Definição do Território do país – História do Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

TOMO II

 

CAPÍTULO XII

Formação histórica das fronteiras

(continuação)

 

Enquanto a disputa a respeito de Sacramento e da margem norte do rio da Prata, durante sessenta anos, inquietou os gabinetes dos dois reinos e toda a diplomacia européia, com os seus altos clamores, ficando, entretanto, sem resultado algum digno de nota, obtinha a própria colonização brasileira, em outros lugares, às caladas, o maior sucesso e tomava aos espanhóis as terras do coração da América do Sul.

Primeiramente: prosseguindo da foz do Amazonas, rio acima, já ela havia alcançado o curso superior desse rio, quando ali encontrou os primeiros precursores da colonização espanhola (cerca de 1700). Foi um jesuíta alemão, Samuel Fritz, membro da missão de Quito, autor do primeiro mapa autêntico da bacia do Amazonas; estava ele justamente ocupado nos trabalhos preparatórios para esse efeito, no levantamento do curso do rio, quando foi apanhado, como espião espanhol, pelo diretor de uma colônia avançada brasileira. Posto em liberdade ao cabo de dois anos de prisão, nos seus últimos anos trabalhou com sucesso na conversão entre os índios do Alto Amazonas e estabeleceu uma das tribos de índios mais bravos em torno da cruz da sua missão, na região da atual aldeia de Olivença.

Depois de sua morte, ficaram as novas missões sob a direção dos irmãos da ordem de Cristo, portanto, sob a soberania espanhola; porém, em breve, elas foram ultrapassadas pela colonização brasileira que avançava, e no ano de 1708, durante a guerra de sucessão espanhola, mandou o capitão-general do Pará avisar aos missionários espanhóis que se retirassem do território brasileiro.

Já eles se preparavam para obedecer, quando lhes acudiu um punhado de soldados espanhóis, que fizeram recuar os postos avançados brasileiros e destruíram as vizinhas missões dos carmelitas portugueses, na confluência do rio Negro; porém, quando chegou então, vindo apressadamente de Belém, um pequeno destacamento de tropas, eles não ousaram resistir; fugiram os soldados espanhóis e missionários. Com isso, ficou quase todo o território da atual província do Alto Amazonas para o Brasil.

Por outro lado: vinda de São Paulo, tomou a colonização brasileira primeiro posse de Minas Gerais (1700 e seguintes), depois de Goiás e Cuiabá (1720 e seguintes); em 1734, já estavam os seus precursores em Mato Grosso; e a viagem fluvial de descobrimento de Manuel Félix de Lima, que em 1742, navegando de Mato Grosso, rio abaixo, pelo Guaporé e pelo Madeira, alcançou o rio Amazonas, demonstrou aos jesuítas espanhóis da missão do Peru, que o espírito empreendedor brasileiro havia levantado também aqui uma barreira ao avanço da soberania espanhola.

Finalmente, também ao longo da costa do Aüântico, da vila de Laguna (Santa Catarina), se havia feito progresso ao sul; no território da atual província de São Pedro, eram sempre em maior número os precursores; já em 1715, as autoridades de Laguna, diante dos jesuítas espanhóis das missões de Entre Rios, que já avançavam então para a margem oeste do Uruguai, reivindicavam formal direito de posse desse território; e, ainda, no ano de 1737, levantou-se no desaguadouro da lagoa dos Patos uma praça forte, a atual cidade do Rio Grande, que daí em diante devia garantir o domínio brasileiro sobre esse lago interior e sobre toda a costa de São Pedro.

Era esta a situação de fato das possessões sul-americanas, cerca do ano de 1750; em todos os pontos estavam, de um lado a colonização espanhola, de outro a portuguesa, encostadas uma à outra; mais um passo que se desse adiante, devia resultar um conflito geral. E tal parecia de fato, inevitável; em ambas as nações da península Ibérica, tanto no povo como no gabinete, predominavam, como já antes, a velha ambição e teimosia, que não permitiam deixar escapar o menor pedaço da terra americana que considerasse seu. Então, uma disposição de espírito amigável, pessoal, entre as duas casas reais, desviou provisoriamente um rompimento de hostilidades e mesmo se esforçou em remover futuros motivos de guerras, por uma pacífica demarcação de limites.

No trono de Espanha governava (1701-1746) o rei Filipe V, no de Portugal, o rei d. João V (1706-1750); eles não haviam mantido muito boas relações de vizinhança, pois Filipe V não podia nunca olvidar que Portugal, durante a guerra de sucessão espanhola, havia passado para os seus inimigos; todavia, duplos laços matrimoniais haviam apertado as relações entre ambas as famílias, por haver d. João V casado o seu sucessor, d. José Manuel (1750-1777), com uma filha do rei espanhol, e d. Filipe V ao seu sucessor, d. Fernando VI (1746-1759), com uma princesa portuguesa (19 de janeiro de 1729).

Esses laços de parentesco não tiveram, enquanto viveu d. Filipe V, a mínima influência na política; porém, depois de sua morte, tomaram significação desta espécie; ambas as cortes, de Lisboa e de Madri, formaram uma estreita aliança de amizade; e, deste modo, também foram ao encontro uma da outra, conciliadoras, na questão de posse e de limites sul-americanos.

Entabularam-se secretamente negociações em Madri, nas quais o secretário de Estado, José de Carvajal Lencastre, defendia os interesses da Espanha, e o embaixador Tomás da Silva Teles, visconde da Vila Nova de Cerveira, defendia os de Portugal; embora não pudesse ser de outro modo, todavia, com moderação digna de louvor, tomou-se por base do convênio o estado de posse efeitvo do momento, e surgiu, assim, das deliberações, um tratado sobre os limites de ambos os lados na América do Sul, concluído em Madri (15 de janeiro de 1750), ratificado em Lisboa (26 de janeiro), e em Madri (8 de fevereiro de 1750).

