DA ESSÊNCIA E DO VALOR DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA EM GERAL – HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA ANTIGUIDADE – Johannes Hirschberger

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA ANTIGUIDADE
Johannes Hirschberger

Tradução de Alexandre Correia

Fonte: Editora Herder, 1965

 

INTRODUÇÃO

DA ESSÊNCIA E DO VALOR DA
HISTÓRIA DA FILOSOFIA EM GERAL

a)    A História da Filosofia como ciência

A
História da Filosofia é ciência histórica e Filosofia simultaneamente,
abrangendo assim duas esferas de atividades. Como ciência histórica tem como
finalidade dar-nos a conhecer o conjunto essencial de idéias dos filósofos, no
passado e no presente.   Permite-nos assim conhecer o que importa sobre a vida,
obra e doutrinas desses pensadores.   E assim ela não somente expõe o que foi
esse patrimônio de idéias, mas também nos torna possível sua compreensão, esclarecendo-nos
as idéias e os pensamentos que o constituem.   Isto se dá, levando-nos a
perceber como nasceu este conjunto ideológico, integrando-o numa síntese mais
vasta de idéias, numa concatenação sistemática e entrosando-o com amplas
correntes espirituais, sobretudo de épocas e de povos.  E assim somos
conduzidos a descobrir, finalmente, os pressupostos fundamentais e últimas
concepções dos quais, como de um solo fecundo, brotaram as  idéias, os
problemas e as doutrinas dos filósofos.

Mas
é evidente que, se a História da Filosofia quiser apresentar as coisas como
elas realmente são, tem ela necessidade de empregar um certo método. De um
lado deve considerar-lhes as fontes de onde promanam, e, de outro, apresentá-las
com objetividade e despir-se de preconceitos. A busca das fontes é uma especial
aquisição das modernas ciências históricas. A Antigüidade e a Idade-Média
viveram, em grande parte, de notícias de segunda e terceira mão. Hoje, pelo
contrário, nós lemos não somente as próprias fontes, mas nos certificamos, com
precauções críticas, se os escritos ligados ao nome de um determinado filósofo
realmente lhe pertencem, e se se conservaram na sua pureza e em que período da
sua atividade foram escritos (crítica das fontes e cronologia). E assim a
História da Filosofia é um volver constante às obras mesmas dos filósofos.
Procuramos nós conseguir a objetividade, na nossa exposição histórica,
esforçando-nos por explicar o que realmente foi dito e como realmente foi
concebido, não considerando as coisas com as lentes coloridas de uma posição
subjetiva. P. ex., não devemos querer descobrir em Platão o
neo-kantismo, nem a escolástica em. Aristóteles.
Contudo, uma absoluta ausência de preconceitos nunca houve nem jamais
haverá, porque todo cultor das ciências do espírito é filho de seu tempo, sem
poder ultrapassar sua própria capacidade; e, em particular, haverá sempre de
julgar em dependência dos valores e cosmovisões mais recentes, do que talvez
jamais tenha suficiente consciência. Disto não se conclui que devamos renunciar
de todo à imparcialidade. Ao contrário, devemos antes nos propor o ideal da
objetividade, é claro, inatingível como todo ideal, mas que devemos trazer
sempre diante dos olhos, sempre prontos a mantê-lo no ensino ou na discussão e
buscá-lo constantemente, numa tarefa ininterrupta. O tratamento
crítico-científico da História da Filosofia preserva o filósofo de uma série
de erros fatais: do deslise para uma consideração puramente estética; de cair
naquela "interpretação" subjetiva, que mais adultera (hineinlegt)  que
interpreta (auslegt); de ceder a essa dialética muitas vezes cheia de
espírito, mas, no fundo, vaga e vazia de sentido; de resvalar para uma
"especulação" que se tem na conta de profunda, mas, em realidade,
versa pseudo-problemas e não penetra as idéias pelas quais se interessa,
prendendo-se apenas às palavras; e, antes de tudo, evita que a
"Filosofia" se transforme em um mero impulso literário e preocupação
com a assim chamada vida espiritual do tempo.

b)    A História da Filosofia enquanto Filosofia

α)
A História da Filosofia» será apenas a história dos erros? — Mas a
História da Filosofia é também, pura e realmente, Filosofia. Ela não é, como
gostosamente o repetem os inexpertos, uma história errorum. Com razão se
opôs Hegel a essa concepção, de se ver nela apenas um "acúmulo desordenado
de opiniões". Uma consideração mais profunda logo vislumbrará, na História
da Filosofia, uma luta honesta pela cidade.   E não somente honesta,  mas continuada, 
capaz de uma coesão interna.           

