Aristóteles: Saber e Ciência – História da Filosofia na Antiguidade

História da Filosofia na Antiguidade – Hirschberger

A.   Saber e Ciência

a)       Lógíca

α) Caráter geral da lógica, aristotélica. — Sobre
o saber e a verdade, já muito tinha ensinado a Filosofia anterior a Aristóteles. Mas, é com êle que nasce uma
Filosofia formal do saber, a lógica. Não se trata apenas do nascimento da
lógica. Ela é, desde logo, estruturada de um modo tão classicamente  perfeito,
que, ainda hoje, os caminhos trilhados nessa matéria são os mesmos traçados por
Aristóteles. É marcante, a este
propósito, a palavra de Kant, de
que a lógica, depois de Aristóteles, não
podia, em nada, retroceder, mas também não podia dar mais nenhum passo para a
frente. A Idéia fundamental da lógica está nos Analíticos. O simples
título do livro já manifesta o caráter desta lógica: é uma análise do espírito.
Como a anatomia decompõe o corpo humano nas suas partes integrantes, assim a
lógica aristotélica, o pensamento e a linguagem do homem. Aristóteles foi o primeiro a ver que
também o espírito tem a sua estrutura própria, consta de elementos e funções
fundamentais e, a esta luz, pode ser estudado e descrito. Como últimos elementos
se consideram — o conceito, o juízo e o raciocínio. Ainda hoje constituem os três mais importantes capítulas da
lógica. E Aristóteles procura
sempre, em seu estudo, descrever e dividir. Já na lógica se manifesta uma tal
tendência. — examinar o mundo experimental nos seus variados aspectos, e
ordenar  e classificar  o concreto.   Mas Aristóteles determina as
formas elementares do espírito por interesses não só teóricos, mas também práticos. Quer, ao mesmo tempo,
fornecer o meio seguro e científico de pensar, provar e refutar. Isto se dá
principalmente nos Tópicos e nos Elencos Sofísticos.  Sua lógica
é, assim, não somente teórica, mas também
prática. E, .simultaneamente, também o preocupa a questão de saber até que
ponto os nossos meios de pensamento não somente como instrumentos, formalmente
considerados, estão bem ordenados, mas, também, se eles realmente captam o
material do saber, que devem captar; i.é, a sua lógica não é somente formal,
mas ainda material, sendo, também, uma teoria do conhecimento, como hoje se
diz.

Nestes últimos tempos, também a mais
moderada forma da Lógica, a logística, ocupou-se com Aristóteles, e descobriu que êle já se tinha aproximado desta
mais afinada forma da lógica. Do ponto de vista da menor ou maior perfeição atinente
â lógica formal, tentou-se também esboçar a evolução do seu pensamento lógico.
As Categorias, os Tópicos e a Elêntica seriam os inícios
da Lógica, ainda bastante primitiva, O Peri Hermeneias seria da
época de transição. A segunda Lógica estaria na Anal. Prior, A,
com exceção dos caps. S-22, e em Anal. Post. A. Nesta segunda lógica Aristóteles ensina uma silogística
assertórica completa, conhece a idéia de variáveis e exibe um relativo alto
nível da técnica lógica. Na terceira lógica, (Anal. Pr. A 8-22 e Anal.
Pr. B) acrescentam-se a uma lógica modal, embora ainda imperfeita,
reflexões metalógicas sobre a silogística. "com vistas lógico-formais de
espantosa subtileza" (Bochenski), e teses sobre lógica expressiva que,
além das variáveis, abarcam só constantes lógicas. Mas, o (pie a lógica
tradicional recebeu de Aristóteles, desde
então, foram as suas idéias sobre o conceito, o juízo e o silo-: gismo
(raciocínio).

β) O conceito. — O
último elemento que a análise descobre é o conceito. "Eu chamo conceito
às partes constitutivas em que se decompõe o juízo, i. é, sujeito e
predicado" (Anal. pr., A, 1; 224 b 16),

αα) Conceito do
conceito.
— O conceito como tal não constitui um predicado nem juízo e, por
conseqüência, não é verdadeiro nem falso, como expressamente se verifica. O
conceito, p. ex., de cervo é apenas uma palavra, como em geral
as representações, que Aristóteles concentra
em torno do conceito e são, acentuadamente, consideradas em dependência da
linguagem. Aristóteles não nos
deixou um estudo formal sobre o conceito. Recebe o já estabelecido por Sócrates e Platão: o conceito é sempre universal e capta o permanente e o
necessário,  em suma,  o essencial.    É questão pacífica que o conceito
exprime a essência de uma coisa,  a ουσια.    Com isto
lhe  é   atribuída,   ao  menos  implicitamente,  uma  função predicativa.   
Se êle  deve  captar  a  essência,   deve,   portanto, ser dotado  de verdade; 
pois é  a essência de  alguma  coisa.

Mas isto  Aristóteles  não o declarou  formalmente;  antes  o pressupõe  e  se  conclui   do  papel 
desempenhado,   em  Platão,  pelos
λογοζ τηζ ουσια,
onde êle,  evidentemente, é expressão do ser  e não somente parte constitutiva de um juízo possível.

ββ)    A  definição. —
O conceito artificialmente elaborado se chama  definição (ορισμοζ).  
"É uma palavra que indica a essência".     (Top.  H, 
5;  154 a 31.    Cf.  101b 38).    O papel  da definição  é fixar  a  essência 
de  um   objeto,   de modo  a ser este   algo essencial  e  totalmente
diferente de outro  qualquer’ ser   apreendido perfeitamente na sua realidade
própria.   Nesta. matéria   a regra é:  a definição deve manifestar  o gênero e
a diferença específica.   Isto significa: um determinado objeto se inclui num
gênero universal, pressuposto e conhecido.  P. ex., 3 é determinado pelo gênero
universal de número; mas como há   muitos  números,   o  gênero 
universal   de número  vem   a ficar   de   tal  modo   restrito  por   uma 
ulterior   determinação, de    modo a. ser considerado só o número 3,  entre os
vários números.   Isto se dá pela
expressão daquela diferença específica, indicada unicamente ao número 3, como
diferença em relação  aos demais números;   e essa diferença está no fato de
ser o número 3 o primeiro de todos que é impar.  A determinação conceptual de 3
é pois a seguinte: "o primeiro número’ ímpar" (Anal. poxt. B,
13).   Pela diferença específica, derivam as   espécies, assim, dos gêneros.  
A definição exprime sempre o concito
de espécie.

