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A INTERSUBJETIVIDADE EM MARTIN BUBER
Tiago Luís Teixeira de Oliveira
Trabalho monográfico apresentado ao Departamento de
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel e Licenciado em Filosofia.
Orientador: Amauri Carlos Ferreira
Belo Horizonte
2005
Tiago Luís Teixeira de Oliveira
A intersubjetividade em Martin Buber
Trabalho monográfico apresentado ao Departamento de
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2005.
Amauri
Carlos Ferreira (Orientador) – PUC-Minas
Aos amigos,
presentes
de Deus…
AGRADECIMENTOS
A
Deus, fonte de todo encontro.
Aos
meus pais, pelo exemplo e amor.
Ao meu orientador, o professor Amauri, pela disponibilidade, cobrança e
pelas sugestões que tornaram possível esse trabalho.
Aos frades franciscanos da Província de Santa Cruz, pelo incentivo, de
maneira especial os do Guardianato Nossa Senhora de Guadalupe.
Aos amigos e aos colegas pelo carinho e disposição Esse trabalho tem um
pouco de cada um de vocês. Obrigado por tudo.
“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo…”
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
Neste trabalho procura-se
investigar os fundamentos da intersubjetividade na filosofia do encontro, de
Martin Buber, para quem a relação é o evento primordial do ser humano. Aqui são
descritas as duas atitudes fundamentais do homem em relação ao mundo, a saber,
relação de presença e de objetivação. Através dessa distinção procura-se
perceber que para além da atitude de sujeito conhecedor, o homem se realiza na
relação face a face com um ser presente a ele, invocado como seu TU. Daí
visualiza-se uma Antropologia do Diálogo, comprometida com a totalidade
concreta do homem, que sugere que o ser humano só pode ser compreendido
escapando-se de uma visão individualista e de uma visão coletivista. Só é
concreto o homem com o homem. Importante é assim discorrer sobre o inter-humano,
sobre o diálogo verdadeiro entre os homens e perceber que em toda forma de
relação EU-TU, o ser se abre para o TU eterno, com quem realiza a relação
suprema.
Palavras-chave: Antropologia
Filosófica; Diálogo; Filosofia do Encontro; Intersubjetividade; Relação;
ABSTRACT
This work
wants to search for the basements of the intersubjectivity in the encounter
philosophy, of Martin Buber, for whom the relation is the prime event of the
human being. Here are described the two basic attitudes of the man in relation
to the world, as known, relation of presence and of objectivation. Through this
distinction we want to realize that towards more than the attitudes from the
knowing subject, the man accomplishes himself in the face-to-face relation with
a being present to him, invoked as his THOU. From this we have visualized a
Dialogue Anthropology, engaged with the concrete totality of man, what suggests
that the human being only can be comprehended out from an individualist and a
collectivist point of view. Concrete is only the man with the man. So, it is
important to reason about the inter-human, about the truthful dialogue between
the men and realize that in all form of relation I-THOU, the being opens
himself to the eternal THOU, with whom accomplishes the supreme relation.
Keywords:
Philosophical Anthropology; Dialogue; Encounter Philosophy; Intersubjectivity;
Relation.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………………………
I – A RELAÇÃO
INTERSUBJETIVA…………………………………………………………………….
1.1. A linguagem como fundamento
ontológico………………………………………………………..
1.2. A palavra-princípio
EU-TU………………………………………………………………………………
1.3. A palavra-princípio
EU-ISSO…………………………………………………………………………..
II – ANTROPOLOGIA DO DIÁLOGO………………………………………………………………….
2.1. Pressupostos
históricos……………………………………………………………………………………..
2.2. O
inter-humano………………………………………………………………………………………………..
2.3. O TU
eterno………………………………………………………………………………………………………
CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………………………………….
BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………………………………
INTRODUÇÃO
Este
trabalho de pesquisa visa encontrar na filosofia de Martin Buber os fundamentos
da relação de intersubjetividade. Para tanto se valeu de obras do próprio autor
e de estudos relacionados com o filósofo ou o tema em questão.
Os
principais textos utilizados foram “Eu e Tu”, “Do diálogo e do dialógico” e
“¿Que es el hombre?”, todas obras de Buber. Também foram de grande valia alguns
estudos sobre o autor tais como “Martin Buber: fundamento existencial de la
intercomunicación” de Diego Meca, a dissertação de mestrado de Antônio Sidekum,
cujo título é homônimo ao deste trabalho, o livro “A história do
existencialismo e da fenomenologia”, de Thomas Ranson Giles, além da valiosa
introdução à tradução brasileira de “Eu e Tu”, do professor Newton Aquiles Von
Zuben. Todas essas obras estão citadas na bibliografia, no final deste
trabalho.
Não foram encontrados artigos recentes sobre o tema nos periódicos
pesquisados e não foram procurados textos na internet. Essa foi uma opção
consciente, feita por considerar que já havia muitos títulos impressos a serem
pesquisados, evitando a multiplicação de textos, e para privilegiar a leitura
do próprio filósofo em questão.
Martin
Buber (1878 – 1965) nasceu em Viena, foi educado na tradição judaica, mas
também num clima propício ao estudo. Ainda jovem, segundo relatos do próprio
autor, dois livros foram bastante marcantes: “Prolegômenos”, de Kant, e “Assim
falava Zaratustra”, de Nietzsche.
Em
1896 Buber ingressou na Universidade de Viena, no curso de Filosofia e História
da Arte. Em 1901 entrou na Universidade de Berlim, tendo como professores
Dilthey e G. Simmel. Dedicou-se ao estudo da psiquiatria e da sociologia em
Leipzig e Zurich. E doutorou-se em Filosofia, no ano de 1904, em Berlim.
Em
Berlim participou ativamente da vida acadêmica e do movimento sionista com o
qual, mais tarde, rompeu por discordar dos rumos do mesmo.
De
1916 a 1924 foi editor do jornal “Der Jude” e, em 1923, foi nomeado professor,
na Universidade de Frankfurt, de História das Religiões e Ética Judaica,
cadeira posteriormente substituída por História das Religiões. Foi destituído
do cargo pelo nazismo em 1933.
Em 1938 mudou-se para Jerusalém, aceitando o convite de lecionar
Sociologia na Universidade Hebraica. Esse período de Buber é caracterizado por
uma intensa atividade intelectual, em pesquisas que se estendiam por diversas
áreas: Bíblia, Judaísmo, Hassidismo, Política, Sociologia e Filosofia. Veio a
falecer no ano de 1965.
É
difícil situar a filosofia de Buber dentro de alguma corrente filosófica.
Alguns autores o qualificam como Existencialista, mas isso não constitui
unanimidade. O próprio Buber se considera um homem atípico e o professor Newton
Aquiles Von Zuben, autoridade em Buber no Brasil, prefere inseri-lo na
Filosofia da Vida, devido ao caráter de compromisso com a vida concreta do
filósofo judeu.
Seu
pensamento é fortemente influenciado pela corrente hassídica da mística
judaica, à qual dedicou algumas de suas obras. O hassidismo prega uma vida de
fervor e alegria no cotidiano, não fazendo separação entre ética e religião (o
compromisso com Deus está ligado ao compromisso com os homens) e não criando
dualismo entre a vida em Deus e a vida no mundo. Em outras palavras, o
relacionar-se com Deus para os hassidim impõe um profundo compromisso com a
vida no mundo, lugar do encontro com o Divino.
A
filosofia buberiana deve ser compreendida como uma filosofia do encontro, ou do
diálogo. O fato antropológico primordial, para Buber, é a relação. Por isso
escreve, parafraseando o prólogo do Evangelho de João: “No princípio é a
relação” (BUBER, 2001, p. 20). E relação, como diversas vezes lembra o autor, é
reciprocidade.
A
intenção deste trabalho é justamente fundamentar em Buber essa relação
intersubjetiva, que ocorre na forma de reciprocidade e diálogo, de anunciar-se
ao outro e a ele responder, tratando-se, como escreveu Henrique de Lima Vaz, de
uma experiência original, “(…) na qual o homem se encontra empenhado numa
relação propriamente dia-lógica, estritamente recíproca, e que se constitui
como alternância de invocação e resposta entre sujeitos que se mostram como
tais nessa e por essa reciprocidade” (VAZ, 1992, p. 53).
Devido
a isso, o caminho escolhido para a elaboração dessa pesquisa foi, em primeiro
lugar, o da distinção apontada por Buber das duas maneiras de o homem se
aproximar do mundo, colocando-se no face-a-face da presença do TU ou tomando as
coisas como um ISSO, como objetos. O primeiro capítulo está dedicado à
caracterização de cada uma dessas atitudes.
Os
motivos que levam Buber a escrever vão para além de uma ontologia da relação. A
preocupação do autor estudado não foi de criar conceitos abstratos, mas
despertar a nostalgia do humano.
Portanto,
a filosofia do diálogo, mais do que tratar do evento da relação no campo da
ética, coloca a intersubjetividade como um fato antropológico fundamental. Mais
do que o “dever ser” ético, Buber busca a resposta para a pergunta “o que é o
homem?” naquela categoria do “entre” que faz com que o homem seja descoberto
quando está na relação essencial.
Esse
é o motivo pelo qual se escolheu o viés antropológico para a abordagem da
relação intersubjetiva.
Sendo assim, o segundo capítulo faz uma síntese do resgate histórico
realizado por Buber na busca de uma resposta à problemática antropológica,
culminando no homem com o homem.
Também tentamos aprofundar os fundamentos do Inter-humano, que
desenvolvem essa categoria do “entre” na relação dialógica. Aproveitamos para
advertir que Buber, em nenhum de seus textos, usa a palavra intersubjetividade,
preferindo o termo “inter-humano” para aquilo que ocorre entre um homem e o seu
outro que se revela como parceiro num acontecimento da vida.
