A VALORIZAÇÃO DO CAFÉ NOS ESTADOS UNIDOS

A VALORIZAÇÃO DO CAFÉ NOS ESTADOS UNIDOS

Oliveira Lima

É conveniente que em São Paulo se saiba como o episódio rccent da valorização ocorrido nos Estados Unidos, por aí considerado não pela gente da bolsa ou da finança, interessada em altas baixas, não pelo pessoal político, levado por preocupações que sã também interesses, embora de diversa natureza, mas pela»-opiniã em geral, refletida por exemplo num hebdomadário reconhecida mente independente como é a Nation, a mais, importante das revist a um tempo políticas e literárias do país. Ora, um seu artigo editorial assim apresentou o incidente:

Algumas questões novas e particularmente interessantes acham-se envolvidas no processo iniciado pelo Governo federal contra os agentes do mui discutido plano de valorização do café. Considerado amplamente como uma tentativa manifesta de manter o preço do café, na América como alhures, comprando-o em avultada quantidade e conservando-o fora do mercado, é difícil encarar tal plano como outra coisa senão uma limitação ao comércio. Nem seus autores negam que o preço haveria baixado se não fossem semelhantes operações, antes proclamam o seu fito. É um fato incontroverso que o afastamento do mercado de mais de 10 milhões de sacas de café, quando a produção anual do mundo orça entre 14.500.000 e 23.800.000, deu ao comité bancário domínio quase absoluto sobre o mercado.

Admite-se também plenamente que o preço do café aumentou em rápida escala desde 1906, quando começaram as operações bancárias. O requerimento do Governo declara que esse aumento sobe a cento por cento, e consta publicamente que um preço mínimo de venda para o café assim adquirido foi estipulado no contrato dos banqueiros. O Governo positivamente alega que o comité apenas vende suas reservas em quantidades tais que o preço .não seja com isto influenciado e que exige dos compradores a obrigação expressa de não revenderem a mercadoria na bolsa do café. Tudo isto, se se tratasse de uma indústria doméstica, constituiria um caso perfeitamente definido de transgressão da lei contra os trusts.

O aspecto extraordinário do chamado plano de valorização é contudo que se não trata de um produto nacional e que aquele plano foi formulado sob os auspícios e por mandado de um governo estrangeiro. O Brasil, que fornece cerca de três quartas partes da produção mundial de café, viu-se a braços em 1906 com uma safra cerca de 40 por cento superior à do ano anterior. O curso natural do mercado, por motivo dessa perspectiva de um aumento sem precedente no suprimento, provocou uma comoção nos círculos comerciais do Brasil parecida com a dos nossos Estados do sul, em frente, o ano passado, de uma safra de 16 milhões de fardos de algodão. Agitou-se no Brasil em 1906, como em Nova Orleans em 1911, a ruína iminente de plantadores e produtores: daí as medidas legislativas adotadas pelo Estado de São Paulo e pela União Federal.

O Brasil contraiu um empréstimo de 75 milhões de dólares com um sindi-cato bancário internacional, e com esse dinheiro comprou diretamente aos piodutores grandes quantidades de café, colocando em mãos de um comité em que se acham representados o Governo, os banqueiros e certos negoci-antes estrangeiros de café. Estipulou-se com grande precisão, no referido contrato, como se manipularia o mercado de café por ocasião das vendas das reservas, e como garantia desse empréstimo externo hipotecaram o crédito público, o próprio café e a renda de uma taxa brasileira de exportação do artigo, a a qual seria aumentada depois das saídas atingirem certo limite.

Vê-se pois imediatamente que entram no caso algumas considerações novas. Pretende o sindicato que a operação é negócio do Governo brasileiro com o qual nada tem o nosso Governo que intervir. Replica o Departamento da Justi-tiça que os atos e acordos relativos a comércio americano, e ilegais segundo no,s;is leis, não podem ser feitos legais pelo fato de não serem ilegais no Brasil e de neles participar um Estado estrangeiro.

O requerimento aponta para a circunstância dos Estados Unidos consumi-rem 40 por cento da café do mundo e insiste em que nenhuma aprovação ou participação de Estado estrangeiro pode servir para coonestar atos praticados nos Estados Unidos. O requerimento pede portanto que seja declarado ilegal todo o plano da valorização, no que diz respeito ao nosso comércio interestadual e estrangeiro; que seja perpetuamente vedado ao sindicato manter suas reservas de café fora do mercado ou vender o artigo com a condição do comprador não o poder revender, e que seja nomeado um curador federal para tomar conta daquelas reservas, sob autoridade das cortes judiciárias.

A situação criada, ou que pode vir a surgir, é interessante e fora do comum. Não se pode saber por exemplo, precisamente quanto a aprovação do requerimento do Governo mesmo afetaria o plano da valorização, desde o momento em que apenas parte das reservas do sindicato do café se acha armazenada neste país. Nem é fácil prever com exatidão como acolherá o Governo brasileiro esta atitude das nossas autoridades federais com relação a um plano elaborado pelo próprio Brasil.

Semelhantes considerações, convêm notar, não afetam os méritos intrínsecos do projeto de valorização em si. Acreditamos desde o princípio que tal projeto encerra uma teoria financeira absolutamente errônea, tanto do ponto de vista do Governo brasileiro como o do mercador de café. É uma das mais perigosas aplicações que os nossos tempos têm presenciado da tentativa de intervir nos processos normais do comércio por meio do uso extravagante do crédito.