γγ) Gênero e espécie. — Aristóteles também emprega, no caso, os conceitos de gênero e espécie. Mas
não dá maiores explicações sobre o que seja gênero e espécie. Mas, ora explica 
o  gênero recorrendo  à  espécie   ("gênero  é  o  que  é comum  dentro de
uma pluralidade especificamente  diversa": Top.   A, 5; 102a31); 
ora,  a espécie, por meio do gênero  ("a espécie  nasce  do  gênero 
diferenciado especificamente":  Met. L,   7;  1057 b7).   É verdade
que Aristóteles afirma em  (Anal.
post.
B, 13), que, chegamos ao gênero, retendo o igual, comum a vários
objetos.   Mas como, no caso, êle
pensa na igualdade essencial e não no mais imediatamente igual;  e o essencial, por
sua vez, é determinado pelo conceito do universal — pois a essência não é senão
a espécie ou o gênero — ficamos a girar num círculo. O gênero e a espécie não
são explicados materialmente, p.ex., exprimindo-os comparativamente com uma
construção ou com os órgãos da reprodução ou com um acervo hereditário, mas de
maneira puramente formal polo. conceito de universalidade. E então a essência é
determinada pelo universal, e este, por sua vez, pela essência. Mas, no todo,
não há. para êle nenhuma petitio principii, pois, em virtude da
dialética platônica, os conceitos de ειδοζ e ειδοζ
podiam ser pressupostos como já conhecidos. Demais disso, nessa dialética, o
gênero e a espécie, em geral, não precisam ser explicados pelo caráter de
universalidade, mas exprimem a sua essência pelo seu conteúdo. E este não é
forçoso o obtenhamos abstraindo-o de uma pluralidade, mas já é conhecido a
priori,
desaparecendo então o problema, da formação específica por
generalização. A "Nova Ontologia" (N. Hartmann) teme, por isso, mas
sem razão, que a velha ontologia não houvesse, talvez, atingido a essência
(Wesen) porque, possivelmente, houvesse tomado o que é inteiramente
superficial, periférico, mas que se apresenta, casualmente, como universal, 
pelo que é essencial. A essência não é essência pelo fato de ser universal, mas
é universal pelo fato de ser eidos. Sem o método da διαρεσιζ
não haveria nenhuma definição aristotélica. Ela é a .situação lógica e
ontológica dentro do sistema total dos conceitos, no qual a dialética platônica
ordena a totalidade do ser. Pois foi um platônico, Porfírio, que construiu a árvore genealógica do ser, que
devemos ter diante dos olhos se quisermos entender, no seu sentido original, a
questão do gênero, da espécie e da definição. O esquema para construir a
definição (genus proximam + differentia specifica) é o da arbor
porphiyriana. É
altamente significativo, para se compreender o travamento
histórico das idéias, que Aristóteles, no
começo de uma série de regras para se formarem as definições (Top Z,
5), designa o gênero, incluído na definição, como o que é "por natureza
anterior e mais conhecido". Êle não é nunca um conceito lógico, mas
somente o eidos ontológico de Platão.
E quando Aristóteles afirma
que a definição deve, sempre, dar o mais alto gênero próximo imediato, está êle
de novo aqui a seguir Platão, que
acentuadamente insistiu em que, na διαρεσιζ,
nenhum membro deve ser omitido (cf. supra, pág. 135). Aristóteles apenas introduz, de novo, a diferença específica.

δδ) As categorias. — Mas o que é
propriamente aristotélico é a classificação dos conceitos. O nosso filósofo
acha que os conceitos, com cuja conexão formamos as proposições, podem, por sua
vez, entrar em grupos típicos. Levado por esta observação, Aristóteles constrói a primeira tábua
das categorias, que abrange 10 esquemas de formas de predicação. Pois os
nossos conceitos ou são designações de uma essência (substância) ou são aspectos
da quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, situação, estado, ação e.
paixão. Estas categorias, por sua vez, se repartem em dois grandes grupos. De
um lado, está a substância: o ser existente por si mesmo, e tendo, por isso,
uma certa independência. De outro lado estão os’ restantes nove esquemas,
chamados acidentes: o que pode acrescentar-se à substância como determinação
própria. Mas a divisão ainda continua. As determinações acidentais podem
convir, sempre e necessariamente, à essência de uma substância, e são os
próprios dela, p.ex., o poder o homem rir-se ou o ser a soma dos ângulos de um
triângulo igual a dois retos. Ou se trata de determinações na realidade existentes
numa substância, mas que lhe podem faltar; são os chamados, simplesmente,
acidentes. Certos dôres existem com uma certa probabilidade e regularidade;
p.ex., embora os homens nem sempre e necessariamente tragam suíças, na maior
parte dos casos porém o trazem. Mas há outras determinações que são, claro,
totalmente inesperadas; p.ex., se alguém, fazendo uma cova para nela depor uma
planta, acha, de repente, um tesouro, por puro acaso (Met. Δ, 30).
Mas com tais acontecimentos não se poderia formar nenhuma ciência. Entretanto,
pode o acidente da probabilidade encontrar uma aplicação científica, embora não
como ciência estrita. Pois a ciência propriamente dita se apóia em predicações,
que ou são próprias ou, em geral, de conteúdos essenciais. Como vemos, pois,
por aqui, por trás do interesse de Aristóteles,
pelo acidente, se oculta uma problemática teorético-científica. Mas Aristóteles vê nas categorias uns
elementos não somente lógicos, mas ontológicos. Também o ser mesmo é
hierarquizado como o prevê a tábua das categorias. Mas as suas categorias Aristóteles por certo as descobriu na
análise do juízo. São formas de predicação, como em Kant, o que se pode facilmente concluir de Phiys. A,
7; 190 a 34. Contrariamente ao que afirmou Kant,
não foram assim enumeradas simplesmente, e por acaso, como foram
encontradas; é o que se
pode ver por Phys. A, 7 e, do mesmo modo, Peri Herm. 19bl9ss.,
onde Aristóteles quis dar uma exaustiva
descrição das formas de predicação. Se, diferentemente de Kant, êle as considera também como
formas do ser (Met. A, 7), é porque Aristóteles
não duvida a respeito da possibilidade da metafísica, mas, com Parmênides, é de opinião de que
espírito e ser se correspondem. Que, porém, a metafísica, através das
categorias como formas de predicação, esteja em conexão cora o juízo, marcando
decisivamente o caráter da metafísica aristotélica, isto é pouco
observado por causa da desfiguração de sua imagem, por meio de representações
estóicas.