Eram as disposições do tratado, em substância, as seguintes: em primeiro lugar, as desde muito antiquadas demarcações, a linha divisória determinada no auto de doação papal e no tratado de Tordesilhas (7 de julho de 1494), foram formalmente anuladas e, em compensação, aceitas as seguintes linhas limítrofes. Começa a linha no escoadouro da lagoa dos Castelhanos (laguna de Castillos, 34°20′ de latitude sul), segue pelo cume da vizinha serra de Castilhos Grandes, passa pelas nascentes do rio Negro, afluente do Uruguai, até às do Ibicuí e por este rio até sua foz no Uruguai; corre então ao longo do curso principal do Uruguai, até ao ponto onde recebe o Pepiri, vindo do norte; depois vai subindo esse afluente até às suas nascentes, e, prosseguindo ao norte, alcança as vizinhas nascentes de outro rio pequeno, que leva essa linha ao rio Iguaçu (Curitiba). Daí em diante, a linha de fronteira desce primeiro pelo leito do Iguaçu, mais além toma o do Paraná e, deste último, enfiando a oeste, por um pequeno afluente, o Igureí, acompanha-o até às suas nascentes; das nascentes do Igureí até ao rio Paraguai, em linha a mais próxima possível de uma reta, segue o divisor de águas, ou um rio situado a propósito, formando as fronteiras sul de Mato Grosso. Segue daí o curso principal do Paraguai acima, até à embocadura do Jauru; daí vai em linha reta a oeste em busca do Guaporé e, passando ao longo deste pela confluência do rio Mamoré, entra no Madeira; também este forma provisoriamente, com o seu leito, o limite, até a um ponto a meio caminho entre a sua origem (a junção dos rios Guaporé e Mamoré) e a sua foz (no Amazonas). Do ponto último citado no Madeira, a linha de fronteira busca o rio Javari, depois segue por esse rio até à sua foz e daí o curso principal do Amazonas, de onde a linha se volve de novo para o norte na foz do Iapurá, e acompanha esse rio até às suas nascentes; alcança, assim, o divisor das águas entre as bacias do Amazonas e do Orenoco, e esta forma, então, até pela Guiana a dentro, o limite político entre a América do Sul espanhola e a portuguesa.

Se acompanharmos essa linha no mapa e nos lembrarmos de que, até ainda hoje (e quanto mais há cem anos atrás!), os conhecimentos geográficos do interior sul-americano são muito incompletos, devemos tanto mais reconhecer que as fronteiras foram relativamente traçadas com muito grande segurança e clareza; "era uma verdadeira linha régia e muito nítida, pois era traçada com cadeias de montanhas e rios caudalosos, que não são, nem uns nem outros, sujeitos a mudanças", como se manifestava um contemporâneo. Porém, não obstante, deviam naturalmente sobrar motivos para equívocos, pois basta considerar que restava determinar exatamente de um lado os nomes dos rios, sobretudo no interior da região das nascentes; por outro lado, os cumes das elevações*.

Quanto a outras mais determinações subsidiárias do tratado de limitesMe 15 de janeiro de 1750, tendiam em geral a impedir quanto possível contatos entre os súditos de ambos os lados. Para isso, era rigorosamente proibido todo comércio, mesmo a simples visita, sem uma licença previamente obtida, sob pena de arbitrário encarceramento; em ambos os lados, na vizinhança da linha de fronteira, não se podiam fundar colônias nem levantar obras de fortificação; no mesmo sentido era limitada até a navegação dos rios.

Cada quahpodia utilizar-se das águas dentro do seu domínio, e, quando um rio formava a fronteira, eram livres a navegação e a pesca para ambas as partes; porém, nas redes dos grandes rios, em que cada um possuísse a sua porção, não se consentia absolutamente na navegação fluvial mútua: ao contrário, cada uma das coroas conservava o exclusivo domínio do rio que desaguasse no seu território. Assim, o uso exclusivo do Amazonas pelo Brasil, que já fora reivindicado da França desde 1713, agora também lhe era reconhecido pela Espanha; em compensação, tinha que renunciar completamente em favor do vice-reino de Buenos Aires ao uso em comum do rio da Prata, e em favor do vice-reino espanhol de Santa Fé de Bogotá (Colômbia) ao uso em comum do Orenoco148.

Finalmente, como de evidência, todas as fundações coloniais que a Espanha possuía ao norte e a leste, Portugal ao sul e oeste da linha de demarcação convencionada, foram cedidas; ao contrário, e, em conseqüência, deviam ocorrer as seguintes mudanças de posse, excetuando algumas aldeias de missões de índios, no remoto ocidente: a nova colônia do Sacramento, portuguesa, passava ao vice-reino espanhol de Buenos Aires, ao passo que, por outro lado, o Brasil ficava com as Sete Reduções de índios, que os jesuítas da missão espanhola de Entre-Rios haviam fundado à margem esquerda do rio Uruguai, no seu curso superior; de ambos esses lugares podiam os habitantes retirar-se em liberdade, com todos os seus bens móveis, e vender as suas outras propriedades, quando possível; também era assegurado o transporte dos bens do Estado; no mais, deviam ser entregues, todavia, esses lugares em condição perfeita à sua nova soberania, dentro do prazo de um ano.

 

148 Essa disposição de direito internacional, quanto ao Orenoco, que atualmente pertence à república de Venezuela, continuou inalterada até hoje; ao contrário, o rio da Prata, com todos os seus afluentes, foi aberto, após cem anos de interdição, ao comércio mundial e a todos os pavilhões amigos; primeiro, por parte da Confederação Argentina (31 de agosto de 1852), em seguida, com o assentimento de outros estados marginais. Finalmente, sobre o direito internacional na navegação do Amazonas, que o Brasil usou exclusivamente para si de 1713 a 1851, já relatamos noutro ponto (cap. VII). (Nota do autor).

 

Em absoluto, este tratado de limites foi, no seu todo, razoável e vantajoso para ambas as partes contratantes; contudo, e talvez justamente por este motivo, não achou em nenhuma das partes a devida aprovação; os espanhóis julgavam-se de todo modo lesados, pelo fato de terem que renunciar a tão vastos direitos de posse, e, por outro lado, em Portugal lamentava-se, sobretudo, a perda de Sacramento e com ela a do tão rendoso comércio de contrabando do rio da Prata.

Todavia, ambos os governos empenharam-se com seriedade na sua execução; e, de fato, encarregou o gabinete de Lisboa o capitão-general do Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, da demarcação da fronteira noroeste do Brasil; o capitão-general do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, Gomes Freire de Andrada, ficou com a sudoeste; a esses encarregados associaram-se do lado espanhol dois outros comissários de limites.

