CARTA DE BENJAMIN VAUGHAN na Autobiografia de Benjamin Franklin

Autobiografia de Benjamin Franklin

CARTA DE BENJAMIN VAUGHAN

"Paris, 31 de Janeiro de 1783.

"Meu caríssimo senhor: Quando li as suas páginas de notas relativas aos principais incidentes da sua vida, que lhe volveram às mãos graças à remessa do seu amigo "quaker", disse-lhe que lhe escreveria uma carta expondo as razões pelas quais penso que seria útil completá-las e publicá-las, como ele sugere. Vários afazeres me impediram durante certo tempo de escrever-lhe, e nada conheço de mais desagradável do que uma expectativa; acontecendo, contudo, que disponho agora de tempo, posso, escrevendo–lhe, interessar-me pelo assunto e instruir-me eu próprio, pelo menos; como, porém, os termos que estou inclinado a adoptar podem talvez ofender uma pessoa com as suas qualidades, dirigir-lhas-ei como se as dirigisse a outra pessoa que, embora bondosa e grande como o senhor, fosse menos desconfiada. Direi, pois: Caro Senhor: solicito a história da sua vida pelos seguintes motivos: a sua história é tão notável, que, certamente, se a não escrever, outra pessoa a escreverá; e possivelmente escrevê-la-á tão mal, como poderia escrevê-la bem se o fizesse sob a sua própria orientação. Essa história apresentará, além disso, um quadro da situação interna do nosso país, que muito contribuirá para atrair colonos de mentalidade viril e virtuosa. E considerando não só o arrebatamento com que semelhante conjunto de informações será procurado por eles, mas também a sua reputação, penso que não haverá conselhos mais eficientes do que os que poderá dar na sua biografia. Todos os acontecimentos da sua vida estão igualmente relacionados com aspectos de detalhes relativos aos costumes e às circunstâncias em que vive um povo que desponta; e, no que concerne a este particular, não creio que os escritos de César e de Tácito possam ter maior interesse para um verdadeiro julgador da natureza humana e da sociedade. Estas, porém, senhor, são pequenas razões, em meu entender, comparadas com a possibilidade que a sua vida pode proporcionar para a formação de futuros grandes homens; o que, conjugado com a sua Arte de Virtude (que sei ter tenção de publicar), contribuirá para o aperfeiçoamento das qualidades do carácter individual e, consequentemente, para o incremento da felicidade geral, pública e doméstica.

Os dois trabalhos aos quais aludo, senhor, constituirão, em particular, uma nobre regra e um exemplo de educação pelo esforço próprio. A escola e a educação que se recebe, frequentemente se baseiam sobre falsos princípios, e se vestem de grosseiras aparências que visam um falso objectivo; ao passo que a sua maneira de ser é simples e o alvo justo; e que, enquanto outros pais e outros jovens permanecem à míngua de processos exactos para formar um juízo e se preparar para uma carreira racional na vida, a sua descoberta de que essa possibilidade reside, em parte, no poder pessoal do homem, será inestimável! A influência que só no crepúsculo da vida se exerce sobre o carácter de cada um, não é apenas uma influência tardia; é também uma fraca influência. Na juventude se cavam os alicerces dos nossos hábitos e dos nossos preconceitos; na juventude a gente decide da nossa profissão, da nossa carreira literária, do nosso matrimónio. Na juventude, portanto, imprime–se o rumo; na juventude é dada a educação da própria geração seguinte; na juventude determina-se o carácter público e particular; e como a fase da verdadeira vida se não alonga senão a partir da juventude e no caminho para a idade avançada, a vida precisa de ser bem iniciada a partir da juventude e principalmente antes de formarmos as nossas opiniões e de estabelecermos os nossos principais objectivos. A sua autobiografia, no entanto, não nos ensinaria apenas a sua própria educação, mas a educação de um homem de bom senso. E por que razão haveríamos de privar os homens mais fracos de semelhante auxílio, quando vemos que a nossa raça tem andado a tropeçar na escuridão, quase sem ter um guia neste particular, desde os tempos mais remotos? Mostre, pois, senhor, o que há a fazer, tanto aos filhos como aos pais, e instigue todos os homens avisados a imitá-lo, e os outros homens a tornarem-se avisados. Quando obser-vamos quão cruéis podem tornar-se para a raça humana os estadistas e os guerreiros, e como homens em posição de destaque podem ser incongruentes para com as pessoas que com eles entram em contacto, concluímos que será instrutivo observar os múltiplos exemplos de uma conduta pacífica e condescendente; e reconheceremos que não há sombra de incompatibilidade entre ser grande e viver junto dos seus, invejado, e, apesar disso, alegre.

