Crise da década de 1980 na América Latina

Crise da década de 1980 na América Latina

Ida Lobato Duclós

Originalmente apresentado na FFLCH/USP

Juan
Carlos Torres e James Malloy (1993) analisam a crise da década de 80, na
América Latina, em suas duas dimensões. É política – devido a transição de
regimes militares para a democracia – e é econômica – devido as enormes dívidas externas contraídas na década de 70 e a
consequente explosão inflacionária. Ambos os autores vão considerar como
fundamental para os novos governos a questão da governabilidade.

Malloy explica que há um consenso internacional que considera a crise econômica como o resultado das políticas
estatistas que vem desde a década de 30, nestas regiões. Esse consenso
determinou que a crise deveria ser enfrentada com programas económicos austeros de redução de consumo e estabilização,
baseado no crescimento capitalista, centrado no mercado. É uma ideologia
neoliberal de economia política, alerta Malloy, iniciada e reforçada pelo FMI,
Banco Mundial e Estados Unidos. Esta ideologia faz uma fusão entre democracia e
capitalismo de mercados, postulando uma
relação de causalidade entre ambas.

Malloy estabelece democracia liberal representativa como: escolha de
representantes por meio de eleições; negociação entre estes representantes com
os principais grupos de interesse da
sociedade para a formulação de políticas públicas; existência de
partidos políticos como principal estrutura intermediária no processo de
representação, que estabelece a ligação entre os grupos de interesses da

sociedade civil e o governo,
conectando os grupos com a formação das políticas públicas. Para ele, o grande
desafio dos países latinos é a construção de uma engenharia constitucional, a
formulação de políticas públicas e uma liderança presidencial que conduza este processo. Governar é resolver problemas
por meio de políticas públicas, não uma simples questão de distribuição
ou acesso ao poder. A questão é fazer os governos transformarem o potencial
político em um dado de conjunto de instituições e práticas políticas com
capacidade de definir e implementar políticas. Como ter recursos de poder para
estabilizar a economia interna e externamente se não existem instituições
sólidas? Como construir um Estado organizado democraticamente e sustentar uma
política dirigida a solucionar a crise económica se os esforços da construção
de um minam o do outro?

O
problema da governabilidade apresenta dois aspectos que devem ser enfrentados
por todas as democracias nascentes da região: a tarefa da engenharia constitucional implica nas relações entre
Executivo/Legislativo e na necessidade de formar coalizões com grupos da
sociedade civil, vinculando-os ao processo. Estas coalizões não se referem só a
disputa do poder formal, mas ao a apoio e sustentação do governo.

As
condições históricas demonstram que os partidos políticos destas nações foram
principalmente veículos para fazer circular os recursos de patronagem do Estado
entre as facções de uma classe política determinada, independente do regime
político. Todos os atores políticos envolvidos – militares, empresarias e
líderes trabalhistas – demonstraram pouco compromisso com a democracia como
forma de circulação de poder. Mostraram sempre sua preocupação primordial com o acesso ao poder, apoiaram os regimes
autoritários sempre que estes serviam a tais propósitos. O resultado são
partidos políticos altamente fraccionados, não representativos, sem ideologia
partidária. Mesmo os partidos populistas mais duradouros são aglomerados de
facções personalistas. Os puristas de esquerda que

de um Estado
menor e mais enxuto. A solução que estes governos encontraram foi a de governar
por decretos, premidos pela urgência de resolver os problemas económicos. A
criação de uma elite tecnocrática que aparentemente são neutras politicamente e
visam somente a resolução da crise permite uma coligação política em nome do
interesse maior da nação. Mas Malloy acha que isso é uma inovação da democracia
liberal, pois os programas de austeridade neoliberais tem uma inclinação para o
autoritarismo. Ele aponta que uma possível saída encontrada por estes países é
uma liderança presidencial forte que consiga estabelecer coligações, vencendo
as primeiras dificuldades económicas. Mas isso não resolve o paradoxo criado
por uma democracia híbrida: autoritária e liberal.