Já se vê que não acompanharemos esses funcionários da coroa e os seus auxiliares subordinados, no traçar a linha de separação e levantar os marcos divisórios, em suas penosas peregrinações; devagar, sob dificuldades de toda espécie, ia progredindo o trabalho, quando, repentinamente, onde menos se esperava, o prosseguimento esbarrou num decisivo obstáculo material.

Isso aconteceu no território denominado de Sete Missões, à margem esquerda do Uruguai (província de São Pedro), que, segundo o texto do tratado, devia ser entregue pelo governo espanhol ao português.

Como já foi narrado (cap. X), os jesuítas espanhóis da missão de Entre-Rios haviam começado, primeiro, uma colonização eclesiástica nesse trecho de terras, entre os afluentes Piratini e Ijuí; haviam fundado as Sete Missões e acostumado a população índia primitiva a uma vida de lavoura e domiciliada; assim, estavam esses índios cristãos, Guaranis, por tradição de longa data e por inúmeros serviços prestados mutuamente, ligados ao nome espanhol, ao passo que, por outro lado, profundamente se arraigava entre eles uma decidida inimizade nacional contra os brasileiros, especialmente contra os paulistas.

Em consideração desse sentimento de raízes históricas, também o tratado de limites havia previsto que aquela população de índios não ficaria sob o domínio brasileiro, porém que se retiraria do trecho de terras cedido e passaria para a margem direita do Uruguai, no território espanhol; determinação sem dúvida bem intencionada, porém que tinha uma face muito cruel, pois significava enxotar das suas lavouras e de seus pátrios lares uma população inteiramente agrícola. Protestaram, portanto, os jesuítas missionários, junto à corte de Madri, contra essa medida; representando que os seus pupilos índios seriam contrários igualmente à emigração dos velhos lares, tanto como à subordinação ao novo governo brasileiro, suplicaram que fosse anulado o artigo em questão do tratado de limites e que se conservassem sob a coroa espanhola as Sete Missões; porém não se lhes deu atenção, e eles tiveram então que fazer preparativos para a transmigração.

Quase nos fins do ano de 1752, os primeiros bandos de guaranis disseram adeus às suas florescentes plantações e aldeias, e tomaram o triste caminho do exílio; porém não chegaram muito longe: se, por impulso próprio, nascido da saudade, muito justa, de seus lares, ou se instigados secretamente pela sugestão de seus confes’sores, o fato é que voltaram atrás, a meio caminho, e tomaram de novo posse das suas habitações recém-abandonadas. E, quando então a comissão de limites luso-hispânica se aproximou de seu território, eles se opuseram francamente à entrada dela e declararam abertamente que nunca se retirariam do território que Deus e os santos lhes haviam concedido em partilha, nem jamais se submeteriam à soberania dos portugueses; de fato, teve a comissão de limites que retroceder e suspender os seus trabalhos (princípios de 1753).

Em conseqüência dessa aberta resistência, foram os guaranis das Sete Missões considerados rebeldes, tanto pelo governo colonial, em Buenos Aires, como pelo brasileiro; de ambos os lados marcharam tropas contra eles; todavia, os índios, apesar de seu insuficiente armamento, opuseram valente e bem sucedida resistência, e concluiu-se a primeira campanha, sendo as tropas invasoras obrigadas a bater em retirada (trégua de 14 de novembro de 1754).

Porém, passado um ano, elas voltaram; o exército espanhol e o brasileiro, que da outra vez haviam operado separadamente, reuniram-se nas nascentes do rio Negro, em 16 de janeiro de 1756, e à sua ação conjunta, ao assalto em comum, não resistiram os pobres índios; num encontro encarniçado, em 10 de fevereiro, dispersou-se a sua força principal; as trincheiras, que eles haviam levantado no caminho, foram deitadas abaixo, e, já no mês de maio, estavam as próprias aldeias das missões nas mãos das tropas hispano-brasileiras. Então a maioria dos índios prestou obediência e foi transportada à margem direita espanhola do Uruguai; somente uma pequena parte se obstinou na desobediência e fugiu para o seguro abrigo da mata virgem, de onde continuamente perturbavam a planície com incursões depredatórias.

Estava removido o obstáculo; e a comissão luso-hispânica pôde agora reence-tar os seus trabalhos interrompidos, o que realmente fez, depois de algumas hesitações; porém, esse incidente, a denominada guerra das Sete Missões, desgostou da causa ambas as partes. Os espanhóis lastimavam a perda, a devastação do antes tão florescente território das Missões; os portugueses não sentiam especial satisfação em aceitar, com indenização pela importante colônia do Sacramento, o território devastado, cuja posse pacífica era sempre perturbada pelas últimas convulsões da rebelião dos índios, e, por isso, do seu lado, contrariamente ao tratado, protelavam de contínuo a transmissão.

Na verdade, a comissão de limites de novo se reuniu; porém não trazia consigo a mesma boa vontade de antes, discutia com caprichosa teimosia sobre ninharias, e assim decorreram alguns anos, sem que se desse o menor passo digno de menção para a caracterização das fronteiras.

Entretanto, mudavam-se as condições européias; o rei d. Fernando VI da Espanha e a sua esposa, portuguesa, haviam morrido, e, com isso, desatava-se o laço de parentesco, que havia unido até então em estreita amizade as cortes de Lisboa e Madri; o meio-irmão e sucessor de Fernando, d. Carlos III (1759-1788), recomeçou a antiga política hostil de seu pai.

Nestas circunstâncias, não se podia mais pensar na execução amigável do tratado de limites; sempre em maior número se acumulavam os mal-entendidos, as dificuldades, e, afinal, ambos os lados regozijaram-se em abandonar os trabalhos. A 12 de fevereiro de 1761, uma convenção determinou anular formalmente o tratado de limites de 13 de janeiro de 1750, e restabelecer o estado de coisas existente antes; o território das Sete Missões voltou, portanto, para o domínio espanhol, e

Portugal ficava de novo na posse legal da colónia do Sacramento, de que ainda continuava a não abrir mão.

Agora começou entre ambos os reinos da península ibérica um novo período de inimizade política, que já nos anos seguintes resultou em aberta hostilidade.

Pouco antes do fim da guerra dos Sete Anos, solicitado pelas potências bour-bônicas, França e Espanha, à aliança contra a Inglaterra, recusou Portugal renunciar à neutralidade de até então; e imediatamente apareceram tropas espanholas nas suas fronteiras, e foi declarada a guerra (maio até junho de 1762). E, mal chegou a notícia deste fato à América do Sul, acenderam-se também ali as hostilidades, como sempre primeiro na foz do rio da Prata.