"Os pequenos incidentes particulares que o senhor terá também para narrar, serão consideravelmente úteis, porque, acima de tudo, necessitamos de regras de prudência nos negócios correntes; e será curioso saber como o senhor agiu em circunstâncias idênticas. O seu relato será, sob este ponto de vista, uma espécie de chave da vida, e explicará muitas coisas que todos os homens deveriam algum dia ter explicado ao seu semelhante, a fim de lhes proporcionar uma oportunidade para se tornarem de bom conselho, mercê da previdência assim adquirida. O que mais próximo se encontra da obtenção da experiência pessoal, é o trazer para uma luz, que seja interessante para nós, os problemas de outrem; é certo e seguro que tal possibilidade decorrerá de desgostos que sofram; os nossos negócios e a nossa orientação têm um ar de simplicidade ou uma importância que não poderão deixar de impressionar; e estou convencido que o senhor terá conduzido os seus com tanta originalidade, como se tivesse tratado de discussões políticas ou filosóficas; e que haverá de melhor, em matéria de experiência e de sistema (sem abstrair da sua importância e dos seus erros), do que a vida humana?

"Alguns homens foram cegamente virtuosos; outros especularam fantasticamente; e outros foram sagazes para maus fins; mas o senhor, tenho a certeza, não dará do seu punho senão aquilo que é simultaneamente avisado, prático e bondoso. O relato que fará de si próprio (porque suponho que o paralelo que estou esboçando para o Dr. Franklin, não abrange apenas o aspecto do carácter, mas também a sua história particular), mostrará que o senhor se não envergonha da sua origem; o que é mais importante de tudo é que, como o senhor demonstra, a origem pouco tem que ver com a felicidade, com a virtude e com a grandeza. Assim como se anão alcança um determinado objectivo sem esforço, assim nós reconheceríamos, senhor, que mesmo o senhor organizou um plano para se orientar, por meio do qual se impôs à consideração dos seus semelhantes; mas ao mesmo tempo podemos verificar que embora o resultado tenha sido lisonjeiro, os meios empregados foram tão simples quanto a sabedoria pôde torná-los; isto é, foram função da natureza, da virtude, do pensamento e do hábito. Outro ponto que ficaria demonstrado, seria o que concerne à noção exacta do tempo que cada homem deveria esperar para aparecer na cena do mundo. A nossa atenção concentra-se demasiadamente no momento que passa, e, por esse motivo, temos tendência a esquecer que outros momentos se seguirão ao primeiro, e, consequentemente, que o homem deve orientar a sua conduta de modo a poder segui-la durante a sua vida inteira. A sua prerrogativa, senhor, parece ter sido a de se ter aplicado durante toda a vida de modo que todos os seus instantes foram vividos com satisfação e alegria, em lugar de terem sido atormentados por impaciências insensatas ou por pesares. Semelhante conduta é fácil para aqueles que praticam a virtude e constroem o seu próprio futuro sob a protecção de outros grandes homens, cuja característica é, tantas vezes, a paciência. O seu correspondente "quaker", senhor (porque desejo imaginar novamente nesta ah ura, que o personagem ao qual se refere a minha carta, se assemelha ao Dr. Franklin), louva a sua frugalidade, a sua diligência e a sua temperança, considerando-as paradigmas para toda a juventude; mas é singular que tenha esquecido a sua modéstia, e a sua isenção, sem as quais o senhor não teria sabido jamais esperar a hora do seu progresso na vida, nem considerado, no entretempo, a sua situação aceitável; o que constitui uma forte lição que demonstra a pobreza da glória e a importância de saber controlar o pensamento. Se o seu correspondente tivesse conhecido a amplitude do seu prestígio como eu a conheço, teria dito: Os seus primeiros escritos e disposições, garantem que a sua Biografia, como também a sua Arte da Virtude merecerão atenção; em compensação, essa Biografia e essa Arte da Virtude assegurarão atenção para quem as ler. Esta é uma vantagem inerente a um carácter variado, que realça tudo o que lhe diz respeito; e este facto é o mais útil possível, visto que talvez mais pessoas se encontrem à míngua de meios para aperfeiçoar seus espíritos e caracteres, do que à míngua de tempo ou de vontade para se esforçarem nesse sentido. Mas há uma observação conclusiva, senhor, que mostrará a utilidade do relato da vossa vida como simples obra biográfica. Este