γ) O juízo. — Se dois
conceitos se unem para formarem uni enunciado concernente à realidade,
afirmando ou negando, temos então um juízo. Mas, por ser essencialmente um enunciado,
é a sede própria do verdadeiro ou do falso.

αα) Essência e espécies. — O
juízo se distingue, por aí, de outras conexões de conceito, como, p.ex., as que
aparecem no desejo ou na prece. E logo nos dá Aristóteles
uma descrição e divisão dos juízos. Há juízos afirmativos e negativos
(qualidade do juízo); universais, particulares e singulares (quantidade);
juízos contingentes, necessários ou possíveis (modalidade). Em conjunto com
esta matéria, Aristóteles se
ocupa particularmente com  a  convertibilidade  dos juízos.

ββ) Função do juízo.
Muito mais importante, porém, é a questão da função do juízo. Com ela
penetramos a fundo no âmago da Filosofia aristotélica. "O conceito enuncia
somente que alguma coisa existe; mas, o juízo científico, o conteúdo
real que se pode achar ou não num objeto" (Anal. post. B,3; 91 a1).
Assim
o juízo leva mais longe o processo do conhecimento, começado com o
conceito. O conteúdo da coisa, aqui considerado, não é outro senão os acidentes
já mencionados. É importante notar-se que eles mantém uma determinada relação
com a substância. Isto Aristóteles bem
o viu e, em conseqüência disso as dividiu. Por onde se nos mostra que, para
êle, o ser se ordena pelas suas conexões internas. Descobri-las é a função do
juízo científico. A ciência não é um monólogo do espírito fundado em certas
regras de jogo, como modernamente muitas vezes se concebeu, mas, o diálogo do
espírito com o mundo do ser, enfrentado por êle em plano de igualdade.

γγ) Que é a verdade?
A isto corresponde o conceito aristotélico de verdade. Tem um pronunciado
caráter objetivista. "A verdade consiste em dizer que o ser é e o não-ser
não é" (Met. T, 7; 1011b 27). "Tu não és branco porque assim o
pensamos. Mas, ao afirmarmos que és branco, dizemos a verdade, porque em
realidade tu o és" (Met. θ, 10; 1051b 7). A verdade não
depende, pois, de pontos de vista subjetivos, do crer ou do desejar, do útil ou
fecundo de uma teoria, nem do espírito do tempo nem do sangue ou da raça. 0
pensador antigo pode, sob o nome da verdade, apenas representar-se uma
proposição que reproduz a objetividade do real. O moderno psicologismo ou
pragmatismo seria possível para  a   sofistica,   não porém  para  Aristóteles.

δδ) Predicação lógica. — Mas,
como ficaremos então certos de possuir a verdade? O lugar por último citado nos
dá a possuir a chave da explicação: "Diz a verdade quem exprime como
separado o que é separado, e como unido o que está unido. E erro comete quem,
ao contrário, se coloca em oposição á realidade". Isto, implica a
definição do juízo como sendo uma conexão de conceitos. Mas o que decide sobre
a possibilidade dessa conexão — o conteúdo mesmo dos conceitos ou a
consideração da realidade? Os neo-escolásticos, que aderem conscientemente a Aristóteles, falam de uma convenientia
ou discrepantia conceptuum inter se e põem a essência do juízo na
opinião positiva ou negativa sobre a unibilidade dos conceitos. Parece isto
significar que só seria relevante o sentido do conceito., E então o juízo
consistiria em uma análise dos conceitos, e a decisão última proviria, não da
realidade, mas do princípio de identidade ou contradição. Segundo esta
concepção racionalista, compreende-se o juízo em Platão, onde a predicação, como E. Hoffmann bem acentuou, é dada com a μετηξιζ.
Aí a cúpula do juízo — é, significa simplesmente uma identidade do
conteúdo do juízo. Ora, Aristóteles (Met.
Θ 10) aponta claramente para a realidade. Também a conexão possível,
ou a possível separação dos conceitos, é considerada como dependente da
realidade, e não do sentido do conceito como tal. E assim Aristóteles se coloca numa posição
diferente da de Platão. Para o
último, o logos já é a realidade mesma (αυτα τα
πραγματα, assim se chamam as Idéias); e
então se pode decidir, de modo puramente racional e analítico, e do ponto de
vista do conteúdo do conceito, sobre a liabilidade ou não-liabilidade.   Mas Aristóteles, apelando do conceito para
a realidade, mostra claramente, na sua lógica, que quer trilhar caminho
diferente do de Platão. O logos
é assim, para êle, apenas meio de pensar, apenas via para a realidade, mas
não a realidade mesma.

εε) Sujeito do juízo. — Coisa diferente
se dá com o sujeito do juízo. Aristóteles
vê que a essência do juízo, como um enunciado, supõe, necessariamente,
um sujeito do qual se predica, mas que não pode ser predicado. Mas, que é o sujeito
de um juízo? É claro que é sempre algo de totalmente determinado, pois, de um
indeterminado não se pode fazer nenhuma predicação. Mas também não se pode
levar em conta um acidente, pois este supõe, para poder existir, uma
substância. Supõe então o juízo uma substância, a ουσια,
a "qüididade"…o το τι νη ειναι;
p.ex., τον ανθρωτω ειναι,
o ser ou qüididade do homem. Mas esta última afirmação nos deixa perplexos. Se
a qüididade, como sujeito do juízo, pode pertencer a uma determinada coisa — no
caso, o homem, é então aquele realmente um sujeito, último do qual só se pode
predicar, mas que, em si mesmo, não pode ser predicado? Pertence, pois, a um
dativo e é dele predicado; assim, p.ex., se digo que Calias é homem, a Galias
pertence o ser homem. Aristóteles explica-se,
recorrendo à distinção entre substância primeira e segunda. Só a substância
primeira é algo de singular, totalmente individual; este homem determinado, Calias
p.ex., e só êle é substância no sentido próprio, por não poder, de fato, ser
predicada, mas é, ao contrário, sujeito da predicação. Foi o juízo que o levou
a este conceito fundamental de toda a sua Filosofia; e isto nunca deveríamos
perder de vista, ao avaliar.o conceito aristotélico de substância (cf. Fis.
A, 7). A substância segunda é o que é comum a vários indivíduos; é a
espécie, a essência específica, p.ex.., o homem em geral, que pode também ser
predicada. Mas agora poderíamos esperar que Aristóteles
declarasse a oíioía, no sentido de substância primeira, como o sujeito
ideal do juízo. Tal, porém, com surpresa nossa, não se dá, pois é a substância
segunda, no sentido da essência específica, que Aristóteles considera como o sujeito do juízo científico.
Paga assim o seu tributo ao modo platônico de pensar. Pois, embora, de acordo com
a sua própria Filosofia, a substância primeira seja a substância pura e
simples, e para êle tudo o que é individual ocupe o primeiro lugar, contudo vai
êle colocar a ciência onde Platão já
havia posto, no reino da essência universal. Pois, não obstante recusar Aristóteles o conceito do χοσμοζ
νοητοζ, é, entretanto, platônico a ponto de
considerar o universal como o objeto da ciência. A ciência não se ocupa com
Calias nem com nenhum outro indivíduo, mns com o homem como tal; assim, no
mais, o individual é algo de "inefável", i.é, não pode ser
definitivamente esgotado com idéias universais. Com isso Aristóteles deixa lugar para uma justa
valorização do indivíduo na sua singularidade irredutível.

