AS GUERRAS DE RELIGIÃO E A LUTA PELA HEGEMONIA EUROPÉIA

História da Civilização – Manoel de Oliveira Lima

Idade Moderna. -CAPÍTULO II

AS GUERRAS DE RELIGIÃO E A LUTA PELA HEGEMONIA EUROPÉIA

O papel da Espanha. Ortodoxia e absolutismo

Se a guarda da ortodoxia católica coube à coroa espanhola, especialmente aos Filipes e mais que tudo a Filipe II em comparação com seu pai, era porque Carlos V tinha seu interesse posto em assuntos em demasia variados e o Estado da Alemanha lhe aconselhava certas contemporizações, ao passo que a Espanha podia permanecer alheia a esse gênero de considerações. O professor Altamira íêz uma observação conceituosa quando escreveu que a classe média espanhola, na qual se recrutavam os letrados e os jurisconsultos, que nas universidades aprendiam as doutrinas cesaristas bebidas no direito romano, desejava que um poder forte pusesse ordem na administração. Era pois um elemento de antemão ganho ao absolutismo, tanto mais quanto aquela classe média se achava politicamente quebrantada pelas lutas internas das comunas.

A revolução dos comuneros

Disto se valeram os reis, deixando de outorgar forais e intervindo cada vez mais no regime municipal, mediante leis e ordenações novas, nomeações de delegados e oficiais de real patente e substituição dos antigos cargos da edilidade, que eram efetivos, por outros vitalícios ou hereditários e de nomeação régia. Em toda a península Ibérica foi a coroa prescindindo das cortes, cujo último protesto foi a revolução dos comuneros, com um programa compreendendo que os procuradores ou deputados a cortes não pudessem receber mercê alguma do rei; que as cortes e o conselho real elegessem os regentes do reino e tutores do rei; que não houvesse nas vilas corregedores nomeados pelo monarca, mas sim alcaides propostos em lista tríplice pelos homens bons dos conselhos; que não se alienassem bens públicos, nem se aumentassem os antigos cadastros para pagamento dos tributos; que sem consentimento das cortes e exposição perante elas das razões e gastos prováveis, não pudesse o rei fazer guerra; finalmente que as cortes se reunissem por sua própria iniciativa cada três anos.

As campanhas de Carlos V

Carlos V, tendo debelado esta revolução, ficara mais desembaraçado para a sua luta com Francisco I. Foram quatro as guerras entre os dois soberanos. A primeira ocorreu no solo italiano e foi uma verdadeira praga para o renascimento intelectual e artístico que ali se encontrava por esse tempo em plena florescência. Dizem os historiadores franceses que a mentalidade e o gosto do seu país lucraram com essa aproximação, da qual derivou educação, e pelo conduto francês vieram a aproveitar outras terras. Na batalha de Pavia (1525), que marcou o fim da influência política francesa na Itália, foi Francisco I feito prisioneiro e como tal levado para Madrid, concedendo-lhe Carlos V a liberdade em troca da renúncia das pretensões daquele soberano à Itália e da sua promessa de entregar o ducado de Borgonha a que Carlos V se julgava com fundado direito, havendo seu avô, o imperador Maximiliano, desposado Maria de Borgonha, filha de Carlos, o Temerário.

Expedição de Tunis

A falta e cumprimento das promessas francesas originou uma nova guerra (1527-1529) em que as forças de Francisco I, auxiliadas pelo papa e por Henrique VIII, penetraram de novo na Itália, sendo batidas e firmando-se o tratado de Cambray. A terceira guerra veio logo depois, em 1535. Esgotados porém em três anos os contendores, celebrou-se uma trégua de dez anos pela mediação da Santa Sé. Antes de passada metade do tempo, recomeçaram contudo as hostilidades: foi nesta quarta guerra que Francisco I se aliou ao sultão da Turquia e a alguns príncipes protestantes da Alemanha. Desta vez Henrique VIII pelejava com Carlos V e a França foi invadida por tropas dos dois monarcas, assinando-se em 1544 a paz de Crespy.Como se não bastasse tão incessante batalhar no continente europeu, o imperador foi atacar Túnis, expedição com que porventura procurou resgatar sua aparente tibieza no lidar com o protestantismo. Esta nova cruzada contra os infiéis foi todavia mais do que uma simples bravata de príncipe católico. A cizânia entre os soberanos cristãos, assinalada pelas lutas contínuas entre a França e a Casa d’Áustria, não produzira apenas o fortalecimento do luteranismo: permitiu o engrandecimento do poderio otomano, traduzido pela devastação da Hungria, a captura de Rodes e a quase transformação do Mediterrâneo num lago turco.

Os mouros

Neste capítulo coube a Filipe II glória maior que a seu pai. No seu afã de universalizar de verdade a fé católica, o rei da Espanha não se contentou com perseguir os mouros da Península, aos quais Fernando e Isabel tinham garantido direitos civis e liberdade religiosa, compromisso já traído pelo Imperador, quando os forçou à conversão, somente conseguindo tornar clandestina a prática do islamismo. Filipe II imaginou apagar por completo a luz da cultura árabe e o foco peninsular do berberismo, proibindo nos seus domínios o uso de vestimentas mouriscas e e outra língua que não a espanhola, e estatuindo uma cristianização à força, a qual provocou uma revolta infeliz. Os mouros foram então todos deportados para as províncias interiores, a fim de que sua presença nas regiões costeiras não animasse tentativas muçulmanas de desembarque, que achariam simpatias entre a população da mesma origem e fé.

Empenhado em humilhar o crescente, Filipe II mandou seu irmão D. João d’Áustria, filho natural de Carlos V, procurar no Mediterrâneo e dar combate à esquadra turca, que já se apossara de Chipre e ameaçava Malta, alarmando o cristianismo. A batalha teve lugar no Golfo de Lepanto, na costa ocidental da Grécia (1571), juntando-se às espanholas forças navais do papa e de Veneza. O triunfo foi grande para a cruz: a esquadra otomana foi quase toda destruída e o prestígio turco entrou aí a declinar, após quase mil anos de luta entre muçulmanos e cristãos.

