A ETERNA BUSCA DO HOMEM EM SI MESMO

A ETERNA BUSCA DO
HOMEM EM SI MESMO

 

Lucas Fortunato
Carneiro [1]

Prof. Ms. Gilzane
Naves

RESUMO: A discussão desenvolvida neste trabalho envolve uma realidade muito
presente hoje, a da angústia e o desespero. O que seriam estes dois conceitos
aplicados no atual ser humano e na sua concepção de mundo ? O filósofo Soren
Aabye Kierkegaard é a base de toda a discussão: apesar de ter vivido em outra
época, a sua temática de trabalho é bem atual, tratando da verdadeira realidade
existencial do ser e da sua busca constante de si mesmo. O buscar-se a si exige
coragem e determinação do ser humano, pois é necessário que se assuma as
conseqüências de tal atitude. Mergulhar em si mesmo significa assumir as
escolhas feitas e principalmente vive-las de modo intenso de forma que exista
libertação de toda forma que aliena o homem. Portanto, o foco da discussão é a
busca do homem em si mesmo e a busca pela sua real existência.

 

Palavras-chaves : Angústia, Desespero, Existência.

 

O que pode o homem buscar na modernidade? O
que quer o homem buscar na modernidade? Estas perguntas são simples, mas não
são fáceis de responder, pois o que o homem busca respostas fáceis, que
não o forcem o a trabalhar a mente e principalmente que não tragam
mudança em sua vida. A mudança exige do homem uma grande força de adaptação, e
o adaptar-se exige muito.

O ato de angustiar-se e desesperar-se são
características marcantes do homem na sua busca em si mesmo, o ato de buscar a
sua essência em si mesmo, é necessariamente o ato do angustiar-se, pois
chegando à nada como possibilidade dentro de si mesmo, o homem deve iniciar uma
nova construção da sua existência. O desesperar-se seria a falta de esperança o
fim de tudo, onde nada mais pode influenciar o homem, onde ele deve
apresentar-se a si mesmo sem máscaras. Mostrar o seu real modo de existir
diante da realidade, isto também seria o ato de mergulho em si mesmo. O autor
que trabalha com bastante autoridade sobre este assunto é Soren Aabye
Kierkegaard.

Kierkegaard tenta, com
uma visão cristã recebida de seu pai, desenvolver este tema, mas para isso é
necessário entender primeiro o conceito que ele desenvolveu de indivíduo, que é
o primeiro agente do desespero e da angústia.

O indivíduo, após uma
junção de finito com infinito, ou seja, tudo aquilo que existe de infinito se encontra
na finitude do homem, sendo assim o homem é a síntese a junção de finito com
infinito, o homem é resultado de um processo, mas um resultado que não consegue
definir bem o seu estado de existência.

O homem é uma síntese de infinito e de finito, de eterno e
de temporal, de liberdade e de necessidade, é, em suma uma síntese. Uma síntese
é a relação de dois termos. Sob este ponto de vista, o eu ainda não existe
(KIERKEGAARD, 1979, p.195).

 

Como Kierkegaard
escreve sempre com uma visão cristã e sob influência do pai e da noiva, ele
relaciona o homem com o ser supremo, ou seja, com Deus. O homem convive
com todos os que estão ao seu redor, com a família, amigos, colegas de trabalho
e escola. Mas se este mesmo homem não consegue se encontrar verdadeiramente com
Deus, conseqüentemente ele cai no desespero, que assume três formas diferentes
de ser demonstrado: “o desespero inconsciente de ter um eu (o que é o
verdadeiro desespero); o desespero que não quer e o desespero que não quer ser
ele próprio” (KIERKEGAARD, 1979).

Uma das principais
características do homem que está em desespero é a de se tornar vítima de
circunstâncias, ou de atos externos que acontecem ao seu redor, no meio em que
está vivendo. A sua maior tendência é sempre de procurar uma saída, mas esta
procura incessante pode agravar a situação de desespero na qual o homem se
encontra. Mas esta conseqüência não chega na instância de morte, pois para o
homem que se encontra em tal situação é impossível morrer, pois ele sofre
muito, mas não tem coragem suficiente  para dar um fim em si próprio.