δ) O silogismo. — A
doutrina do silogismo na sua forma ideal constitui o coração da lógica de Aristóteles. Os seus discípulos sempre
a consideraram uma obra-prima, e os séculos futuros usaram do silogismo com uma
habilidade acrobática.

αα) Lugar do silogismo na
lógica aristotélic
a. — Os adversários o depreciaram, como sendo uma logomaquia
e "dialética". Em todo o caso, Aristóteles
o desenvolve com particular sagacidade, descreve-o nas suas formas,
fixa-lhes as regras e sobretudo lhes indica as falhas típicas. Isso era
necessário, pois o silogismo é, para êle, o fundamento de todas as ciências.
Construir a ciência significa demonstrar, e o silogismo é a prova por
excelência.

ββ) Conceito e formas do silogismo —
"O silogismo é uma conexão de idéias na qual, sendo posta uma coisa,
segue-se necessariamente outra, distinta, por força da posição anterior" (Anal.
pr.
A, 1; 24 b 18). O que aqui é pressuposto são duas proposições, as
chamadas premissas, a saber, a maior 9 a menor. O que resulta delas,
simplesmente por serem postas, é a conclusão, conclusio. Nestas
proposições aparecem, ao todo, três termos, nem mais nem menos: o maior, o
médio e o menor. O médio é a alma do silogismo: liga a maior à menor, donde
resulta a conclusão das premissas. Como isto se dá, imediatamente o veremos, ao
considerarmos as três figuras do silogismo. Aristóteles
se mostra, por aqui, ainda uma vez o anatomista do espírito, estudando e
descrevendo as operações do pensamento nas suas formas fundamentais.

A primeira figura tem a seguinte forma:
"Se dois conceitos estão numa relação tal, que o último está ou não contido
em todo o médio e o médio em todo o primeiro, resulta, necessariamente»
de ambos os conceitos extremos uma. conclusão perfeita" (Anal. pr. A,
4). Exprimindo simbolicamente: A é predicado de todo B; B é predicado de todo
C; logo e necessariamente, A é predicado de todo C. Se A é predicado de B, B
cai sob o âmbito de A (se todos os homens são mortais, o conceito homem cai
sob o âmbito do conceito mortal) ; como B é predicado de C, cai C sob o
âmbito de B e portanto também sob o de A; isto resulta simplesmente da relação
mútua dos conceitos, e isso necessariamente. Ne.sta primeira figura, o termo
médio (B esta no meio, na definição de Aristóteles)
é sujeito da maior (B é A) e predicado da menor (C é B). Mas, se
lhe mudarmos a posição, de modo que êle, ambas as vezes, seja predicado da
maior e da menor, então teremos a segunda figura. E se fõr. as duas vezes,
sujeito, tanto da maior como da menor, teremos então a terceira figura. Para
cada figura hâ ainda quatro variantes, os chamados modi, relativamente
à quantidade e à qualidade das premissas. Pode-se saber quais são, em.qualquer
lógica sistemática, pois sempre a teoria do silogismo é exposta conforme Aristóteles a ensinou.

O silogismo é sempre dedução:
derivar o particular do geral. Mas Aristóteles
também conhece a indução: derivar o geral de casos particulares, Ele
dá também a esta derivação a forma de silogismo, embora, na realidade, só o
seja na forma. Se o universal é tirado da. consideração de todos os casos
particulares, temos então o que Aristóteles
chama indução (επαγωνη) ; mas, se
não se tomaram em consideração todos os casos, chama-se então isso o silogismo
paradigmático (Anal. pr. B, 231). Como ulteriores formas de silogismo,
Aristóteles conheceu: os indícios
(entimena), se de um sinal concluímos o que está ligado a um certo estado de
coisas (ibid. 27); o raciocínio provável (ειχοζ), se
proposições apenas prováveis constituem o fundo do raciocínio; a  ενστασιζ.
quando uma premissa se opõe à outra (ibid, 26); além disso, o dialético,
também chamado epiquerema, no qual, em lugar de uma necessidade lógica, estão
as opiniões dos entendidos na matéria (ενδοξα)
; o retórico, que tem por fim apenas persuadir; o erístíco, que se
apoia em fundamentos apenas pressupostos e, por isso, constitui de ordinário
um raciocínio sofistico. A atenção dominante de Aristóteles se concentra na questão de saber se o silogismo é
um processo científico ou não. Científico é somente o silogismo demonstrativo,
que implica  uma  conseqüência  logicamente  necessária   (silogismo apodítico);
6 o silogismo por excelência. Apóia-se no pressuposto de serem certas as
proposições que lhe servem de fundamento. Como logo o veremos. Mas em toda uma
série de certas formas silogísticas, supra-citadas, esse pressuposto não
se dá.

γγ) O sentido do
silogismo.
— Onde está a fôrça própria do silogismo, o seu poder ilativo, a sua
chamada cogência? Nisto, diz Aristóteles,
que o último termo está contido no médio e este, no primeiro; donde
resulta a conseqüência do último, em dependência do primeiro. Assim, se é
concludente o silogismo — todos os homens são mortais; Sócrates é homem; portanto é mortal — é porque o ser de Sócrates está incluído no ser humano,
está posto com êle. Fundamentar é, pois, ver no fundamento mesmo o que se quer
fundamentar; se idêntico com êle ou incluído no seu âmbito, isso é afinal o
mesmo.