Por
fim, tratamos daquela relação última, na qual todas as outras relações humanas
se encontram. Trata-se da relação com Deus. É nessa relação primordial que o
homem encontra seu sentido e se compromete com a própria existência.
I – A RELAÇÃO INTERSUBJETIVA
Na
filosofia dialogal de Buber, o homem pode relacionar-se de duas formas com os
outros seres: tomando-os por objetos ou colocando-se na presença deles. Essas
duas atitudes são expressas por aquilo que o autor chama de palavras-princípio,
respectivamente a palavra-princípio EU-ISSO e a palavra princípio EU-TU.
Assim,
queremos aprofundar o sentido da linguagem, que para Buber fundamenta a
existência do homem e o significado de cada palavra-princípio, de modo a
compreender melhor a sua filosofia.
1.1. A
LINGUAGEM COMO FUNDAMENTO ONTOLÓGICO
Buber
evoca a linguagem como portadora de ser. A palavra que, sendo dialógica, habita
o terreno do “entre”, requer abertura ao mundo, a um outro, invoca a relação.
Muito mais do que nomes e significados, ela indica a própria condição do homem
como ser existente. Este, nos dizeres de Buber, habita na sua palavra. Ela não
só é proferida pelo ser, como instaura modos de existir do ser humano, ou
melhor, uma postura dual diante do mundo: “O mundo é duplo para o homem,
segundo a dualidade de sua atitude. A atitude do homem é dupla de acordo com a
dualidade das palavras-princípio que ele pode proferir” (BUBER, 2001, p.3).
As
palavras-princípio a que se refere o texto citado são o par EU-TU e o par
EU-ISSO. Tais palavras revelam duas atitudes: a atitude do EU que profere a
palavra EU-TU, que entra em relação dialogal com um ser a quem invoca como um
TU; e a atitude do EU que diz ISSO, do EU que é sujeito do conhecimento, que
experimenta, possui, pensa um objeto.
O
ser humano pode se colocar proferindo um TU ou um ISSO conforme sua atitude e
em cada vez que diz EU, está pronunciando um dos pares de palavras-princípio. O
EU é, portanto, atualizado conforme a palavra proferida e dizer EU iguala-se,
segundo Buber, a dizer uma das duas palavras-princípio: “Não há EU em si,
mas apenas o EU da palavra-princípio EU-TU e o EU da palavra-princípio EU-ISSO.
Quando o homem diz EU, ele quer dizer um dos dois.” (BUBER, 2001, p.4).
É interessante observar que Buber considera as palavras-princípio
portadoras de ser, não exprimindo algo existente fora delas, mas fundamentando
uma existência. Dessa forma, o dizer uma palavra-princípio é o mesmo que
assumir uma das atitudes fundamentais. Proferir uma palavra-princípio e ser é a
mesma coisa.
Conforme
afirma o professor Newton Aquiles Von Zuben, mais do que uma análise
lingüística, Buber desenvolve uma ontologia da palavra, sendo através dela que
o homem se introduz na existência. Neste sentido,
Não é o homem que conduz a palavra, mas é ela que o
mantém no ser. Para Buber a palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e
atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do homem através do qual ele se faz
homem e se situa no mundo com os outros. A intenção de Buber é desvendar o
sentido existencial da palavra que, pela intencionalidade que a anima, é o
princípio ontológico do homem como ser dia-logal e dia-pessoal. (Zuben, 2001, p. XLI ).
Por
tudo isso, é mister debruçar sobre o sentido de cada uma das
palavras-princípio. Elas nos revelarão a abertura do homem para suas relações.
1.2 A PALAVRA
PRINCÍPIO EU-TU
Uma
vez que a palavra não representa coisas, mas fundamenta a existência do homem
segundo sua atitude, temos que nos deter sobre as palavras-princípio EU-TU e
EU-ISSO, às quais Buber se refere na sua principal obra.
O
autor de “Eu e Tu” percorre um caminho diferente do que aquele tradicional das
filosofias do sujeito, tais como a de Descartes. Ao invés de postular como
relação primordial o sujeito conhecedor frente a um objeto conhecido, Buber
destaca a relação instaurada pela palavra-princípio EU-TU como originária.
Para
Buber, o experimentador não participa do mundo que experimenta, não é afetado
por ele. A participação só acontece em outro tipo de relação que não a de um
sujeito abstrato, separado do mundo e isolado, que encontra em si mesmo o
fundamento de certeza e o fim de todo conhecimento.
O
ser humano percebe, experimenta, representa, quer, sente ou pensa alguma coisa,
mas tudo isso, a que Buber refere-se como atividades do âmbito dos verbos
transitivos, são da esfera do ISSO. O autor, no entanto, lembra que a vida do
ser humano não se restringe apenas a esse domínio. O homem não se aproxima do
mundo somente pela experiência.
O
mundo do TU tem um fundamento diferente. Quem diz TU não tem um objeto diante
de si, não possui nada, mas permanece em relação.
Ao proferir a palavra-princípio EU-TU fundamenta-se um modo de se
aproximar do mundo diferente do da experiência: é o mundo da relação. Este
mundo, segundo Buber, realiza-se em três esferas: a vida com a natureza, a vida
com os homens e a vida com os seres espirituais.
Na primeira, a relação está aquém da linguagem: o TU que endereçamos às
criaturas depara-se com o limiar da palavra. Podemos dizer TU a qualquer ser,
porém não podemos ser um TU para tais criaturas: “Nesta esfera a relação
realiza-se numa penumbra como que aquém da linguagem. As criaturas movem-se
diante de nós sem possibilidade de vir até nós e o TU que lhes endereçamos
depara-se com o limiar da palavra”. (BUBER, 2001, p.6-7).
Na segunda esfera podemos dirigir a alguém e receber o TU. É a relação
onde mais claramente percebemos a reciprocidade. É o diálogo por excelência: “A
segunda é a vida com os homens. Nesta esfera a relação é manifesta e explícita:
podemos endereçar e receber o TU”. (BUBER, 2001, p.7).
A terceira, que Thomas Ransom Giles (1989) afirma tratar-se do homem relacionando-se
com todos os frutos da criatividade humana como a arte e a filosofia, a relação
se dá silenciosa, mas gerando a linguagem.
Sobre a terceira esfera da relação EU-TU, diz-nos Buber:
A terceira [esfera da relação EU-TU] é a vida com os
seres espirituais. Aí a relação, ainda que envolta em nuvens, se revela,
silenciosa mas gerando a linguagem. Nós proferimos, de todo nosso ser, a
palavra-princípio sem que nossos lábios possam pronunciá-la. (BUBER, 2001, p.7).
Buber
(2001), em seguida, afirma que em todas essas esferas da relação EU-TU,
vislumbra-se a “orla do TU eterno”. [1]
O
TU, como já foi mencionado, não pode ser experimentado, ele se revela por
graça, numa relação imediata, sem conceitos, esquemas, fantasias ou memórias. O
TU só pode ser proferido na totalidade do ser, pois, ao dizer TU, não o faço
sem suspender todas as ações parciais, onde qualquer meio é obstáculo:
Entre EU e TU não há fim algum, nenhuma avidez ou
antecipação; e a própria aspiração se transforma no momento em que passa do
sonho à realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os
meios são abolidos, acontece o encontro. (BUBER, 2001, p. 13).
A
relação EU-TU acontece na presença, ou seja, quando um TU se apresenta ao EU.
Presença aqui significa não um instante cronológico, pontual. Mas o que aguarda
e permanece diante de nós. Toda vez que esta presença acaba é que posso, então,
descrever, situar, conceber. Porém, quando isso acontece já não se trata mais
de um TU. É o que afirma Buber: “Eu não experiencio o homem a quem digo TU.
Eu entro em relação com ele no santuário da palavra-princípio. Somente quando
saio daí posso experiênciá-lo novamente. A experiência é o distanciamento do
TU”. (BUBER, 2001, p.10).
Disso decorre o fato de o filósofo referir-se à palavra-princípio EU-TU
como originária, anterior à relação EU-ISSO. Somente depois da atualidade da
relação com o TU, é que posso referir-me, no passado, a essa relação. De fato,
Buber coloca a palavra-princípio EU-ISSO no tempo passado. O tempo e o espaço
fazem parte do mundo do ISSO, enquanto não fazem sentido algum para o mundo do
TU.
Diego
Sánchez Meca (1984), escrevendo sobre Martin Buber, interpreta a dualidade das
palavras-princípio em termos de “dirigir a palavra”, tratando-se da palavra
EU-TU; e “falar sobre”, a respeito do pronunciar ISSO. Assumindo essa
interpretação, é mais fácil perceber a relação de uma ou outra atitude frente
ao tempo e espaço.
Essa
passagem do TU ao ISSO é inevitável. Uma vez deixando de atuar, por mais
exclusiva que a presença tenha sido na relação imediata, interpõem-se meios e o
TU transforma-se em um objeto entre objetos. Segundo Buber, isso é a grande
melancolia de nosso destino. Atualidade e latência alternam-se e se o TU deve
retornar à condição de coisa, da mesma forma os objetos podem novamente
apresentar-se como um TU.