Estar mortalmente doente é não poder morrer, mas neste caso
a vida não permite esperança, e a desesperança é a impossibilidade da última
esperança, a impossibilidade de morrer. Enquanto ela é o supremo risco, tem-se
confiança na vida; mas quando se descobre o infinito do outro perigo, tem-se
confiança na morte. E quando o perigo cresce a ponto de a morte se tornar
esperança. O desespero é o desesperar de nem sequer poder morrer (KIERKEGAARD,
1979, p.199).

 

No entanto, quando o
homem reconhece a sua situação de desespero, este sim está se aproximando da
cura, pois este fato de reconhecer–se desesperado é o passo mais importante
desta cura, desta forma, para que realmente a condição de desespero se instale
no homem basta um simples ato de querer ou caso contrário basta a sua negação
em relação ao desespero, que não mais estará em desespero. Na vida comum, no
nosso dia–dia estar desesperado não é raro, pois pode acontecer com qualquer
um, em um momento em que se encontrar sem esperanças, o desespero se instale e
permanece estagnado no indivíduo. A simples afirmação de não estar desesperado
já é uma forma de desespero, uma máscara usada para encobrir a situação na qual
se está vivendo.

Quando se admite a realidade
de desesperados não ficamos como uma pessoa doente patologicamente, tratando
que o desespero é uma doença do espírito. Por esta razão também descobre-se que
bem antes de estarmos desesperados já estávamos em desespero, talvez em um
desespero até mais intenso. O que aconteceu foi um simples afloramento que
estava latente em nosso íntimo.

O homem não expressa
claramente o desespero, pois imagina que não estar em desespero, por isso
permanece calmo, sem se preocupar diante desta situação de desespero, ou seja,
“esta calma, esta segurança podem ser desespero” (KIERKEGAARD, 1979, p.204).
Mas nunca ter sentido tal situação alarmante pode ser sinal claro de desespero.

Para se falar em
desespero, deve-se considerá–lo na forma de espírito, porque não se pode falar
em desespero como doença corporal, mas sim como estado. É por esta razão que
não se deve falar em saúde imediata do espírito, pois o espírito está sempre em
processo de formação. Para citar o espírito em sua totalidade não se pode
desviar de seu destino dialético, pois se acaso houver este desvio não se pode
falar de desespero na alma. O desespero nada mais é que “a inconsciência em que
os homens estão de seu destino espiritual” (KIERKEGAARD, 1979, p.205).

Os homens não estão se
encontrando, estão vivendo em um mundo fora de si mesmos, não conseguem de
forma alguma descobrir o destino certo de seus espíritos e nesta dúvida é que
se localiza o verdadeiro desespero: o de não saber que dentro de si existe um
espírito, um “eu” que tem um destino, que se iludem nas coisas, objetos,
pessoas que estão ao seu redor, atuando constantemente em seu espírito.

 

Para encontrar realmente o local
onde está a angústia e o desespero, basta procurar na própria felicidade, pois,
como já foi dito no texto, o desespero está sob uma máscara e esta máscara é a
felicidade. Se realmente o ser humano pensa que existi algo, estava
completamente enganado, porque até mesmo a mais pura inocência é nada e quando
é nada, o que pode existir é só desespero. ‘ Por isso esta inocência não basta
para atravessar a vida. Se até o fim nada existe, além desta felicidade, nada
se possui para a viagem, nada se ganha com isso, pois só se possui o desespero’
(KIERKEGAARD, 1979, p.205).

 

Quando não existe a
vontade de nos livrar do desespero, surge a despreocupação, a satisfação em
viver. Tudo isso é falso, porque na realidade o que se sente é o puro
desespero, mas falta apenas aceitar esta situação para podermos enxergar uma
saída para tal situação.

Portanto, a realidade
do desespero se dá na situação de não aceitar a si mesmo, de não se entregar a
uma busca continua do “eu” que existe dentro de nós mesmos, o que se difere um
pouco da angústia que continua a ser um mergulho interior mas de uma forma
diferente, onde a realidade se encontra na escolha, e de uma nova
possibilidade de construção da existência.

A angústia em tempos
antigos se deu pela ausência de Deus, ou seja, o total distanciamento de Deus,
se isolar de tudo, mas parece que isso também acontece nos tempos atuais. A
angústia dá-se por algo que é desconhecido, e este desconhecido é Deus. Por
mais que se possa afirmar que conhecemos Deus ainda não o conhecemos, ouvimos
falar algo dele, mas não o conhecemos na sua totalidade.

