COMPARAÇÃO ENTRE ANÍBAL E CIPIÃO AFRICANO

Plutarco- Vidas Paralelas

COMPARAÇÃO ENTRE ANÍBAL E CIPIÃO

É tempo de compararmos em poucas palavras os feitos e os gestos de Cipião e de Aníbal e o que diz respeito à sua disciplina civil. Primeiramente, se formos considerar os seus feitos bélicos, é notório que ambos foram excelentes e mesmo soberanos generais e cabos de guerra e que não somente foram iguais aos mais ilustres reis e príncipes, que existiram no seu tempo (embora vivesse então a fina flor dos mais belicosos do mundo), mas aos que haviam existido antigamente.

II. De uma coisa não me posso cansar de admirar e é de como, tendo poderosos adversários na cidade, que procuravam impedir e dificultar todos os seus empreendimentos, como lhes foi ainda possível desempenhar tão grandes incumbências, e levar a feliz- termo as gigantescas empresas guerreiras, às quais haviam sido mandados. Pois, sem falar de outras muitas, P. Cipião quantas dificuldades não teve de superar antes de conseguir ser mandado à África, para dirigir a guerra contra os cartagineses, pois, Fábio Máximo e outros principais da cidade eram-lhe contrários. Por outro lado, Aníbal que grande adversário não teve em Hanno, o chefe do partido contrário? Tendo, portanto, ambos vencido tantas dificuldades que lhes faziam seus mesmos concidadãos, eles levaram a bom termo feitos dignos de perpétua memória, não por casualidade, como a muitos acontece, mas pela habilidade, pela inteligência e pela prudência.

III. Muitos admiram a altivez e a ousadia de Aníbal, que, depois de ter tomado e saqueado Sagunto, teve a coragem de vir dos extremos da terra à Itália, e, trazendo consigo tão grande e poderoso exército, de infantaria e cavalaria, veio provocar uma importantíssima questão, que seus predecessores tinham sempre temido muito, e, depois de ter ganho várias batalhas, matado cônsules e generais, veio postar seu acampamento diante da cidade de Roma, incitando os reis estrangeiros das mais longínquas nações a fazer guerra aos romanos. Quem soube levar a cabo tais coisas deve ser por todos considerado um valente e mui grande general .

IV. Os outros, falando de Cipião, louvam-no e o exaltam muito, por causa dos quatro generais por ele vencidos e dos quatro grandes exércitos que ele desfez e pôs em fuga na Espanha; por ter ainda vencido e aprisionado o grande rei Sífax. Finalmente, louvam também aquele memorável combate, no qual Cipião derrotou Aníbal; pois se Fábio, dizem eles, foi louvado, porque não foi vencido por Aníbal, em que estima não se terá o Africano, que desbaratou, em plena batalha, aquele tão temível e grande general e pôs fim a uma guerra tão perigosa? Além disso, Cipião sempre fez a guerra abertamente e combateu, ordinariamente, com o inimigo em campo aberto; Aníbal, ao invés, sempre usou de esperteza, de estratagemas e de toda a sorte de enganos. Por isso, todos os autores gregos e latinos chamam-no de muito cauteloso e muito astuto.

V. Louva-se ainda a Aníbal, por ter sabido, e por tanto tempo, conter em paz e união seu exército, feito de todas as espécies de nações, quando fazia a guerra aos romanos, sem que tenha havido em seu campo rebelião ou revolta alguma. Por outro lado, censuram-no, por não ter sabido usar da vitória quando derrotou os romanos naquela memorável batalha, tendo deixado que seus soldados se corrompessem nas delícias e na voluptuosidade, na Campânia e na Apúlia, de modo que parecia que não eram mais os mesmos soldados que haviam derrotado os romanos em Trébia, Trasimeno e Cannes. Todos os autores censuram-lhe estas coisas e têm horror à sua deslealdade e crueldade. Entre outras coisas, não foi enorme crueldade ter feito vir ao seu acampamento uma mulher de Arpi, com seus filhos e depois os ter feito queimar vivos? Que se dirá dos que êle fêz morrer cruelmente no templo de Juno Lacínia, ao partir da Itália?

VI. Quanto a Cipião, se nos ativermos somente ao que escrevem os bons autores, do que a uma multidão de caluniadores e de invejosos, veremos que êle foi um general muito bondoso e moderado, não somente corajoso e valente, mas também afável e clemente, depois da vitória. Pelo que freqüentemente seus mesmos inimigos experimentaram a sua virtude, os vencidos, a sua misericórdia e clemência, e todas as espécies de pessoas sua probidade e lealdade. E, falando da sua continência e liberalidade, de que usou na Espanha, para com aquela moça prisioneira e Lucéio (1), príncipe dos celtiberos, não é digna de todo elogio?