O governador espanhol de Buenos Aires, d. Pedro de Cevallos, havia pressentido acertadamente o que estava para acontecer e já se havia preparado de antemão; imediatamente começou a atacar a colônia do Sacramento, por terra e por mar, l9 de outubro, e, por maior que fosse a bravura com que a guarnição se defendeu, ao cabo de quatro semanas viu-se forçada a capitular, mediante concessão de honrosa retirada (30 de outubro de 1762); na verdade, ainda acudiu do Rio de Janeiro uma esquadra luso-britânica reunida, que procurou retomar a praça recém-perdida, em 6 de janeiro de 1763; todavia, ela teve que regressar, sem haver efetuado nada, depois de mal sucedido combate contra as baterias espanholas da costa.

Apoiado na conquistada Sacramento e em Montevidéu, começou então Cevallos a operar no interior, rumo norte, e, a 19 de março, transpôs o limite sul do Brasil; dois pequenos fortes de fronteira, que se haviam construído justamente a toda pressa na lagoa Mirim, opuseram apenas fraca resistência; também na cidade do Rio Grande do Sul, soldados e habitantes trataram de fugir, à primeira notícia de que se aproximava o inimigo vencedor, superior de muito em número, e os espanhóis puderam, sem recorrer às armas, tomar posse da praça deserta, a 24 de abril. Daí eles destacaram os seus postos avançados para o norte, ao longo da lagoa dos Patos; para mais conquistas, porém, não tiveram tempo, porque, imediatamente depois, chegou de Lisboa e Madri a notícia dos preliminares da paz, entretanto firmados, e depois a da conclusão da paz, em Paris, a 10 de fevereiro de 1763, pelo que o choque das armas cessou completamente nas costas do Atlântico.

Uma guerra de fronteiras, acesa ao mesmo tempo no remoto oeste, pela conquista do forte do Príncipe da Beira, no rio Guaporé (província de Mato Grosso), em 1762-63, já havia antes terminado pelo esgotamento de ambos os partidos e a retirada do atacante espanhol.

Importava agora fazer executar as estipulações do tratado da paz; e estas ordenavam que as primitivas condições de posse, de conformidade com os existentes tratados, deviam ser de novo restabelecidas absolutamente inalteradas; tinham, pois, os espanhóis, segundo o texto, que restituir todas as suas conquistas, tanto Sacramento, como Rio Grande do Sul; todavia, a isso não estavam dispostos Cevallos, nem seus sucessores no governo de Buenos Aires, nem o gabinete de Madri.

Em todo caso, quanto a Sacramento não havia possibilidade de escapatória; a posse dessa colônia havia sido concedida repetidas vezes, expressamente na paz de Utrecht e em outras, à coroa de Portugal, e assim tiveram que se resignar os espanhóis, depois de alguma hesitação, à restituição da praça (l9 de janeiro de 1764).

Porém, não eram tão claras as condições, segundo o direito internacional, no que se referia ao Rio Grande do Sul; devemos lembrar que no tempo da paz de Utrecht — e as condições de então de novo entravam em vigor à anulação do tratado de limites — toda a costa do mar, entre Sacramento e a vila de Laguna (província de Santa Catarina), formava um domínio neutro, de fato ainda sem dono, sobre o qual, tanto a coroa espanhola, como a portuguesa, julgavam ter o melhor direito; com essa base argumentavam então os espanhóis: a tomada de posse, feita pelos brasileiros, depois disso, era um fato, porém não baseado no direito, assim como também lhe faltava toda expressa sanção do direito internacional; perante a justiça, a cidade e território do Rio Grande do Sul competiam à coroa de Espanha; e, portanto, eles negavam-se em absoluto a fazer a restituição. Compreende-se que o governo colonial brasileiro e o gabinete de Lisboa faziam ouvidos de mercador a essa argumentação dos espanhóis; ambas as partes obstinavam-se nos seus supostos direitos, e a conseqüência foi que, apesar da conclusão da paz de Paris, continuou nessas terras de fronteira sul-americanas (a atual província de São Pedro), sem interrupção, o estado de guerra.

De um lado, os espanhóis, que tinham o seu quartel-general na cidade do Rio Grande, de outro os brasileiros, firmados na cidade de Porto Alegre, faziam-se frente em pé de guerra, hostilizando-se em pequenos combates, nos quais, embora não se conseguisse importante resultado, contudo os brasileiros levavam vantagem; na verdade, um destes últimos ataques à própria cidade do Rio Grande teve mau êxito, em fins de maio de 1767; porém eles arrasaram os postos avançados inimigos por toda parte, de sorte que, de suas conquistas, só restou aos espanhóis a próxima vizinhança daquela pequena cidade, a costa meridional do Rio Grande do Sul; também, mais tarde, uma expedição dos espanhóis, dirigida contra o forte do Rio Pardo, e depois talvez além contra Porto Alegre, falhou completamente (princípio de 1774).

Depois de haver ficado esta pequena guerra intercolonial inteiramente despercebida das mães-pátrias, afinal, no correr do ano de 1774, ela atraiu a atenção geral e deu ocasião a longas discussões diplomáticas entre as cortes de Lisboa e Madri, nas quais, em breve, também a Inglaterra e a França foram envolvidas, como mediadoras. Os seus esforços reunidos lograram impedir um formal rompimento na Europa, uma formal declaração de guerra; porém não puderam impedir que a guerra de além-mar, intercolonial, tomasse proporções cada vez maiores, pois, ora uma, ora outra das potências combatentes, para ali despachava reforços.

Limitou-se primeiramente ao Rio Grande do Sul o teatro da guerra; um oficial alemão ao serviço de Portugal, o tenente – general Johann Heinrich Boehm, que havia vindo para cá com tropas da Europa, tomou posição bem fortificada à margem norte do canal, em São José do Norte (primavera de 1775), e para aí convocou as milícias da vizinhança; fronteira a ele, à margem sul, a guarnição espanhola da cidade do Rio Grande também chamou a si tropas novas; finalmente, chegaram, ainda, para ambos os lados, pequenas esquadras auxiliares, que a princípio se mediram sem a cooperação das tropas de terra.

