços mais sagrados, esquecendo sua própria dignidade e mesmo seus
verdadeiros interesses, queira aproveitar-se de um momento calamitoso; é o cúmulo da loucura de
uma ambição injusta e irrefletida."496

A mediação das grandes potências, exercendo-se mesmo no sentido de uma
reconciliação entre a Espanha e suas colônias em via de emancipação, não podia ser unânime
porque não era generosa: ditavam-na, apressando ou retardando sua ação, interesses diversos. Se à
Inglaterra não sorria a
extensão do poderio português na América, tampouco lhe havia de por idêntico motivo agradar a
pacificação das possessões espanholas mediante o restabelecimento da autoridade da metrópole.
Tanto assim pensavam as demais potências mediadoras, que aconselhavam o
gabinete de Madri de,
no caso de Montevidéu, acelerar as negociações diretas com a corte do Rio sob a
égide da Santa Aliança, pois de outra forma daria talvez ensejo ao governo britânico de
entravar essa composição.

A
Inglaterra, sob a capa da neutralidade, tinha estabelecido relações com todas as colônias revoltadas,
e se tais relações não eram ainda políticas, de fato acarretavam as mesmas vantagens. Os
comandantes dos na-vios
de guerra estacionados nos principais portos da América Espanhola e dependentes todos do mesmo
comodoro, faziam às vezes de cônsules, intervindo para arranjar as questões entre negociantes
ingleses e autoridades locais, e regulando as relações entre si dos súditos
britânicos.497

Exatamente por compreender que o irresistível interesse
da Grã-Bretanha corria em contrário da recolonização, e por perceber que o
restabelecimento da união colonial pela influência das potências aliadas não
po-deria deixar de
importar na perda segura da oportunidade de reconstituir as mesmas ligações, políticas e
administrativas, de outrora, incluído o pri-mitivo monopólio da exploração
econômica, é que a Espanha estava pri-vada de entrar em quaisquer negociações com decisão e
franqueza, antes se
sentia inclinada a usar de demoras, tergiversações, resistências e reticências, todos os expedientes
numa palavra de um sistema de dilação. Por isso, tardando a Espanha em declarar sua adesão ao
projeto de pacificação
das potências medianeiras,498 aventou o governo francês a solução de
uma monarquia constitucional em Buenos Aires, como o melhor meio de repor a ordem nas
Províncias Unidas e fazer viável uma conciliação.

Oferece por todos os motivos curiosidade acompanhar na correspondência diplomática, espelho das
opiniões dos círculos oficiais, o reflexo na América da marcha das negociações na Europa, e
verificar a forma por
que no Rio de Janeiro ia sendo dada a pontuação aos despachos dos gabinetes do Velho Mundo. Aliás,
não era a corte portuguesa a que menos se esforçava por prolongar a questão do rio da
Prata; o barão Pas-quier
até a acusava de ser a mais empenhada em trainer Vaffaire en longueur.m

O encarregado de negócios da Espanha, pelo que lhe
tocava, seguira protestando sempre que a propósito vinha, contra a deslealdade
de ser levantado nas cidades e praças ocupadas na Banda Oriental o pavilhão
português, e
contra a impropriedade da recepção dispensada no Rio aos deputados de
Montevidéu, que tinham vindo apresentar seus votos e segu-ranças de fidelidade
ao rei, e aos quais o conde da Barca não hesitou em conceder uma audiência.

No dizer de Maler,500 o seu colega espanhol
duvidava no decorrer da sua nota sobre
este particular assunto, "afirmar o que lhe parecia mais ofensivo e desarrazoado, se a ousadia dos
pretensos deputados, se o proceder
do ministro que sem consideração pela sua própria elevada posição, se permitia receber e distinguir súditos rebeldes,
facciosos, insultando com esta atitude a legação de S. M.
Católica".

Dom João VI foi aclamado rei em Montevidéu no dia 7 de abril de 1817, como o foi em todas as vilas
dos seus domínios, exceção feita do Rio de Janeiro e de Pernambuco, por causa da revolução
que aí, na corte e
na província rebelde, teve por efeito adiar a cerimônia. Maler, indignado
daquele desplante de uma aclamação em terra estrangeira, assim convertida em terra conquistada, mais se
enojava de encontrar no Paço, como vira com os seus próprios olhos, os dois deputados de
Montevidéu gozando da
entrada na única antecâmara destinada às pessoas notáveis pelo seu nascimento e condição. "Cest
ainsi — exclamava ele501 transido de horror ante essa quebra do
tradicional privilégio — qu’on voit accueillir avec distinction des infames traitres dans le palais des
róis."