1.3 – A
PALAVRA-PRINCÍPIO EU-ISSO
Em
sua existência concreta, o homem lida com objetos, símbolos, pessoas, conteúdos
aos quais ele pronuncia um ISSO. Ao contrário da relação EU-TU, o mundo do ISSO
tem coerência no espaço e no tempo. A palavra princípio EU-ISSO é pronunciada
por um EU que só tem diante de si objetos e, portanto, fatos do passado:
O EU da palavra-princípio EU ISSO, o EU, portanto, com
o qual nenhum Tu está face-a-face presente em pessoa, mas que é cercado por uma
multiplicidade de “conteúdos” tem só passado, e de forma alguma presente. Em
outras palavras, na medida em que o homem se satisfaz com as coisas que
experiencia e utiliza, ele vive no passado e seu instante é privado de presença.
Ele só tem diante de si objetos, e estes são fatos do passado. (BUBER, 2001, p.14).
No
pensamento de Buber, objeto se contrapõe a presença. Para ele objeto seria
estagnação, parada, interrupção, ausência de presença. É o objeto do
conhecimento, que pode ser experimentado, descrito, lembrado, representado,
reproduzido, nomeado, classificado, isolado, analisado, decomposto. Em outras
palavras, utilizado de acordo com a necessidade de um EU.
Segundo
Buber, na história intelectual do primitivo, a relação EU-ISSO é posterior à
palavra-princípio EU-TU porque é justamente separação de um EU que se
diferencia de um ISSO. O TU é pronunciado antes mesmo de o EU ter consciência
de ser EU (sujeito). Essa consciência surge da separação da palavra princípio EU-TU
em um EU e um TU, ambos posteriores à primeira palavra-princípio.
Somente através dessa separação tornou-se possível a palavra-princípio
EU-ISSO, por justaposição do EU e do ISSO: “A primeira palavra-princípio EU-TU decompõe-se de
fato, em um EU e um TU, mas não proveio de sua justaposição, é anterior ao EU.
A segunda, o EU-ISSO, surgiu da justaposição do EU e ISSO, é posterior ao EU.” (BUBER, 2001, p.25).
Cada
TU, conforme o que já foi exposto anteriormente, deve necessariamente se
transformar num ISSO após o término do evento da relação. Tal fato permitiria
àquilo a que me dirigi como TU situar-se no tempo, no espaço e na relação de
causalidade, porém agora como ISSO, conforme as próprias palavras de Buber:
Eis uma verdade fundamental do mundo humano: somente o
ISSO pode ser ordenado. As coisas não são classificáveis senão na medida em
que, deixando de ser nosso TU, se transformam em nosso ISSO. O TU não conhece nenhum sistema de coordenadas. (BUBER, 2001, p.34).
Ao
mesmo tempo, porém, cada ISSO pode tornar-se um TU, se entrar no evento da
relação.
É
preciso evitar relacionar ingenuamente a palavra-princípio EU-TU com atitude
autêntica e boa e a palavra-princípio EU-ISSO como sendo má e inautêntica.
Ambas são posturas atualizadoras do ser do homem e, portanto, autênticas.
Também convém lembrar que uma pessoa pode ser um ISSO para mim, como quando eu
solicito um serviço, o que não necessariamente é um mal. Além do que um ser
natural, desprovido de vida, pode ser um TU, se eu, na totalidade do meu ser,
me coloco na sua presença exclusiva e me deixo encontrar com tal ser.
A
partir, pois, da palavra-princípio EU-ISSO o homem é capaz de produzir
conhecimento e avançar na ciência. O mundo do ISSO é seguro e inspira
confiança: o homem domina seu objeto. Vários sujeitos poderiam referir-se a um
mesmo ISSO, mesmo que para cada EU o ISSO represente uma coisa diferente. Tal
fato demonstra a absoluta necessidade desse tipo de relação.
Pode-se,
portanto, considerar o mundo do ISSO como o mundo no qual se deve e se pode
viver. Um mundo que oferece toda espécie de atrações e estímulos de atividades
e conhecimentos.
No
entanto, Buber alerta para o perigo da sedução do mundo do ISSO para o homem,
que, contentando-se somente com o ISSO, subtrai de si a própria humanidade: “E
com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o ISSO, mas
aquele que vive somente com o ISSO não é homem”. (BUBER, 2001, p.39).
Portanto,
para o autor de Eu e Tu, o homem precisa do ISSO, mas só se realiza na relação
dialógica com um TU. Somente pronunciando TU o EU se abre para o Ser na sua
totalidade. É relacionando reciprocamente com um TU que me torno EU.
II –
ANTROPOLOGIA DO DIÁLOGO
De
antemão percebemos que, ao tratar da relação como evento primordial, Buber esboça
uma Antropologia do Diálogo, recusando uma abordagem do ser humano que
prescinda ou omita o “a priori da relação”.
Há,
pois, em Buber, uma preocupação com uma Antropologia Filosófica que trate do
homem inteiro, que não o desfigure.
A dificuldade em estabelecer uma Antropologia Filosófica, uma vez que
está em jogo a totalidade, é que o pesquisador não pode satisfazer-se na
consideração do homem como uma coisa da natureza, de modo que ele próprio
experimenta em si o “ser homem” de maneira diferente de qualquer outra coisa
experienciável.
Segundo
o autor de “Eu e Tu”, o próprio filósofo deve colocar-se nessa dinâmica de
auto-reflexão: “Por sua essência, o conhecimento do homem é reflexão do
homem sobre si mesmo, e o homem pode refletir sobre si unicamente se a pessoa
cognoscente, isto é, o filósofo que faz antropologia, reflete sobre si como
pessoa” (BUBER, 1985, p.20 tradução nossa).[2]
Buber, em seu livro “O que é o homem?”,
reflete sobre as tentativas antropológicas na história da filosofia. Aí ele
aponta para o surgimento da problemática acerca do homem e as lacunas que
impediram uma resposta satisfatória por parte dos filósofos analisados.
Depois
do olhar panorâmico e crítico dado pelo filósofo austríaco, tentaremos esboçar
linhas de uma antropologia buberiana, refletindo sobre a categoria do
inter-humano e, por último, tratando da relação última, para qual toda relação
EU-TU converge: a relação com o TU eterno.
2.1.
PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS
Conforme já dissemos, uma Antropologia Filosófica que queira abordar o
homem em sua totalidade, para Buber, demanda uma auto-reflexão, um entrar por
parte do filósofo na dimensão única de sua própria vida. Por isso o homem
solitário é o mais apto a empenhar essa tarefa. Aquele que se encontra a sós
consigo mesmo consegue, nessa sua solidão, descobrir o homem em si próprio e a
problemática humana em sua própria problemática.
Buber distingue a história do espírito humano em épocas em que o homem se
sente em casa no mundo, isto é, ele vive no mundo como num lar; e em épocas em
que o homem se sente sem lar, vive no mundo exposto à intempérie e nem consegue
armar uma tenda. É somente nessas épocas sem lar que surge a problemática sobre
o homem: “Nas primeiras [épocas], o pensamento antropológico se apresenta
como uma parte do cosmológico. Nas segundas esse pensamento cobra profundidade
e, com ela independência” (BUBER, 1985, p.25).
Assim, com Aristóteles, o homem deixa de ser problemático, fala de si
como “ele” e não como “eu”, uma coisa entre outras. O sistema geocêntrico de
Aristóteles, fruto da tendência dos gregos em entender o mundo como um espaço
fechado em si mesmo, dá ao homem gozar de aposento próprio na mansão do mundo.
O primeiro a colocar a questão sobre o que é o homem na primeira pessoa
foi Agostinho. Buber lembra que, na época em que viveu Agostinho, o mundo
unificado de Aristóteles já tinha ruído. O homem agostiniano era um homem
dividido entre dois reinos, o da luz e o das trevas, e não podia ser mais uma
coisa entre outras coisas, uma parte do mundo. O homem apresentava-se para
Agostinho como um grande mistério.
No entanto, na Idade Média, construiu-se uma imagem do universo fechado
como o de Aristóteles. O esquema da imagem do mundo é a cruz, em que a haste
horizontal representa o espaço finito, que vai do céu ao inferno, atravessando
no centro o coração do ser humano. A haste horizontal representa o tempo finito
que começa na criação do mundo e termina com o fim dos tempos. Seu centro, a
morte de Cristo, encobre o centro do espaço, o coração do pecador.
Tomás de Aquino, como Aristóteles, também fala do homem na terceira
pessoa. Não conhece, como o Agostinho do coração angustiado, a problemática
particular do ser humano.
Para os pensadores da Renascença, já surge o tema da antropologia. Porém
o homem é colocado numa tal posição de autonomia e consciência de poder, que o
tema surge sem a problemática do ser humano, sem a “seriedade moral da
interrogação pelo homem”. (BUBER, 1985, p.30).
Com Copérnico, o homem perde a segurança. Ele derrubou as paredes da casa,
deixando o ilimitado penetrar por toda parte.
Pascal experimentou o sentido dessa nova realidade. Ao pensar o
infinitamente grande e o infinitamente pequeno, chega às limitações do homem e
reconhece a sua precária existência.
Acontece, segundo Buber, que, a partir deste instante, o homem deixa de
tentar construir uma nova casa no universo. O trabalho é para construir uma
nova imagem do mundo. Não é mais possível, num universo infinito, construir uma
mansão cósmica, e a própria infinitude deveria ser incluída na imagem do
universo. Aí, mesmo a imagem também termina.
Espinosa responde ao que pergunta Pascal (“O que é o homem no infinito?”)
dizendo que o homem é um ser em que Deus se ama a si próprio. Não oferece uma
segurança nova, mas o homem espinosano também não pode mais ser problemático.
O primeiro a compreender de forma crítica a questão antropológica,
segundo Buber, foi Kant. Ao explicar que o espaço e o tempo são formas da nossa
própria compreensão do mundo, Kant responde a Pascal dizendo que o que
espantava o último, ou seja, o mistério do espaço e do tempo, seria o mistério
do seu modo próprio de captar o mundo e o seu próprio ser. Por isso, não cabia
mais ao homem construir uma nova casa, mas conhecer-se a si mesmo.