β)
Ou a verdade lotai? — De outro lado, também não é exato, evidentemente,
como Hegel afirmava, caindo no extremo oposto, que ela seja um "sistema
em evolução"; i.é, que exprima a evolução lenta e progressista da auto-revelação
do espírito e da verdade, onde tudo se concatena, de modo tão estritamente
lógico, permitindo-nos deduzir o posterior do anterior, como se se pudesse —
pelo menos as personagens de importância histórica universal poderiam — saber o
que, necessária e internamente, já está incluído no tempo. A História da
Filosofia é, certo, um desenvolver-se do espírito, o tomar consciência de si
mesmo; porém, este seu caminho nem é em linha reta nem pré-determinado numa
infalível seqüência lógica, nem necessidade real. Ao lado dos marcos miliários
da verdade, encontram-se também aqui os meandros da falsidade, os desvios do
erro e o perturbador jogo do acaso. Assim como a história política nem sempre é
um processo de fatos realmente necessários, mas também pode ser propelida pelo
poder da vontade de um ditador ou pelos caprichos de uma maitresse, assim
a História da Filosofia se deixa influenciar pelo acaso e todo o irracional
resultante da subjetividade e da liberdade fílosofante do homem. De nada serve
a "célebre "astúcia de Idéia", que "explica" demais,
por considerar tudo como necessário. Mas assim não foi. Não poucos filosofemas
se revelam como oriundos de antagonismos pessoais ou rivalidades das escolas.
Nem per isso se pode considerar a História da Filosofia como uma hiitória dos
erros ou afirmar encerre ela a verdade total.

γ) ou existência? — E isto ainda
não o seria ela, mesmo que, numa variação moderna da concepção hegeliana, se
interpretasse essa verdade total como a existência filosófica; pois a Filosofia
não foi, até agora, compreendida somente como atividade, mas visou sempre
verdades teóricas, e não somente "a verdade"; e também assim o deverá
fazer no futuro.

 δ) Auto-revelação do espírito. — É coisa algo
diferente o que torna realmente a História da Filosofia uma Filosofia. De um
lado,’o conhecimento de outras opiniões faz-nos romper com os apertados quadros
das condições pessoais, temporais e espaciais, libertando-nos assim de muitos
pressupostos subjetivos e aproximando-nos cada vez mais de uma consideração da
verdade sub specie aeterni: "Só pela História vimos a nos libertar
da História" (Rickert). Há
algo de atemporal na Filosofia. Seus problemas não envelhecem; se forem
sentidos na sua pureza, poderão até atualizar-se sempre. "As idéias dos
grandes, no domínio da Filosofia, são, pelo seu conteúdo, imediatamente
vizinhas das idéias dos" filósofos, que viveram séculos antes deles. (W. Cramer). Mas estes patrimônios atemporais
não nos caem do céu. Só a poucos é dado penetrar no "íntimo das
coisas". Precisamos, antes, socorrer-nos da história das idéias, para
vermos fundo nas nossas idéias. E então chegamos, pela História da
Filosofia, a uma crítica do conhecimento humano, historicamente substruturada.
Os instrumentos do espírito humano, as formas das suas intuições, seus
conceitos, a ordenação das suas idéias, seus problemas, hipóteses e teorias
revelam sua essência e faculdades só no decurso do tempo. Durante decênios e
séculos os homens muitas vezes se preocuparam com problemas, para, afinal,
terem de conceder que os problemas, desde o princípio, nas suas idéias
fundamentais foram falsamente colocados. Fundados em muitas experiências dessa
natureza, devemos contar com proposições falsas que, muitas vezes, interferem
em o nosso pensamento. Conceitos como o de repouso e movimento, continuidade e
discreção, matéria e forma, sensível e espiritual, corpo e alma, para só nos
referirmos a alguns deles, penetram hoje nas considerações mais sutis. Temos
nós, a propósito deles, sempre a consciência de que se formaram numa idade
obscura, fundados num material de intuições que já não nos podem provar o que a
outros o puderam? E, todavia, conservam esses conceitos os seus primitivos
sentidos. H. Poincaré escreveu
uma vez: "São geralmente conhecidos esses finos travamentos de agulhas,
fossilizados, constitutivos dos esqueletos de certas esponjas. Desaparecida por
completo a matéria orgânica, apenas resta um quebradiço e gracioso tecido de
agulhas. Na realidade não passa de partículas de ácido silicoso; mas o
interessante é que não podemos compreender a forma assumida por esse ácido
silícico, sem conhecermos a esponja. viva que justamente lhe deu essa forma.
Assim passa também com os velhos conceitos intuitivos de nossos antepassados
que, mesmo apesar de abandonados por nós, continuam a imprimir a sua forma ao
arcabouço lógico, que nós colocamos no lugar dela". Ao versarmos a
História da Filosofia, encontramos a oportunidade de fundamentar o sentido
próprio e o valor do nosso instrumento pensante: os conceitos se purificam, os
problemas melhor se formulam, o caminho mesmo para a realidade se aclara. A História
da Filosofia se transforma, por si mesma, em crítica do conhecimento,
tornando-se assim Filosofia no sentido próprio da palavra; pois agora estamos no
caminho para o conteúdo atemporal dos seus problemas. E agora evidencia-se
também como a História da Filosofia é, na realidade,  Filosofia mesma.