Na frase do representante francês502 as muitas notas de
reclamação do
encarregado de negócios Vilalba eram bem redigidas porque se escreve sempre impressivamente quando se
tem a justiça do seu lado, e tanto a tinha o diplomata em questão que Palmela opinava —
comunicava Maler sabê-lo
muito positivamente — ser impossível responder vitoriosamente às queixas da Espanha. É fato que
Palmela e Saldanha da Gama, longe da influência do imperialismo de que se abrasara a corte do
Rio, sem amor pessoal
pelas gentes e coisas do Novo Mundo, só enxergando os inconvenientes políticos da situação do
ponto de vista europeu, pensavam sinceramente,
se bem que se esforçando por cumprirem do melhor modo suas instruções, ser mais
prudente evacuar Portugal a Banda Oriental do que correr os riscos de
complicações de que eles sentiam de perto a ameaça.

Tal
não era porém o juízo de Dom João VI, tanto que experimentou o velho João Paulo Bezerra contestar por negação
os articulados de Vilal-ba. Na nota de 27 de agosto de 1817503
repete o sucessor de Barca que o exército português ocupava território que encontrara em
estado de guerra e abandonado pelos espanhóis aos insurgentes na capitulação de
Montevidéu. As
potências aliadas não tinham em 1814 pedido permissão a Luiz XVIII, o soberano legítimo, para
invadirem a França, nem a pedira em 1815 Fernando VII quando, por ocasião do regresso da ilha de Elba, fez suas tropas marcharem sobre o
território francês. Em qualquer desses casos
o território fora sempre considerado inimigo.

Além disso, assaz se proclamara temporária e provisória a
ocupação da Banda Oriental pela tropas portuguesas. Somente à sombra do seu pavilhão
poderiam estas tropas ali haver penetrado, pois que não iam no caráter de
aliadas ou auxiliares do rei católico. As intenções do rei fidelíssi-mo eram de pacificar o aludido território, de acordo
com a publicação do general em chefe e as
condições de entrega da praça de Montevidéu, destarte provendo à segurança do
Reino Unido, sem absolutamente pretender ingerir-se na disputa entre a
Espanha e suas colônias.

A liberdade de ação do monarca brasileiro era completa no
entender de Bezerra,
pois que fora violada em 1801 a aliança defensiva de 1778, e o tratado de Basiléia de 1795
já anteriormente provara de sobejo a pouca conta em que em Madri eram tidos os socorros eficazes
e generosos de
Portugal; como igualmente provavam depois essa falta de consideração e a escandalosa retenção de
Olivença com seu termo e a convenção do
general Elio em 1811 com a Junta de Buenos Aires.

O encarregado de negócios da Espanha não replicou ao
secretário de estado
com novos ou repisados argumentos porque muito provavelmente sabia que estava para chegar um ministro e não teria
empenho em que a discussão se azedasse
consigo mesmo: declarou apenas aguardar o efeito da carta autografa do soberano português ao soberano espanhol sobre a
questão, estando também informado de achar-se ela afeta ao mais alto e imparcial tribunal, como era o das potências
medianeiras, e julgando não valer entretanto a pena, longe da mediação e perto
do conflito, acirrar e desnaturar o
debate.

Levantou
não obstante uma contradição, fazendo notar a circunstância extraordinária do monarca
português conceder anistias a vassalos estrangeiros, como a que fora proclamada pelo general
Lecor; e para não ficar atrás em matéria de alusões históricas, ao mesmo tempo
indicando a
agravante da premeditação na parte contrária, relembrou que fora o ato de projetada agressão da corte do
Rio de Janeiro contra as possessões espanholas do rio da Prata que, com
determinar a vinda da divisão auxiliar, impedira o contingente português de tomar parte
"nos últimos gloriosos acontecimentos pelos quais se deu a paz à Europa", a saber, na
curta campanha culminada em Waterloo.

Os
representantes das cinco potências mediadoras protestaram porém poucos dias depois desta troca de
notas, a 6 de setembro de 1817,504 contra a remessa de novos reforços505
para Montevidéu, enquanto estivesse pendente a mediação. Respondeu-lhes coletivamente
Bezerra, perguntando
se os reclamantes se achavam especial e expressamente autorizados para exercerem semelhantes funções
de mediadores junto ao governo português?506

Não tiveram os agentes estrangeiros outro remédio senão responderem no
dia imediato que não exigiam explicações, conforme parecera ao ministro: apenas tinham
manifestado que ficariam muito lisonjeados de receberem as que o gabinete do Rio julgasse
conveniente dar e eles pudessem transmitir; que não pensavam prevalecer-se do caráter de medianeiros, o qual só cabia aos seus
soberanos respectivos, e não tinham feito mais na nota mencionada do que consultarem o dever
imposto pela natureza mesma das suas funções públicas e pelo espírito das suas
instruções; que estavam muito longe de supor que a observação apresentada fosse
de índole a afetar
mesmo indiretamente a Augusta Pessoa de S. Majestade, e se abstinham de responder ao
convite de declaração da chancelaria portuguesa por já lhes haver anteriormente sido dado o
ensejo de responderem a tal pergunta.