Nesse encontro marítimo ficaram os navios brasileiros em desvantagem; porém, quando o general Boehm mandou atacar em seguida, em todos os pontos, pelas forças reunidas de terra e de mar, as obras espanholas de defesa, ele conseguiu o mais completo sucesso, graças às suas inteligentes disposições, e, ao cabo de dois dias de encarniçado combate (l9 e 2 de abril de 1776), caiu a cidade do Rio Grande em seu poder, ao passo que os espanhóis se retiravam além-fronteira, sobre Montevidéu, perseguidos pelos vencedores, abandonando os seus feridos e os seus canhões.

Conseguiram assim as armas portuguesas, como prescrevia a paz de Paris, restabelecer inalteradas as condições de posse de antes da guerra; todo o Brasil, e, além disso, a colônia do Sacramento, pertenciam de novo à coroa de Portugal. Porém, esse completo êxito fez crescer ainda mais a cólera dos espanhóis; eles animaram-se a fazer grandes preparativos de guerra e despacharam um exército e uma esquadra, como não havia visto iguais o Brasil, desde a invasão holandesa, 19 navios de guerra e 96 transportes, com mais de 9.000 homens de desembarque, sob o comando-chefe de d. Pedro de Cevallos, encarregado, com esse comando militar, ao mesmo tempo, também do governo do vice-reino de Buenos Aires. Cevallos, já uma vez, quinze anos antes, havia sido revestido da mesma dignidade; havia então conquistado Sacramento e Rio Grande do Sul; adotou de novo os mesmos planos e ainda os ampliou; tratava-se esta vez de conquistar todo o Sul do Brasil, as atuais províncias de Santa Catarina e de São Pedro, e de incorporá-lo ao reino colonial do Prata.

Assim, dirigiu-se primeiro contra a ilha de Santa Catarina, onde a sua frota ancorou a 20 de fevereiro de 1777; na noite de 23 para 24 de fevereiro, foi realizado o desembarque, e já a 5 de março conformaram-se as autoridades portuguesas, civis e militares, em capitular, e em seguida o vice-rei, em nome do rei de Espanha, seu senhor, recebeu da população da ilha o juramento de submissão. Com a mesma intenção, mandou ele um navio de guerra à fronteira vila de Laguna, na terra firme de Santa Catarina, onde procurou desembarcar; todavia, à chegada oportuna de um destacamento de soldados portugueses, malogrou-se a operação, em fins de abril.

Entretanto, Cevallos, deixando uma pequena guarnição, já se havia feito de vela, primeiro para Buenos Aires, onde tomou posse do seu cargo; depois, rumou contra a colônia de Sacramento, e já a 22 de maio era essa praça cercada por terra e por mar. A resistência da mesma era muito pequena; bem havia o comandante, Francisco José da Rocha, a tempo suplicado reforços do Rio de Janeiro, os quais, de fato, foram mandados; porém, em caminho, caíram em poder dos cruzadores espanhóis; de sorte que não se tinham bastantes víveres, nem munições de guerra.

Durante somente oito dias, manteve-se um simulacro de resistência; então teve a praça que se render à discrição, por não querer Cevallos admitir capitulação (4 de junho de 1777); arrasaram então os vencedores completamente as obras de defesa, de resto abandonadas; todos os habitantes portugueses, soldados e civis, foram remetidos presos à margem oeste do rio da Prata, espalhados pelas colônias espanholas e forçados a se estabelecerem ali; somente os oficiais e aos poucos que puderam pagar o seu resgate foi dado se retirarem para o Rio de Janeiro. Assim, extinguiu-se até o nome português da Nova colônia do Sacramento!

Agora passou Cevallos a ameaçar também o Rio Grande do Sul, com um novo ataque geral, e, sem dúvida, ter-se-ia ali travado uma encarniçada guerra, pois o general Boehm havia tomado as suas disposições com grande cuidado; porém, quando os exércitos já se enfrentavam de perto, chegaram da Europa as notícias da paz, e as hostilidades cessaram por esta vez.

É que em Portugal havia, entretanto, morrido o rei d. José Manuel, a 24 de fevereiro de 1777, e sua herdeira, a rainha d. Maria I (com o rei consorte d. Pedro III) havia subido ao trono e prestou-se a maior condescendência para com a Espanha; a seu pedido, dirigiu-se a rainha viúva, uma princesa espanhola, ela própria, à corte de Madri, ao seu irmão d. Carlos III, e ali, em grande parte, por sua pessoal influência, obteve uma acomodação amigável das divergências pendentes.

Certamente encontraram os seus esforços também poderoso auxílio nas condições gerais da política; pois justamente então (durante a guerra da Independência dos Estados Unidos da América do Norte) estavam as potências bourbônicas, França e Espanha, ao ponto de se aliarem contra a Inglaterra, e a Espanha precisava, portanto, de apoiar-se na amizade ou, ao menos, na neutralidade de Portugal.

Então ambas as cortes e seus negociadores, o ministro espanhol conde de Florida Blanca, e o embaixador português Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, apresentaram-se um ao outro, com bastante moderação; declararam-se os espanhóis prontos a restituir a conquistada ilha de Santa Catarina (o que se fez a 30 de julho de 1778) e reconhecer como dependência do Brasil o território até então contestado do Rio Grande do Sul; em troca, obtiveram a renúncia da conquistada colônia do Sacramento e de algumas outras possessões portuguesas na África e na Austrália; também Portugal anuiu às pretensões espanholas, segundo as quais ambas as potências contratantes se deviam mutuamente auxiliar para garantir e defender as suas terras na América do Sul.

Sobre essas bases, foram firmados dois tratados, primeiro, um tratado de paz e limites, provisório, em Santo Ildefonso, a 1° de outubro de 1 777, ao qual se seguiu em breve um tratado de amizade, garantia e comércio, em Madri, a 11 de março de 1 7 78.

Não é necessário entrar aqui em pormenores sobre as cláusulas de ambos esses tratados; apenas mencionamos que pareceram aos portugueses muito desvantajosos e injustos, e pouca aprovação acharam na opinião pública; porém o Brasil podia, em todo caso, contentar-se com isso, pois alcançava, finalmente, a definitiva fixação das suas fronteiras, pelo tratado preliminar de l9 de outubro de 1 777, que, se não era tão favorável como o primeiro, de 1750, sempre era ainda bastante vantajoso.