Por ser um Deus
desconhecido, ele passa a nos impor uma angústia, porque não sabemos como agir,
tornar o sentimento da escolha de uma forma de vida autentica no qual se
encontre a Deus e também o sentimento do vazio interior.

Pela razão de o homem
não saber o que realmente é Deus, tudo aquilo que pode ser considerado de forma
errada pela moral humana se torna pecado, causando um sentimento de culpa e
vazio dentro do homem, pois, ele passa de forma extrema a fazer escolhas para
se livrar desta culpa do pecado.

A angústia é um
sentimento de inquietude que está presente na fonte da livre opção. Não tem um
objeto definido, como o medo e o pecado, seu objeto é quase um nada, para o
filosofo nada é o estado onde o espírito humano se encontra consigo mesmo. Não
é uma falta, não é um fardo, nem mesmo um sofrimento consigo mesmo como o
desespero. A angústia é o solo da liberdade, pois para se definir melhor, a
angústia é a própria possibilidade de liberdade, mas nem sempre encontrou o
caminho para esta liberdade, e a única forma de liberdade que conseguiu foi a
opressão do outro.

O sentimento
angustiante que o homem sente está relacionado com as suas escolhas. Ao viver o
processo da escolha o homem mergulha em um grande abismo de angústia, pois ao
fazer tal escolha o homem deve assumir as responsabilidades de tal escolha.

Kierkegaard mostra bem
claramente como se da à relação angustiante do homem com as suas escolhas. O
grande foco do filósofo é mostrar a forma que a angústia se apresenta e também
as formas de lidar com tal angústia.

Na história da humanidade,
a escolha esteve sempre muito presente nas relações humanas, mas para
representar bem tal papel Abraão se mostra capaz a desempenhá-lo.

O ser humano, hoje,
seria capaz de fazer à mesma escolha que Abraão fez, de sacrificar o próprio
filho, em prol de sua fé e também em prol de uma escolha feita individualmente.
Viver o processo de tremor e angústia não é fácil, pois somente alguns estão
aptos a isso. Kierkegaard (1868, p.18) diz: ”o tremor e a angústia, não há quem
se livre totalmente a não ser que consiga ir mais adiante desde muito cedo”.

Mesmo sendo apenas
alguns aptos para o processo de angústia, todos os seres humanos estão
condenados a viver a angústia, pois todos um dia vão fazer suas escolhas.

O homem que se coloca
neste processo angustiante espera no fim do processo uma resposta para si
mesmo, um resultado que pode levar o homem a uma conclusão da sua existência. O
exemplo de Abraão mostra claramente que ele confiou na sua proposta de viver a
angústia enquanto fiel e temente a Deus.

A angústia vivida por
Abraão se dá na forma de sacrifício do próprio filho, e no final de tal
processo ele recebe de seu Deus o seu filho de volta como resultado de um
processo angustiante.

 

Era uma vez um homem que ouvira, em sua meninice , a
maravilhosa história de Abraão, o qual, posto à prova por Deus, vencida a
tentação sem perda da fé , recebida contra toda esperança o seu filho pela
segunda vez (KIERKEGAARD, 1968, p. 21).

 

O maior problema do
homem atual, enquanto processo de angústia é lidar consigo mesmo, lidar com o
outro e lidar com Deus. O processo de escolha se dá na interiorização das
coisas externas e vivência de um processo de escolha de tais coisas, após este
processo o homem tem os resultados de tais escolhas.

As relações humanas
que se dão na terra são muito que superficiais, não revelando nada que mostre
ao homem o caminho a ser seguido, talvez seja possível ao homem superar tudo
aquilo que vive na atualidade: relações conturbadas falta de condições de vida,
não aceitação de sua existência enquanto tal. Porém, quem consegue se
relacionar com Deus na sua liberdade, este sim é digno de ser observado.

[…] Pois aquele que se amou a si mesmo foi grande por sua
pessoa, quem amou a outra pessoa foi grande porque se deu, porém aquele que
amou a Deus foi maior que todos […]. Este é o resumo dos combates feridos na
terra, homem contra homem, um contra mil, porém aquele que combate contra Deus
é o maior de todos (KIERKEGAARD, 1968, p.38).

 

Um dos grandes
conceitos que o filósofo trabalha é a fé, para ele a fé pode levar o homem a
superação de qualquer escolha, pois na fé tudo aquilo que é natural e material
perde o seu sentido, desta forma o homem pode fazer coisas que na visão mundana
são absurdas, mas aos olhos da fé não.