 ε) Historicismo? — E assim a
História da Filosofia não tem que temer a censura de historicismo. Houve, é
certo, nos séculos passados, algo a que se podia chamar alexandrinismo: um
enorme acervo de material de museu, que, sem dúvida, era saber, mas não
ciência, por limitar-se a um acúmulo de lastro histórico, sem que se
valorizassem os resultados para a questão sistemática e filosófica da verdade.
Se nós, porém, considerarmos a História da Filosofia como auto-reflexão do
espírito, então desaparecerá esse perigo e, realmente, estaremos a braços com
a Filosofia na sua realidade. Então poderemos prosseguir na solução
sistemático-real dos problemas filosóficos que, sem uma suficiente
fundamentação filosófico-histórica, não raramente viria a dar num combate
contra moinhos de vento. A distinção entre "Sistemática" e
"História" da Filosofia é, assim, antes de tudo e freqüentemente, também
escolástica; sobretudo quando acreditamos poder atingir as "coisas-em-si-mesmas",
sem apreciação crítica das palavras e conceitos de que se serve, os quais
muitas vezes não formulam um problema, antes falseiam-no. Em verdade, a metade
da literatura filosófica não teria sido escrita, se os seus autores tivessem
tido conhecimento exato da história prévia das palavras e dos problemas nos
quais e sobre os quais falam.

São
por isso meritórias todas as tentativas que se empreendam, no sentido de
servir ao "filosofar científico". À guisa de exemplo cite-se a antiga
iniciativa: Revista para a Investigação Filosófica (Zeitschrift für
philosophische Forschung) e que agora aparece com o nome de: Arquivo para a História
das Idéias
(Archiv für Begriffsgeschichte, 1955, ss.) publicado por ordem
da Comissão para a Filosofia, da Academia das Ciências e Literatura, em Mogúncia.

Bibliografia

N. HartMann,
Zur Methode der Philosophiegeschichte (Método para a História da
Filosofia (1910; agora Kleinere Schriften — (Escritos Menores) III). J. Hirschberger, Geschichte der
Philosophie ais Erkenntniskritik. Geisteswelt des Mittelalters.
Grabinannfestschrift
(1935) 131 — 148. (História da Filosofia como Crítica do Conhecimento — O
Mundo Intelectual da Idade Média) W. Cramer,
Die PhUosopMe und ihre Geschichte (A Filosofia e sua História)
Blatter für deutsche Philosophie 14(1941). E. Hoffmann,
über die Proolematik der philosophiegeschichtlichen Methode (Sobre
a Problemática do Método Histórico-Filosófico (1937) ; agora em E. Hoffmann,
Platonismus und christliche Philosophie   (1960)   5-41.

 

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