A linha de limites com a América do Sul espanhola, daí em diante, devia começar na foz do arroio Chuí (33°45′ latitude sul), prosseguir ao longo da lagoa Mirim, buscar as nascentes do rio Negro, e depois, quanto possível, seguindo o divisor das águas da bacia do Uruguai, tomar rumo para o ponto onde o pequeno rio Peperi deságua, vindo do norte, no Uruguai; assim ficava a maior parte do vale ocidental do Uruguai, e com isso o território das Sete Missões, sob a soberania espanhola. Da foz do Peperi entrava em vigor a mesma linha fronteiriça, que havia sido convencionada no primeiro tratado de limites, de 13 de janeiro de 1750. Acrescentava-se, porém, agora, nova cláusula especial: nem todo o território ao norte daquela linha de fronteira competia ao Brasil; porém, entre as possessões de ambas as nações, ficava de permeio um distrito neutro, que nunca, sob pretexto algum, devia ser possuído nem colonizado; e este território compreendia ambas as lagunas, Mangueira e Mirim, e a estreita faixa de terra entre elas e o oceano Atlântico, ao norte até ao arroio Taim (32°35′ de latitude sul), e então, numa largura mais estritamente a convencionar no terreno, se prolongava até à foz do Peperi, onde acabava; de conformidade com estas resoluções, deviam ser agora: São Miguel, o extremo ponto de limite espanhol, na costa; os extremos pontos da fronteira brasileira, São Gonçalo e Rio Grande. Finalmente, a maior parte das disposições subsidiárias do primeiro tratado de limites repetia-se neste segundo; assim, em particular, o Brasil devia renunciar à navegação no sistema fluvial do rio da Prata.

Firmava-se, assim, entre as duas grandes potências coloniais da América do Sul, um acordo que, diferente do primeiro tratado de limites, não era simplesmente provisório, porém verdadeiramente definitivo; as experiências dos últimos decênios já haviam de sobra provado que não existiria nenhuma outra saída para as sempre ameaçadoras contendas, e ambas as partes firmaram-se imutáveis nas bases estabelecidas, embora cada uma desejasse em muitos pontos coisa diferente.

Porém, para efetuar essa concórdia teórica, era necessária uma efetiva caracterização das fronteiras, e, para isso, tinha-se que recomeçar o serviço, pois o que da outra vez (1750-1760) se havia rigorosamente demarcado, o limite sul da atual província de São.Pedro, ficou completamente anulado pelo novo tratado; impunha-se, portanto, ainda uma tarefa eriçada das mais espinhosas dificuldades, e, desgraçadamente, para esse fim não se concorreu com especial empenho, nem boa vontade.

Passaram-se muitos anos nos preparativos e nas deliberações provisórias sobre o modo de executar o trabalho, até convirem em que todo o conjunto da fronteira seria dividido em cinco seções e cada uma destas seria confiada a uma comissão mista de limites, de representantes de ambas as partes; podia-se, assim, dar começo aos trabalhos em cinco pontos ao mesmo tempo. Puseram-se, afinal, mãos à obra, no correr do ano de 1784, e plantaram-se os primeiros marcos de pedra na costa: o espanhol, junto do arroio Chuí, a 11 de março; o brasileiro, junto do arroio Taim 149, nas seguintes semanas.

O seguimento dos trabalhos foi continuamente estorvado por divergências; para determinar quase cada um dos pontos geográficos, discutia-se com tão teimosa pertinácia, como se se tratasse da mais rica província e não de selvas desabitadas; e, ao passo que os comissários disputavam, os comandantes das fronteiras empurravam, cada qual mais adiante, às caladas, o seu posto de fronteira, a sua colônia, para garantir a maior porção possível do território litigioso, o que exacerbava mais ainda a hostilidade mútua.

Nestas circunstâncias, foi progredindo muito lentamente a demarcação das fronteiras e, muitas vezes, sofreu mesmo interrupção formal, de maior ou menor duração; passaram-se quinze anos e ainda se estava longe da conclusão; foi então que uma imprevista feição, que tomaram as coisas européias, obrigou à completa suspensão dos trabalhos.

Sabe-se que, justamente a esse tempo, toda a Europa foi abalada pela guerra de gigantes, que, em resultado da Revolução Francesa, se desencadeou entre a França e a Inglaterra. Não podia também escapar à tormenta a península Ibérica; ambos os reinos tiveram que tomar partido, e Espanha se aliou à França; Portugal, segundo o antigo costume, à Inglaterra; acharam-se, com isso, de novo em posição hostil, e, por fim, chegaram à guerra franca.

No princípio do ano de 1801, declarou-se a guerra; tropas francesas e espanholas transpuseram as fronteiras portuguesas; todavia, depois de curta campanha, pouco decisiva, concluiu a Espanha uma paz em separado, em Badajoz, a 6 de junho de 1801, à qual se seguiu em breve a paz em separado dos franceses, em Madri, a 29 de setembro de 1801.

Com esta guerra e tratado de paz, alcançou a Espanha na Europa uma pequena cessão de território (a cidade de Olivenza, com o município), porém muito maior foi o prejuízo territorial que sofreu na América do Sul.

Apenas ali chegou a notícia da declaração da guerra, imitaram os Estados coloniais o exemplo das mães-pátrias; uma esquadra espanhola penetrou, pelo Paraguai acima, em Mato Grosso, e bloqueou o forte brasileiro de fronteira, Nova Coimbra, em setembro de 1801; encontrou, porém, tão decidida resistência, que dentro em breve teve que resignar-se à retirada I5°. Mais felizes foram os brasileiros, o exército estacionado na província de São Pedro marchou rápido para o sul e apoderou-se da recém-estabelecida fortaleza espanhola de fronteira no rio Jaguarão, em outubro de 1801; igual sorte tiveram as fracas trincheiras que os espanhóis haviam recentemente levantado ao longo da fronteira oeste, no rio Pardo; assim ficava livre o caminho aos vencedores, para o território das Sete Missões, no alto Uruguai, e, logo a seguir, pôs-se em campo para ali uma guerrilha, sob o comando de José Borges do Canto.