VII. Quanto à vida particular, ambos foram instruídos nas ciências e ambos tiveram em grande estima e reverência os homens instruídos. Pois, segundo se diz, Aníbal teve grande familiaridade com Sosilo Lacedemônio, como o Africano, com Ênio. Outros escrevem que Aníbal foi muito versado nas letras gregas e que chegou mesmo a escrever uma história em língua grega, relativa aos feitos de Mânho Vulso. Eu estou de pleno acordo com M. Túlio, que diz, no livro do orador, que Aníbal ouviu, em Éfeso, a Fórmio Peripatético, o qual disputava, com muita loquacidade sobre o dever e o ofício do comandante-general, sobre leis e determinações de guerra, e que, pouco depois, interrogado sobre o que ele pensava daquele filósofo, respondeu, não em grego muito bom, mas em grego, que êle já havia visto muitos velhos visionários, nunca, porém, um maior do que Fórmio. Além disso, ambos tiveram muito espírito em suas conversas familiares: Aníbal tinha algo de sagaz e mordaz em suas respostas. Uma vez, quando Antíoco queria fazer a guerra aos romanos e já havia posto em campo seu exército, não tão bem provisto de homens, como ornado de ouro e prata, êle perguntou a Aníbal se lhe parecia que aquele exército era suficiente para os romanos. "Sim, Majestade, respondeu êle, embora os inimigos sejam muito gananciosos" .

VIII. Pode-se, pois, dizer com verdade que Aníbal realizou grandes feitos guerreiros, todavia nocivos e prejudiciais à própria causa pública. Pois êle deu motivo a guerras muito perigosas e foi causa da ruína total do seu país. Ao contrário, Cipião conservou sempre íntegros os interesses de seu país e ainda aumentou-lhe a potência, de tal modo que todos os que refletem e pensam nisso, não poderiam deixar de chamar a Roma de ingrata, a qual preferiu que o Africano, que a havia defendido e conservado, dela se retirasse, antes que reprimir e rebater o furor atrevido de um pequeno número de homens. Eu não saberia ter grande estima de uma cidade, que suportou tão covardemente os ultrajes e as ofensas feitas a um personagem tão grande e mais que inocente; e não saberia também censurá-la bastante, quanto a julgaria censurável, se tivesse ajudado a fazer-lhe tal ultraje. E, de fato,- o senado, como todos testemunham, agradeceu a Tibério Graco, por ter defendido a causa dos CipiÕes e o povo, seguindo a Cipião pelos templos da cidade, deixando os tribunos, que o acusavam, manifestou assaz a sua benevolência e a honra que prestava ao nome dos Cipiões. Portanto, se se devesse avaliar o ânimo e a vontade dos cidadãos por essas coisas, não se poderia deixar de julgar muito ingrata a cidade, que se esquecera assim dos seus benefícios, como demasiado fraca e covarde, suportando tamanho ultraje: pois bem poucos houve que aprovaram tanta maldade e quase todos ficaram muito aborrecidos com isso.

IX. Mas Cipião, que era homem de grande alma, não se importando com a inveja dos inimigos, preferiu deixar a cidade do que conturbá-la com guerras civis. Não quis também ir contra seu país de bandeira desfraldada, nem solicitar as nações estrangeiras, nem reis poderosos, para com o seu auxílio forçar a cidade, que êle tinha embelezado e ornado com tantos despojos e triunfos, como o haviam feito Coriolano, Alcibíades e vários outros, dos quais se faz menção nas histórias antigas. Pois, pode-se facilmente compreender, quanto êle se esforçou para conservar a liberdade romana; estando na Espanha, recusou o título e o nome de rei, que lhe fora oferecido: aborreceu-se muito com o povo romano, porque o quis criar cônsul perpétuo e ditador: e impediu que lhe erguessem estátuas, nem no lugar onde se reuniam para consultá-lo, nem no trono judicial, nem no Capitólio. Todas estas honras foram, ao depois, conferidas pelos cidadãos a César, que derrotara Pompeu. Tais foram, portanto, as virtudes cívicas do Africano, que são soberanos e mui verdadeiros louvores da sua continência.

X. Para sintetizarmos todas estas coisas, dizemos que estes dois célebres generais não se devem comparar, tanto nas virtudes particulares e civis (nas quais Cipião tem muito maior vantagem sobre Aníbal), como nas virtudes bélicas e na glória dos grandes feitos e atos guerreiros. Finalmente, há também alguma semelhança na sua morte, porque ambos morreram fora do seu país, embora Cipião não tenha sido condenado pela causa pública, como Aníbal, mas quis terminar seus dias fora da cidade, num exílio voluntário.

(1) Tito Lívio chama-o Alúcio.

Tradução de Pe. Vicente Cardoso.

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