Carlos V e o protestantismo

Carlos V pronunciara-se afinal não somente sem reservas mas com firmeza contra o protestantismo, influindo na sua atitude, a par das razões de consciência, motivos políticos. A Reforma, intencionalmente ou não, tendia a solapar a autoridade do trono juntamente com a do altar, e Carlos V entendia legar intato o seu mando absoluto, ao qual no entanto renunciou pessoalmente, abdicando a coroa neerlandesa em 1555 e a espanhola em 1556, após ter sofrido humilhações militares na campanha contra a liga reformada, na qual teve sucessivamente a seu favor e contra si Maurício da Saxônia. Quando este chefe militar voltou outra vez para os arraiais protestantes, os reveses das armas imperiais tornaram-se rápidos e Carlos V esteve a ponto de cair prisioneiro, do que se livrou galgando de liteira as montanhas do Tirol e refugiando-se em Viena junto de seu irmão o arquiduque Fernando, que veio a ser imperador e começou recebendo a parte hereditária do império, que era a Áustria com os Dutros domínios dos Habsburgos.

Como resultado dos seus reveses teve o imperador que aceder ao livre exercício da religião luterana pelo tratado de Passau (1552), que destruiu o efeito da vitória de Mühlberg. Três anos depois a Dieta de Augsburgo sancionava os princípios de mútua tolerância religiosa na Alemanha, ficando os príncipes com a liberdade de escolherem sua fé e dela fazerem a do seu povo. Os católicos apenas isistiram e obtiveram que os príncipes eclesiásticos, a saber, bispos abades, uma vez convertidos ao luteranismo, renunciassem às suas dignidades e réditos. Denominou-se esta cláusula, cujas repetidas violações fomentaram a guerra dos Trinta Anos, da reserva eclesiástica.

As Guerras de Religião

Também a atitude intransigente do concílio de Trento, aliás imposta pelos direitos inauferíveis da verdade, impossibilitou o restabeleci mento da harmonia e foi assim uma causa indireta dos cem anos de guerras religiosas, em que precederam a que deixou a Alemanha tão despovoada e arruinada, a prolongada revolta dos Países-Baixos contra a autoridade espanhola e as sanguinárias lutas huguenotes na França. As chamadas guerras de religião raramente se travaram contudo por um motivo religioso, ou melhor dito, este foi quase sem-pre o pretexto, achando-se a verdadeira razão em qualquer interesse mais positivo. A Inglaterra protestante, após ajudar a Holanda con-tra a Espanha, ligou-se à França católica para abater a Holanda quando o pavilhão neerlandês pareceu tremular com demasiada de-senvoltura nos mares vizinhos e nos longínquos, e quando fêz tré-guas, foi para se unir de novo à Holanda e à Suécia contra Luís XIV, que se tornara o rival mais para temer.

O papel político da Inglaterra

Pouco importaria à clássica defensora das liberdades políticas na sua terra que fosse republicana a Holanda e absolutista a França. Aliás nas lutas da Áustria contra os turcos, quando o Sacro Império Romano foi o grande baluarte da civilização cristã contra a arremetida islâmica, as simpatias dos v/higs, que eram os liberais ingleses, estavam com os turcos. As classes mercantis desejavam até ver Viena cair nas mãos dos muçulmanos, para que a Áustria se não tornasse uma grande potência balcânica, como já era uma grande potência central.

O proselitismo russo

Por sua vez, a Rússia, desde Pedro Magno, aspiraria à posse de Constantinopla, alegando proselitismo religioso, manifestando-se pela mística ambição de arrancar a basílica de Santa Sofia às mãos impuras dos infiéis e restituir-lhe a cruz de Constantino. De fato tal ambição era econômica e política, filha do impulso de expansão que caracterizou a Rússia imperial, procedendo pela incorporação de países e terras à sua desmarcada grandeza. A igreja ortodoxa, braço forte do governo, uma vez estabelecida no Bósforo, trataria de alargar a esfera russa tanto para o oriente como para o ocidente.

As grandes monarquias

No decorrer dos séculos XVI e XVII formaram-se na Europa poderosas monarquias que, por meio dos seus exércitos permanentes — exércitos dos reis, não mais dos vassalos —, foram chamando a si todas as liberdades e implantando o absolutismo, sob o pretexto de garantirem a ordem. As guerras tomaram então o caráter de dinásticas, identificando os povos seus monarcas com o Estado e o patriotismo com a lealdade aos soberanos.

Filipe II e seu caráter

Do mosteiro de Yuste, na Estremadura espanhola, onde Carlos V se recolheu mas não permaneceu inativo, saíram muitos conselhos de intransigência no tratamento da questão religiosa dirigidos a seu filho Filipe II, cujo reinado se estendeu até 1598, e que mais do que nenhum outro príncipe foi o campeão do catolicismo. Êle era um perfeito castelhano no caráter devoto, sombrio e voluntarioso, e a imagem da sua política como que ficou estampada na construção grandiosa e glacial do Escurial. Seu conceito do protestantismo é que este era, não somente uma blasfêmia contra a fé verdadeira, como uma revolta contra a majestade do Estado que nele se consubstanciava. Canovas del Castillo tratou-o de rey papelista, e com efeito jamais houve soberano tão burocrata. Sua capacidade administrativa era notável e sua preocupação governativa ia até os pormenores, sobrecarregando-se de trabalho, no qual era incansável, dispensando ministros e reduzindo os secretários a copistas.

Sobre tudo e sobre todos desdobrava sua autoridade, centralizando no seu despacho os negócios de toda a monarquia e não lhe escapando sequer os de natureza particular e suntuária — o vestuário, a comida, o modo de locomoção dos seus súditos. Liberdades e franquias desapareciam forçosamente debaixo dessa pressão "de um só cérebro e de uma só vontade" e, dadas semelhantes condições, compreende-se a rebelião armada dos Países-Baixos.

Os Países-Baixos o o luteranismo

Nessa região formada pelas aluviões do Reno e de outros rios desaguando no Mar do Norte, que altas dunas resguardavam e diques adrede construídos protegiam contra as arremetidas do mar, assentara-se, talvez mesmo pelo esforço humano empregado na segurança da terra, a sede de comunidades industriosas, ricas e altivas. Ao começar o século XVI a população atingia a 3 milhões e havia 200 a 300 cidades muradas. Era um terreno predisposto para o livre exame e Carlos V já fizera uso do Santo Ofício para extirpar a doutrina luterana, mas não o conseguira apesar do número das execuções.