Juan Carlos Torres segue o mesmo caminho de Malloy,
acentuando o aspecto que a
retirada dos regimes autoritários costuma desencadear uma intensa luta pela
definição dos participantes e das regras da comunidade política. Para ele, a
estratégia de cooperação política se dá sem que haja um espaço contratual já
estabelecido. Isso impede a implementação de uma fórmula pactuada na gestão da
crise. Ele concorda que a pressão exercida por níveis críticos de inflação
-característicos da década de 80 – só podem ser resolvidos pelo Executivo.
Quando as regras políticas estão mais definidas e a comunidade política é menos
móvel, a ameaça da hiper-inflação pode ser compactuada: é o caso do México, em
1987, com o Pacto de Solidariedade para estabilização económica ou o Pacto pela
Democracia de Paz Estenssoro, na Bolívia em 1985. Mas ele alerta que o apoio
geral a uma ordem política é diferente da satisfação com determinados
resultados. Torres propõe como solução "desvincular
o sistema democrático da eficiência com a qual um determinado governo
democrático cumpre com as expectativas sociais." Pois a gestão da crise
econômica não permitiu satisfazer expectativa que regimes democráticos
trouxessem mais justiça social. Ao contrário, foram necessárias medidas duras,
que oneraram as classes sociais mais desprotegidas da sociedade.

Dentro deste contexto, Lourdes Sola vai demonstrar porque o Brasil é o
último a promover um ajustamento estrutural. Ela argumenta que o país foi o
caso mais bem sucedido de desenvolvimento econômico na década anterior e por
isso tem mais dificuldade de se ajustar na crise que se estabelece com o choque
de 82. Para Sola, o consenso de Washington não acertou seu diagnóstico e portanto
não basta seguir seu receituário para conseguir debelar a crise. O consenso de
Washington determinava um ajustamento estrutural externo – na balança de
pagamento e liberalização comercial – e interno, através da reforma fiscal,
previdenciaria e tributária. Lourdes Sola coloca o peso que provocou a
suspensão dos recursos externos desde a crise do México, quando o país entra
numa inflação acelerada. O primeiro plano de estabilização – que se baseou na
inflação inercial -não funcionou porque o Estado tinha uma profunda crise
fiscal, não dimensionada ainda pelos
líderes políticos da transição democrática. O principal problema porém apontado
por Lourdes é que a reforma fiscal, tributária e previdenciaria -necessárias
para a resolução da crise económica – dependem principalmente de questões
políticas. Lourdes Sola ressalta a capacidade de aprendizagem dos atores
políticos brasileiros, que durante a democratização tem tentado resolver os
problemas económicos em tentativas de erros e acertos.

Foi
possível conseguir uma abertura comercial sem muita oposição, mas a o ajuste
estrutural do Estado tem se mostrado problemática. Pois a coalizão eleitoral não
significa apoio governamental. No caso do Brasil, Lourdes Sola aponta um problema
específico: o regime autoritário mudou as estruturas partidárias, pois os governos
militares tinham uma certa preocupação com a representatividade. Isso levou
a uma mudança partidária, que dividiu os políticos em dois partidos. Nos outros
países da América Latina, quando acabou os regimes autoritários, se tomou os partidos políticos que estavam como submersos
durante as itaduras.

Uma das grandes dificuldades brasileiras é o controle governamental das
instituições do Estado: bancos estaduais, Petrobrás e etc. Como demonstra
Malloy, estas estâncias adquiriram
autonomia se insurgindo contra as medidas do executivo, que contrariam
seus interesses. Além disso, outro grande problema da governabilidade
brasileira é recapacitação do Estado: são precisos recursos financeiros e
humanos para uma reforma adequada.

Eduardo Kulgemas e Brasilio Salum Jr. vão centrar sua análise no Estado
desenvolvimentista brasileiro. Para Eduardo, o conceito de Estado envolve a
articulação entre poder político e o conjunto do corpo social. E preciso
portanto fazer uma distinção analítica entre Estado e regime político. Para
ele, a sociedade brasileira extravasou o Estado, tornou-se complexa demais para
ser absorvida por seus mecanismos de representação e cooptação. Em consequência
disto a capacidade do Estado de controlar e dirigir a ação de grupos sociais
reduziu-se progressivamente.

