CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR

Oliveira Lima

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR

(2 ou 24 de julho?)

Ao Dr. Mario Mello

O Dr. Pereira da Costa, que é o mestre de todos os que estudamos a história pernambucana, chamou há dias minha atenção para o seu trabalho publicado no tomo XIII da Revista do lnstituto Arqueológico sobre o dia preciso em que teve lugar a proclamação cm Pernambuco, no ano dc 1824, da revolução conhecida pela Confederação do Equador, ajuntando que eu devia por minha vez influir para que não continuasse a ser ela celebrada numa data errada. Respondi ao Dr. Pereira da Costa que lhe competia levantar em pessoa e de novo a questão nas sessões do nosso Instituto, onde sua ausência é deplorada por quantos têm a peito a autoridade dessa associação e carecem de lições do passado local dadas com a competência de quem é tão profundamente versado nos assuntos históricos, geográficos, etnográficos, linguísticos e outros relativos a este Estado.

O trabalho acima citado do autor de Folclore Pernambucano é nada menos do que concludente. A data está errada e é mister retificá-la. A verdadeira é 2 e não 24 de julho. Basta lembrar que o decreto imperial mandando suspender em Pernambuco as garantias constitucionais por motivo da "desmembração daquela província do Império, e outras do Norte, a título de Confederação do Equador, como se manifesta das suas pérfidas, incendiárias, revolucionárias e malvadas proclamações", é de 26 de julho. Como poderia o levante ter ocorrido a 24 c ser conhecido no Rio no dia imediato, cm época em que não existia ainda o telégrafo?

A primeira proclamação do presidente rebelde Manuel de Carvalho aos habitantes das províncias do Norte do Brasil é de 2 de julho. Proclamações c manifestos ulteriores apenas confirmam o primeiro apelo sem o alterar. A divisão naval comandada pelo chefe de esquadra Taylor, a qual tinha vindo tentar impor a posse do morgado do Cabo como presidente, retirara-se do Lamarão a 1.° de julho, chamado a serviço ainda mais urgente. Era natural que, desembaraçado dessa pressão, Manuel de Carvalho soltasse logo o brado de uma separação que entretanto estava sendo tratada, não só em Pernambuco como com outras províncias nordestinas.

O Dr. Pereira da Costa recorda esta circunstância e outra mais — que o presidente rebelde mandou tomar conta da tipografia de Cavalcânti & Cia. e transformá-la em Tipografia da Nação a 30 de junho, aí sendo impressa a proclamação de 2 de julho, como se faz menção no avulso. Não é portanto crível, conforme alguém sugeriu a possibilidade, terem as proclamações posteriores sido preparadas c expedidas sub-repticiamente para o Rio semanas antes de distribuídas no foco da insurreição. O manifesto revolucionário (não confundir com a primeira proclamação) era reproduzido no Diário do Governo da Corte a 30 de julho, não sendo porém possível que fossem tomadas tantas e tão completas providências — inclusive a designação nominal para o castigo dos principais comprometidos que se encontra nas instruções confiadas ao Coronel Lima e Silva — comandante da brigada expedicionária — antes de haver estalado o movimento, pela simples notícia de que este se projetava e devia romper. A expedição de tropas de combate e de navios dc bloqueio seria uma precaução natural: não era igualmente natural a enumeração dos réus antes da culpa.

Outras considerações há, absolutamente convincentes, aduzidas pelo Dr. Pereira da Costa. Lorde Cochranc, que veio em pessoa comandando a expedição naval despachada, partiu do Rio a 2 de agosto e chegou diante de Pernambuco a 18, tendo, entrementes, de 13 a 16, desembarcado em Jaraguá os 1.200 homens das tropas imperiais. Ora, escreve o almirante inglês na sua Narrativa de serviços, que já se achavam então distribuídas as proclamações de Manuel de Carvalho e bem assim instalada a República do Equador, tendo a revolução "já tomado raízes vigorosas". Um mês bastaria para isso, mas oito dias parecem insuficientes de todo para mediar entre o movimento subversivo e a partida da expedição.

No mesmo dia 2 de julho cm que lançava sua proclamação, mandava Manuel de Carvalho proceder aos consertos indispensáveis no palácio de Olinda para servir de casa à Assembléia Constituinte e legislativa da Confederação do Norte, c no dia imediato suspendia por edital — o que não faria se já não houvesse assumido uma posição inteiramente independente — o tráfico de escravos como sendo "um comércio que está em completa oposição com os princípios do Direito Natural e as luzes do presente século".