É o que em boa linguagem se pode chamar bater em retirada, e a resolução era acertada visto que,
por trás de Bezerra, facilmente se adivinhava que estava o rei com sua maliciosa e obstinada
bonomia. Bezerra andava pelo estado físico reduzido a uma nulidade, com que se
não poderia contar.
Justamente por este tempo escrevia Maler para Paris507 que a saúde do ministro de
estrangeiros continuava sempre no estado mais lastimoso (pitoyablé) e que tendo-o
procurado cinco vezes, mesmo porque não podia louvar-se de algumas respostas que
recebera, ainda não o conseguira ver.

Pelo contrário o representante francês via com freqüência
Dom João VI,
que sempre o acolhia
com muita bondade e que, mostrando invariavelmente nas suas conversações desconfiar do gabinete de
Madri, dos soldados espanhóis e da possibilidade de Fernando VII recobrar suas possessões, não menos invariavelmente
se mostrava inclinado a não abrir mão da Banda Oriental, mostrando tão somente
receio de ter que vir a brigar com Buenos Aires, com cujo governo queria viver em perfeita paz.508

Tanto
menos devia o governo português fraquear diante das ameaças da mediação, local ou distante,
quanto a atitude assumida pelas grandes potências da Europa na questão do rio
da Prata causara grande sensação em Buenos Aires. Diretor, Congresso e funcionários
públicos em geral tinham
recebido a notícia, ao que se dizia com pesar; com sentimento hostil o povo, pois que mediação em
tais condições quase eqüivalia a intervenção. Aliás à chegada das novas do prometido auxílio
russo à Espanha, mandou
o diretor que toda a população se exercesse o mais ativamente no manejo das
armas e se entregasse a evoluções militares, de sorte que a cidade se converteu num acampamento.

Uma humilhação imposta por Portugal podia outrossim dar
ocasião a uma mudança nas disposições que para com o gabinete do Rio mostrava Pueyrredon, "cuja
autoridade então se firmava e consolidava, tornando-se cada dia mais difícil derrubá-lo e suplantá-lo,
trabalhando ele muito e só podendo sua
popularidade crescente intimidar seus adversários".509

Até aí verdade é que continuara a reinar a boa
inteligência constantemente observada pelo diretor e correspondida por Dom João VI. Tudo comprova esta harmonia sem
discrepância, podendo exemplificá-la um pequeno fato entre outros, vulgar ocorrência de guerra.510
Três oficiais e trinta
e um oficiais subalternos, prisioneiros de Artigas, conseguiram apoderar-se de
uma goleta ancorada perto da margem do Uruguai, com armas e munições do caudilho, e
escaparam-se. Navegando com rumo a Montevidéu, foi a goleta detida em caminho por um
corsário portenho que
carregou os prisioneiros para Buenos Aires, onde o diretor os acolheu favoravelmente, socorrendo-os e
mandando transportá-los num dos seus navios para a praça ocupada pelos portugueses, com
desígnios tão assentes de permanência que a estavam até fortificando. Chegou o
diretor, pela reclamação
do general Lecor, a fazer entrega da carga como justa presa dos evadidos, conservando apenas
a goleta, por ser propriedade de um indivíduo de Buenos Aires. "Mr. Pueyrredon — não
deixava Maler a oportunidade
de comentar511 — fait tout ce qui depend de lui pour être considere comme un voisin commode, d’humeur douce et
conciliante."

Por seu lado não afagava a corte do "Rio mais dileto
intento do que vir
a celebrar uma aliança com Buenos Aires, desistindo o governo portenho de suas pretensões sobre a
margem oriental do Prata e prometendo Portugal unir-se às Províncias Unidas a fim de combater
qualquer expedição
espanhola que se afoitasse até suas paragens. Os partidários da legitimidade eram pelas
circunstâncias considerados os piores inimigos do soberano legítimo de Portugal e
Brasil. Uma carta recebida de Montevidéu por Maler e anexada à sua correspondência oficial
denunciava por este
tempo as muitas arbitrariedades, violências e mesmo agressões, cometidas pelos
portugueses contra os fernandistas. Para arraigar a ocupação, as terras da coroa
espanhola eram, ao contrário, livremente distribuídas pelos uruguaios que renegavam o partido de
Artigas, e pelos soldados
portugueses e súditos brasileiros que tinham ido no encalço da invasão.512

Não
admira que em condições tais fossem constantes as trocas de cortesias entre o Rio e Buenos
Aires, sendo até pelo governo português mandados admitir em Montevidéu os navios portenhos
ostentando o pavilhão rebelde.
Este estado de equilíbrio afetivo era no entanto instável e com muita razão
observava Maler que a morte mesma de Artigas, ainda que livrando o Brasil de um
inimigo poderoso, não simplificaria a situação, antes a dificultaria, aproximando as populações
irmãs das duas margens do Prata, que um mal-entendido político separava sem ser
ainda definitiva a cisão, e dando origem a uma perigosa rivalidade
internacional que, entre
outras razões, a anarquia produzida pelo caudilho sustava naquela ocasião e impedia de agravar-se.