A rebelião e a repressão

Filipe II forçou a nota da repressão nos quatro anos da sua estadia nos Países-Baixos (1555-1559) e depois da sua ida para Espanha, sob a regência de sua irmã Margarida de Parma (1559-1567). A representação da nobreza flamenga apenas serviu para acirrar a severidade do governo, a qual por sua vez motivou a fúria iconoclasta, o saque dos mosteiros com a destruição dos tesouros de arte e saber já neles acumulados e a organização do levante dos gueux ou maltrapilhos, como se intitularam os rebeldes, fazendo da escudela brasão e convertendo em gloriosa alcunha o apôdo de um cortesão.

Filipe II ainda não conhecera pessoalmente a derrota. Em 1557 as tropas espanholas, ajudadas pelas inglesas da rainha Maria, tinham batido em São Quintino — batalha comemorada pela fundação do Escurial — o exército de Henrique II de França, comandado pelo condestável de Montmorency, que se destinava aos Países-Baixos, ao passo que outro exército francês, comandado pelo duque de Guise e que chegara até Roma como aliado do papa Paulo IV, alarmado pelo domínio espanhol na Itália, se retirava diante do duque d’Alba e vinha’ por despique tomar Calais, que os ingleses retinham desde mais de dois séculos.

O duque d’Alba

Foi esse famoso duque d’Alba, fanático sem entranhas, mas de um alto valor guerreiro, que Filipe II mandou em 1567 à testa de um exército de veteranos — a infantaria espanhola contava como a melhor da Europa — punir a nobreza flamenga pela sua demonstração política que redundara na demissão do cardeal Granvelle, ministro da regente e dócil executor dos desígnios reais. Carlos V desgostara a Espanha governando-a pelos seus favoritos flamengos, que tão mal substituíram o hábil cardeal Ximenes, arcebispo de Toledo e ministro competente de Fernando e Isabel; Filipe II mais acentuava a divergência com os seus súditos dos Países-Baixos, colocando-os à mercê dos seus conselheiros desapiedados.

A emigração. Guilherme de Orange

O duque d’Alba não hesitou em mandar decapitar os condes de Hoom e de Egmont (1568), nobres católicos que como outros da sua classe defendiam tão-sòmente os direitos e privilégios, entre os quais o de liberdade de consciência, compreendidos nos forais e cartas das cidades e províncias neerlandesas e que estavam sendo violados pela realeza. Para a Alemanha, terreno simpático a uma resistência dessa natureza, emigraram dos Países-Baixos nobres e burgueses que lá formaram um exército de voluntários capitaneado por um desses retirantes — cujo número se calcula em 100 000 —, Guilherme, o Taciturno, príncipe de Orange.

Era tempo de intervir, pois que se relata que o terror instituído pelo lugar-tenente de Filipe II custou a vida a mais de 18 000 pessoas sentenciadas pelo Santo Ofício. O Taciturno era um fanático a seu modo, compenetrado da sua missão providencial, mas avesso a processos sanguinolentos. Sem ser propriamente um gênio militar, era dotado de talentos estratégicos, sabendo aproveitar a natureza alagadiça do terreno de operações, e pela sua bravura, prudência e sangue-frio, mediu-se favoravelmente com os melhores generais do campo adverso.

A marinha holandesa

Conseguida que foi uma linha de cidades costeiras para base das suas excursões oceânicas, os gueux de mer triunfaram no elemento onde até então dominavam os galeões espanhóis, ao passo que os maltrapilhos de terra, sentindo desafogadas suas comunicações, levavam de roldão a tropa mais aguerrida e disciplinada daquela época. O sea power mais uma vez deixava ver sua eficácia. Nas outorgas de cartas de corso com o fim de interceptar o comércio espanhol e de hostilizar as cidades marítimas da parcialidade inimiga, se deve ir buscar a expansão da marinha holandesa que no século XVII tantos louros colheria. Os portugueses foram os primeiros a sofrer os efeitos desse desenvolvimento naval. Embarcações flamengas iam carregar a Lisboa e, depois, embarcações batavas decidiram ir carregar na própria índia, tomando Ceilão, ocupando Java e Sumatra e procurando estabelecer um império colonial na América do Sul e na África fronteira. Pernambuco foi a sede dessa fundação, por alguns anos ilustrada pelo governo culto e tolerante do príncipe alemão João Maurício de Nassau Siegen (1637-1645). Este Maurício de Nassau, que nascera em 1604, faleceu em 1675, como governador de Cleves, na Prússia Renana.

O pacto de Gand e o de Utrecht

Uma vez ligadas todas as províncias dos Países-Baixos pelo pacto de Gand (1576) contra a chamada fúria espanhola, que indistintamente as devastava, começou com vária fortuna a guerra regular, comandado o exército de Filipe II pelo herói de Lepanto e mais tarde por Alexandre Famésio, de Parma. Entre os confederados rompeu cedo a desavença nascida do contraste dos seus gênios e dos seus interesses religiosos e civis, e as sete províncias protestantes do norte organizaram pelo pacto de Utrecht, em 1579, uma união permanente, que veio a ser a Holanda, tendo à sua frente como stathouder o príncipe de Orange. As dez províncias católicas do sul acabaram por submeter-se ao domínio espanhol: constituem o que ó hoje a Bélgica, exceção feita do que foi conquistado pela França.

Morte do Taciturno

Em 1581 as Províncias Unidas declararam formalmente sua independência: Guilherme, o Taciturno, que resistira às mais sedutoras tentativas de suborno por parte do monarca espanhol, fora entretanto posto fora da lei e declarado inimigo da cristandade, sendo publicamente instigado o seu assassinato, pelo qual se ofereciam fartas recompensas. De fato, após vários ensaios malogrados, realizou-se o criminoso intento, caindo o príncipe de Orange sob uma bala homicida, o que no entanto não suspendeu a guerra, sendo Maurício de Nassau, filho de Guilherme, elevado à dignidade de stathouder.