Os homens não são mais
capazes de expressar a sua fé, expressar no sentido de vivenciá-la na vida
real. Gastão (1968, p.42) diz: “A maioria exibe sua fé, mas não sente a não ser
nos momentos de aflição”.

A escolha apresenta ao
homem uma grande gama de possibilidades, que o leva a viver a angústia mais
profunda de todas, a de escolher nas possibilidades.

O Homem ao buscar sua
verdadeira realidade passa pela escolha em si mesmo, e no mundo ao seu redor,
nem mesmo a fé esta sob o controle das possibilidades, pois na possibilidade
tudo esta tão distante do homem que ele não consegue mais enxergar, ele não vê
nem mesmo a fé, uma salvação. Sendo assim cai em profundo desespero, pois não
mais crê na sua própria existência.

 

 

[…] A dizer a verdade não se trata nesse caso de fé, porém
somente de remota possibilidade que presente o seu objeto no horizonte distante
ainda que separado dele por um abismo onde se agita a desesperação. […]
contudo uma coisa é despertar justa admiração e outro ser a estrela que guia e
salva o desesperado (KIERKEGAARD, 1968, p.42).

 

Mas na verdade de que
foge o homem hoje? O homem foge do processo de angústia que o cerca de forma
voraz e terrível. Processo este que envolve sua vida e suas escolhas e que ao
mesmo tempo impõe a ele responsabilidade de assumir o que ele escolheu, sendo
assim o homem cria uma máscara para não viver a angústia, mas é impossível para
ele não angustiar-se.

[…] O que é omitido na história do patriarca? A angústia.
Pois, enquanto em relação ao dinheiro não tenho qualquer espécie de obrigação
moral, o pai acha-se ligado ao filho pelo mais nobre e mais santo vinculo.
Como, contudo para os fracos de espírito, a angústia constitui perigo,
dexamo-la passar em silêncio. […] (KIERKEGAARD. 1968, p.48).

 

A questão da angústia hoje
mostra duas realidades no qual também Abraão viveu. A questão moral e a questão
religiosa. Quantos neste mundo são julgados loucos pela sociedade pela razão da
sua extrema fé e seus atos religiosos e quantos religiosos julgam civis por
causa de seus atos contra a religião e contra o homem.

Na verdade, a angústia
se encontra no homem, pois escolher um dos lados se torna algo aterrorizante.

[…] Debaixo do ponto de vista moral a atitude de Abraão exprime-se
dizendo que desejou matar Isaac, e, debaixo de um ponto de vista religioso, que
teve intenção de sacrificá-lo. Em tal contradição esta a angústia que nos leva
à insônia e sem a qual, porém, Abraão não é o homem que é […] (KIEKEGAARD,
1968, p.50).

 

Diante das escolhas
que são tomadas a cada dia pelo homem, será que o próprio homem parou algum dia
para pensar sobre estas escolhas? É necessário antes de tudo acalmar-se
interiormente, tornar o silencio interior necessário, pois sem este silêncio não
se encontra o caminho, é necessário mergulhar no vazio do interior humano.
    Comte-Sponville (1997, p.13) diz: “é preciso começar pelo
mais escuro, buscar o vazio, e o negro, e o nu, e chegar progressivamente a
luz”.

Desta forma, a vida
deve ser sempre um processo de transformação do homem enquanto ser angustiado,
e para se viver este processo angustiante é necessário fazer uma escolha, mas
para se fazer uma escolha bem feita deve-se saber primeiramente o que se vai
escolher, o ser humano deve saber primeiro como se dá esta angústia para depois
vivê-la.

O que o ser humano
pensa da palavra angústia? O pensamento que se tem de angústia é muito
negativo, pois a realidade mostra que aquele que se encontra em angústia devido
uma escolha esta fora dos padrões desejados da sociedade, a angústia hoje esta
caracterizada pela depressão, tristeza e isolamento.

[…] aspectos negativos estão sempre correlacionados à
palavra angústia, que no bojo dos relatos fenomenológicos descrevem
características de transtorno psíquico como as doenças bipolares, depressões e
tantas outras que constroem um quadro envolvendo os afetados (OLGA, 2006,
p.25).

 

Dentro destas
características que não estão na sociedade atual, uma delas é a inocência. A
inocência na atual realidade se encontra em crise, pois não se tem mais o
verdadeiro conceito de inocência. O que se pensa de inocência é aquilo que nada
cabe ou até mesmo não se da conta de nada. Para Kierkegaard (1843, p.63), “a
inocência é a ignorância”.