É aliás conhecido o motivo imediato, ou antes o pretexto da sublevação que havia meses se estava preparando, tanto assim que em abril tinham embarcado para o Pará emissários dessa propaganda republicana, levando consigo grande cópia de exemplares da Constituição colombiana, que devia governar provisoriamente a Confederação do Equador enquanto se não reunisse e organizasse outra Assembléia Constituinte. Tal pretexto foi o decreto do governador imperial relativo aos aprestos no Tejo da esquadra portuguesa destinada à reconquista do Brasil, recomendando aos pernambucanos o proverem por algum tempo a sua defesa, visto faltarem meios de proteger todo o litoral do país. Os revolucionários entenderam mais facilmente proverem essa defesa tornando-se independentes. A data do referido decreto imperial era 11 de junho, e deve calcular-se de 10 a 15 dias o tempo normal de uma viagem marítima naqueles tempos entre a capital brasileira e o Recife.

A data de 2 de julho — lembra ainda o Dr. Pereira da Costa, cuja argumentação não faço mais do que resumir, porque se não poderia completar o que já é completo — é a que se encontra na Synopsis de Abreu e Lima, na História de Armitage, na Synopse de L. F. da Veiga, na monografia sobre a Confederação do Equador de Pereira Pinto e na Crônica Geral do Brasil de Mello Moraes. É a data igualmente apontada por Varnhagcn na História da Independência.

No seu ofício de 3 de julho aos presidentes c governadores das armas do Ceará e do Piauí, diz-lhes Manuel de Carvalho que tendo-se retirado as fragatas Niterói c Piranga, as quais bloqueavam o porto para compelir o presidente rebelde à obediência, tomou este "a resolução que verá V. Excelência da Proclamação inclusa", mencionando a causa que já era de todos c rogando-lhe que apressasse a nomeação dos procuradores ao grande conselho. É um documento que corrobora todos os ontros invocados adrede.

De 2 de julho em diante foram sucessivamente tomadas providências de defesa que a ocasião sugeria: encomenda de material de guerra, na Europa; encomenda nos Estados Unidos de seis canhoneiras armadas de calibre 24; chamada às armas dos corpos milicianos, com os mesmos soldos do Exército; recrutamento geral; instituição de pensões para as famílias dos militares vítimas da luta e para os que se inabilitassem por lesões; organização da pequena divisão naval provisória; ordem na Inglaterra para dois vapores a fim de servirem à comunicação entre as províncias da Confederação; preparo das fortificações e mais de igual jaez.

De 1 a 15 de julho publicou o Typhis Pernambucano, redigido por Frei Caneca, as bases do pacto social que Pernambuco propunha para o Supremo Governo das Províncias Confederadas, para assentar o qual se convocava no Recife em 17 de agosto o Grande Conselho Preparatório da Assembléia Constituinte, digna sucessora daquela cuja dissolução fora a razão primeira do descontentamento e da dissidência que levaram à efêmera separação.

Não é preciso mais para apoiar a boa razão que assiste ao Dr. Pereira da Costa na sua asserção que constitui uma valiosa retificação e uma justa reivindicação. Um último argumento porém, invocado pelo nosso ilustre conterrâneo; a 19 de julho entravam na Barra Grande, nas Alagoas, o brigue e a escuna rebeldes conduzindo Metrowich, Ratclliff e Loureiro — os mártires depois justiçados no Rio — enviados no dia 17 a conduzirem dinheiro e material de guerra para as forças constitucionais do Sul. Os rebeldes diziam-se os verdadeiros constitucionais.

Se faltam documentos comprovativos, tão positivos que sejam indiscutíveis como o seria um ato solene da proclamação da República, a exemplo do que se praticou no Ceará e no Piauí a 25 e 26 de agosto, é porque também faltava a Manuel de Carvalho a intrépida franqueza dos revolucionários de 1817. Sua dissimulação foi um manejo premeditado. É o que se chama em política cálculo c traz felicidade aos que o possuem. Frei Caneca, que tinha outro desassombro, morreu fuzilado; Manuel de Carvalho morreu Senador do Império. Esta é a moralidade do caso, que pertence aos historiadores pôr em relevo, se quiserem ser moralistas. Ao Instituto Arqueológico cumpre fazer respeitar a cronologia.

 

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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