A independência da Holanda

A França, cuja coroa Filipe II ambicionava, e a Inglaterra aliaram-se aos rebeldes, os quais tamanha força alcançaram que, mesmo feita a paz entre a Espanha e a França em 1598 e entre a Espanha e a Inglaterra em 1604, conseguiram eles impor em 1609 a trégua dos doze anos, que constituía o reconhecimento virtual da independência do seu país. O reconhecimento formal só se efetuaria muitos anos depois na paz de Westphalia (1648). Esta paz, elaborada no primeiro dos congressos europeus reunidos para fixar os resultados da guerra, celebrou-se ao cabo da guerra dos Trinta Anos. A Reforma lograva assim estabelecer um verdadeiro baluarte no mar do Norte e ao mesmo tempo a organização da Holanda sob uma forma republicana, posto que não puramente democrática, significou o início da reivindicação da liberdade política, imposta ao despotismo dos reis, primeiro na Inglaterra e depois na França.

A Holanda combateu como nenhum outro país da Europa contra Luís XIV e foi um príncipe da Casa de Orange que permitiu à Inglaterra salvar suas franquias, ameaçadas pelos Stuarts.

Caráter antes político das guerras de religião

A guerra dos Trinta Anos demonstrou cabalmente como o conflito político se sobrepôs ao conflito propriamente religioso. A França, uma vez realizada sua pacificação doméstica mediante a vitória do catolicismo, ajudou os príncipes protestantes alemães na sua luta contra o império, porque o triunfo deles redundaria no esfacelo da Alemanha, objetivo da política francesa tal como entrou com Richelieu a desenhar-se firmemente, e na humilhação da Casa d’Áustria, que em Viena e em Madrid encarnava o poderio rival e formava na verdade a águia das duas cabeças.

Os huguenotes franceses

Um momento houve em que a França esteve fundamente dividida. A Universidade de Paris fora, antes mesmo de surgir a Reforma na Alemanha, um foco de livre exame e o cisma contagiara todas as classes, subindo até os degraus do trono, pois que ao passo que os Guises eram ardentes católicos, os Bourbons da Navarra e os Condes eram protestantes. Protestante era também o nobre almirante Coligny, uma das vítimas da noite de São Bartolomeu — 24 de agosto de 1572 —, por causa de quem sobretudo se concebeu e tramou esse crime monstruoso do massacre de uma parte da população nacional, inerme e confiada, pelo simples fato de seguir uma doutrina contrária à doutrina católica.

Catarina de Medícis

Foi a alma dessa conspiração tenebrosa e sangrenta a rainha Catarina de Médicis, italiana sem convicções nem escrúpulos, mas com uma ambição de domínio efetivo tanto mais aguda quanto em tempo do marido Henrique II, a humilhara o insolente prestígio da favorita, Diana de Poitiers, por quem a desprezava o monarca. Diz um historiador francês que o fito de Catarina era governarem de fato os filhos e ela por sua vez os governar. Para melhor reinar em nome de Francisco II, prematuramente falecido, e depois de Carlos IX, rei de 1560 a 1574, a Médicis tinha até parecido favorecer uma política de imparcialidade, substituindo a perseguição dos huguenotes por uma tal ou qual tolerância. O termo huguenotes é a corrução do alemão eidgenossen (camaradas de jura ou covenanters).

As brigas dos reformados entre si e com os católicos

Assim é que o cavalheiro de Villegagnon veio em 1555 fundar no Rio de Janeiro, que os portugueses ainda não tinham ocupado, sob os auspícios de Henrique II e do almirante protestante, uma colônia composta de luteranos e calvinistas, a qual não logrou sustentar-se por terem continuado além-mar os desaguisados teológicos. Na França tampouco os rancores religiosos eram de natureza a consolidar a política de transações da astuta florentina, política que vacilou mais de uma vez e, através de rixas entremeadas de tentativas de pacificação, levou até uma prolongada guerra civil na qual Filipe II interveio em favor dos católicos, mandando reforços, e Isabel de Inglaterra em favor dos reformados, ocupando por algum tempo o Havre.

Política de conciliação

A última demonstração de Catarina em favor da reconciliação foi a paz de St. Germain, negociada no intuito de pôr paradeiro à destruição, após a batalha de Jarnac, ganha pelos católicos (1569), e a marcha dos huguenotes sobre Paris em 1570, quando refeitas as suas forças. Antes desse rompimento o culto reformado fora considerado livre nas aldeias e cidades não muradas, mas o partido dos Guises respondera à concessão com a chacina de Vassy em reformados que entoavam seus salmos. Agora outorgara-se anistia geral e estabelecia-se o livre exercício do protestantismo. Se houvesse persistido esta política, Coligny teria ido socorrer com soldados franceses os rebeldes dos Países-Baixos, porquanto todas estas desavenças religiosas influíam e por sua vez recebiam o influxo das questões políticas.

A noite de São Bartolomeu

Catarina arranjou mesmo uma combinação para melhor aproximar as facções, dando ao jovem rei da Navarra, Henrique, a mão de sua filha Margarida, o que foi motivo de geral alegria e chamou a Paris para a celebração da boda, grande concorrência. A rainha mãe sentia porém ameaçada a sua preponderância pelo valimento de que gozava o almirante Coligny junto ao jovem monarca, o qual (losejaria sacudir a pesada tutela materna, e como ela não recuava diante de crime algum para sustentar seu poder, urdiu contra o alui liante um atentado que se malogrou. O fato naturalmente exacerbou os huguenotes — Coligny fora em todo caso ferido — levando-os a clamarem por vingança, o que sugeriu ao espírito de Catarina a matança de São Bartolomeu como medida preventiva de segurança. Como sempre, eram as vítimas acusadas de pretenderem ser algozes. A capital ficou limpa de huguenotes e o massacre generalizou-se por toda a França, se bem que nalguns pontos fossem desobedecidas as ordens reais. É impossível computar exatamente o número das vítimas, variando extraordinariamente as versões, indo de 2 000 a 100 000.

Razões da resistência francesa ao protestantismo

Recrudesceu por essa forma em todo o país uma luta que já se achava adormecida. O protestantismo podia porém considerar-se debelado e a razão essencial da resistência, que em suma lhe ofereceu o organismo social francês, está em que por um lado a realeza, já investida pelas concordatas com a Santa Sé da livre disposição dos benefícios e cargos eclesiásticos, não carecia de maior influência do que possuía sobre o clero, e por outro lado o povo, cedo protegido pelo poder real, não sofrera como o da Alemanha e dos Países-Baixos das exações do papado e seguia por instinto a tendência latina para a unidade do governo e da fé.