Kant propôs então as famosas quatro perguntas: Que posso conhecer? Que
devo fazer? Que posso esperar? Que é o homem? As três primeiras encontrariam
resposta, respectivamente, na Metafísica, na Ética, na Religião. Porém a
resposta à última questão, que demandaria uma Antropologia Filosófica,
compreenderia as demais.
Buber diz que Kant não chegou a responder sua quarta pergunta, mas “a
colocou com tal claridade e urgência que as gerações seguintes não a poderiam
esquecer e a nossa [a geração de Buber] parece, finalmente, disposta a resolvê-la”.
(BUBER, 1985, p.40).
Porém, com Hegel, houve um grande desvio da
problemática antropológica. Seu pensamento, segundo Buber, exerceu uma
influência decisiva na maneira de pensar de toda uma época e mesmo em sua
atitude social e política. O sistema hegeliano despeja a pessoa humana concreta
e a sociedade humana concreta para dar lugar à razão do mundo, seu processo
dialético e suas estruturas objetivas.
Buber reconhece que o jovem Hegel colocava a
problemática antropológica no homem concreto ao não falar de um conceito geral,
mas de “cada homem”, quando escreveu “O espírito do cristianismo e seu
destino”. Porém, em vão se buscaria o homem real no Hegel maduro. O interesse
de Hegel não se deu mais pelo ser humano, mas pela razão universal. Para ele, o
ser humano não passa de meio para a consumação da razão. Nas palavras de Buber,
para o sistema hegeliano
(…) o homem não é mais que o princípio em que a
razão do mundo chega a sua autoconsciência plena, e com isso, a sua consumação;
todas as contradições que se dão na vida e na história dos homens não conduzem
à problemática antropológica, mas que se explicam por uma mera “astúcia” de que
se vale a idéia para chegar ao seu limite mediante a superação da contradição. (BUBER, 1985, p.43).
Sendo, pois, lugar e meio do autoconhecimento
da razão, não há para o homem limites para o que possa conhecer (primeira
pergunta kantiana). Hegel tentou, com isso, dar ao ser humano uma nova casa,
não construída no espaço que já tinha sido abalado por Copérnico, mas no tempo.
Secularizou o messianismo, não apresentando a problemática do futuro. Porém, a
convicção na autorealização do pensamento não consegue edificar uma segurança
real. Buber explica isso com as seguintes palavras:
(…) porém o pensamento, por si só, não dispõe de
poder de edificar a vida real do homem, e nem a seguridade filosófica mais
rigorosa pode dotar a alma daquela certeza íntima de que o mundo, tão
deficiente, é conduzido totalmente a sua perfeição. (BUBER, 1985, p.49).
Marx realizou, pelo método hegeliano, o que
Buber chamou de redução sociológica. Ao invés de oferecer uma imagem do mundo,
quis oferecer uma imagem da sociedade. Uma imagem do caminho pelo qual a
sociedade poderia chegar à perfeição.
No lugar da razão hegeliana, Marx coloca as relações de produção e,
através da transformação dessas, opera-se a transformação da sociedade. Como as
relações de produção coincidem com o ponto de partida e de chegada em Marx,
essa redução sociológica renuncia a uma perspectiva do ser, na qual existe um
começo e um final. O lar em que o homem poderá morar, quando este estiver
pronto, se construirá sob as condições de produção. O mundo do homem é a
sociedade.
Seguindo o caminho de Hegel, Marx introduzirá em sua consideração do
futuro o tempo cronológico. No entanto, Buber alertará que não será a segurança
do futuro que evitará a queda do homem no abismo, mas a força capaz disso
brotará do desespero, a partir do qual o homem responderá com decisão à
pergunta por sua essência: “A força para dar esse passo não pode provir de
nenhuma segurança do futuro mas dessas profundezas da insegurança nas quais o
homem, presa do desespero, responde à pergunta pela essência do homem mediante
sua resoluta decisão” (BUBER, 1985, p.54).
Outro eminente discípulo de Hegel, Feuerbach, realiza a redução
antropológica. Começa sua filosofia pelo ser inteiro e real do homem, sendo
este o objeto exclusivo e universal da Filosofia. A antropologia torna-se, com
Feuerbach, ciência universal. Porém, para Martin Buber, sua redução antropológica
é uma redução ao homem não problemático.
Feuerbach tem, todavia, algo de original que Buber não poderia deixar de
mencionar: a constatação que a verdadeira abordagem do homem não é feita sobre
o homem como indivíduo, mas sobre o homem com o homem, numa união que se dá na
realidade da diferença entre o Eu e o Tu.
Buber lamenta o fato de Feuerbach não ter desenvolvido esse pensamento,
mas afirma que essa intuição exerceu grande influência para ele.
Nietzsche, mesmo perdendo de vista a esfera autônoma da relação entre o
Eu e o Tu, leva a cabo, com maior força ainda, a redução antropológica de
Feuerbach. Ao contrário do que faz o último, Nietzsche discorre sobre o ser
humano problemático, dando à questão antropológica uma força e paixão sem
precedentes.
O homem nietzscheano é apresentado como algo obscuro e velado, um animal
que, ao contrário dos demais não tem uma forma acabada, é indeterminado. O ser
humano, em vista da separação radical com seu passado animal, padece de seu
sentido em si mesmo. Constitui, assim, um ser em devir, uma ponte, uma
promessa. O homem pode, dessa maneira, seguir dois caminhos: tornar-se um
animal de rebanho, reprimindo seus instintos por causa da moral que o
transformaria num animal decadente; ou afirmar sua vontade de potência e, com
isso, o homem atual daria lugar ao super-homem, levando à luz suas
possibilidades. O último seria o homem real.
Buber afirma que, mesmo tratando o ser humano a partir do mundo animal, o
pensamento de Nietzsche só serve para tornar o problema mais visível, pois
falta compreender como pode existir um ser como o homem, como este ser surgiu e
saiu do mundo animal.
Para o autor de “Eu e Tu”, Nietzsche não se preocupou com um fato
antropológico fundamental: “existe no mundo um ser que conhece o mundo como
mundo, um espaço cósmico como espaço cósmico, um tempo cósmico como tempo
cósmico, e a si mesmo como conhecedor de tudo isso”. (BUBER, 1985, p.69). E
um homem conhecedor de um mundo, segundo Buber, é o homem com os homens.
Nietzsche mostrou que não devemos buscar a resposta à pergunta
antropológica kantiana somente no espírito, mas também na natureza. Porém, há
outra potência a ser interrogada: a comunidade.
Acontece que, no período pós-nietzscheano, há uma intensificação da
solidão humana. As velhas formas orgânicas de sociedade (a família, o grêmio e
a comunidade aldeã e urbana) se dissociaram na perda do sentido e, no seu
lugar, surgiram novas formas (o clube, o sindicato, o partido) que não
conseguiram dar nova segurança sociológica ao homem moderno. A solidão fica
adormecida por causa das ocupações, mas quando o homem volta-se para a
realidade genuína de sua vida, experimenta, no fundo de sua existência, a
solidão e a profundidade da problemática humana.
O homem contemporâneo a Buber vive também outra crise: não é capaz de
dominar o mundo que ele mesmo criou. Isso é verificável no campo da técnica (em
que o homem tornou-se mera extensão da máquina), da economia (a produção e os
bens cresceram tanto que escapam ao controle e à vontade humana) e da política
(a Primeira Guerra, por exemplo, que aniquilou toda finalidade humana e
demonstrou ser o homem pai de demônios que não podia dominar).
Antes de se ocupar com os trabalhos de Heidegger e Scheler, Martin Buber
expõe considerações importantes do filósofo que influenciou aqueles dois
pensadores: Husserl. O criador do método fenomenológico, mesmo não tratando
especificamente do problema antropológico, faz três afirmações pertinentes.
A primeira é a consideração de que o maior fenômeno histórico é a humanidade,
que luta para se compreender.
A segunda diz que se o homem torna-se um problema metafísico, então é
tratado como uma coisa que raciocina. Desse pressuposto Buber afirma tratar-se
da consideração de que a razão humana só é entendida se relacionada com o que
no homem não é racional.
A terceira é a consideração de que humanidade é essencialmente a
existência em indivíduos vinculados para formar gerações e sociedades. Essa
proposição husserliana derruba o trabalho de Heidegger e Scheler, pois uma antropologia
individualista tem por objeto o ser humano isolado, não correspondendo a sua
essência, sendo necessário conhecer os vínculos comunitários.
Neste sentido, Kierkegaard dá um importante passo. Ele considera a
existência como a transição de uma possibilidade no espírito para a realidade
na integridade da pessoa. Por isso converte os estados da própria existência em
objetos do pensar metafísico: a culpa, a angústia, o desespero, as visões da
própria morte e a da própria salvação. Reconhece neles etapas de um processo da
existência em relação com o Absoluto. De Kierkegaard diz Buber:
Pela primeira vez na história do pensamento a
metafísica aborda com força e conseqüência desconhecida o concreto homem vivo.
Isso só foi possível porque considerou o homem concreto não como ser isolado,
mas na problemática de sua relação com o Absoluto. (BUBER, 1985, p.84).
Para Buber, essa relação a que remete Kierkegaard é uma relação
intersubjetiva, ou seja, uma relação recíproca real de pessoa a pessoa, onde o
Absoluto entraria como pessoa. Trata-se, pois, de uma antropologia teológica,
mas que tornaria possível uma antropologia filosófica ao retirar o elemento
teológico.