estilo literário parece um pouco fora de moda, e, no entanto, ainda é um estilo muito útil; e o espécimen que nos apresenta desse estilo, pode ser particularmente proveitoso, porquanto servirá de termo de comparação com o relato das vidas de vários malvados e intrigantes, e de absurdos monges que se ciliciam, ou ainda de néscios literários ou fátuos. Se tal biografia estimular trabalhos da mesma espécie que o seu, e induzir outros homens a viver uma vida digna de ser descrita, será superior a todas as Vidas de Plutarco, tomadas em conjunto. Mas cansado de representar na minha imaginação um espírito do qual cada característica se adapta apenas a um único homem, sem no entanto elogiar esse homem, terminarei a minha carta, Dr. Franklin, com uma solicitação ao seu próprio eu. Ei-la: desejo ardentemente, meu caro senhor, que permita ao mundo conhecer os traços do seu carácter genuíno, já que perturbações civis poderão tender a deturpá-lo ou a interpretá-lo mal. Considerando a sua avançada idade, a prudência do seu carácter e a sua peculiar maneira de pensar, não é provável que outrem, que não seja o senhor, possa dominar suficientemente os acontecimentos da sua vida ou as intenções do seu espírito. Além de tudo isso, a imensa revolução do período que atravessamos, suscitará, naturalmente, a nossa atenção para o seu autor, e dado o facto de nela se exporem princípios virtuosos, será altamente importante evidenciar como essa revolução foi influenciada por semelhantes princípios; e como será sobre o seu próprio carácter que se procederá ao escrutínio, é natural (mesmo pelos seus efeitos quer sobre o seu vasto e jovem país, quer sobre a Inglaterra e sobre a Europa), que a sua biografia permaneça como respeitável e eterna. Para o progresso da felicidade humana, tenho sempre defendido a tese de que é necessário demonstrar que o homem não é, mesmo na época actual, um animal vicioso e detestável; e mais ainda, provar que uma boa orientação pode contribuir grandemente para corrigir os seus defeitos; e é sobretudo por esta razão que anseio por ver consolidada a opinião de que existem óptimos caracteres entre as individualidades da raça; porque, de momento que todos os homens, sem excepção, se julguem abandonados, o bom povo cessará todo o seu esforço, supondo-se sem esperança, e talvez pense em apoderar-se do quinhão que lhe pertence na luta pela vida, ou, pelo menos, em torná-la confortável egoistamente, de modo especial. Tome sobre os seus ombros, meu caro senhor, o mais depressa que possa, a execução desta obra; mostre-se bondoso como é; moderado como é; e, acima de tudo, revele-se como um homem que desde a infância amou a justiça, a liberdade e a concórdia, sob um aspecto que tornou consistente e natural a maneira como agiu, e nós o vimos agir, nos últimos dezessete anos da sua vida. Deixe que os ingleses não só o respeitem, mas também o apreciem. Desde que comecem a apreciar individualidades do seu país, começarão igualmente a apreciar o próprio país; e quando os seus compatriotas se virem apreciados pelos ingleses, começarão a apreciar a Inglaterra. Alongue a sua vista para mais longe ainda; não se detenha entre aqueles que falam a língua inglesa; depois de ter estabelecido tantos pontos de filosofia e política, pense nos benefícios que daí podem advir para toda a raça humana. Como não li nem um só trecho da sua biografia, e apenas conheço o carácter do homem que viveu essa vida, escrevo um tanto ou quanto ao acaso. Estou certo, contudo, que tanto a vida como a dissertação a que aludo (sobre a Arte da Virtude) preencherão necessariamente o ponto principal da minha expectativa; sobretudo se se decidir a seriar a obra nos vários pontos acima mencionados. Revelassem-se eles, mesmo sem sucesso, sob todos os aspectos que um seu fervoroso admirador deles espera, e o senhor teria pelo menos estruturado um trabalho de interesse para o espírito humano; e quem quer (jue proporciona um sentimento de prazer inocente ao seu semelhante, acrescentou muito ao lado belo da vida, que, de outro modo, sombriamente entristece, mercê da ansiedade e dos maus tratos que a dor inflige. Na esperança, portanto, de que o senhor atenda à súplica que nesta carta lhe dirijo, permita-me que me subscreva, meu caro senhor, etc, etc,

"Assinado: Benjamin. Vaughan."

Fonte: Ensaístas Americanos, Clássicos Jackson. Tradução de Sarmento de Beires e José Duarte.

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