Os acontecimentos vieram a provar que o encarregado de
negócios da França não se enganava nas suas apreciações: depois de desaparecido
o óbice de Artigas
e de consolidada a independência argentina, foi que a questão de Montevidéu envenenou
conduzindo à guerra de 1825. Nem sequer tardou muito que as boas disposições argentinas,
tão apregoadas, fossem
sendo praticamente desmentidas por fatos e de outra banda mal correspondidas, tornando-se
menos fraternais as relações.

A corte do Rio queixava-se de que em Buenos Aires entrasse a circular
um periódico contendo diatribes contra o governo do Brasil, a par do elogio dos mártires da liberdade
pernambucana. Queixava-se Pueyrredon diretamente ao general Lecor, dando simultaneamente
curso a esta queixa nos seus jornais, que fosse dada permissão de residência e
de conspiração em Montevidéu a díscolos e adversários dos governos de fato da
América Espanhola,
norma de proceder tanto mais irritante quanto em Buenos Aires a opinião tendia cada
vez mais acentuadamente para a emancipação irredutível.

À ordem de Pueyrredon foi o agente português Barroso preso em Buenos Aires sob a acusação de
entreter e proteger a correspondência dos facciosos congregados em Montevidéu com os seus
cúmplices da outra margem. Uns e outros agitavam a já de si desassossegada vida política das
Províncias Unidas, intrigando, conspirando, espalhando panfletos incendiários
impressos em
Montevidéu, provocando dissensões sangrentas, para tudo isto se aproveitando de andar entre as
tropas de Buenos Aires o soldo sempre atrasado por defrontarem com o governo os cofres públicos
vazios.

Protestou Lecor contra esta, como a chamou, quebra do
direito das gentes e
obteve a soltura de Barroso, com ordem, porém, de sair de Buenos Aires, pelo
que se recolheu o agente secreto a Montevidéu, onde lhe deram o comando da frotilha do
Uruguai.513 A expedição de Cadiz tolhia de certo modo os movimentos dos
elementos em presença, impedindo a desconfiança de degenerar no Rio da Prata em
conflito agudo entre Portugal e Buenos
Aires.

Estes famosos armamentos militares e navais desempenharam
um papel
notabilíssimo na história psicológica do tempo: infundiram tantos ou mais receios do que a Invencível
Armada. Em Portugal e ilhas adjacentes chegou a haver quase pânico. Várias
famílias da Madeira foram, assustadas, refugiar-se em Lisboa ao expedir a regência do
reino ordem de aprontar-se
a defesa dessa ilha e bem assim das dos Açores e Cabo Verde, transportando-se para o interior
das terras tudo quanto fosse mercadoria depositada na Alfândega ou objeto precioso existente nas
habitações.514

Também
no Rio, quando a gente do paquete inglês entrado a 6 de julho de 1818 contou ter avistado
na baía de Tenerife uma esquadra espanhola que transportava quatro a cinco mil homens de
desembarque, reinou grande susto entre o povo, chegando a comoção ao rei e
seus ministros,
que ficaram ansiosos. Convocaram-se a conselho os oficiais generais mais experimentados;
interrogou-se o ministro da Espanha, que disse nada saber e muito
provavelmente ignorava tudo; expediram-se navios para Santa Catarina e para Montevidéu
com soldados e munições de guerra.515 De resto, Angeja — um mavórcio
marquês a quem Marrocos compara numa de suas cartas516 ao homem de ferro da
procissão de Corpus Christi "ou o Centúrio convertido na do Enterro, pois nele tudo era metal,
e até trazia a banda
e o boldrié muito abaixo das virilhas" — e Barbacena estavam a esse tempo de viagem assentada para Europa, sob
pretexto de irem tomar águas,
na realidade, como era voz pública, para buscarem mais regimentos portugueses, uns três a quatro mil
homens que o velho reino cedia de mau grado ao imperialismo brasileiro
em ação.

Tanto, porém, se falou nos armamentos de Cadiz que por
fim já a ninguém
infundiam medo. Em Portugal, quando com mais calma os reputaram de verdade destinados à
América Espanhola, e entrou em jogo o afetado menosprezo do português pelo vizinho, deixou
de lavrar o receio de qualquer ataque castelhano. "Os armamentos de Cadiz
— escrevia Lesseps para Paris517 — não fazem agora aqui maior
impressão do que se fossem intentados
para atacar os chins."

