Crônica de Machado de Assis para a Gazeta de Notícias

A Semana – Crônicas de Machado de Assis para a Gazeta de Notícias

Organização de Mário de Alencar.Fonte: Clássicos Jackson, 1944.

1892

1 de Maio

Vês este tapume ? Digo-vos que não ficará taboa sobre taboa. E assim, se cumpriu esta palavra do Dr. Barata Ribeiro, que imitou a Jesus Christo, em relação ao templo de Jerusalem. Olhae, porém, a differença e a vulgaridade do nosso século. A palavra de Jesus era prophetica: os tempos tinham de cumpril-a. A do presidente da intendência, que era um simples despacho, não precisou mais que de alguns trabalhadores de boa vontade, um advogado e vinte e quatro horas de espera. Ao cabo do prazo, reappareceu o nosso chafariz da Carioca, o velho monumento que tem o mesmo nome que nós outros, filhos da cidade, o nosso chará, com as suas bicas sujas e quebradas, é certo, mas eu confio que o Dr. Barata Ribeiro, assim como destruiu o tapume, assim reformará o bicume. E poderá ser preso, açoutado, crucificado; resurgirá no terceiro minuto, e ficará á direita de Gomes Freire de Andrade.

Já que se foi o tapume, não calarei uma anecdota, que ao mesmo tempo não posso contar. Valham-me Gulliver e o seu invento para apagar o incêndio do palácio do rei de Lilliput. Recordam-se, não? Pois saibam que uma noite lavrava um principio de incêndio no tapume, — algum phosphoro lançado por descuido ou perversidade. Um Gulliver casual, que ia passando, correu a apagal-o. Pobre grande homem! Esbarrou com um soldado de sentinella, ao lado da Imprensa Nacional, que não consentiu na obra de caridade d’aquelle corpo de bombeiro. Perseguido pela visão do incêndio (ha d’esses phenomenos), o nosso Gulliver viu fogo onde o não havia, isto é, no próprio edificio da Imprensa Nacional, lado oppos-to, e correu a apagal-o. Não achou sombra de sentinella! Disseram-lhe mais tarde que a sentinella do tapume era a mesma que o governador Gomes Freire mandara pôr ao chafariz, em 1735, e que a Metropolitana, por descuido, não fez recolher. Vitalidade das instituições!

Mas esse finado tapume faz lembrar um tempo alegre e agitado, tão alegre e agitado quão triste e quieto é o tempo presente. Então é que era bailar e cantar. Dançavam-se as modas de todas as nações; não era só o fadinho brazileiro, nem a quadrilha franceza; tínhamos o fandango hespanhol, a tarantella napolitana, a valsa alleman, a habanera, a polka, a mazurka, não contando a dança macabra, que é a synthese de todas ellas. Cessou tudo por um effeito magico.

Os músicos foram-se embora, e os pares voltaram para casa.

Só o accionista ficou, — o accionista moderno, entenda-se, o que não paga as acções. Tinham-lhe dicto: — aqui tem um papel que vale duzentos, o senhor dá apenas vinte, e não fallemos mais n’isso.

— Como não fallemos*?

— Quero dizer, fallemos semestralmente; de seis em seis mezes, o senhor recebe dez ou doze por cento, talvez quinze.

— Do que dei?

— Do que deu e do que não deu.

— Que não dei, mas que hei de dar ?

— Que nunca ha de dar.

— Mas, senhor, isso é quasi um debenture.

— Por ora, não ; mas lá chegaremos. D’esta noção recente tivemos, ha dias,um exemplo claro e brilhante. Uma assembléa, tomando contas do anno, deu com trez mil contos de despezas de incorporação. Nada mais justo. Entretanto, um accionista propoz que se reduzissem aquellas despezas; Outro, percebendo que a medida não era sympathica, lembrou que ficasse a directoria auctorizada a entender-se com os incorporadores para dar um corte na somma. A assembléa levantou-se como um só homem. Que reduzir? que entender-se? E, por cerca de cinco mil votos contra dez ou onze, ap provou os trez mil contos de réis. A razão adivinha-se A assembléa comprehendeu que a incorporação, como a acção, devia ter sido paga pelo decimo, e conseguintemente que os incorporadores teriam recebido, no máximo, trezentos contos. Pedir-lhes reducção da reducção seria econômico, mas não era razoável, e instituiria uma justiça de dous pesos e duas medidas. Votou os trez mil contos, votaria trinta mil, votaria trinta milhões.

Hão de ter notado a facilidade com que meneio algarismos, posto não seja este o meu officio; mas desde que Camões & C. puzeram uma agencia de loterias no becco das Cancellas, creio que, ainda sem ser Camões, posso muito bem brincar com cifras e números. Na explicação do Sr. Pr. Ferro Cardoso, por exemplo, acerca da não eleição, o que mais me interessou, foram os oito mil eleitores que deixaram de votar no candidato, já porque eram milhares, já porque o argumento era irrespondivel. Com effeito, ninguém obriga um homem a accei-tar a cédula de outro; se a aceeita e não vota, é porque cede a uma força superior.

Tudo é algarismo debaixo do sol. A própria circular do bispo aos vigários, acerca dos padres e sacristães associados paravender caro as missas, reduz-se, como vêem, a sommas de dinheiro. Grande rumor nas sacristias. Grande rumor na imprensa anonyma. Pelo que me toca, não sendo padre nem sacristão, cito este acontecimento da semana, não só por causa dos algarismos, mas ainda por notar que o bispo adoptou n’este caso o lemma positivista: Viver ás claras. Em vez de circular reservada, fel-a publica. Mas como, por outro lado, já alguém disse que o positivismo era "um catholicismo sem christianismo", a questão pode explicar-se por uma sympathia de origem, e os padres que se queixem ao bispo dos bispos.

Onde não creio que haja muitos milhares de contos é na Republica Transatlântica de Matto Grosso. O dinheiro é o nervo da guerra, diz um velho amigo ; mas um fino e grande politico desmente o axioma, affirmando que o nervo da guerra está nas boas tropas. Haverá este nervo em Matto Grosso? Quanto a mim, creio que a joven republica não é mesmo republica. Aquelle nome de Transatlântica dá idéa de um gracejo ou de um enigma. É talvez o que fique de toda a campanha. Também pôde ser que a palavra, como outras, tenha sentido particular n’aquelle Estado, e traga uma significação nova e profunda. Ás vezes, de onde não se espera, d ‘ahi é que vem. Ha dias, dei com um verbo novo na taboleta de uma casa da Cidade Nova: "Opacam-se vidros". Digam-me em que diccionario viram palavra tão apropriada ao caso.

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