O ardor democrático era contrário ao feudalismo, cujo espírito aristocrático se associava bem com o protestantismo, ainda que fosse este favorável à independência política: Genebra por exemplo, aderindo a Calvino, libertou-se dos duques de Sabóia, assim como a Holanda dos reis da Espanha. A liberdade de consciência e a austeridade dos reformados não podiam deixar de ser elementos infensos aos desmandos do absolutismo real. Prévost-Paradol escreve porém que o espírito propriamente francês distinguia entre a unidade nacional e a unidade religiosa, sacrificando esta àquela ou, melhor dito, consumando a primeira às custas da segunda. Daí a atitude variável da coroa, a qual, com receio de achar-se só em frente do partido católico extremado comandado pelo duque de Guise, aspirante ao trono, prudentemente evitava esmagar os reformados, os quais nas lutas intestinas, apesar de vencidos nos campos de batalha, obtinham condições vantajosas que perdiam ao sabor dos acontecimentos. A tolerância era entretanto a melhor política até desaparecer o perigo, o que se deu em tempo de Luís XIV.

Henrique III e a Santa Liga

Carlos IX faleceu em 1574 e teve por sucessor Henrique III, que ocupava então o trono eletivo da Polônia e durante cujo reinado se formou em 1579, pela fusão das ligas parciais, a Santa Liga Católica, sob pretexto de defesa da religião romana, ameaçada com a perspectiva de recolher a herança francesa o rei protestante da Navarra, de fato para colocar no trono o duque Henrique de Guise (1550-1588), filho do duque Francisco (1519-1563), que tomou Calais aos ingleses e morreu assassinado por um gentil-homem protestante.

O regicídio

A guerra civil continuava pois, pior do que nunca. Venceram os huguenotes em 1587 a batalha de Coutras, mas temendo ser morto pelos partidários de Guise, mandou Henrique III matá-lo em Blois e ligou-se ao Bourbon de Navarra contra o duque de Mayenne, irmão do Guise, a quem Paris aclamara na falta deste e o reino aceitara. No ano imediato era o próprio Henrique III assassinado por um frade. A Liga fazia do regicida um santo, expondo sua efígie nas igrejas à veneração dos fiéis, e no seu demagogismo católico proclamava no tocante às relações entre os reis e os povos uma estranha mistura de idéias teocráticas e de teorias revolucionárias. O historiador francês que deste modo define a doutrina da Liga, aponta que na Espanha, na Áustria e nos Países-Baixos era o direito dos soberanos invocado contra a heresia dos povos, quando em França era o direito dos povos invocado contra a heresia do soberano. De um lado portanto se ordenava a obediência; do outro a revolta.

O Bearnês

Contra a Liga e contra Filipe II, obstinado, em apresentar os títulos de sua filha Isabel e por isso mesmo atemorizando a Europa católica e o próprio papado com seu excesso de ambição, venceu todavia o Bearnês reformado que foi Henrique IV de França. A intervenção armada espanhola, a sua direção da Liga, feria também o sentimento patriótico francês: foi com alívio que o país teve conhecimento de que, não obstante bater os católicos em Arques e em Ivry, Henrique de Navarra não hesitava em abjurar o seu credo dizendo que "Paris valia bem uma missa" (1593).

O édito de Nantes e a expulsão dos mouros da Espanha

Pelo édito de Nantes, de 13 de abril de 1598, foram todavia asseguradas aos huguenotes perfeita liberdade de consciência e liberdade de culto; franqueados os cargos e empregos públicos e facultada, como garantia e penhor de segurança, a posse de certo número de cidades fortificadas, entre elas La Rochelle. Henrique IV, posto que na intenção de proteger seus antigos companheiros de religião, ensinou dessa forma à Europa moderna a tolerância religiosa de que a antiga Roma fizera um ensaio. Não o imitou Filipe III de Espanha no seu reinado (1598 a 1621), expulsando os seus súditos mouriscos, o que porventura representou um benefício para a tranqüilidade interna do país, mas significou certamente um prejuízo imenso para as suas manufaturas e a sua lavoura.

Os mouros constituíam por excelência o elemento industrial e agrícola da Espanha e foram mais de 500 000 os que tiveram de procurar refúgio na África setentrional. O jardim da Andaluzia converteu-se numa vasta charneca sob pretexto de salvar o catolicismo, de fato para fazer vingar o princípio da intolerância religiosa consorciado com o despotismo político. O ano da expulsão dos mouros — 1609 — foi o mesmo da trégua dos Países-Baixos, que importou no virtual reconhecimento do protestantismo holandês.

A união ibérica

A perda da Holanda fora de antemão compensada pela anexação de Portugal e domínios, levada a cabo em 1580, depois de eclipsadas as glórias nacionais pelo desastre de Alcácer-Kebir, a saber, o triste desenlace da aventura marroquina de D. Sebastião. As intrigas do monarca espanhol para ultimar a união ibérica, apoiaram-se nas armas do duque d’Ãlba, infinitamente superiores aos magotes populares que aclamavam rei nacional o prior do Crato, D. Antônio, e também no suborno denunciando da parte da nobreza e alto clero a debilidade do sentimento patriótico.

dom quixote de la mancha
Frontispício de D. Quixote de la Mancha, editado em Lisboa, 1605

Filipe IV e as sublevações da Catalunha e de Portugal

Filipe III e seu filho Filipe IV (1605-1665) deixaram-se governar muito por validos — o duque de Lerma aquele, este o conde duque de Olivares, cujo ideal de centralização monárquica provocou a sublevação da Catalunha em 1640, seguida no mesmo ano pela de Portugal, que na Casa de Bragança, descendente da de Avis, consubstanciou sua independência.