O que ocorreu, no entanto, foi que Heidegger não seguiu esse caminho. Ao
tentar responder sobre o significado do Ser, Heidegger constrói uma ontologia
fundamental pela existência daquele ser presente que se relaciona com seu
próprio ser e que tem a compreensão desse seu ser: o Homem. Todavia, não
preocupou a Heidegger o ser humano concreto, mas o modo como se dá a existência
e o que isso contribui para a compreensão do Ser.
A acusação que Buber faz a Heidegger é a de que o último abstrai
categorias da realidade da vida humana, que têm validez somente na relação do
indivíduo com o que ele não é, e as aplica à relação do indivíduo com seu
próprio ser.
Ao ouvir de Nietzsche a sentença: “Deus está morto”, só resta ao dasein
relacionar-se consigo mesmo. Assim, a existência heideggeriana é uma existência
monológica.
O erro, pois, de Heidegger seria que ele, além de se desviar da relação
com o Absoluto, também não considera a relação com o outro, no qual
experimentaria o Incondicionado. Nas palavras de Buber: “Quando o homem
reduzido à solidão já não pode dizer TU ao conhecido Deus ”morto”, o que
importa é que possa dirigir-se, todavia, ao desconhecido Deus vivo dizendo TU,
com toda a sua alma, a um homem vivo conhecido” (BUBER, 1985, p.94).
Heidegger admite uma relação de solicitude entre os seres humanos. Mas
Buber responde que a solicitude não é a relação essencial, que coloca a vida de
alguém em relação direta com a vida de um outro. A solicitude só coloca um
homem em relação com a falta do outro. No mundo heideggeriano não há TU: “O
homem que é objeto de minha solicitude não é nenhum TU, mas um ELE ou ELA”.
(BUBER, 1985, p.104).
Segundo Buber, portanto, só podemos compreender o homem em suas
possibilidades de relação com tudo que não é ele.
Apesar da crítica de que é incoerente a necessidade de nos apartar da
criação para nos colocarmos diante do Criador, Buber ainda considerava que o
pensamento kierkegaardiano apresentava um sistema aberto, pois o homem deveria
tornar-se indivíduo para relacionar-se com o Absoluto. Heidegger, ao realizar a
secularização filosófica de Kierkegaard, faz desaparecer o encontro da
alteridade essencial.
O último pensador analisado por Martin Buber é Max Scheler. Este
refere-se à contemporaneidade como a época em que o homem de fato tornou-se
problemático e, além de não saber o que é, sabe que não sabe.
Por interessar-se pela concreticidade real do homem, Scheler entende
saber o que separa o ser humano dos outros seres vivos. Faz-se necessário, por
isso,um olhar de espanto e admiração, uma tabula rasa de toda tradição.
No pensamento de Scheler o homem seria o devir de Deus. Nesse ser em que
se realiza a divindade, haveria dois atributos, a saber: espírito e impulso. O
espírito daria idéias e valores à vontade, que purificaria os impulsos
instintivos.
Para Buber, porém, esses atributos não formam unidade. Ele pergunta-se se
o homem scheleriano não seria um certo tipo de homem em que a esfera do
espírito e a do impulso foram separadas e tornadas independentes.
Para o Scheler do período teísta, o verdadeiro homem é o “buscador de
Deus”. Entre o homo faber e o animal bruto só há diferença de grau. Mas
entre o homo faber e o homem que sai de si à procura de Deus há
diferença de tipo.
Já no seu último período, Scheler considera que entre o homo faber
e o animal bruto não há diferença essencial, uma vez que a inteligência e o
poder de escolha estão presentes igualmente em ambos. A posição peculiar no cosmos é assegurada ao homem pelo princípio do espírito.
Buber rejeita essa demarcação de Scheler tanto da primeira quanto da
última fase. Na primeira afirma que “o homem não começa ali onde se busca a
Deus, mas alí onde se padece a distância de Deus sem se saber do que se
padece”. (BUBER, 1985, p.135).
Sobre o homem espiritual, Buber opina que é preciso também buscar o
espírito no que é acontecimento. O espírito não é só separação, mas está presente
desde o impulso, quando o homem experimenta a graça das coisas. O verdadeiro
espírito nutre-se da unidade da vida e da unidade do mundo, não nega sua
comunidade primordial com o todo do Ser.
Buber opõe a idéia de espírito como acontecimento à idéia scheleriana de
espírito como repressão e sublimação dos instintos por considerar que essa
última não conduz a uma idéia geral do homem. Ela se aplica somente à condição
do homem moderno, que revela-se doente, tanto em suas relações com os demais,
quanto em sua própria alma. As categorias freudianas de repressão e sublimação
só fazem sentido na análise em épocas de estado patológico como essa, em que se
vive uma crise de confiança. Aqui a separação entre espírito e instinto seria o
reflexo e a conseqüência da divisão entre o homem e o homem.
Na sua exposição da antropologia scheleriana, Buber procurou demonstrar
que o que diferencia essencialmente o homem dos animais não é a sua separação
do todo, mas sua nova maneira de se inclinar até as coisas e os seres.
Há, dessa forma, uma rejeição, por parte de Martin Buber, tanto do método
individualista quanto de seu contraponto: o coletivismo. Ambos não abarcam a
totalidade do ser humano e surgem da falta de lugar cósmico e social. A
primeira reação diante da insegurança é o individualismo, no qual o homem
aceita seu isolamento e só vê a possibilidade de relacionar-se consigo mesmo,
glorificando-se como indivíduo.
A segunda reação, proveniente do fracasso da primeira, é o coletivismo, o
abandono da responsabilidade pessoal pela própria existência na vontade do
grupo como forma de alcançar uma segurança total. O coletivismo é ilusório
porque não há de fato o homem com o homem.
O que Buber quer dizer é que não encontraremos o essencial do ser humano
nem indivíduo como tal, nem no agregado, pois ambos são abstrações. O indivíduo
só será concreto quando se coloca numa relação intersubjetiva, no
reconhecimento da alteridade. E o coletivo só corresponde ao ser humano real
constituindo-se de unidades vivas de relação.
O fato singular da vida humana é o que ocorre entre ser e ser. O
ser humano busca o outro ser humano para comunicar-se com ele numa esfera comum
aos dois que, entretanto, ultrapassa o campo de cada um. Trata-se da categoria
do “entre”. É essa categoria que refletiremos a seguir.
2.2. O
INTER-HUMANO
O
que já se disse acima sobre o coletivismo pode ser importante para distingui-lo
do inter-humano. Em outras palavras, para Buber, há fenômenos sociais sempre
que coexiste uma multiplicidade de homens unidos por um vínculo, que por
conseqüência traz reações em comum. Mas este vínculo não significa qualquer
relação pessoal entre um membro e outro do mesmo grupo.
No
domínio do inter-humano, ao contrário, cada um é para o outro um parceiro num
acontecimento da vida, mesmo que sejam adversários. Diz-nos Buber:
A única coisa importante é que, para cada um dos dois
homens, o outro aconteça como este outro determinado; que cada um dos dois se
torne consciente do outro de tal forma que precisamente por isso assuma para
com ele um comportamento, que não o considere e não o trate como seu objeto mas
como seu parceiro num acontecimento da vida, mesmo que seja apenas uma luta de
boxe. (BUBER, 1982, p.138).
Buber aqui se contrapõe a alguns existencialistas que afirmam como fato
humano básico a transformação do outro em objeto. Se assim fosse, a realidade característica do inter-humano estaria eliminada.
Porém, para o filósofo judeu, isso não poderia acontecer totalmente, pois
o privilégio do ser humano frente às outras coisas que, como ele, podem ser
transformadas em objeto, é o de que o homem pode resistir totalmente à
objetivação. Este privilégio da não objetivação só pode ser percebido entre
parceiros.
A confusão entre o social e o inter-humano é atribuída, por Buber, à má interpretação
do conceito de relação. Só nos acontecimentos atuais, ou seja, na presença do
face a face é que se dá a esfera do inter-humano e seu desdobramento é o que o
autor de “Eu e Tu” chama de dialógico.
Também não devemos confundir os fenômenos inter-humanos com os fenômenos
psíquicos, pois os últimos se encontram na alma da pessoa, enquanto os
primeiros acontecem no “entre” da relação. Um exemplo disso é a diferença entre
os sentimentos e o amor tratada em “Eu e Tu”:
Os sentimentos, nós os possuímos, o amor acontece. Os
sentimentos residem no homem mas o homem habita em seu amor. Isto não é simples
metáfora mas a realidade. O amor não está ligado ao EU de tal modo que o TU
fosse considerado um conteúdo, um objeto: ele se realiza, entre o EU e o TU. (BUBER, 2001, p.17).
Existe uma problemática no âmbito do
inter-humano, que consiste na dualidade entre ser e parecer. Há, pois, para
Buber, uma existência humana vivida a partir do que se é, e uma outra vivida a
partir do que se quer parecer, de uma imagem de si. Esses dois comportamentos
se misturam, não há nenhuma existência exclusiva de um e de outro modo. Por
isso devemos nos contentar com a distinção em alguém do comportamento essencial
predominante.
O
olhar do que vive a partir do ser é um olhar espontâneo, sem reservas, enquanto
que, para aquele que vive a partir da imagem, importa o que parece ao seu
expectador, a imagem que produz no outro.
Fica
muito claro que, onde predomina o parecer, a relação EU-TU é ameaçada pela
imagem que se interpõe entre os homens. O exemplo dado por Buber (1982) é
assustador: em duas pessoas conversando, Pedro e Paulo, temos as imagens que
querem transmitir um ao outro, acrescidas às imagens que cada um faz do outro,
somadas as imagens que cada um tem de si mesmo. Ao todo temos seis imagens na
conversação dos dois e nenhum espaço para a legitimidade do inter-humano.