 

δδ) Silogismo aristotélico
e dialética platônica.
— É de importância essencial tenhamos compreensão clara
sobre o modo de raciocinar no caso vertente. Se tivermos bem clara diante dos
olhos a explicação da primeira figura silogística, à qual Aristóteles reduz todas as outras — o
termo menor contido no médio e o médio no maior, então, irresistivelmente, nos
vem à memória a dialética platônica, que também joga com a idéia da μεθεχιζ.
Pois o ειδοζ inferior está contido no superior e dele
resulta porque nele estava posto. Por isso, Platão denomina também ao ειδοζ
hipótese, terminologia que Aristóteles reproduz
literalmente (Anal. pr. A, 1; 24 b 10). O silogismo aristotélico é a
dialética platônica. Se assim não o compreendermos, fica êle então sem sentido,
pois seria a coisa mais supérflua do inundo "deduzir", da proposição
universal, de que todos os homens são mortais, que Sócrates é mortal. Pois isto já não está suposto quando
afirmo, em geral, que todos os homens são mortais? Que há aí a deduzir? E isso
sem levar em conta que, se se quiser afirmar a proposição, de que todos os
homens são mortais, já devo, previamente, saber que Sócrates é mortal. Mas se, como o faz Platão, apreendo todo particular em dependência de uma idéia
mais alta, se esta não é deduzida daquela, mas aquela desta, então há um
sentido em ver "fundado" nas premissas o que nelas está incluído.   O
silogismo aristotélico faz, assim, parte da metafísica, e não é um jogo conceptual de xadrez,
como às vezes o pintam os livros de lógica.

εε) Da essência do fundamento. — "o que é por natureza,
primeiro e mais conhecido". — Isto ainda o compreenderemos melhor se
indagarmos sobre o significado da expressão "logicamente primeiro",
ou sobre o "fundamento lógico", de que tanto se fala em toda ciência.
Fundamento lógico é prova, diz-se; ora, a prova supõe o logicamente anterior,
as premissas, mediante as quais algo de ulterior será estabelecido. Esta
concepção é, de fato, lógica puramente aristotélica. O que tem anterioridade
lógica denomina ela — προτερον χαι
γνωοσιμωτερον
(σαφεστερον), προτερον
τη
φυσει ou προτερον
ατωοζ. Distingue-o do προτερον  τροζ
εμαζ e ensina: o que para nós, i.é, para o nosso
conhecimento, tem prioridade é sempre o particular concreto, de que temos
informação pelos sentidos. Ao contrário, o que tem prioridade, por natureza, ou
absolutamente falando, isso também é o mais conhecido, é o universal, que,
contudo, para o nosso conhecimento, só vem posteriormente, pois o que nós
conhecemos antes de tudo, para Aristóteles,
é o individual (Top. Z. 4; Phys., A, 1; Anal. pr. B,
23; Anal post. A, 2). A lógica moderna explica isto dizendo: o universal
vem primeiro, no sentido da fundamentação lógica. Mas que significa
"logicamente anterior"? Se, na verdade, todo conhecimento parte do
particular e do sensível, tem algum sentido chamar anterior ao universal? e não
será ainda mais sem sentido chamar-lhe o mais conhecido ou o mais certo? Isto
só é exato no campo da epistemologia platônica, segundo a qual cada Idéia é
anterior e mais conhecida,’ relativamente ao que dela participa. Mas também
para Aristóteles o que, por
natureza, tem prior idade e é sempre o mais conhecido é a idéia universal ou o το
τι ην ειναι, (Trop Z, 4;
141b 22ss., Met. Z,3; 1029 a 29 ss). Na sua doutrina do fundamento e da
prova ainda é de todo platônico o seu pensamento. O lugar clássico, nesta
matéria, é Anal. post. A, 2; 72a25-b4, onde declara: é o mais
conhecido o que torna um outro ser o que ele é, assim como aquilo que é mais φιλον
torna φιλον outro φιλον.
E Met.  Δ, 11; 1019 a 2 ss. se diz diretamente que a questão do
que tem prioridade, por natureza, é terminologia platônica. Com esta realidade
metafísica também Aristóteles "fundamenta".
"Conceitos" não são fundamentos porque, sempre e a cada respeito,
vêm em segundo lugar;  só o ser é fundamento na medida  em  que é fundamento,
hipótese, no espírito da dialética platônica. Se a anteríoridade lógica deve
ter um sentido, só será assim. Não é difícil descobrir-se na silogística
aristotélica declarações sobre as implicações de conceitos e proposições, e,
então, reclamar–se de Aristóteles como
inspirador de uma lógica puramente formal, ou, na linguagem moderna,
naturalmente, formalística e logística. Mas essas expressões têm um fundamento
ontológico. Não o perceber é apreender, apenas em parte, o pensamento de Aristóteles. E o quanto o "mais
conhecido*’ é tal, em razão de uma dignidade ontológica, mostra-o, em
realidade, em suas fontes primitivas, o Protrépticos. Aí se diz: O
anterior é mais conhecido que o posterior, e o que é, por natureza, melhor, do
que o menos bom; pois o homem obtém melhor conhecimento daquilo que é mais
determinado e melhor ordenado, do que do seu contrário, e melhor conhecemos a
própria coisa fundamental, do que o que dela é resultante. Mais determinado e
ordenado é o bem. do que o mal. E também o mais anterior é mais causa do que o
posterior, e, se suprimirmos aquele, também será supresso tudo o que nele
encontra apoio para o seu ser (frg. 5  eo s). Mas não era só nos primeiros
tempos que Aristóteles assim
pensava; e na Met. Z, 6 trilha o mesmo caminho, e até mesmo os exemplos
são de Platão. O tema aqui
imediatamente versado é inteiramente paralelo, a saber, a relação entre o
universal e o particular. E neste assunto Aristóteles
se decide pela idéia de que o universal, como tal, é que torna ser o
particular. "Que não se desconheça o sentido profundamente platônico desse
pensamento! Se algo é bom, é porque o ser bom, como tal, se realiza no bem
particular. Só pelo universal é que o particular recebe a sua determinação. A
idéia de metlhexis!" (M. Wündt).
E Aristóteles conhece
muito bem a sua proximidade de Platão, nesse
ponto, pois afirma que esta afirmação é válida, mesmo que não houvesse idéias,
e, contudo, mais ainda, dado que elas existam (1031 b 14). O que êle polemiza,
é sempre contra a concepção de uma idéia separada. Mas, como o sabemos, o
"chorismos" platônico significa, para Platão, uma "separação" bem determinada, e não uma
separação absoluta. A idéia tem uma super-existência, é algo de por-si-mesmo
subsistente e existe, pois, no particular, "é", mesmo, o ser
particular. A mesma relação ontológica existe nas proposições do silogismo. O
silogismo é uma metexis. e nela se radica também o seu fundamento e a
prova, e não na simples conexão "lógica" das proposições.

b)    Da essência e
origem do saber

Como o silogismo aristotélico
parte sempre de pressupostos, surge, naturalmente, a questão da origem do
nosso conhecimento, pois precisamos saber donde procedem as proposições
antecedentes, as premissas, pois disso depende a certeza delas e do silogismo.
E como, para Aristóteles, a
finalidade do silogismo é a ciência, da qual constitui a estrutura interna,
esta questão é, antes de tudo, uma questão que versa sobre a essência e a
origem do conhecimento científico.