Misérias da Espanha

Paralelamente com a decadência política acentuou-se a miséria da nação espanhola, sangrada na sua população pelas expulsões, pelas guerras e pela emigração para a América; na sua riqueza, pelos bens de mão-morta e pelos vínculos ou morgadios; na sua atividade, pelos conventos, de que existia em 1626 a bagatela de nove mil e tantos, de frades, fora os de freiras; na sua prosperidade, pela pobreza extrema do erário, pela escassez da produção, pela venda dos empregos. Escreve o historiador Altamira que o tipo representativo da Espanha de então era o fidalgo esfomeado. Entretanto foi esse o período mais brilhante da cultura espanhola. A Inquisição entorpeceu o movimento científico, mas o literário e o artístico expandiram-se em liberdade com Cervantes, o autor do D. Quixote (1547-1616), os dramaturgos Calderon de la Barca (1600-1681 e Lope de Vega (1562-1635) e os pintores Velasquez (1599-1660) e Murilo (1617-1682), que tão bem souberam uns e outros casar o ideal com o realismo.

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O governo de Henrique IV e seus desígnios

Henrique IV recebia um país devastado, sem recursos e sem ordem, pilhado a um tempo pelos governadores e pelos salteadores; seu mérito foi levantá-lo, restabelecendo as finanças, desembaraçando a agricultura, disciplinando os grandes, protegendo os humildes, restaurando as forças vivas e recompondo as reservas do país. A França conheceu de novo dias felizes sob o seu governo e do seu ministro, o duque de Sully (1560-1641). O rei interessava-se diretamente pelo bem-estar dos seus súditos, querendo, na sua frase se não autêntica, pelo menos expressiva da sua personalidade, que cada francês tivesse ao domingo a sua canja de galinha.

Era Henrique IV um espírito inclinado não só aos melhoramentos materiais, como a altas concepções morais, desprendendo-se das realidades da política. Refere Sully nas suas Memórias que agitava o cérebro do soberano a idéia de organizar uma grande confederação ou liga de todas as nações cristãs da Europa, abolindo-se a guerra pelo exercício de uma corte internacional. O seu pacifismo era porém do gênero dos que primeiro querem ter as coisas ajeitadas pela guerra à sua própria feição. Havia que abater antes a Casa d’Áustria, desígnio de que lhe não permitiu a sorte tentar a realização porque em 1610 o fanático católico Ravaillac, galgando o côche real, o prostrou morto com uma punhalada.

A regência de Maria de Médicis

Sob a regência da rainha Maria de Médicis, sua segunda esposa, e o governo do favorito florentino Concini, voltou a realeza a ser, nas palavras de Prévost-Paradol, o dixe da nobreza. Era um resto de feudalismo anárquico que se traduzia sobretudo pelo assalto ao tesouro, ajudando a confusão a situação criada aos reformados, de um Estado dentro do Estado, a ponto tal que pensaram em separar-se e formar república. O ministro duque de Luynes restabeleceu o catolicismo no Béarn, reunido à França em 1620, e puniu os protestantes com a proibição das suas assembléias e a perda de quase todas as suas praças fortes, menos duas.

A mão forte do reinado de Luís XIII e, pode dizer-se, da época, foi porém Richelieu (1585-1642), que pelo seu talo operou a reconciliação do monarca com a rainha-mãe e pela seu vigor pôs fim às cabalas da corte que iam de novo mergulhando a França na desordem. Embora agraciado com o chapéu de cardeal, era indiferente às paixões religiosas, ambicioso tanto para si como para seu país, devotado às questões públicas, mundano e guerreiro, espetaculoso sempre. Coube-lhe, como ministro onipotente, realizar os principais objetivos da política de Henrique IV.

Para tornar a França suprema na Europa era mister primeiro tornar o rei absoluto em França, o que ainda não era, tendo que arcar com uma nobreza sempre disposta a levantar-se, com um parlamento, ou antes, corte de registro dos éditos reais, onde se afirmava a burguesia, e com o elemento protestante. A este retirou Richelieu a importância política, posto que lhe deixando a franquia do culto: êle próprio conquistou o baluarte de La Rochelle, após um sítio que durou um ano e custou 15 000 vidas, e dominou os huguenotes do Sul, onde era grande sua força. Assegurou nas províncias a supremacia real mediante a nomeação de intendentes e não trepidou diante da execução de nobres como Montmorency, Cinq-Mars e de Thou, quando conspiravam ou se rebelavam apoiados pela Espanha e pela Lorena.

O imperialismo francês

A intervenção de Richelieu nas sublevações da Catalunha e de Portugal assinala o início do imperialismo francês, que mais expressivamente ainda se nota na participação na guerra dos Trinta Anos ao lado dos corifeus do protestantismo, sendo o fito derrubar o predomínio austríaco ainda que com o sacrifício da causa católica. A ingerência nos negócios da península, enxertando-se nessa política geral, trouxe a guerra com a Espanha, cuja unidade a França se propunha romper, da mesma forma que se propunha manter a desunião alemã.

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Significação da guerra dos Trinta Anos

A guerra dcs Trinta Anos (1618-1648), que ateou o fogo em toda a Europa, originou-se na interpretação das cláusulas da paz religiosa de Augsburgo, feita a seu sabor por cada uma das suas parcialidades, com protestos da outra e criando-se por fim duas ligas opostas, a evangélica e a santa. Como sempre acontece em casos tais, os princípios morais em jogo, depressa degeneraram em ambições de poderio e de territórios.

Seu início e peripecias. Os bens secularizados

O início deu-se na Boêmia, a terra de João Huss, onde os jesuítas tinham adquirido, bem como nas terras próximas, excepcional valia e onde teve lugar uma revolta contra o rei católico, Fernando, logo depois eleito imperador, seguida da escolha de um rei protestante, que foi o eleitor palatino, genro de Jaime I de Inglaterra. Com a força que lhe emprestava a dignidade imperial, Fernando dominou facilmente a revolução e fêz executar os seus chefes (1618-1623), acabando quase com a fé reformada na Boêmia. Esta repressão, que custou ao eleitor palatino os seus Estados — muito mais tarde, pelos tratados de 1815, incorporados na Baviera e outros países vizinhos — alarmou os príncipes protestantes do Norte, não só os da Alemanha como os da Escandinávia. Aos primeiros quis o imperador obrigar a entregar os bens eclesiásticos já secularizados, o que depois conseguiria à força pelo édito de restituição (1629), que fez passar das mãos dos protestantes para as dos católicos, a saber, a família imperial, os validos e os jesuítas, quanto aqueles tinham tomado à Igreja Romana desde a convenção de Passau.