No
campo, pois, do inter-humano, a verdade está na comunicação entre os homens uns
aos outros como são, na autenticidade que permite a um homem que outro
participe de seu ser, sem deixar que se introduza alguma aparência entre os
dois.
Buber quer, com isso, libertar o inter-humano
do campo do discurso moral e mostrar que a autenticidade é o que realiza
verdadeiramente o ser humano:
Se nos tempos primitivos a pressuposição do ser-homem
deu-se através da retidão da sua postura ao caminhar, a realização do ser-homem
só pode dar-se através da retidão da alma no seu caminhar, através de uma
grande honestidade que não é mais afetada por nenhuma aparência, já que ela
venceu a simulação. (BUBER, 1982,
p.143).
Para
Buber a vida a partir do parecer origina-se na dependência dos homens entre si
e, de fato, não constitui tarefa fácil fazer-se confirmar no seu Ser pelos
outros. Porém, o homem não está determinado a viver a partir da imagem e pode
lutar corajosamente para se encontrar.
Acontece
que muito daquilo que se chama conversação entre os homens não passa de
palavreado, fato radicalizado por Sartre ao considerar instransponíveis os
muros entre os parceiros de uma conversação. Para o existencialista francês, o
destino inevitável do ser humano seria que a existência interior do outro não
diria respeito a mim.
Buber
contrapõe-se a essa fatalidade, qualificando-a de desvio da verdadeira
liberdade, conclamando quem tomou consciência dessa degeneração a despertar nos
demais a nostalgia do ser humano:
Quem reconhece realmente quão longe a nossa geração se
transviou da verdadeira liberdade, da livre generosidade do Eu e Tu, deve, por
força do caráter de missão de todo grande conhecimento deste gênero, exercer
ele próprio – mesmo que seja o único na terra a fazê-lo – o contato direto e a
este não abdicar, até que os escarnecedores se assustem e percebam na voz deste
homem a voz de sua própria nostalgia reprimida. (BUBER, 1982, p.146).
O pressuposto para uma conversação genuína é ver
o parceiro como ele é, tomando o conhecimento íntimo de que ele é
essencialmente outro do que eu.
Esse essencialmente outro do que eu é
de uma maneira única, que lhe é própria, de modo que só aceitando-o assim é que
eu posso dirigir-me com seriedade a ele em sua alteridade.
Mesmo numa contenda, desde que esteja
presente esse pressuposto, há uma afirmação do outro que discorda de mim. Ao
confirmar tal pessoa como parceiro, só depende dele para que surja daí uma
conversação genuína, uma reciprocidade tornada linguagem. Com essa confirmação
posso confiar naquele com quem estou disposto a entrar em diálogo e esperar que
ele aja como meu parceiro.
O conhecimento íntimo de que escreve Buber
refere-se ao experimentar uma pessoa em sua totalidade e concretude. E o homem
só pode ser compreendido em sua totalidade enquanto pessoa determinada pelo
espírito. Não posso conhecê-lo intimamente, dessa forma, como um objeto, mas
como presença para mim.
Assim, o conhecimento íntimo é
designado por Buber como tornar-se presente da pessoa:
O
conhecimento íntimo só se torna possível quando me coloco de uma forma
elementar em relação com o outro, portanto quando ele se torna presença para
mim. É por isso que designo a tomada de conhecimento íntimo neste sentido
especial como o tornar-se presente da pessoa. (BUBER, 1982, p.147).
Ao tornar-se presente da pessoa contrapõe-se o
olhar de quase tudo que se entende por moderno. Esse olhar moderno é qualificado
por Buber como analítico, redutor e dedutivo entre homem e homem. Analítico, ou
como queria Buber, pseudo-analítico, por tratar do ser psicofísico como um
composto desmembrável. Redutor por pretender abranger em estruturas visíveis e
recorrentes a multiplicidade da pessoa. E dedutivo por supor, através de um
conceito geral, enquadrar em fórmulas genéticas o devir do homem e o dinâmico
princípio central da individualidade neste devir.
Martin Buber não pretende desfazer-se do método
analítico das ciências humanas, que ele considera como imprescindível para
avançar no conhecimento de um fenômeno. Mas esse método não consegue abarcar o
conhecimento da individualidade desse fenômeno. Esse limite deveria ser levado
em conta pela ciência do homem que se utiliza do método analítico fazendo-se
necessário transpor do método para a vida.
Dessa forma, Buber propõe despertar o dom da
“fantasia do real” na interioridade do homem. Tal fantasia do real consistiria
num penetrar vigoroso no outro, à maneira de uma fantasia, mas que não se
estende ao todo-possível, e sim àquele que torno presente a mim em sua
totalidade. Diz Buber:
(…)
na sua essência este dom não é mais um olhar para o outro; é um penetrar
audacioso no outro, potente como um vôo, penetrar no outro que reivindica o
movimento mais intensivo do meu ser, à maneira de toda fantasia verdadeira, só
que aqui o campo de minha ação não é o todo-possível, mas a pessoa real e
singular que vem ao meu encontro, que eu posso tentar tornar presente para mim,
assim mesmo e não de outra forma, na sua totalidade, sua unidade e unicidade, e
no seu centro dinâmico que realiza tudo isto sempre de novo. (BUBER, 1982,
p.148).
Esse dom só pode ocorrer, como nos lembra o
filósofo judeu, numa parceria viva, quando, num evento comum com o outro, me
exponho à participação deste. Se houver uma resposta positiva a essa atitude, o
inter-humano desabrocharia na conversação genuína.
Há duas maneiras de influenciar as pessoas em seu
modo de pensar e de viver. A primeira é pela imposição, na qual a pessoa quer
prevalecer, impor sua opinião e atitude, persuadindo o outro a considerar a
ação fruto de seu próprio entendimento. Essa maneira desenvolveu-se mais
intensamente no campo da propaganda.
Na segunda maneira a pessoa quer
encontrar-se também na alma do outro, incentivando nele aquilo que reconhece em
si mesmo como certo. Ou seja, o que considero certo deve também estar vivo
potencialmente no microcosmo do outro, bastando que este se abra a essa
possibilidade. Essa abertura acontece essencialmente não como aprendizado, mas
como encontro. Trata-se da comunicação existencial entre um ente que é e um
outro que pode vir a ser. Esta se desenvolveu mais no campo da educação.
O propagandista não se interessa em
absoluto pela pessoa que quer influenciar, as características individuais só
são significativas para ele enquanto pode tirar delas algum proveito. A
propaganda, que governa, na sua forma extrema, no meio político, significa o
apoderamento do outro e sua despersonalização. A coação completa ou substitui a
propaganda, mas é imperceptível, passando ilusoriamente a impressão de
autonomia, aniquilando-se o fator humano no meio político.
O educador, ao contrário, vive num
mundo de indivíduos dos quais alguns estão confiados a ele. Ele não se impõe ao
outro pois acredita no ser humano que o outro pode vir a se tornar.“Ele
reconhece cada um destes indivíduos como apto a se tornar uma pessoa única,
singular e portadora de uma tarefa do Ser que ela, somente ela pode cumprir”
(BUBER, 1982, p.150). O
educador não se impõe porque as forças atualizadoras das quais se faz auxiliar
também agem nele, fazendo-o cumprir sua vida singularmente. Ele simplesmente
propicia no outro a abertura daquilo que é certo, ajudando-o a desenvolver-se.
Mais uma vez esclarecemos que Buber
coloca essas atitudes antitéticas existentes em maior ou menor grau em todos os
relacionamentos humanos. E não se deve confundir esses conceitos com orgulho e
humildade, pois não se relacionam necessariamente. Além disso, orgulho e humildade
são disposições psicológicas, com um acento ético, enquanto imposição e
abertura são estados antropológicos, ocorrem entre homens, e apontam para uma
ontologia do inter-humano.
A proposta buberiana aproxima-se do
princípio kantiano no qual o semelhante não deve ser considerado um meio, mas
tratado como um fim em si. Porém, o princípio de Buber tem origem e finalidade
diferente do dever sustentado pela dignidade humana de Kant. Interessa ao
filósofo judeu saber os pressupostos do inter-humano. Neste sentido afirma que:
“O homem é antropologicamente existente não no seu isolamento, mas na
integridade da relação entre homem e homem: é somente a reciprocidade da ação
que possibilita a compreensão adequada da natureza humana”. (BUBER, 1982,
p.152).
Há, para Buber, um destino humano
inerente à maneira da enteléquia aristotélica que cada pessoa pode alcançar, de
forma só a ela específica. Essa enteléquia é considerada pelo filósofo judeu
como obra de criação, da qual a individuação significa apenas a marca pessoal,
extremamente necessária, de toda realização do ser-homem. O ser-próprio somente
completa o essencial que é a criação da existência humana. O que leva o
inter-humano à sua verdadeira altura é a função de abertura entre os homens, o
auxílio ao vir a ser do homem enquanto ser-próprio e a assistência mútua do
ser-próprio da natureza humana conforme a criação.
Sendo assim, Martin Buber dá uma
definição sucinta dessa ontologia do inter-humano, no qual encontramos o homem
realizado em seu destino:
É
somente quando há dois homens, dos quais cada um, ao ter o outro em mente, tem
em mente ao mesmo tempo a coisa elevada que a este é destinada e que serve ao
cumprimento do seu destino, sem querer impor ao outro algo da sua própria
realização, é somente aí que se manifesta de uma forma encarnada toda a glória
dinâmica do ser do homem. (BUBER, 1982, p.152).