α) Da essência da
ciência.
— Duas condições são de uma importância essencial para a ciência,
segundo Aristóteles: o ser um
conhecimento fundado em princípios e o terem as suas proposições um conteúdo
real de estrita necessidade, portanto, imutável  (Anal, post.  A,  2).

αα) Fundamentos e conteúdos
científicos necessários
. — Ora, exatamente essas duas condições o silogismo
satisfaz. "Já que aquilo de que temos ciência certa não pode ser de
maneira diferente daquela por que é conhecido, forçosamente será algo de
necessário o que conhecemos com ciência apodítica. Ora, apodítico é o
saber resultante de provas. E, portanto, é a prova um silogismo que conclui, partindo
de dados necessários" (Anal. post. A, 4). Mas os nexos reais, que
não podem ser de outra maneira, são fornecidos com a essência, o em-si-mesmo
das coisas. Pois, ou são conteúdos essenciais ou, pelo menos, próprios. Donde
vir a ser o silogismo e, por conseguinte, toda ciência, pára Aristóteles, senão a análise da
essência: "Se a ciência apodítica provém de princípios necessários. .. e
necessário é o que convém às coisas em si mesmas… vê-se que a conclusão
científica resulta desses conteúdos essenciais" (Anal. post. A,
6). Fundamento e ponto de partida da ciência estrita é, por isso e sempre, o
conhecimento da essência. E nela temos também o conhecimento pelo fundamento!
"Por isso dizemos: saber "o que é" é o mesmo que saber o
"porquê é" (Anal. post. B, 2; 90 a 31). E daí o conhecimento
da essência sobrepujar de muito o conhecimento do simples fato. A demonstração
propriamente científica é sempre uma demonstração pela essência (demonstratio
propter quid),
i. é, o conhecimento do porquê  (διοτι)  
dado com a essência, e não um apelo, ao que (οτι) do fato puro e simples (demonstratio
quia).
Entende-se assim, por si mesma, a importância capital do silogismo
na teoria aristotélica da ciência. Km Anal. post. B, 1 lê-se: As quatro
questões — quia (quê), quare (porquê), an est (se é) e quid
est
(quê é?) — vêm, sempre, afinal a se reduzirem a duas: se há um conceito
médio e qual seja êle". Pois o fundamento nos é dado com o termo médio e é
êle o que procuramos. É muito significativo, na concepção aristotélica cie
ciência, o fato de ter nela mais importância o quid do que o quia. A
ciência pretendida por Aristóteles é
a análise da essência, e, nesta forma de racionalismo, vemos manifestar-se de
novo um aspecto do platonismo; pois só na Idéia já está contida, com o quid,
toda a realidade. E isto não somente nos Analíticos, que possivelmente
pertencem aos primeiros escritos de Aristóteles,
mas também nas obras posteriores, como na Met.. E e Z (1025 b 17;
1041 a 27) e no De An, B413a l3ss.). O falar-se sempre em Aristóteles  como  empírico  não  deve
perder isto  de vista.

ββ) θεορια
τηζ αλεθειαζ
. — O
que os modernos frisaram, talvez em primeiro lugar, na concepção aristotélica
da ciência, é o fato de, para Aristóteles,
a ciência ter, unicamente, como fim o saber e a verdade, i. é, ela tem
o .seu fim em si mesma, sem servir a nenhuma utilidade. Finalidades desta ordem
visam a τηχνη, a εμτελρια,
a φρονησιζ (Mt. A, 1; Et.
Nic.
Z, 3-8; Pol. A, 11). Mas a pura ciência, sobretudo sob o aspecto
de Filosofia, caso ideal do saber, é sempre pura e teórica contemplação da
verdade, é autárquica, como diz em Et. Nic. K, 7, onde entoa o hino sublime da contemplação filosófica da verdade, exaltando-a, sobretudo, por
essa renúncia a toda finalidade utilitária. Ela é, por isso, também um sinal
da pura liberdade humana; é mesmo algo de divino e de infinitamente
beatificante. Mas isto tudo, para o estagirita, é evidente. Muito mais
importante é vermos que, para êle, a ciência é, essencialmente, quer como επιστημη,
como νουζ ou como σοφια,
sempre uma penetração no íntimo real da essência: análise, dedução, intuição;
"intuição da essência"’, no sentido antigo. Este o sentido da sua
doutrina: a ciência é, no fundo, o silogismo, uma "atividade fundamentadora
do espírito" (εξιζ αποδειχτικη),
scientia argumentativa), como costuma êle chamar-lhe  (Et. Nic. Z,
7,1139 b 31).

 