O resumo histórico da volorização acha-se feito nesse artigo com justeza e clareza, mas o juízo com que remata, depois de exposto o caso, não indica uma atmosfera que lhe seja simpática. A simpatia aflui menos para os que auferem lucros: um desastre determinaria uma maré de compaixão. Vejamos porém como o mesmo periódico aprecia, em número ulterior, a nossa atitude:

Pondo de lado o efeito sobre os sentimentos brasileiros do processo movido pelo nosso Attorney General contra o sindicato da valorização do café, a referência pública ap assunto pelo embaixador do Brasil foi certamente uma indiscrição.

E depois de transcrever o conhecido final do brinde em questão, ajunta a Nation:

Isto é linguagem bem forte e é linguagem altamente antidiplomática. A base para a alegação do embaixador é, como ficam agora todos sabendo, o fato que as 950.000 sacas de café armazenadas neste país pelo sindicato da valorização são propriedade do Governo brasileiro. Foram compradas a fim de dominar os preços e empenhadas por aquele governo como garantia parcial

do empréstimo de 75 milhões de dólares. O sindicato as armazena porém em virtude de estipulações do seu contrato com o Brasil, e e>ta (\ obviamente u razão pela qual o embaixador brasileiro se sentiu autorizado a expressar o seu ressentimento.

Abstenho-me de emitir opinião sobre esta censura, que- esl aliás longe de encampar. Alguns estranharam o rompante, outros o 1 cal escolhido; para vários, rompante e local merecem o maior aplaus Penso, quanto a mim, que a altivez é uma virtude a ser zelada l que no trato internacional aparece antes de bom conselho, aí tendo sempre o seu lugar marcado. Justamente o que por ?êzes critiquei nas manifestações oratórias do falecido Embaixador Nabuco foi a falta de altivez "política" bastante que revelavam seus hiperbólicos encómios ao gênio, à força e ao prestígio, tudo incomensurável (sic), do Sr. Roosevelt.

Se os elogios se limitassem às instituições americanas, estava perfeitamente: se não podem elas ser perfeitas, são admiráveis. Tributados, porém, ao homem que encarnara uma orientação perigosa e desabusada nas relações do seu país com os outros países da América, afiguram-se-me descabidos. Não vacilei então em apontar o erro contido em várias, muitas mesmo, das frases do nosso representante. Incorri, por isso, em censuras anônimas e até em editoriais, que me não vexaram porque é incompatível com tal vexame a consciência do bom direito, e de que em todo o caso me desafronta por completo a linguagem recente do novo embaixador do Brasil.

Tal linguagem, êle a empregou nos Estados Unidos e em seu caráter oficial, diplomático; não, como fora a minha eventualmente usada no Brasil e em caráter não oficial, de jornalista. É verdade que o escritor se acha acreditado como ministro no estrangeiro, mas não no país de cujos processos e personagens políticos se ocupava em artigos redigidos com sinceridade igual àquela com que o delegado do governo, como tal, denunciou num banquete pan-americano o fracasso do pan-americanismo, proclamando que os Estados Unidos carecem de aprender o caminho dos nossos corações, o. que está em contradita com as afirmações oficiais feitas durante um século.

Dir-se-ia, aliás, que me estão correndo as coisas de feição. Como se não bastasse aquele desagravo oficial, o ilustre sucessor do Sr. Barão do Rio Branco na pasta do Exterior iniciou a sua gestão espontaneamente, apelando para os serviços do eminente republicano Sr. Campos Sales, no intuito de ir concertar, ou pelo menos afervorar as nossas relações com a Argentina.

É fato que se assegurav/ ao mesmo tempo na imprensa serem perfeitas tais relações e ape/ías tratar-se de manter a tradição diplomática estabelecida; não sexorupreenderia, porém, que um homem do valor e do prestígio do Sr. Campos Sales fosse apenas chamado como figura decorativa, sem uma missão importante a desempenhar.

Essa contradição costuma sempre ocorrer quando se muda de titular e mais ainda de política. Há pouco, sucedendo ao Conde de Aerenthal, que faleceu no exercício do seu cargo em que lhe foi

dado anexar definitivamente a Bosnia e Herzegovina e engran-

decer assim a monarquia austro-húngara, o Conde Berchtold asse-gurou perante as delegações que discutem os orçamentos comuns dois países que a sua política seria a do seu predecessor. Como este, porém, se inimizara com a Rússia, se mostrara algum tanto libio para com a Alemanha e cultivara de preferência as relações com a Italia, descontentando assim eslavos, alemães c clericais, o novo ministro não deixou de enaltecer a aliança germânica, de reduzir o calor das demonstrações à Itália e de vingar-se na cordialidade testemunhada à Rússia. A continuidade comporta portanto variantes.

No que me toca, tendo, como escritor de imprensa, preconizado sempre no&a íntima inteligência com a República Argentina, o ato do Sr. Dr. Lauro Müller só poderia causar-me infinita satis-Cação, idêntica à que me causam as insistentes notícias de que se vai inaugurar a diplomacia econômica ou comercial que tem igualmente sido um dos meus temas favoritos.

Pelo júbilo que devo experimentar com tudo isso e pelos ataques em prosa e verso com que fui mimoseado por manifestar as referidas idéias, ser-me-á decerto relevada a pequena imodéstia de recordar a minha atitude de ontem, ao subir o pano para o espetáculo de hoje.

Os prólogos antigos anunciavam a peça e explicavam sua gênese. As idéias em questão têm muitos "pais", não são produto de uma gestação isolada e nem quero atribuir-me glórias de Júpiter engendrando Minerva; mas, sem exagerar o caso, é conveniente dizer da nossa justiça quando nem todos se acham dispostos a dar-nos crédito sequer pelas nossas intenções.

Bruxelas, julho de 1912

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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