ANTÔNIO DE CASTRO ALVES (Bahia, 1847-1871) estudou o
Direito primeiro em Pernambuco e depois em São Paulo. Exerceu grande
influência sobre o espírito da mocidade acadêmica do seu tempo, fazendo
sempre vibrar a nota livre e generosa em todas as questões; assim foi
um dos mais pronunciados abolicionistas, ainda antes que do abolicionismo
se fizesse o lema de um grupo de ação. Padecem muitos de seus versos
da ênfase peculiar à chamada escola condoreira, que, partindo da imitaçãoi
hugoana, decaiu em puro gongorismo; porém a muitas de suas composiI
ções não se podem recusar sentimento e levantados voos líricos. A me
lhor edição de suas obras, publicada em 2 vols. em 1921, e comemorativa
do cinqüentenário da morte do poeta, devêmo-la ao ilustre acadêmico
Afrânio Peixoto, que a prefaciou e anotou, apondo-lhe preciosa e com
pleta bibliografia.
O Livro e a América – Poesia Selecionada de Castro Alves
Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
Estatuário de colossos,
Cansado de outros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina,
Da minha eterna oficina…
Tira a América de lá".
Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O Continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um traz-lhe as artes da Europa,
Outro as bagas do Ceilão. . .
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
"Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas pra a terra,
As estrelas para os céus.
Lá, no polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar cos ventos,
Cos mundos… cos firmamentos!"
E Deus responde — Marchar!"
Marchar. . . Mas como! Da Grécia
Nos dóricos Partenões,
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteões?
Marchar coa espada de Roma,
Leoa de ruiva coma,
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
Com as garras nas mãos do mundo,
Com os dentes no coração?…
Marchar?… Mas como a Alemanha,
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?
Não! Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
"No pugilato tremendo
Quem sempre vence é o porvir!"
Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande Nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro,
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Warteloo;
Eolo de pensamentos, (663)
Que abrira a gruta dos ventos,
Donde a Igualdade voou!
Por uma fatalidade,
Dessas que descem de além,
O sec’lo que viu Colombo,
Viu Guttemberg também:
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou,
O Genovês salta os mares,
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou.
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber.. .
Oh! bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia,
E manda o povo pensar!
O livro, caindo na alma,
É gérmen, que faz a palma,
É chuva, que faz o mar.
Vós, que o templo das idéias,
Largo, abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem-de-ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse rei dos ventos,
Ginete dos pensamentos,
Arauto de grande luz!
Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!
Num poema amortalhada,
Nunca morre uma nação,
Como Goethe moribundo,
Brada "Luz!" o Nôvo-Mundo
Num brado de Briareu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…
(Espumas Flutuantes, nas Obras Completas de Castro Alves,
ed. de Afrânio Peixoto, I, pp. 308-311)
.(663) O poeta deslocou a tónica: escreveu Eolo por tolo: o que se per
mite no verso.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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