Somente, pois, na relação em que se tem em vista
a grandeza da vocação à qual o outro é chamado no âmbito da criação, aparece o
ser humano que deve realizar o seu ser-próprio e manifesta-se a verdadeira
natureza humana. Talvez seja essa a resposta de Buber à pergunta kantiana sobre
o que é o homem.
Porém, há uma relação na qual convergem todas as
relações entre o EU e um TU, que já foi mencionada no primeiro capítulo e que
nos propomos a tratar no próximo tópico. É a relação com o Deus, o TU eterno.
2.3. O TU ETERNO
Cada TU individual invocado pelo homem coloca-o
na relação com o TU eterno. Em cada evento de relação verdadeira, de encontro,
o ser se entrega em sua totalidade, sem mediações nem ações parciais, numa
dinâmica de escolher e ser escolhido. Para Buber, o homem capaz dessa
totalidade está preparado para o encontro supremo.
Sendo assim, Buber contrapõe-se a qualquer
dualismo que proponha a renúncia ao mundo sensível para alcançar a relação
absoluta, pois mesmo a experiência mais espiritual não seria capaz de fornecer
senão um ISSO e um mundo de idéias e valores não nos poderia tornar-se
presente. Para uma relação verdadeira com o TU eterno, basta o simples fato do
encontro, a aceitação da presença.
Também não se trata de uma renúncia ao EU, como
sugere o misticismo, no qual funde-se numa união em que se é absorvido no
absoluto. Como toda relação, a relação suprema exige o EU, e só pode acontecer entre
EU e TU.
Existe uma peculiaridade proposta por Buber na
relação com o TU eterno, pois em toda a sua exposição sobre a palavra-princípio
EU-TU, é afirmada a exclusividade do ser presente ao EU, invocado como TU. Essa
exclusividade do TU só é rompida quando nosso TU se transforma num ISSO, coisa
entre coisas.
A relação com Deus, no entanto, é uma relação em
que existe identidade entre a absoluta exclusividade e a absoluta
inclusividade. O TU eterno é único diante de nós, mas todas as coisas estão
incluídas nessa relação. Dessa forma,
Na
relação com Deus, a exclusividade absoluta e a inclusividade absoluta se
identificam. Aquele que entra na relação absoluta não se preocupa com nada mais
isolado, nem com coisas ou entes, nem com a terra ou com o céu, pois tudo está
incluído na relação. Entrar na relação pura não significa prescindir de tudo,
mas sim ver tudo no TU; não é renunciar ao mundo mas sim proporcionar-lhe
fundamentação. (BUBER, 2001, p. 91).
A proposição de Buber não pode ser
confundida com panteísmo. Deus, para ele, não é o mundo, mas o mundo não é
empecilho para o encontro com Deus. Buber afirma a inclusão de tudo em Deus, a
santificação do mundo, na medida em que diz que quem vai verdadeiramente ao
encontro do mundo vai ao encontro do TU eterno.
Em todas as relações com o TU individualizado,
o homem experimenta a frustração de ver seu TU tornar-se um ISSO. Portanto, o
sentido de TU do homem é insaciável até que este tenha encontrado o TU eterno,
abrindo-se a essa presença que sempre esteve lá, esperando a atualização.
Deus é, por essência, o único TU que não deixa
de ser TU para nós. É um TU que nunca se torna um ISSO. Neste caso, o
distanciamento de Deus não é ausência. Nós é que não estamos sempre presentes
e, no entanto, queremos uma continuidade característica do mundo do ISSO.
A única forma que Buber apresenta de dar
continuidade à relação suprema é através de uma conversão, que nos remete
sempre novamente ao nosso centro de modo que “neste ato essencial ressurge a
força da relação do homem, a onda de todas as relações se espalha em torrentes
vivas e renova nosso mundo”. (BUBER, 2001, p.116).
Cada uma das três esferas de relação (com a
natureza, com os homens e com seres espirituais) nos proporciona um sopro do TU
divino. Aquelas estão incluídas neste, mas este não está incluído naquelas.
Todas as esferas de relação ganham seu sentido pleno no TU eterno, no qual o
Cosmos (da primeira esfera) torna-se uma moradia com terra sagrada, o Eros (da
segunda esfera) existe quando os seres se tornam imagem do eterno e a
comunidade transforma-se em revelação e, por último, o Logos (da terceira
esfera) só existe quando o EU se dirige ao mistério através da obra e do
serviço no espírito.
Com efeito, é na relação entre os seres
humanos que se destaca o fato de a palavra explicitada na linguagem encontrar
sua resposta. É na vida com os homens que o ser pode experimentar a
reciprocidade do contemplar e ser-contemplado, do reconhecer e do
ser-reconhecido, do amar e do ser-amado.
Por isso é que Buber afirmará a relação da
segunda esfera como imagem da relação suprema: “A relação com o ser humano é
a verdadeira imagem da relação com Deus, na qual a verdadeira invocação
participa da verdadeira resposta. Só que na resposta de Deus tudo, o Todo se
revela como uma linguagem”. (BUBER,
2001, p.119).
Buber difere dois tipos de solidão, uma vez
que esta é apontada por muitos como caminho para a relação absoluta. Uma
solidão que se manifeste no afastamento do mundo do ISSO, do meio das coisas de
experiência e utilização ou que seja um lugar de purificação que nos fortalece
nas tribulações e prepara o encontro não é só necessária para a relação com
Deus, mas para toda relação. Por outro lado, uma solidão que se manifeste como
ausência de relação, que pretende ser uma fortaleza onde o homem só dialoga
consigo mesmo, representa a decadência do espírito na espiritualidade.
A relação com Deus não pode ser pensada
também, conforme o filósofo judeu, como a troca de um objeto de idolatria por
Deus, pois se trataria assim de um objeto de utilização, mesmo que de maior
valor. Deus, como já foi dito, não pode tornar-se um ISSO e também quem vive na
utilização, na vontade de posse, não consegue dizer um TU verdadeiro Àquele que
não pode ser possuído.
Aquele, diz Buber, que só conhece o mundo como algo
que se utiliza vai conhecer Deus do mesmo modo. Sua prece é um modo de se
desobrigar; ela cai no ouvido do nada. Tal homem é o homem sem Deus, e não o
“ateu” que, do fundo da noite e da nostalgia da janela de seu quarto, invoca o
inominado. (BUBER, 2001, p.124).
Buber também afirma um fenômeno primordial no
qual o homem que entrou no encontro supremo não sai deste do mesmo modo como
entrou: o eterno. Não se trata de um conteúdo, mas uma presença, que é também
uma força.
Essa presença encerra três
fatos: o primeiro fato é o de ser acolhido e de estar vinculado, que torna a
vida mais pesada, porém mais densa de sentido; o segundo é a supressão da
questão do sentido na sua inefável confirmação, ele não deve ser interpretado, mas
realizado; o terceiro é colocar à prova este sentido, ser intermédio da sua
realização no mundo sem nenhuma prescrição prévia, uma vez que cada um só pode
por à prova o sentido recebido na unicidade de seu ser e de sua vida.
A presença é, para Buber, a única forma de
revelação. Nós reconhecemos a Deus, mas não avançamos no desvelamento do Ser.
Não podemos dizer aos outros o que deve ser conhecido, ou feito, mas somente
pôr o que recebemos à prova, o que se torna um dever absoluto. Assim Buber
expressa sua concepção de revelação:
Tal é a revelação eterna, presente aqui e agora. Não
conheço nenhuma revelação que não seja, em seu fenômeno originário, semelhante
a esta. Eu não acredito em uma auto-denominação ou em uma auto-definição de
Deus diante do homem. A palavra da revelação é esta: “eu sou presente como
aquele que sou presente”. O que se revela é o que se revela. O ente está
presente, nada mais. (BUBER, 2001,
p.129).
Sendo assim, lembramos que o TU eterno não
pode ser reduzido a medidas e concepções, características do mundo do ISSO.
Deus não pode ser encontrado nem no mundo e nem fora do mundo uma vez que não
pode ser pensado ou experienciado. Toda referência a Deus como “Ele” não passa
de metáfora, ao contrário do TU.
Acontece que o homem aspira à continuidade da
posse de Deus no espaço e no tempo, não se contentando com a confirmação do
sentido e com o ritmo de atualidade e latência da relação pura, na qual é nossa
força de relação que diminui. Ao buscar a duração da presença, a da extensão temporal,
faz com que Deus se torne objeto de fé:
Originalmente a fé completa, no tempo, os atos de
relação e, gradualmente, ela os substitui. Em lugar do ritmo essencial e sempre
renovado do recolhimento e da expansão, estabelece-se uma estabilidade em torno
de um ISSO no qual se crê. (BUBER,
2001, p.131).
O desejo do homem de continuidade da relação
também quer manifestar-se na extensão espacial na medida em que faz de Deus um
objeto de culto:
O culto também completa, originalmente, os atos de
relação, na medida em que insere a oração viva, o dizer-TU imediato em um
conjunto espacial de grande poder de imaginação e o entrelaça à vida de
sentido. Ele se torna, também, aos poucos, o seu substituto na medida em que a
prece pessoal não é mais sustentada pela prece comunitária mas é reprimida por
ela e, então, uma vez que o ato essencial não se sujeita a nenhuma regra, cede
lugar à devoção regulamentada.
(BUBER, 2001, p.131-132).
No entanto, não é possível, dessa forma,
assegurar a relação pura no espaço e no tempo. A única garantia de continuidade
está na elevação dos seres ao TU, para que neles ressoe o TU eterno. Só dessa
forma, mesmo não podendo nem devendo se libertar do mundo do ISSO, o homem pode
assegurar o vínculo temporal numa vida relacional e um vínculo espacial na
comunidade unida ao seu centro.