O que Kierkegaard quis
dizer é que o homem enquanto inocência ainda esta em estado espiritual, mesmo
mantendo um estado de união com o material, ou seja, com seu corpo. O que
caracteriza a inocência no homem é o seu espírito ainda sonhador, o estado
sonhador deixa o homem fora de si, desta forma ele não consegue distinguir
entre o bem e o mal.

O homem atual não quer
mais ser sonhador, pois deseja sempre mais para si, não pensa mais no seu
espiritual e, por isso, fica apenas no material naquilo que é sensível. É
necessário que o homem volte ao seu estado de inocência original para poder
começar novamente sua caminhada, no estado original de inocência ele vai
encontrar o verdadeiro nada e assim viver a angústia.

Neste estado, há calma e há repouso; mas não há, ao mesmo
tempo, outra coisa que contudo, não é perturbação nem luta, pois  nada
existe contra que lutar. O que há então? Nada. Mas que efeito produz este nada?
Este nada engendra a angústia. Eis o mistério profundo da inocência: ao mesmo
tempo é angústia (KIERKEGAARD, 1843, p.63).

 

Ao começar viver este
nada na inocência, o homem começa a criar possibilidades, dentro destas
possibilidades ele pode escolher e assim viver sua angústia. Para que haja uma
escolha consciente e sem influências é necessário que exista liberdade.

Nesta liberdade deve
existir para o homem a possibilidade de construir e também de destruir algo
dentro de si mesmo. A construção de algo dentro de si exige assim uma
auto-liberdade, e ser livre é estar contribuindo para a própria construção,
para a própria realização interior e pessoal. Para que o homem possa construir
algo dentro de si é necessário também estar renegando algumas coisas, mas isto
se inclui enquanto possibilidade. Não é possível ao homem escolher tudo, desta
forma ele nega para depois escolher.

[…] o Indivíduo encontra-se numa situação de pura
possibilidade, a possibilidade de criar algo do nada. O indivíduo é livre. Ser
livre significa contribuir para a própria realização, mas significa também
poder negar essa realização, significa tanto destruir quanto construir (GILES,
1975, p.19).

 

As escolhas no homem
começam no período da infância, a criança tem a angústia dentro de si mesma,
pois tudo passa a ser uma escolha do nada para uma construção futura, tudo que
a criança faz vem de encontro com seus sonhos de construção de vida.
Kierkegaard (1843, p.63) diz: “a angústia é uma determinação do espírito
sonhador”. Sendo assim para Kierkegaard toda criança tem dentro de si um
espírito sonhador.

Toda criança tem
dentro de si um sonho a ser realizado, mesmo em contextos tristes de fome,
guerra, dor ou desespero a criança não deixa de sonhar. Como a angústia é um
processo de construção do ser, a criança vai construindo sua vida, sua
personalidade através da angústia.

Quando o homem não
vive bem este processo na infância, vê-se obrigado a vivê-lo no estagio da vida
adulta e isto pode ser muito doloroso, pois no estado adulto nem sempre se tem
sonhos que partem de um nada.

[…] A angústia é tão essencial a criança que ela não quer
dispensa-la; mesmo quando inquietada pela angústia, a criança encanta-se 
com esta doce inquietude. Em todos os povos onde a infância se conserva como
uma disposição sonhadora do espírito, existe tal angústia […] (KIERKEGAARD,
1843, p.65).

 

A angústia já nasce
dentro do homem, pois a todo o momento o homem escolhe, ele é livre para
assumir suas escolhas, mas Kierkegaard passa a determinar duas formas de
angústia, a angústia objetiva e a angústia subjetiva. Para Kierkegaard (1843,
p. 69), “a angústia existe com se já estivesse perdida”, ou seja, quando o
homem não dá credibilidade a sua própria angústia como processo de construção
ele acaba a ignorando. Desta forma Kierkegaard para melhor mostrar este
conceito de angústia, apresenta dois tipos de angústia.

Ao separar as formas
de angústia Kierkegaard tenta mostrar mais claramente como a angústia atua na
vida do homem. O autor Gastão Pereira (1968, p.15) diz: “existem graus de
angústia, a angústia é sempre uma grave afecção de espírito, capaz de ganhar
inúmeras formas, ou modalidades, pondo em perigo a vida”. Sendo assim,
Kierkegaard tem razão ao separar as formas de angústias existentes no homem.