No
Rio de Janeiro, se não havia tanta, simulava-se uma quanta tranqüilidade. Conversando com Maler,518
o rei tachou os armamentos de exagerados pelos jornais ingleses, mas o governo não
abrandava de fato sua atividade militar, mandando recrutar novos corpos de
milícias, fazer reconhecimentos, guarnecer as fortalezas da costa e prover a
outras urgências
defensivas. A maior dificuldade estava na Marinha, pela falta de pessoal, tornando-se até por este
motivo impossível equipar vários navios a um tempo. O serviço marítimo, mal remunerado, era muito
pouco procurado,
melhor dito evitado, e, como se não contavam numerosos antes escassos os navios mercantes,
faltava então como hoje o natural viveiro dos marinheiros de guerra. As
embarcações de cabotagem empregavam escravos
como tripulantes.

Em Portugal o pagamento não era melhor nem muito maior a
inclinação pelo
serviço, sendo forçado o recrutamento, mas ainda assim aparecia menor a míngua de gente,
posto que fosse tão grande a miséria naval ali que, segundo as informações mandadas por Lesseps,519
um corsário de Artigas,
mais precisamente um corsário americano com pavilhão oriental, armado de 24
canhões e tripulado por 200 homens, fundeara durante dias consecutivos na barra de
Lisboa, quase sob o fogo do forte de São Julião da Barra, ao passo que outro cruzava ao largo e
três mais estacionavam
no cabo de São Vicente, entregando-se todos à cômoda e lucrativa pilhagem dos navios que iam do Brasil.

Maler duvidava contudo da sinceridade dos esforços
bélicos da corte do
Rio no sentido da defesa contra um ataque espanhol. "Tudo quanto até aqui se fez — escrevia ele
ao marquês Dessolles520 — só pode ser considerado como uma aparência de
querer fazer alguma coisa, e eu, enquanto não vir armar os navios todos e construir barcas
canhoneiras, persisto em pensar que o governo brasileiro julga impossível a
chegada a estas paragens da expedição de
Cadiz."

A irresolução tinha de fato mais
poder do que o receio, mas neste caso a razão principal residia’ em que na própria Espanha
os armamentos de
Cadiz já quase tinham deixado de interessar a opinião. Por isso mesmo mais curioso é de observar que
de repente entraram eles a inspirar novos temores no Brasil e no rio da Prata. Em outubro de 1819
confessava Dom João VI acreditar na vinda próxima da
expedição, generalizando-se sua inquietação ao ponto de Maler entrar igualmente a acreditar
na realidade das apreensões oficiais. Em Buenos Aires faziam-se, entretanto, maiores preparativos de defesa e grassava irritação contra a França, a
Inglaterra e a
Holanda, por haver constado que a Espanha fretara dessas nações navios para transporte das tropas
da famosa por nunca realizada expedição.

O
mais interessante é que, ao passo que com seus protestos movia a Europa contra a ocupação da Banda Oriental pelas
forças portuguesas e ostentava seus
preparos de reconquista da América Platina, a Espanha, pela voz do seu ministro
no Rio, protestava também contra a evacuação do território. Casa Flores implorava quase que o exército de Lecor não abandonasse Montevidéu, entregando-a inerme aos
revoltosos e facciosos que ali
pululavam e andavam contidos por aquelas forças disciplinadas, que os impediam de manifestarem seus instintos
sangüinários.

Os
partidários locais de Fernando VII eram os primeiros a suplicar isso com fervor. De Montevidéu dirigiam-se ao
representante no Brasil da sua metrópole não esquecida, jurando que a anarquia atingiria na cidade
uruguaia os últimos
limites se a retirada das tropas portuguesas tivesse lugar antes da chegada da
expedição de Cadiz. Os boatos eram, com efeito, tão espalhados e tão repetidos
de que a praça seria despejada à notícia da aproximação da armada espanhola, que deviam
em toda probabilidade
repousar sobre alguma coisa de real. Contava-se que parte da artilharia pesada de defesa já fora
remetida para o Rio, e Maler, ao fazer-se para Paris eco dos rumores, informava que estes lhe
chegavam pelas cartas que recebia de
Montevidéu mesmo.521

O
plano constava ser, quando estivesse a expedição para chegar, entregar o general Lecor a cidade
que ocupava ao seu Cabildo, onde vingavam os elementos revolucionários, e deixar a Espanha
arranjar-se sozinha com
a colônia revoltada, a qual estaria dessa forma praticamente gozando da independência por que tanto
suspirava. A expedição ficaria assim privada — visto não ser crivei que Montevidéu se lhe
rendesse graciosamente
— de um ponto de apoio, um porto de aguada e refresco, e uma praça situada na entrada do estuário cujo domínio ia a
metrópole reivindicar.