Desta vez, o triunfo foi fácil; os índios Guaranis, que cinqüenta anos antes se haviam oposto com tanta decisão contra a tomada de posse pelos portugueses, pensavam agora de outro modo; desde a supressão da ordem dos Jesuítas, colocados sob a administração civil, haviam em sumo grau tomado conhecimento do lado sombrio da antes tão amada dominação espanhola e, por isso, encaravam com indiferença, mesmo com esperança, a mudança de senhor; assim, o comandante espanhol, que dispunha apenas de insuficientes forças combatentes, teve de capitular, e as Sete Missões151 submeteram-se, uma após outra, à soberania brasileira (agosto até setembro de 1801). Na verdade, fizeram os espanhóis, no correr dos seguintes meses, repetidas e baldadas tentativas para reaverem aqueles postos e territórios perdidos; porém, ficaram continuamente em desvantagem, até que, em dezembro de 1801, chegaram as notícias da paz.

Calou-se o estrépito das armas; começaram então, não menos ruidosas, as contendas diplomáticas; o tratado de paz de Badajoz não havia de todo tomado em consideração eventuais mudanças de posse na América do Sul, subentendendo, portanto, a manutenção, eventualmente o restabelecimento das condições de posse anteriores; nessa conformidade, exigiram os espanhóis que o Brasil restituísse aqueles distritos de fronteira, ao sul e oeste da província de São Pedro, que havia conquistado na última guerra; todavia, o gabinete de Lisboa rejeitou essa pretensão com igual firmeza.

151 Sabe-se que, com o correr do tempo, também a dominação brasileira não agradou aos índios das Sete Missões. No ano de 1828, durante a guerra de então, eles deixaram-se facilmente persuadir pelo general Frutuoso Ribeira, ao serviço da República do Uruguai, para emigrar do Brasil, e passaram com todas as suas posses para o território do Uruguai. Ali, eles fundaram o aldeamento de Bella Unión, que, poucos anos depois, caiu em ruínas miseravelmente (Vide Revue des Deux Mondes, Paris, 15 de junho de 1834. (Nota do autor.)

Durante muitos anos, discutiu-se com a maior violência sobre este ponto; finalmente, cerca do ano de 1805, já queria o vice-rei espanhol de Buenos Aires, marquês de Sobremonte, pegar em armas, e a corte de Madri aprovava a sua resolução; eis que o ataque, que os ingleses empreenderam em 1806-1807, na foz do rio da Prata, o ocupou por outro lado, e o Brasil ficou provisoriamente na posse efetiva, tranqüila, do território em litígio.

E começou, então, aquele período em que, sob a poderosa mão de Napoleão, ambos os velhos reinos da península Ibérica ruíram, e os seus impérios coloniais de além-mar se viram levados a começar um desenvolvimento histórico independente; o império colonial português, o Brasil, conservou com isso a sua unidade, ao passo que o espanhol se rompeu numa porção de fragmentos, que, depois de longas e dificultosas guerras, chegaram, finalmente, à forma republicana de Estado independente e alcançaram reconhecimento internacional.

Não era o momento de reencetar a demarcação dos limites, interrompida desde 1801; e a coisa não era também de urgente importância, pois, por quase toda parte, ainda vastas solidões formavam a separação, e todos os vizinhos estavam ocupados demais com as suas questões internas, para poderem volver a sua atenção para o exterior. De sorte que o Brasil deixou descansar muito tempo a questão de limites; somente no que dizia respeito às conquistas de 1801, pareceu-lhe de importância obter uma espécie de reconhecimento do direito internacional; e foi o que conseguiu.

No ano de 1819, quando a cidade, de direito ainda espanhola, de Montevidéu, era ocupada por tropas de pacificação brasileira, o ministério brasileiro entabulou por esse motivo negociações com o cabildo dali, o qual, sem verdadeira autorização, administrava com alçada superior toda a província de Montevidéu (Baía Oriental); ambas as partes nomearam negociadores: o Brasil, ao conde de Figueira, capitão-general de São Pedro; Montevidéu, a d. Prudêncio Murguindo l52. Estes dois fixaram a linha de fronteira entre o oceano Atlântico e o rio Uruguai do modo seguinte: ela começa no desaguadouro da laguna de Castillos, segue o sistema costeiro de pântanos e lagunas (de sorte que o velho marco de fronteira São Miguel fica fora, para Montevidéu) e, pela curva da lagoa Mirim, toma pelo rio Jaguarão; deste último toma a oeste, pelo divisor de águas do rio Negro, e, ao longo da cadeia de colinas, até às nascentes do Arapeí, ao qual ela acompanha até à sua foz, no Uruguai.

 

Criava-se, assim, uma nova fronteira com Montevidéu (Cisplatina ou Uruguai) com as outras repúblicas da antiga América do Sul espanhola, a Confederaçã Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Nova Granada e Venezuela, permaneciam em reconhecida validade os antigos limites, do tratado de 1*? de outubro de 1777 ; quando muito, sofreram algumas pequenas modificações, por força de efetivas tomadas de posse.

* * *

Assim, a formação histórica dos limites do Brasil, de um lado com a Guiana, de outro com a América do Sul espanhola, completou-se, cerca de 1817-1819; o que se fez daí em diante para seu respectivo ajuste, quem sabe alterações, está intimamente ligado com o desenvolvimento da história moderna da diplomacia e política brasileiras, e para esse tocará especial menção mais adiante (III seção).

Contentamo-nos, aqui, com algumas referências gerais. Sabe-se que o antigo território espanhol, ao norte da foz do rio da Prata, a denominada Banda Oriental ou província de Montevidéu, depois de haver sofrido por alguns anos do poderoso Estado vizinho pacificação e ocupação militares, sujeitou-se à completa incorporação; segundo resolução do Conselho Municipal da Capital, Montevidéu, em 19 de junho de 1821, foi ela incorporada ao Brasil, como "Província Cisplatina", e, com isso, o limite sul do Brasil avançava até à foz do rio da Prata e do Uruguai; destarte, alcançava-se, finalmente, o que o gabinete de Lisboa já premeditara ao fundar a colônia do Sacramento, em 1678, e o que justamente haviam exigido os seus embaixadores no Congresso de Paz de Utrecht, em 1713.

Todavia, não gozou o Brasil muito tempo dessa ampliação; a província recém-adquirida revoltou-se já ao cabo de quatro anos, achou auxílio dos Estados irmãos espanhóis do Rio da Prata, e, por fim, nos preliminares da paz, de 27 de agosto de 1828, foi reconhecida como república independente do Uruguai.