A medida tinha um grande alcance, pois que a ordem política saída da Reforma se baseava na Alemanha sobre a grande revolução territorial efetuada pela secularização dos bens eclesiásticos, cuja perda, certa em caso de derrota, representava para os príncipes protestantes uma espoliação. Além disso o vivo particularismo alemão sentia-se ameaçado pelo desenvolvimento da autoridade imperial que tendia à monarquia absoluta.

Gustavo Adolfo

O rei Cristiano IV da Dinamarca lançara-se na luta secundado pela Holanda e pela Inglaterra (1625), mas o resultado foi-lhe dentro em pouco desfavorável e a paz de Lübeck (1629) marcou sua retirada do conflito. Para substituí-lo surgiu porém um superior campeão, Gustavo Adolfo da Suécia, de estatura a medir-se com os generais vitoriosos de Fernando, Tilly e Wallenstein, e disposto a restabelecer a situação do Báltico, que os soberanos suecos consideravam como um lago nacional e que a fortuna das armas imperiais parecia querer converter num novo apanágio austríaco.

Wallenstein

Foram as intrigas de Richelieu que sobretudo trouxeram Gustavo Adolfo à arena, ao mesmo tempo que dela faziam afastar Wallenstein, tornando-o suspeito ao imperador, tanto mais facilmente quanto se tratava de uma alma de aventureiro audaz e valente, ambicioso como poucos e como nenhum querido dos seus soldados. Por sua vez os príncipes alemães desconfiavam do monarca sueco, e esta suspeita permitiu a captura e saque de Magdeburgo, em que morreram milhares de cidadãos inermes, levando Tilly a comparar o destino daquela cidade com o de Tróia e de ferusalém.

O fato serviu contudo para fazer-lhes compreender a iminência e gravidade do perigo. Os eleitores da Saxônia e de Brandeburgo uniram-se ao rei sueco e às suas forças disciplinadas e eficientes que derrotaram Tilly, o qual sucumbiu em peleja (1632), vendo-se o imperador compelido a chamar de novo Wallenstein. Este não tardou em levantar um exército de aventureiros à sua feição. Na batalha de Lützen (1632) os suecos ganharam o dia, mas perderam seu soberano, que entretanto com seu rijo braço salvara a causa luterana.

Fac-símile da assinatura de Wallenstein.
Fac-símile da assinatura de Wallenstein.

 

 

O papel da França

O êxito militar continuou aliás a favorecer o lado protestante, tanto assim que Fernando mandou assassinar Wallenstein (1634), suspeitoso de que êle o queria trair e por isso deixava as operações militares correrem à revelia. O historiador americano Myers acusa a ambição e egoísmo da França da prolongação desta guerra implacável, da qual ambas as parcialidades estavam mais do que fatigadas, podendo ainda considerar-se felizes as famílias simplesmente expulsas, como milhares delas o foram da Boêmia depois de firmada a paz de Lübeck, sem sucumbirem todas à brutalidade dos lansquenetes.

Concedendo à Suécia o concurso francês, Richelieu despia por completo a luta do seu caráter religioso para dar-lhe o caráter político de uma contenda entre a própria existência do império e o engrandecimento nacional do reino sobre que dominava a Casa de Bourbon. A vítima só podia ser a Alemanha, desde o momento em que a França pretendia assegurar-se a fronteira do Reno e a Suécia a foz dos rios alemães. Destarte se foi eternizando o extermínio, estendendo-se cada vez mais a guerra e a pilhagem.

A Alsácia foi tomada pelo duque Bernardo de Saxe-Weimar, mantido por subsídios franceses no lugar de Gustavo Adolfo; combatia-se na Itália; a marinha espanhola era destruída pela holandesa na batalha das Dunas; a Espanha era despojada do Russilhão e de Perpignan; no Artois, Arras era arrancada aos Países-Baixos católicos. O grande Conde ganhava aos 23 anos a batalha de Rocroi, em que foi destroçado o escol da infantaria espanhola: os famosos terços de Flandres. Sobre os bávaros ganhou êle as vitórias de Nõrd-lingen e de Friburgo e sobre os espanhóis a vitória decisiva de Lens, apressando a paz de Westphalia, que regulou a situação na Alemanha, pois que as hostilidades entre França e Espanha duraram ainda dez anos. Richelieu falecera em 1642, após um ministério de 20 anos.

 

Mosqueteiro e lansquenete. De uma crônica "sobre o uso das armas", do Príncipe Maurício de Orange, impresso em 1689 em Franciorle. Desenho de Jacob de Ghen.
Mosqueteiro e lansquenete. De uma crônica sobre o uso das armas, do Príncipe Maurício de Orange, impresso em 1689 em Franciorle. Desenho de Jacob de Ghen.

A paz de Westphalia e seus resultados

Na paz de 1648 ganhou a França a Alsácia, além dos três bispados — Verdun, Metz e Toul — e outros territórios: aproximava-se portanto do Reno, cuja navegação ficava garantida, e abria na fronteira uma porta que só se fechou em 1871 para se reabrir em 1919. À Suécia foram concedidos vários territórios alemães — a Pomerâ-nia Ocidental, Stettin, a ilha de Rügen, Bremen, etc. — que implicavam o senhorio da foz do Oder, do Weser e do Elba, ao mesmo tempo que ao seu soberano era dada a categoria de príncipe eleitor, membro da Dieta germânica, a cuja agitada influência a monarquia austríaca opunha a placidez burocrática do seu conselho áulico.

Com a paz de Westphalia — assim denominada porque se acham nela situadas as duas cidades de Münster e Osnabrück, onde se realizaram as negociações — lucraram a Holanda e a Suíça, cuja independência respectiva foi reconhecida, e lucrou também um Estado alemão protestante, Brandeburgo, núcleo de um futuro grande Estado. Estabeleceu-se aliás certo número de compensações territoriais, ditas indenizações, para os aliados da França e certos príncipes alemães. O império tornou-se uma confederação frouxa de mais de 400 membros, contando as cidades livres, aos quais era facultado o direito de celebrarem alianças entre si e com príncipes estrangeiros, mas não contra o império, cujos negócios ficavam a cargo de uma Dieta composta do soberano e dos representantes dos Estados, com a qual ficava quase anulada a autoridade imperial.