A Buenos Aires não podia, pois,
ser senão agradável o alvitre, desmentindo as desconfianças antibrasileiras
quetratavam de disseminar os elementos mais exaltados. Para Portugal é evidente que as
vantagens resultavam óbvias
e muitas: poupava-se um conflito armado com a Espanha, antipático ao concerto
europeu e que podia determinar na Península amargas conseqüências; inutilizava a tão
preparada intervenção para a reconquista, à qual faltaria uma base de operações; impunha-se à
confiança das Províncias Unidas e conquistava a gratidão de Montevidéu,
facultando-lhe uma autonomia
radical que a diplomacia suasória da corte do Rio trataria mais tarde de converter numa
reincorporação, denunciando e especulando com o perigo de uma absorção da parte de Buenos Aires.

À Espanha era que não podia convir o jogo e por isso
intimava Casa Flores
ao gabinete português,522 que a este incumbia a polícia do território ocupado. "Cabe a Sua
Majestade Fidelíssima manter e conservar a tranqüilidade e segurança das
pessoas e bens desses habitantes até que, estando ajustadas as desavenças entre as duas cortes de
Espanha e de Portugal,
se proceda a executar o que houver sido combinado." A advertência do diplomata dava deste modo
completa razão à argumentação dos plenipotenciários portugueses na Europa,
sobretudo depois que Palmela colocara a questão sobre os fundamentos de uma mais hábil dialética, conseguindo transformar por inteiro
a atitude dos representantes das potências medianeiras investidos das suas
funções quase arbitrais, a qual passou
de simpática à Espanha a ser simpática a Portugal.

Como
Casa Flores reclamasse uma resposta decisiva e satisfatória, Tho-maz Antônio, que geria a pasta
dos Negócios Estrangeiros, a deu muito jeitosa,523 pondo em relevo
aquela justiça que por fim se via assistir a diplomacia portuguesa, e no mais
tachando de imaginários os temores manifestados nas duas notas espanholas. Os
próprios legitimistas da Banda Oriental eram que espalhavam boatos aterradores e,
naturalmente envaidados com a próxima chegada da real expedição, chegavam a
provocar os soldados portugueses que por esse tempo estavam ligando seus movimentos para atacarem
o acampamento de Artigas em Passo de Arenas e a vila do Coelho.524

A
atividade bélica das duas parcialidades permanecera bastante adormecida até
então nesse ano de 1819, conservando-se os portugueses como que entorpecidos nas suas
posições e acantonamentos525 e Artigas parado no mesmo quartel-general de
Ervidero (onde se encontrava quando Le-cor abriu a campanha de 1816), depois de se ter sangrado
para fomentar a
rebelião e pelejar em Santa Fé contra Buenos Aires, num apoio sistemático do espírito provincial em rebelde desafio ao
centralismo unitário.

A aproximação de Artigas produziu todavia o resultado
contrário da celebração
de um armistício entre a capital das Províncias Unidas e os insurgentes de Santa Fé como
preliminar da pacificação geral, para tratar da qual se aguardavam os deputados que o caudilho
se comprometera a mandar. A publicação simultânea em Buenos Aires da Constituição das Províncias
Unidas arredava de vez o projeto de Garcia de sujeição ao Brasil, e até a política de
boa-vizinhança cara a Pueyrredon recebia um duro golpe com a resignação do
diretor, a quem substituiu Rondeau, nascido em
Montevidéu e filho de francês.526

Contra
Rondeau logo entrou a intrigar Sarratea, mesmo a meio dos preparativos contra a decantada
expedição de Cadiz. Entretanto, pelo fim do ano, devorado pelo ciúme autonomista, o caudilho
uruguaio terminava
o simulacro das suas negociações de São Lourenço, seqüestrando todas as mercadorias e propriedades de
cidadãos de Buenos Aires que se encontravam na margem oriental do Prata, e congregando na
baixada de Santa Fé,
por um notável esforço, dois mil e quatrocentos homens sob as ordens de seu imediato Ramirez, a fim
de recomeçar a guerra contra o governo das
Províncias Unidas.527

Desde
1818, contudo, que Maler dava como crítica a situação de Artigas, a qual teria sido
desesperada segundo a opinião do Correio Brazi-liense, se
não fosse a falta de postos ao longo do rio da Prata até a foz do Uruguai e pela margem deste rio acima até às
Missões, quando não pelo Paraná; tanto para obstarem às irrupções das pequenas
partidas de rebeldes, como para
forçarem Artigas, sob pena de se ver cortado em suas comunicações, a
retirar-se para a outra banda do rio.

A partir de certo tempo, porém, estava de preferência o
interesse com a discussão diplomática do que com as operações militares.
Fizera-se evidente
que, com os fatores em ação, estas já não alterariam mais o resultado
alcançado: a Banda Oriental prestes passaria a ser a Província Cispla-tina da monarquia portuguesa. O
debate político oferecia no entanto ensejo para raras virtuosidades de argumentação que, se
não conseguia ser decisiva, oferecia,
pelo menos, muito mais sedução.