Kugelmas
vai analisar a conduta do presidente Ernesto Geisel, durante a ditadura militar, que tenta solucionar o problema
dos altos do petróleo, substituindo as importações, utilizando para isso
recursos externos. A redução conseguida na dependência produtiva teve como
contrapartida a elevação da dependência financeira em relação ao mercado
internacional de capitais. As altas taxas de juros internacionais e nova
elevação dos preços do petróleo e por fim a suspensão de empréstimos externos
em 1982 não permitiu mais que o país rolasse sua dívida e provocou uma
deterioração fiscal, um crescimento da dívida pública interna. "Ao procurar
a impossível compatilização de uma multiplicidade de papéis em um momento de
crise internacional, o Estado mergulha em uma crie fiscal que é a manifestação
de um impasse político básico." O Estado vê-se cada vez mais prisioneiro da necessidade de servir à própria
dívida. As estatais durante esta época passa a ter cada vez mais
autonomia e agir como corporações privadas, sem se

subordinarem a um
interesse geral. O resultado foi a fragilização do Estado como condutor da
economia o que teve papel importante na desagregação do regime militar e na
transição democrática. Esta crise do Estado mostrou as rachaduras do sistema
político brasileiro e afastou a noção de que o problema econômico é sobretudo fiscal. Para Kulgemas, a principal
questão é política.

Brasilio
Sallum ressalta concorda com seu colega, a emergência de alternativas à
política governamental, durante a ditadura militar, mostrou com isso que a
crise não era mais apenas económica mas sobretudo política. O resultado foi
duas propostas diferentes para a saída da crise: uma neoliberal e a outra
nacional desenvolvimentista. A vertente neoíiberal preconizava uma quebra no
intervencionismo estatal e a reativação dos mecanismos de mercado. A defesa
nacional desenvolvimentista pretendia a reforma do sistema financeiro. O Estado seria o planejador de um desenvolvimento
autárquico, promovendo uma integração do sistema industrial e
internalização das indústrias de ponta. E quando entra em cena os movimentos sociais, reivindicações
trabalhistas e sindicais. "Esse início de transição decorreu de dois
processos. Derivou do estrangulamento externo, da crise das finanças públicas,
da perda da capacidade material do Estado de superar a crise, da
recessão, da aceleração inflacionária e do surgimento de rupturas sensíveis na
aliança desenvolvimentista. Mas dependeu também do crescimento dos movimentos populares e da classe média, marcados
pela autonomia organizatória e pela orientação oposicionista."
(Sallum, 1996)

Para este autor, a transição democrática se dá sem rupturas. A eleição
de Tancredo Neves significou uma sobre vida deteriorada da velha aliança
nacional-desenvolvementista, mas também se mostrou um arranjo político
inovador. Pois acabará por mostrar que o Brasil não é apenas um exemplo de
dissociação Estrutural entre capitalismo
periférico e dependente e democracia, com os analistas de esquerda
pretendiam.

Bibliografia

1.  Kugelmas, E. – O
Leviatã acorrentado: a crise brasileira dos anos
80 in (org. Sola) Estado,
Mercado, Democracia. Paz e Terra, S. Paulo, Paz e Terra, 1993

2.           Malloy, J. – Política
Econômica e o Problema da Governabilidade Democrática nos Andes Centrais
in
(org. Sola) Estado, Mercado, Democracia. S. Paulo, Paz e
Terra, 1993

3.           Kugelmas, E & Sallum,
B. – O Leviatã acorrentado: a crise brasileira dos anos 80 in (org.
Sola) Estado, Mercado, Democracia, Paz e Terra, São Paulo, 1993

4. Sallum, B. – Labirintos, dos Generais à Nova
República.
Hucitec, São
Paulo, 1996.

5. Sola,
L. – Estado, Transformação Económica e democratização no
Brasil
in (org. Sola) Estado, Mercado, Democracia. Paz e Terra, São
Paulo, 1993

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