A Alemanha austríaca e católica desapareceu nessa ocasião sob a pressão da França, ajudada pela Suécia, que a Rússia ia em breve reduzir a uma condição subalterna. Obtiveram ambas essas nações — a Suécia perdera a espada de Gustavo Adolfo, que quase fizera os imperiais recuarem até Viena, mas dispusera da habilidade de Oxenstiern (1583-1654), o tutor da rainha Cristina, deixada menor — possessões dentro do império e, como segurança da paz, o direito de imiscuir-se nos negócios da Alemanha. Quando a primeira vitória de Nõrdlingen, austríaca, desarmou a Saxônia e deixou por assim dizer a Suécia à mercê do vencedor, foi que a França entrou a sustentar diretamente pelas armas o que já indiretamente sustentava pelos enredos.

A Alemanha, que ainda não possuía um sentimento nacional dofl-nido, ficou como um mosaico de pequenos despotismos e oligCD quias, desaparecendo a um tempo, nas palavras de um historiador anglo-saxônico, a autoridade do império e a liberdade do povo, para darem lugar à fraqueza e desintegração. O que se seguiu à paz de Westphalia foi a supremacia da França, mas um espírito superior como o de Prévost-Paradol sabe discernir entre o desenvolvimento do pensamento e a falsa grandeza, na sua frase, de um jogo sangrento em que as faltas dos soberanos movidos pela ambição são expiadas pelos sofrimentos dos povos.

A liberdade religiosa

Arbitrou-se é verdade, a liberdade religiosa, sendo estabelecida igualdade perfeita entre católicos, luteranos e calvinistas e passando a constituir a câmara de justiça do império juízes dos credos romano e reformado, em número igual. Aos príncipes soberanos cabia estatuírem a religião dos seus súditos e desterrarem os que se não conformassem com a fé estipulada. Não se podia, pois, chamar a isso o advento da verdadeira tolerância espiritual, sim uma tolerância forçada pelas circunstâncias para liquidar uma situação insustentável. A tolerância, que tal nome merece, é a que nasce da concepção liberal, da convicção do direito de cada um à liberdade da sua consciência e dos seus atos.

O equilíbrio europeu e a situação da Alemanha

No congresso de Münster triunfou, segundo a diplomacia, o princípio do equilíbrio europeu. De fato rompera-se o equilíbrio, porque a condição a que ficou reduzida a Alemanha era de natureza a fazer crer que não mais se levantaria. A população, de 30 milhões, baixava a 12; dois terços da propriedade individual achavam-se destruídos; cidades inteiras tinham sido arrasadas; fora dissolvida a Liga Hanseática, golpe mortal no comércio; distritos havia ermos de habitantes, enxergando-se apenas ruínas calcinadas sobre um solo convertido de cultivado em baldio; interrompido o tráfico, sumidas as indústrias, bem como as artes, as ciências, as letras, a própria moral pois que campeava infrene o vício. A civilização alemã ia sofrer um eclipse por mais de uma geração.

Política e religião

Entretanto, na justa observação de um historiador americano a paz de Westphalia marca um período importante na história humana, porque ali se encerrou a era dos conflitos religiosos para abrir-se a dos conflitos políticos. Constituições e não credos passaram a ocupar a atividade revolucionária, o governo civil e os direitos políticos parecendo mais relevantes à humanidade européia e mesmo americana do que o governo eclesiástico e os dogmas da fé. A revolução puritana na Inglaterra pode à primeira vista parecer um conflito religioso: de fato foi mais que tudo uma contenda política, uma luta contra o despotismo no Estado, e tal caráter lhe atribui Guizot, que era calvinista.

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As ciências, as letras e as artes nos séculos XVI e XVII

Os séculos XVI e XVII foram de grande atividade intelectual, de progresso científico e de primores artísticos. As sementes da Renascença clássica, do livre exame, dos descobrimentos marítimos e das invenções germinaram a um tempo para produzirem esta florescencia, que culminou nos sistemas filosóficos de Descartes (1576-1650) e de Spinoza (1632-1677). Éste, que era um judeu holandês de origem portuguesa, elevou ao panteísmo o método indutivo ou cartesiano, que substituíra a escolástica e se fundava na dúvida universal conduzindo à aquisição dos conhecimentos. Para Spinoza a "substancia infinita" era uma só, da qual as várias formas de existencia eram simples emanações.

Na Inglaterra, Bacon (1561-1626) aplicou o método indutivo, Newton (1642-1727), formulou a lei da gravitação universal e Harvey (1578-1627) descreveu a circulação do sangue. Na Alemanha, Kepler (1571-1630) descobriu as leis básicas da astronomia mecânica e Leib-niz (1640-1716), intitulado o mais sábio dos filósofos modernos, estabeleceu o sistema eclético.

Os Países-Baixos produziram três dos maiores pintores conhecidos — os flamengos Rúbens (1577-1640) e Van Dyck (1599-1641) e o holandês Rembrandt (1606-1669): o gênio do colorido, o retratista eximio e o mestre do claro-escuro, sem falar em Teniers, o pintor das quermesses, Franz Hals, o incomparável evocador de temperamentos, e Ruysdal, o grande paisagista.

A Itália, fragmentada, continuava a sustentar seus anelos de unidade, da qual se constituíra guarda zelosa a língua que, no século XVI, se refletiu com donaire na prosa de Machiavel, o autor do Príncipe (1514), tratado de imoralidade política, e nos poemas de Ariosto (1474-1533) e de Torquato Tasso (1544-1595) — Orlando Furioso e Jerusalém Libertada —, o primeiro mais imaginativo, quase descambando no cômico, o segundo mais severo, porém de uma religiosidade convencional como o próprio gênio italiano. Éste convencionalismo produziu contudo um Galileu (1564-1642) que, seguindo a teoria do polaco Copérnico (1473-1543) relativamente ao duplo movimento dos planetas sobre si mesmos e em redor do sol, o que lhe valeu a perseguição do Santo Ofício, descobriu os satélites dos planetas maiores e o seu movimento, assim introduzindo na Itália a ciência experimental e enunciando os princípios da dinâmica moderna.

 Fonte:Edições Melhoramentos. 20ª ed.

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