A lógica do desembargador Thomaz Antônio espraiava-se, já
com um tom festivo,
na sua referida nota ao ministro da Espanha: "Sendo singular que de
Buenos Aires protestam que S. M. F. não deixe a Praça: os do Cabildo e vizinhos instam pelo mesmo:
e S. S? agora também declara os sentimentos dos espanhóis; tendo todos o temor, de que
as tropas portuguesas
se retirem; e vem a ser só na Europa por fatalidade onde se supõe, que a ocupação é uma violência, e não um
benefício…"

Respondendo diretamente à
increpação de acalentar a corte do Rio desígnios de formal anexação do
território ocupado, ajuntava o ministro de
Dom João VI: "Entretanto pode o abaixo assinado asseverar a S.
Sª que S. M. F. não tem nenhum tratado
secreto, nem jamais o tem permitido aos seus ministros. Que tendo
procurado com a sua ocupação o fim de
sossegar aqueles habitantes, não os há de desamparar, nem deixar em
anarquia."528

A
réplica da Casa Flores é de 18 do mesmo mês de novembro529 e coloca a questão nos seus
verdadeiros termos para o governo espanhol: "O geral dos habitantes dessa digna cidade
[Montevidéu], cujos sentimentos de fidelidade ao seu soberano legítimo são bem conhecidos, mesmo quando se acham reprimidos pela
facção sediciosa, solicita que as forças portuguesas os não abandonem sem defesa ao furor e às
intrigas dos revolucionários; mas não deseja e não pede que a praça não seja
restituída às
autoridades que o seu augusto soberano destinar para tal fim. Por idêntica razão esse é igualmente o
desejo dos espanhóis como S. Ex? os denomina, sem que seja possível perceber por todo o
seguimento da nota de que
classe de espanhóis se trata, pois que todos os seus habitantes são espanhóis, exceção feita dos
forasteiros que ali residem."

A contenção espanhola fora aliás constante para que a
corte do Rio conviesse
em que lhe competia devolver a colônia dominada pelas armas portuguesas, logo que o exigisse
o monarca que tradicionalmente sobre ela exercia sua jurisdição. A nota de D. José Pizarro,
ministro dos negócios
estrangeiros de Fernando VII, às cinco potências medianeiras, em data de 20 de novembro de 1817,530
tratara explícita e demoradamente deste ponto, por ele qualificado de eixo da questão. Eram as
seguintes suas palavras: "A entrega ou não entrega do território pode bem
ser um fato, mas a faculdade de ocupá-lo e a pronta anuência em devolvê-lo são
verdadeiros
direitos, ou então um fato legal e indivisível. O gabinete espanhol não lograria compreender o valor de
uma propriedade e de uma soberania, cujo exercício pudesse ser tornado condicional… Uma
devolução de território
sem a declaração de soberania seria na verdade alguma coisa de efetivo:
deixaria porém a posse num vago, numa incerteza penosa e perigosa aos olhos da
justiça, e da mesma forma uma soberania sem a prévia segurança da devolução ou da posse
por meio da reclamação do legítimo soberano, uma soberania cuja função fosse ainda objeto de
dúvida, em que restaria o que discutir e estivesse dependente da aceitação ou
recusa das condições
apresentadas da parte de quem não é o soberano e a quem cabe devolver o território, seria,
para começar, um contra-senso incompatível com a essência da própria soberania: não condiria com
a linha de dignidade das
duas altas partes, e deixaria o fundo da questão numa situação ainda mais intrincada e arriscada do que o que estava
antes."

Desde 1817 no entanto, tinham as coisas mudado bastante
de aspecto, e a questão de Montevidéu, resolvida de fato pela invasão
portuguesa, estava
em fins de 1819 agonizante para o gabinete de Madri, quando mesmo ele a quisesse disputar à
morte, e agonizante também para os legiti-mistas e nacionalistas do Uruguai, quando mesmo uns e
outros lhe quisessem insuflar nova vida.

A atmosfera diplomática na corte portuguesa tinha-se
visivelmente desanuviado
com a chegada ao Rio, a 24 de outubro de 1819, do ministro Thornton, com
caráter provisório de embaixador.531 O inglês como que trouxera
consigo o reflexo do magnetismo exercido por Palmela sobre o gabinete
britânico. Em Londres e no continente tratara o plepipotenciário português de fazer descarregar
sem estrépito nem estragos a eletricidade acumulada no horizonte político,
felizmente mais circunscrito do que o horizonte cósmico, e magicamente alcançara que no
firmamento europeu se desenhasse para seu
país o arco-íris da concórdia internacional.

Os representantes estrangeiros no Brasil, que todos andavam beliscando o gabinete do Rio, tiveram
que mudar correlativamente de modo, e a transição determinou-a o novo ministro inglês com a
decisão própria da diplomacia britânica. Quando os demais ministros e
encarregados de negócios
trataram de se agrupar em redor de Casa Flores para intimarem, no sentido das conveniências
espanholas, que a evacuação de Montevidéu antes da chegada da expedição de
Cadiz constituiria uma antecipação dos resultados das negociações em andamento na Europa e
portanto envolvia uma
falta de consideração às potências medianeiras, recusou Thornton associar-se à manifestação coletiva.