O primeiro modo é a
angústia objetiva, Kierkegaard determina que este tipo de angústia acontece
mais no âmbito exterior do homem, pois através de suas escolhas o homem pode
também infectar com suas escolhas os que estão ao seu redor. A angústia
objetiva, parte do interior para o exterior, sendo assim é uma reflexão
particular do homem que se mostra a todos através de seus atos e expressões. Ao
sair da inocência no processo de angústia e colocar em prática a sua liberdade
o homem mostra como deve agir a angústia objetiva.

A angústia se mostra
como algo objetivo e leva a pensar em um processo que afeta a todo um grupo.
Todo grupo humano tem como objetivo a felicidade para todos, e também para cada
um enquanto indivíduo. Segundo Kierkegaard (1843, p.86), “O emprego da
expressão angústia objetiva induzirá, de preferência, a pensar-se nessa
angústia da inocência que é mero reflexo interior da liberdade como possível”.

A felicidade seria
algo alcançável através do processo de angústia? Sim, pois a reflexão feita no
processo de angústia humana deve mostrar o homem o caminho da verdadeira existência
e sendo assim, o homem ao encontrar o caminho para a verdadeira existência
encontra nesta existência autêntica a felicidade.

O caminho para o
encontro da felicidade, através da angústia, é a entrega ao desconhecido, ou
seja, ao nada. Quando ocorre esta entrega real ao desconhecido o homem no final
do processo encontra sua felicidade e passa então a viver sua existência feliz
e com muito mais intensidade.

A plena felicidade requer momentos de recolhimento e
reflexão e ângulos de visão para empregar as coisas que façam no aprimoramento
de nossas experiências a sua possibilidade de brilho e continuidade para a
vida. Estar em disposição afetiva da angústia é entregar-se e permitir-se a
esta abertura diferenciada – eu me oferto para o desconhecido, para o algo mais
da vida em seu pleno projeto, sua existência […] (OLGA, 2006, p.27).

 

A busca da felicidade
esta nos processos vividos no qual a angústia predomina como processo central.
Todo processo é dialético segundo Kierkegaard, sendo então dialético
caracteriza bem a angústia objetiva, pois como envolve um grupo a dialética
deve estar presente.

A discussão sadia e
produtiva entre pessoas leva sempre a resultados agradáveis e satisfatórios,
principalmente tratando-se de angústia e existência. Pois a cada reflexão feita
esta incutida a subjetividade de cada um, e sendo a angústia objetiva algo que
vem de dentro para fora do ser, ao colocar sua subjetividade amostra de todos o
final da dialética do grupo é sempre um resultado que leva o bem de todos, e
sendo assim alcança o objetivo da angústia objetiva.

Com este processo
vivido em grupo todos alcançaram sua liberdade e felicidade, pois não existe
outro caminho para a verdadeira liberdade e felicidade. Sendo assim a angústia
não é para acomodados em sua existência, aceitar o processo de angústia exige
muita coragem tanto do indivíduo como do grupo no caso da angústia objetiva.

[…] Somente através dessa angústia lhe será dado alcançar
a liberdade; não há outro caminho para até ela chegar. Portanto, a angústia não
é para poltrões. Aceita-la como único processo de projetar inteira luz sobre o
fundo de uma existência banal é um passo difícil. […] diante da angústia terá
por único resultado a melancolia que se origina quando, tentando fugir de si
próprio e buscando perder-se nas distrações, o homem descobre em si um resíduo
de pressentimentos a dizer-lhe que toda a sua tentativa de fuga é em vão. A
angústia é essencialmente dialética, pois é a possibilidade de algo que é e não
é, que atrai e que repugna. (GILES, 1975, p.20).

 

A angústia objetiva
exige mais do homem, pois ele tem que fazer uma reflexão interna para depois
partir para uma reflexão mais universal, e isto exige dele um desdobramento de
forças. Mas como seria então a angústia subjetiva, que Kierkegaard também
coloca como outra forma de angústia.

O prisma na qual se
encontra a angústia subjetiva é o prisma da subjetividade que se encontra
sempre na culpa. O sentimento de culpa sempre marcou a consciência humana, e
isto implica o pecado, pois todo pecado é resultado do processo de culpa e
conseqüentemente da angústia subjetiva.