β) "Princípios" do saber. — Mas como fixamos as essências
analisadas pela ciência? Esta é a questão decisiva que logo emerge, quando se
quer construir todo o edifício da ciência sobre as premissas do silogismo.
Poderíamos, naturalmente, tentar deduzir, de novo, silogisticamente, as premissas,
sejam elas simples conceitos ou proposições; e, por sua vez, fazer o mesmo com
as premissas das provas, e assim por diante, sempre. Isso conduziria a um regressus
in infinitum.
Mas isso Aristóteles não
admite, porque então não haveria nenhuma ciência realmente fundada. Êle
estabelece certos princípios evidentes, primeiros, imediatos, que constituem o
fundamento de todas as demonstrações, mas que não são susceptíveis de nenhuma:
"A ciência apodítica deve provir, como fundamentos do raciocínio, de
princípios verdadeiros, primeiros, imediatos, mais conhecidos e anteriores” (Anal.
post.
A, 2; 71 b 20). A. escolástica medieval os denominou principia per
se nota.
Com eles Aristóteles está,
de novo, totalmente no seu elemento. Pode descrever e classificar. A. situação
mais favorável seria, naturalmente, nessas circunstâncias, se Aristóteles pudesse, subseqüentemente,
como mais tarde os teólogos cristãos, apegar-se a conceitos ou princípios
revelados. Então estaria perfeita a sciencia argumentativa. Bastaria
então, com o auxílio da técnica silogística, analisar uma ideologia de outro
modo fundamentada, absolutamente, para ler nela e poder aproximá-la do
entendimento. Seria isso crença, mas também ciência e ciência
"fundada". Ou se Aristóteles, como
Platão, pudesse pressupor
conteúdos científicos a priori;. isso viria a dar praticamente no mesmo.
Então teria a dialética que começar apenas a sua tarefa. Mas aquele primeiro
pressuposto (revelação) ainda não existe para Aristóteles;
e o segundo, êle o superou. Tem, pois, que prover de outro modo, esses
primeiros princípios. E assim estabelece êle a existência de vários princípios
da ciência. Por um lado, temos princípios puramente formais e, de fato,
evidentes por si mesmos, sem nenhuma necessidade de demonstração — os chamados
axiomas. Não são susceptíveis de prova, porque qualquer prova teria que começar
apoiando-se neles. Eles ocorrem particularmente na matemática. O mais
universal axioma é o princípio de contradição: "é impossível o mesmo
convir e não convir ao mesmo, em idêntico ponto de vista". Afim deste é o
princípio do terceiro excluso: entre os dois termos de uma contradição não há
um terceiro termo", Mas com estes princípios, puramente formais, não vamos
muito longe.    Precisamos, na ciência, pontos de partida materiais.    Tais
são os postulados: proposições sobre cujo conteúdo de verdade não se pode imediatamente
nada decidir, mas que se supõe numa demonstra ção, a ver se eles se mantém ou
não.    Depois as hipóteses proposições que se pronunciam, a modo de tentativa,
sobre a realidade.   Mas os princípios materiais por excelência são as
definições: expressões da essência das coisas.   São elas o fundamento próprio 
do  conhecimento  silogístico.   "No  silogismo" a essência é a
origem de tudo".   (Met. Z, 9; 1034 a 31),   Ainda uma vez, isto
tem um sabor nitidamente platônico.    Mas, como podemos chegar a conhecer a
essência?    Donde nasce o nosso conhecimento do homem, da vida, da alma?

γ)   Da origem do conhecimento em geral. — E assim
chegamos à questão da origem do nosso conhecimento em geral. E agora parece Aristóteles separar-se de
Platão, para  quem os conceitos
da essência são a priori    O universal é  anterior ao particular, 
pois  este é  primeiramente apreendido o compreendido por aquele.    Ao passo
que, para Aristóteles, o particular 
é  o primeiro objeto do conhecimento humano,  sendo por êle que chegamos ao
universal.    Os. conceitos e as definições são, com justeza, os princípios do
conhecimento silogístico,    Mas não é a fonte última desse conhecimento; esta
é, antes, a experiência: "é claro que o objeto primário do nosso
conhecimento é dado pela experiência (επαγωνη)"
(Anal. post.
B, 19); 100b 4).    Ou:   "O universal resulta sempre das
coisas particulares"’   (Et. Nic. Z, 12;  1143 b 4).

αα)   Percepção  sensível.  — Todo 
conhecimento  depondo, para Aristóteles,
da percepção sensível.    Nada há no espírito que  nele  não  haja 
penetrado  por   intermédio  dos   sentidos. (Do mem. 449b30; De an. 431
a 14).   Isto, na verdade, já Platão o
tinha dito.    Mas, na Idade-Média, era comum  afirmar que Aristóteles  partia  da percepção
sensível,   ao passo que Platão, das
idéias inatas, ao explicar a origem do nosso conhecimento.   E desde que Leibniz atribuiu a Locke o princípio de que "nada
está no espírito, e que não lhe tenha vindo por meio dos
sentidos",   identificando-o  com  a  doutrina  aristotélica, e, por outro
lado, identificou com a teoria da   reminiscência a sua tese da "mônada
sem janelas", ficou sendo de todo assente que o pressuposto da percepção
sensível é, especificamente, aristotélico.    "Como, nota êle
expressamente contra
Platão, se desde o princípio lhe
é inato o mais alto saber, ficaria este fato oculto ao nosso espírito?! (Met.
A,9;933 a 1). Por isso todos os seres vivos são providos dos órgãos dos
sentidos. Faltando um sentido, faltam também os conhecimentos correspondentes.
O cego, p.ex., não tem nenhum conhecimento da côr. Assim tem Aristóteles, como estabelecido, que
todo conhecimento tem a sua origem na sensibilidade. Por aí também ele
reabilita, contra a crítica de Platão, o
conhecimento sensível. Este não é tão inseguro como o pretendia O seu
mestre. Ao contrário, cada sentido é sempre verdadeiro, quando se encerra
dentro dos seus limites próprios, íÉ só pelo juízo, quando aplica os dados
sensíveis a determinados objetos,  que nasce o erro.

A percepção sensível confere sempre à
alma o conhecimento de uma forma. Esta está, na verdade, incluída no mundo
corpóreo sensível, mas dele pode ser extraída de novo, como forma pura, pela
percepção sensível. Assim, a forma pura" de um carimbo pode ser impressa
na cera sem a matéria dele, ouro ou prata. Desse modo, já a alma possui um primeiro
gênero de universal — a forma sensível como tal, ειδοζ
αισθητον, a chamada species sensibllis dos latinos (De
an.,
B, 12; Anal, post. B, 19). Mas trata-se aqui sempre de
representações sensíveis, de fantasmas. Se um grupo de tais fantasmas de uma
mesma espécie se reúnem na nossa memória, formamos, então, representações de
mais elevada universalidade. Assim, obte-mos, primeiro, a representação de um
determinado animal, p. ex., um cavalo, que já. é algo de universal. Se várias
representações dessa espécie se reunirem — de cavalo, de leão, de lobo, darão
lugar, então, à representação de animal em geral. Esta representação já alcançou porém um tão alto grau de universalidade, que ela se
aproxima, de todo, do conceito, sempre universal, e pode conduzir a êle. Por
isso se chama agora  ειδοζ επιστετον
(species intelligibilis)
; mas, na sua essência, é ainda representação
sensível e tem a sua sede numa faculdade da alma inferior e mortal, o chamado
intelecto passivo (νουζ παθηχιοζ,
intellectus passivus).

ββ) O conhecimento supra-sensível.— Desta representação se apodera agora o "intelecto ativo" (νουζ
ποιητικοζ, como mais tarde lhe
chamou Alexandre de Afrodísia) e
dela extrai a essência conceptual, ideal. Esta já estava potencialmente no
fantasma.   Mas, por obra da atividade operante e criadora do voííç,
atualiza-se o que, até aqui, era potencial. Certo, o νουζ
nunca pensa sem os fantasmas; mas, é só por obra inteiramente sua, em
conseqüência da sua atividade, que êle faz a qüididade tornar-se atualmente
consciente ao espírito. Assim o artista, com a sua atividade, atualiza o que
estava potencialmente na matéria; ou a luz torna visíveis as cores. Donde segue
que o νουζ, que forma o conceito supra-sensível, é um
princípio criador e produtor da qüididade essencial, e isto por virtude
própria, e não por qualquer influência determinante dos fantasmas, que são de
natureza material. Pois esse voííç é "puro, separado, não susceptível de
qualquer influência, e ativo", por sua essência, ftsse intelecto ativo é
assim algo de eterno e imortal (De an. Γ, 5).