Com isso, recolheu-se o Brasil às antigas fronteiras, como as traçara a convenção de 1819; e, dentro desses limites, tem-se também conservado sem dificuldade, embora no correr dos mais próximos decênios a república do Uruguai procurasse, de uma feita, contestar a validade daquela convenção e reclamar para si os limites mais vantajosos de 1777.

No decurso do mesmo período, havia o governador brasileiro de Mato Grosso ocupado e incorporado ao império, por sua própria iniciativa, a velha província espanhola de Chiquitos, que atualmente pertence à Bolívia (princípios de 1825); porém, para evitar uma declaração de guerra pela Bolívia, o gabinete do Rio de Janeiro reprovou o funcionário arbitrário e ordenou a restituição (6 de agosto de 1825), de sorte que também aqui foi restabelecido o antigo estado de coisas.

Nos tempos mais recentes, a diplomacia brasileira se tem esforçado em todos os sentidos para regularizar definitivamente os pontos ainda em litígio da linha de limites, por meio de tratados com os Estados vizinhos.

Simultaneamente visava ele a remover todos os obstáculos com que a velha política colonial de Espanha e Portugal procurara estorvar a navegação fluvial internacional na América do Sul, e, neste sentido, arvorou ela o princípio da plena reciprocidade: nas grandes redes fluviais, do Orenoco, Amazonas, Prata, que banham diversos Estados, cada Estado marginal, que franqueie a sua parte aos restantes Estados ribeirinhos, disporá da livre navegação em toda a rede fluvial.

Sobre estas bases, concluíram-se e foram ratificados até aqui os seguintes tratados: com o Peru, 23 de outubro de 1851; com o Uruguai, 22 de abril de 1853; com a Confederação Argentina, 7 de março de 1856; além desses, com o Paraguai, 6 de abril de 1856, tratado que adiou por seis anos o ajuste das fronteiras.

Por outro lado, ainda falta a ratificação dos tratados com Venezuela, sobre os limites, 25 de novembro de 1852, e sobre navegação, 25 de janeiro de 1853; Nova Granada, sobre navegação, 14 de junho de 1853, e sobre os limites, 25 de julho de 1853. Quanto aos restantes Estados vizinhos, até aqui ainda não se firmou pacto algum definitivo de acordo ,53.

Para conclusão, deitemos ainda um olhar sobre as ilhas do oceano Atlântico, que pertencem ao Brasil. São elas os dois grupos, Fernando de Noronha, 15° longitude oeste e 3°50′ latitude sul, e Trindade (Ascensão), 1 Io longitude oeste e 20° 30′ latitude sul; cada um desses grupos compreende algumas ilhotas, cercadas de rochas e recifes, que, de fato, só como porto de emergência têm algum valor; de co.lo-nização propriamente dita, não pode ser questão, pois na reduzida superfície somente a menor parte pode ser verdadeiramente cultivável e a provisão de água é apenas suficiente, tanto mais que, às vezes, se passam anos, sem que uma gota de chuva umedeça a tênue crosta da terra. Temos, portanto, somente que citar a res-peito algumas notícias históricas isoladas.

Foi a ilha de Fernando de Noronha descoberta no ano de 1503, e chamada a princípio ilha de São João; no ano seguinte, em 24 de janeiro de 1504, foi dada como feudo a um rico armador português, Fernando de Noronha, até então empenhado em comerciar com as índias Orientais e Flandres, e que, agora, arrendava o monopólio do comércio costeiro do Brasil; daí teve ela o seu nome atual. Ficou bem uns cem anos na posse da família Noronha, que fez confirmar a carta de doação de 1522, 1559 e 1593, sem que, para efetiva colonização da ilha, coisa alguma houvesse feito; somente se conta que no ano de 1602 um feitor do dono se estabeleu ali com 13 escravos.

Depois, no ano de 1629, um comandante de navio da Companhia Holandesa das índias Ocidentais, Cornelis Jol, arvorou na ilha de Fernando de Noronha a bandeira holandesa. Como se sabe, estava-se justamente em pé de guerra e pouco tempo antes se havia repelido, com sucesso, a primeira invasão holandesa na Bahia; tanto mais depressa tratou o governador-geral do Brasil, Matias de Albuquerque, de opor-se a essa nova usurpação; ele despachou, em fins de 1629, uma esquadra de sete navios de guerra, com mil homens, sob o comando de Rui Calaza Borges, para Fernando de Noronha, e a pequena guarnição holandesa cedeu às forças superiores, sem resistência.

Então ficou a ilha em inteiro abandono, durante uns cem anos; quando muito,um ou outro aventureiro se perdia por ali; parecia um domínio absolutamente sem dono. Resolveu então a Companhia Francesa das índias Orientais apoderar-se dela; depois de se haver efetuado a tomada de posse com todas as formalidades e de se haver arvorado a bandeira francesa, foram ali deixados 25 homens para guarnição e para cuidarem de uma feitoria, cerca do ano 1737.

Porém, apenas chegou a notícia disso ao Brasil, o capitão-general de Pernambuco. Henrique Luís Pereira Freire Tibau, aprestou uma forte esquadra para expulsar os intrusos; no ano de 1738, fez-se essa esquadra de vela, e dispersada, primeiro, por tempestade, reuniu-se de novo na altura da ilha, onde, com o casual encontro de um cruzador português, recebeu ainda esse importante reforço. A ela não puderam oferecer resistência os franceses; renderam-se à primeira intimação e foram mandados embora em liberdade, depois de minuciosa averiguação (não faltou vontade, a princípio, de tratá-los como piratas, pois Portugal e a França estavam então em paz).

E, para prevenir no futuro idênticas ocorrências, o capitão-general de Pernambuco tratou agora de tomar posse efetiva da ilha; mandou ali levantar fortificações (1741); e daí em diante sempre teve a ilha de Fernando de Noronha uma guarnição, que costumava ser anualmente revezada de Pernambuco; também servia de lugar de degredo para crimes graves.

No que diz respeito ao grupo de ilhas da Trindade, não se pode determinar exatamente a época do descobrimento, nem da tomada de posse; todavia, deve ter sido descoberto nos princípios do século XVI, pois já nos mapas mais antigos o achamos com o nome de "Ascensão Menor", em correspondência com "Ascensão Maior", que é a atual ilha inglesa da Ascensão, 8o de latitude sul e 4o de longitude leste.

Trindade é desabitada, e, só de quando em quando, em períodos mais demorados ou mais curtos, tem sido ocupada por uma guarnição brasileira154.

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