Para Buber o homem não deve ocupar-se com
Deus, refletindo sobre aquele que encontrou, mas entreter-se com Ele e colocar
à prova o sentido na ação no mundo.
Neste sentido é importante o conceito de vocação,
que ocorre naquele para quem Deus é presença. Quanto mais alguém cumpre sua
missão, mais proximidade tem de Deus, pois tem sempre o TU eterno diante de si.
No aparente afastar-se de Deus daquele que
cumpre sua missão está, na verdade, a proximidade. Já aquele que reflete sobre
Deus o transforma em objeto e, paradoxalmente, ao ocupar-se de Deus está no
movimento de afastamento.
A esses dois movimentos, de afastamento e de
proximidade, Buber nomeia, respectivamente, como expansão para o próprio ser e
conversão para o vínculo. Na história do encontro do homem com Deus esses
movimentos antropológicos essenciais encontram sua mais alta forma:
Pois estes dois movimentos fundamentais, metacósmicos:
a expansão para o próprio ser e a conversão para o vínculo, encontram sua mais
alta forma humana, a verdadeira forma espiritual de seu confronto e de sua
conciliação, de sua composição e separação na história do contato humano com
Deus. Na conversão, o Verbo nasce sobre a terra, na expansão, ele se transforma
e se encerra na crisálida da religião, em uma nova conversão, ele renasce com
asas renovadas. (BUBER, 2001, p.134).
Mais uma vez encontramos, em Buber, dois movimentos
que se alternam. Neste caso a conversão dispõe a revelação manifestada como
presença e a expansão manifesta-se sobre a forma de religião. E as revelações
invocadas pelas religiões assemelham-se às revelações silenciosas cotidianas.
No entanto, por mais supra sensível que Deus seja,
o homem que recebeu na revelação uma missão forma uma imagem divina. “Embora
nós, terrestres, não percebamos jamais Deus sem o mundo, mas só o mundo em
Deus, ao percebermos, criamos eternamente a forma de Deus”. (BUBER, 2001, p.136).
Essa forma é uma mistura de TU e ISSO, podendo
cristalizar-se em objeto de culto e de fé, mas que sempre se transforma em
presença devido à essência da relação que subsiste nela. Nas religiões, a
verdadeira prece desperta o culto e a fé para a relação viva. Este é o sinal do
vigor das religiões e, na medida em que a prece degenera, a objetividade vai
dificultando a invocação do TU na totalidade do ser, em nome de uma segurança
na aventura do infinito.
Assim, tanto subjetivismo quanto objetivismo
desviam o homem da atualidade da relação, visando substituí-la. O subjetivismo
absorve Deus na alma e o objetivismo faz d’Ele um objeto.
Deus aproxima-se de suas formas enquanto o homem
não se afasta d’Ele. Mas quando o movimento de expansão das religiões impede o
movimento de conversão Deus afasta-se de sua forma e decompõe-se a Palavra.
A Palavra, conforme a terceira parte de “Eu e Tu”,
está presente na revelação, age na vida da forma e tem seu valor no reino da
forma morta.
Buber descreve da seguinte maneira a ida e a vinda
da Palavra eterna e eternamente presente na história: nas épocas em que a
palavra está presente, se renova o contato do EU e do mundo; quando reina a
palavra ativa, perdura um acordo entre o EU e o mundo; já quando a Palavra se
torna válida, acontece a alienação entre o EU e o mundo.
A cada perdição mais profunda, segue uma conversão
mais originária. Nesse processo em espiral Deus se manifesta sempre mais próximo do reino do “entre”. Porém aquilo que do lado do homem denomina-se
conversão, do lado de Deus, para Buber, recebe o nome de redenção:
(…) ela [a teofania] se
torna cada vez mais próxima, ela se aproxima sempre mais da esfera entre seres,
se aproxima do reino que se oculta no meio de nós, no “entre”. A história é uma
aproximação misteriosa. Cada espiral do caminho nos conduz igualmente a uma
perdição mais profunda e a uma conversão mais originária. Porém o evento que do
lado do homem se chama conversão, do lado de Deus, se chama redenção. (BUBER, 2001, p.138).
Portanto, a redenção do ser humano está no
movimento de conversão, ou seja, no retorno ao vínculo da presença, que faz com
que Deus se aproxime do “entre seres” e realize a atualização do homem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho constatamos que Martin Buber não escreve sobre um ser
humano abstrato, mas sobre o homem que vive, trabalha, ama, odeia. É o homem
concreto que interessa à sua filosofia dialogal e é a esse homem que Buber
escreve.
Dessa
forma, para Buber, não há um ser solitário, fechado em si e em seus próprios
pensamentos, desligado de qualquer corporeidade e de qualquer relação com um
mundo exterior. O homem não é uma mônada auto-suficiente. Muito menos um
dasein heideggeriano, ente monológico que só se relaciona consigo mesmo
como forma de compreender o Ser.
Para
a filosofia buberiana vale a fórmula muitas vezes encontrada na fenomenologia
existencial: “existir é coexistir”. O homem só existe no mundo, compartilhando
sua existência com tudo aquilo que está nele.
O
ser humano se relaciona com seu mundo e com outros homens e mulheres. Por isso
dizer algo sobre o ser humano concreto é tratar do homem em relação. Ele só pode ser compreendido em suas relações.
Para Buber,
antes mesmo de se voltar para si mesmo como consciência, o EU já se encontra
relacionando-se com um TU.
O
que o pensamento de Buber tem de mais original, portanto, não é a descoberta da
relação EU-TU, que o próprio autor credita a Feuerbach. É a intuição
fundamental de que é essa intersubjetividade o que o ser humano tem de mais
essencial.
De
forma alguma Buber nega a importância da relação EU-ISSO e dos avanços
tecnológicos e científicos trazidos pelo domínio e compreensão da natureza. O
filósofo no entanto nos mostra que existe outra forma de se aproximar do mundo,
através da relação dialogal.
O TU
foge de conceitos, esquemas, meios, não se revelando por força da vontade de um
EU, mas simplesmente acontecendo. É paradigmática a afirmação de Buber (2001)
sobre o amor. Os sentimentos, nós os possuímos, ou seja, são do mundo do ISSO.
O amor, porém, acontece entre o EU e um TU, manifestando-se como responsabilidade
para com seu TU. O homem habita em seu amor e seu TU é totalmente livre, não se
objetivando.
O
mundo do TU é, neste sentido, arriscado, inseguro. Não somos capazes, como na
relação EU-ISSO, de construir um sistema no qual podemos nos refugiar,
dominando nosso objeto. Ao dizer TU não temos um objeto diante de nós, mas uma
presença. E só podemos proferir um TU na totalidade de nosso ser.
O que Buber
faz, portanto, é tentar despertar a nostalgia do humano em cada leitor,
convidando-o a ter coragem de ultrapassar a segurança do ISSO e aventurar-se no
reino misterioso do TU, tornando-se assim verdadeiro homem, na abertura à
intersubjetividade, sua plena realização.
Essa nostalgia
do humano se reflete no modo de vida a partir do que se é, na abertura e no
reconhecimento do outro em sua alteridade. Cada homem é imbuído de uma missão
que só cabe a ele realizar e, ao reconhecer o papel único que o outro tem a
desempenhar, eleva o inter-humano à altura de uma resposta verdadeira à quarta
pergunta kantiana.
O diálogo,
portanto, depende unicamente da resposta positiva daquele a quem nós
reconhecemos como parceiros num acontecimento da vida.
Nesse sentido, o
reconhecimento do outro e o relacionar-se recíproco com o outro que não eu,
abre-nos à presença suprema daquele Ser que nunca deixa de ser presença: Deus.
A única forma de assegurar essa presença que nos escapa é a conversão ao
vínculo. Em outras palavras, da mesma forma que encontramos Deus com um TU nos
lábios, somos enviados ao mundo com um TU nos lábios, fazendo de toda e
qualquer relação essencial uma porta para o eterno, em que a nossa conversão
passa a ser a nossa redenção, nossa plenificação.
BIBLIOGRAFIA
- BUBER, Martin. Do diálogo e do
dialógico. Tradução de Marta Ekstein de Souza Queiroz e Regina Weinberg.
São Paulo: Perspectiva, 1982. - BUBER, Martin. Encontro –
fragmentos autobiográficos. Tradução de Sofia Inês Stein. Petrópolis:
Vozes, 1991. - BUBER, Martin. Eu e Tu. Tradução.
e introdução de Newton Aquiles von Zuben. 5.ed. São Paulo: Centauro, 2001. - BUBER, Martin. ¿Que
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de Cultura Económica, 1985. - GALANTINO, Nunzio. Dizer
“homem” hoje: novos caminhos da antropologia filosófica. Trad. Roque
Frangiotti. São Paulo: Paulus, 2003. (Col. studos Antropológicos). - GILES, Thomas Ranson. História
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intersubjetividade em Martin Buber. Porto Alegre: EST/UCS, 1979. - VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia
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Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. (Coleção Filosofia 31) - ZUBEN, Newton Aquiles von. Introdução in: BUBER, Martin. Eu
e Tu. 5.ed. São Paulo: Centauro, 2001.
[1]
Buber dedica toda a terceira parte de “Eu e Tu” à relação perfeita do Eu com o
Tu eterno. Trataremos dessa relação separadamente mais adiante.
[2]
Como a obra consultada está em espanhol, fica subentendida a tradução nossa em
todas as próximas citações da mesma.
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