Não
fazendo de resto mais do que aplicar as máximas anteriores da política do seu governo, avessa a anexações
portuguesas e simpática à libertação
colonial do tráfico comercial, ele declarou não compreender por que
havia de ser o ato da evacuação mal interpretado pelas referidas potências, tanto mais quanto as negociações na Europa comportavam
tantas delongas, não parecendo razoável que delas ficasse inteiramente
dependente o andamento local dos negócios. Além de que qualquer ação
diplomática coletiva, concertada no Rio, pressupunha de fato e com certeza a maneira pela qual as potências maiores encarariam
afinal e definitivamente a questão, nenhuma razão existia que devesse impedir os portuguses de reporem as
coisas no primitivo estado, se tal era sua vontade. O Brasil, observava ainda o
ministro britânico,
estava na obrigação de ter com a república de Buenos Aires as contemplações que lhe sugerisse a
política, e o plenipotenciário português
em Paris reconhecera os erros cometidos pelo seu governo em todo esse negócio: nada mais justo do que
permitir a ocasião de serem eles reparados.

O ministro russo Thuyll ponderou na reunião que entregar
a praça ocupada aos
inimigos de S. M. Católica em vez de entregá-la às forças de S. M. Católica, era post-julgar,
não prejulgar as coisas, mas Thornton não se deixou convencer e persistiu na sua
atitude, o que levou seu colega a dizer depois que o embaixador de S. M. Britânica
parecia ter em mente que uma guarnição inglesa poderia perfeitamente substituir
em Montevidéu a
guarnição portuguesa até a chegada das forças espanholas. E não estava com isso Thuyll muito
longe de acertar, se bem que não fosse de natureza a enganar potência alguma a razão, aventada para
tal caso eventualmente,
e de mais depressa dever uma guarnição inglesa entregar a praça ocupada ao seu legítimo
soberano, mantendo entrementes a ordem, motivo
de todas as precauções.

Os partidários da antiga metrópole continuavam a
agitar-se na Banda Oriental, pois que informava então Maler532 que
Lecor fizera entrar em
Montevidéu três regimentos e prender 110 realistas, entre eles oficiais superiores, conduzindo-os para
bordo de um transporte português que os levou para Santa Catarina. A violência tinha decerto por
fim ceder, no caso de evacuação do território pelas tropas portuguesas, o campo
livre aos rebeldes
a fim de se instalarem no poder sem receios. Lecor era o primeiro mesmo a mandar dizer que a
lista dos presos fora organizada pelo Cabildo,
de parcialidade revoltosa.

À nota de queixa de Casa Flores respondeu Thomaz Antônio que o Rei dera ordem de carregar de
novo os acusados para Montevidéu, no intuito de serem ouvidos e julgados por
um conselho de guerra, ficando sujeita ao monarca a deliberação do Tribunal Militar e
dando-se ao governador
de Santa Catarina faculdade para conceder àqueles que o desejassem, permissão de virem para o Rio de Janeiro.

O manifesto é que,
quando as grandes potências tivessem continuado a sustentar a Espanha, o gabinete de Madri
pouca vontade exibia de entrar numa luta armada com Portugal, que ele bem sabia ser mais forte
na América, onde assentara permanência à monarquia. Tampouco ignorava o governo espanhol que a
corte do Rio podia vantajosamente responder
no Novo Mundo a qualquer ataque castelhano na Península: bastava-lhe favorecer materialmente a emancipação
de todas as colônias sublevadas, pendente ainda o deserüace do conflito.

Compreendia no
entanto o gabinete de Madri que este esforço não estaria no interesse do regime monárquico, que a
corte do Rio era a única a encarnar na América;533 por conseguinte que
a vingança corria o risco de redundar no próprio prejuízo de quem assim a exercesse. Tão bem pressentia aliás Dom João VI o perigo do contágio que, mesmo
antes da revolução
de 1817 lhe dar o rebate e demonstrar que sua presença no país não constituía suficiente obstáculo
à explosão de idéias subversivas e separa-tistas, deliberara não sair do grande teatro de agitação
revolucionária, a qual,  com o despotismo de Bonaparte primeiramente e depois com a coligação das monarquias de direito
divino, parecia ter emigrado da Europa fiara
a América.

Na
Europa havia sido ao rei de Portugal útil e avisado escapar à tormenta estrangeira; na América era
indispensável ao rei de Portugal e Brasil afrontar de pé a borrasca nacional pois que, conforme
profetizava em 1817
o abade de Pradt, "a presença d’el-rey no Brasil é a verdadeira segu-que
tem a Casa de Bragança naquelas regiões, e a sua mudança se-a sua terminação. El-rei saindo
dali, deixaria a independência na sua capital
desertada."

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