γγ) Abstração ou
intuição da essência?.
— Aristóteles
já usara da palavra abstração (αφελειν)
para explicar o nascimento da species intelligibilis, das species
sensibiles.
E também aqui, a propósito da atividade do νουζ,
fala-se de novo de uma "capacidade abstrativa" do νουζ,
interpretando-se assim a aparição do conceito supra-sensível. De fato há, neste
processo, uma seleção e uma extração. Mas que espécie de abstração é esta? Melhor
se lhe entenderá o essencial comparando-a com a abstração moderna, em Locke e Hume. Para estes, o conceito não é senão a representação
sensível do universal. É um valor médio, resultado lento de uma soma de
sensações, por prescindirmos das diferenças individuais, conservando apenas o
típico. A. abstração significa, aqui, um processo puramente psicológico,
expressivo apenas da evolução das representações como tais. O
"conceito" somente reúne as representações, nada exprimindo porém da
estrutura do ser. Substâncias ou qüididades são, pois, incognoscíveis. Na
abstração aristotélica, porém, é imediatamente atingida a estrutura ideal do
ser ειδοζ e μορφη. O conceito
é λογοζ τηζ ουσιαζ.
A volta da segunda para a primeira substância não implica nenhum nominalismo. O
eidos permanece um γνωριμωτερον
 e, como tal, um προτερον
τη φυσει, que é diretamente atingido
pelo νουζ  (θιγειν). Donde
ser possível uma metafísica para Aristóteles,
mas não para Locke e Hume. Na abstração aristotélica, além
disso, o conceito não se forma no decurso de um processo psicológico, pela
fusão, refinamento ou simplificação de representações, mas pela exibição de
algo de ôntico, acabado em si, possivelmente resultante de uma única percepção
sensível; pois o universal é captado não por comparação,
mas em conseqüência de uma "iluminação". A essência universal se
ilumina, submetida à atividade do νουζ, como as cores, sob
a incidência da luz. For isso não se deveria mais falar irrestritamente em abstração. A abstração aristotélica é visão da qüididade, abstração no sentido intuitivo.
Mas, antes de tudo, e como para Platão, o
conhecimento sensível não desempenha aqui nenhum papel causai, eficiente. E
apenas causa material e, por isso, não pode, de modo nenhum, atuar sobre o νουζ.
Embora deficientes os dados do De an. Γ, 5 sobre o intelecto ativo,
resulta contudo claro daí que êle é, ao lado do conhecimento sensível,
"inmisto, e ininfluível (αμιγηζ, απαθηζ).
Tem uma atividade própria e criadora como o artista em relação ao seu
material. E exatamente por aí se revela o íntimo parentesco da concepção aristotélica
sobre a origem do conhecimento, com Platão.
Também para este, a Idéia não é nenhum produto da sensibilidade, mas
lhe é essencialmente anterior. O νουζ aristotélico envolve
o apriorismo platônico. Nada de novo há em dizer êle que a experiência sensível
fornece o material, pois Platão também
se apóia nos sentidos. Mas quando, neste ponto, Aristóteles polemiza com Platão,
devemos notar que a sua polêmica corre, no mais das vezes, sobre
questões laterais, pois, no fundo, está de acordo com o mestre.

δδ) Aristóteles como empírico.
Mas, em outro sentido, se justifica o ser êle designado como empírico,
comparado com Platão. Não quanto
ao princípio, no concernente á origem do conhecimento geral; pois aí é
racionalista. Mas num ponto de vista prático-metódico. Sob este aspecto,
apóia-se êle na experiência, muito mais largamente que Platão. O último é, antes, espírito especulativo-sintético;
ao passo que Aristóteles organiza
formalmente a. indagação dos casos particulares, colige o faz coligir
observações, mantém-se em contato contínuo com as opiniões alheias e lança as
suas aporias, para registrar, ao máximo, a experiência. Isto particularmente
se vê na sua História dos Animais, onde as suas observações ainda hoje acham
aceitação; e na sua coleção das constituições dos Estados assim como na de
documentos para a história do espírito e da cultura. Desce então a minúcias,
estende-se no seu exame e ama o concreto, enquanto que Platão considera, primeiro, as grandes idéias gerais, à cuja
luz interpreta os casos particulares.

 

c)    Bibliografia

A. Trendelenburg, Geschichte der
Kategorien
— História das Categorias (1840 — Hist. Beitr. zur Philos. I) ; C. Prantl, Ge schichte der
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A. Trendelenburg, Logices
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(1868) ; H. Maier, Die
Syllogistik des Aristoteles,
2 Bde. (1896 bis 1900, reimpressão 1936) ; J.
Geyser, Die Mrkeiintnistheorie
des Aristóteles
— A Teoria do Conhecimento, de Aristóteles (1917) ; K. v. Fkitz, Der Ürsprung der
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— A Origem da doutrina aristoté-lica sobre
as Categorias. Archiv fuer Geschiclite der Philosophie, 44 (1931) : A. Becker, Die arístotelische Theorie
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— Teoria Arisfotêliea das Possibilidades do
Raciocínio (1933) ; M. de Corte, La
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(Paris 193-1); F. Solmsen, Die Entwieklung der
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Retórica Aristotélica (1930) ; N. Hartmann, Aristoteles und das Problem dos Begriffes — Aristóteles e o
Problema do Conceito (1939 agora em Kleinere Schr. II) ; W. D. Ross, Aristotle’s
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(Oxford
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Edição de E.
Barbotin (Paris) 1953). .T. Lukasiewicz, Aristotle’s Syllogistic (Oxford, 1954) ; B. W. Platzeck, Von der Analogie
zum Syllogismus
(1954) ; G. Colli, Organon.
Introduzione, traduzione e note (Torino 1955) ; C. A. Viano, La lógica di Aristotele (Torino
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(1956) ; C. A. ViANO, La dialettica in Aristotele. Rivista di
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49 (1958) ; G. Patzig. Die
aristote-ische  Syllogistik  
(1959).

Fonte: Ed Herder, 1969.

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