O segundo modo é a
angústia subjetiva que encontra-se  no âmbito da reflexão interna do
encontro com o “eu” do mergulho no próprio interior. “Quanto mais é possível
definir a angústia sob o prisma da reflexão, mais fácil parece podermos
convertê-la num sentimento de culpa” (KIERKEGAARD, 1843, p.92).

Como este tipo de
angústia parte sempre da reflexão interna, principal característica deste tipo
de angústia é um salto que o homem da na sua vida, um salto qualitativo, no
qual ele descobre o verdadeiro valor da existência na qual surgiu do resultado
deste processo de angústia.

O homem hoje não
consegue mais dar este salto, pois está tão alienado pelo materialismo e
consumismo exacerbado que não mais consegue refletir sobre si mesmo, falta ao
homem se concentrar em si mesmo. Kierkeagaard (1843, p.93) diz que “pode
comparar-se a angústia a vertigem”, pois a vertigem vem do fundo, parte de
dentro do ser para o externo e assim deve ser a angústia subjetiva, partir de
dentro para fora.

Assim como a angústia
é uma vertigem e toda vertigem parte de grandes momentos, a angústia sempre
parte da possibilidade da liberdade, e para bem escolher deve-se sair da
liberdade à verdadeira escolha.

Quando o olhar mergulha num abismo, há uma vertigem, que
tanto no vem do olhar como do abismo pois que nos seria impossível deixar
de  o encarar. Tal é a angústia, vertigem da liberdade, que nasce quando,
ao querer o espírito instituir a síntese, a liberdade mergulha o olhar no
abismo das suas possibilidades e se agarra à finitude para não cair
(KIERKEGAARD, 1843, p.93).

 

O sentimento de culpa
que o homem carrega dentro de si, é a mais pura realidade, pois toda culpa
sempre parte de uma realidade que traz o pecado em si.

A angústia subjetiva é
a que melhor deve ser vivida, pois como a angústia é pessoal ele se adapta
facilmente a realidade humana. “Para o homem tornado culpado na angústia, a
culpabilidade é a realidade mais ambígua que se pode supor. Porém, a angústia é
a realidade mais profundamente pessoal” (GILES, 1975, p.21).

Hoje as pessoas vivem
sempre em depressão, lotando as clínicas terapêuticas, provocando doenças que saem
de dentro de sim mesmo. O que realmente falta é uma reflexão séria sobre a
existência, um mergulho dentro de si mesmo, um caminho seguro onde possa viver
realmente o processo de angústia interna.

A angústia não é uma
doença física, mas sim um estado de existência, um processo que engloba toda a
realidade humana. As características externas da angústia podem ser vistas,
pois exigem muito do ser humano. Todo processo de escolha do ser, no qual se da
à angústia, exige muito do ser, pois escolher exige responsabilidade para
suportar as conseqüências.

[…] a angústia é um sintoma, e o sintoma de uma doença por
si só não significa muito se não for considerada como a expressão de um
mal-estar e de um sofrimento que engloba todo o paciente. […] a imaginação e
a memória fornecem ao homem a partir de dados do passado e do presente,
referências que modificam o conteúdo e mesmo a natureza das ações projetadas
para o futuro. […] a angústia causa um nó por dentro, que se apresenta com um
aperto por dentro, que se apresenta cm um aperto no peito, nas dimensões de um
vazio profundo, gerando uma ausência de vontade, presença constante nas
estagnações e phatias (OLGA, 2006, p.25).

 

A subjetividade mostra
claramente o sentido que cada um deve dar a sua vida e juntamente com esta
subjetividade vem o sentimento de culpa e pecado, e para a racionalidade, que
Kierkeagaard critica em Hegel, a culpa e o pecado não tem explicação. Desta
forma cada indivíduo tem sua existência com suas características particulares.

A verdade para
Kierkegaard é completamente subjetiva, pois as experiências são todas
particulares, inclusive a experiência da fé. Tudo parte do nada e o nada é
subjetivo, e desta forma, como todas as experiências começam do nada, tudo é
subjetividade.

[…]. Para Kierkegaard, o homem já nasce com o pecado.
(Direi que o conceito de pecado é um conceito de culpa). Esse pecado não tem
lugar algum no conhecimento. […]. Kierkegaard situa o misticismo na pura
subjetividade, no sentido individual. Desse modo, toda experiência vivida é
estritamente única e incomunicável, como o exemplo, dado por do corpo e da
alma, em luta perpétua, um Abraão, da sua fé e da sua angústia. A verdade é
subjetiva. O crente não pode escapar a angústia, porque nada lhe pode garantir
que a sua fé  em Deus corresponda a uma realidade. […], Kierkegaard
escreve: “Embora, nossa incerteza, por cima de uma profundidade de setenta mil
pés eu creio’. Fora desse subjetivismo absoluto está o Nada […] Finalmente,
conhecer-se a si mesmo e se reconhecer pecador, pois o pecado entrou no mundo
com o pecado, é tudo (GASTÃO, 1968, p.126).

 

Uma das formas mais
sérias de se defender a subjetividade do homem é pelo cristianismo, pois no
cristianismo cada ser tem suas características dadas por Deus. Sendo então Deus
o criador do homem, ele é o grau mais sublime da humanidade, no qual todos os
seres estão buscando.

[…] no gênero humano prevalece a característica,
precisamente porque cada indivíduo é criado à imagem de Deus, de que o
indivíduo é mas elevado do que o gênero. É na defesa do indivíduo, uma vez
assumido com toda seriedade que merece o evento fundamental da história que é o
cristianismo, se concretiza e se desenvolve toda a obra de Kierkegaard, […]
(REALE, 2005, p.227).

 

Portanto, toda forma
de angústia seja objetiva ou subjetiva é particular de cada existência. Para
que o homem busque sua real existência é necessário assumir o processo de
angústia que se dá nas possibilidades apresentadas ao homem. A liberdade existe
na subjetividade para que o homem encontre o verdadeiro caminho e o verdadeiro
sentido da sua existência. O homem que não toma consciência de sua angústia se
encontra já em angústia, e pela falta de consciência não se liberta, faz-se
necessário a busca em si mesmo para que se tome a verdadeira consciência da
existência.

         
O processo de angústia e desespero são caminhos árduos que necessitam de uma
intensa busca em si mesmo, um mergulho interior para o encontro real com a
realidade interior.

         
Desta forma Kierkegaard ao descrever de varias formas a angustia e o desespero
mostra que  a real forma de libertação esta no encontro com o “eu”
interior. Enquanto o homem se prende ao materialismo exacerbado da modernidade,
perde completamente o rumo de si mesmo tornando-se superficial e desta forma
sofrendo mais, pois se angustia quando não mais encontra respostas no material
na superficialidade e diante das escolhas não sabe o que pode vir após as
mesmas escolhas e por medo de assumir as responsabilidades perde as esperanças
e não mais encontra saída.

         
Portanto, o homem deve tomar consciência de sua realidade interior, mergulhar
em um silencio necessário para o encontro consigo mesmo e com Deus, para então
desta forma se libertar. Tomar consciência de sua angústia e de seu desespero
fazem do homem o médico de si mesmo, pois com esta realidade em mente, 
torna-se responsável pelas suas próprias ações.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

COMTE-SPONVILE,
Andre. Tratado do desespero e da Beatitude. Tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.13-39.

 

 

DA
SILVA, Gastão Pereira. Deus e a angústia humana. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1968.

 

 

GILES, Thomas Ransom. A História do Existencialismo e da Fenomenologia.
São Paulo: EPU, 1975. p.1-22.

 

 

HACK,
Olga, Angústia um sentimento positivo. Filosofia, São Paulo, v.1, n.1,
p.25-31, 2006.

 

 

KIERKEGAARD,
Aabye Sören, O desespero humano (doença até a morte). São Paulo: Abril Cultural,
1979. p.187-279. (Os Pensadores).

 

 

KIERKEGAARD,
Sören. O conceito de angústia. Lisboa: Editorial Presença, 1843.

 

 

kIERKEGAARD,
Sören. Temor e Tremor. Tradução de Torrieri Guimarães. Rio de Janeiro:
Tecnoprint, 1968. (Edições Ouro).

 

 

REALE,
Giovane; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulinas,
1991. p.234-250. (Coleção Filosofia, v.3).

 

 

______.
Sören Kierkegaard: a filosofia existencial do “individuo” e a “causa do
cristianismo”. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2005. v.5.

 

 

REICHANN,
Ernani. Sören Kierkegaard. Curitiba: Junior, 1972. p.251-279.

 


[1] Bacharel em Filosofia pela Faculdade
Católica de Uberlândia.  [email protected]

 

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