Descrição de vários rios, lugares, arvoredos, campinas, etc., no interior do Pará
Dr. Frei. Caetano Brandão. (Dom Frei Caetano da Anunciação Brandão (1740-1805))
Pelas três horas da tarde, soltamos a vela, e em todo o tempo até ao outro dia não se ofereceu mais nada digno de memória, excetuando a vista do quadro agradável que formam constantemente as margens daqueles rios, povoados de arvoredos sempre viçosos e floridos *) em todo o ano. Entramos no rio Paoaru, um dos mais belos, por não ser muito largo e dar lugar a gozar-se. de-perto da vista dos seus frondosos arvoredos, quase até passar por baixo dos ramos das árvores; todos os sentidos, aqui acham encanto que os transportam: um cheiro aromático perfuma o ar; lindas aves se vêem saltar duns ramos para outros, cantando suavemente: vêem-se a cada passo sobressair, por entre as verdes fôlhas, diferentes ramalhetes [1]) de flores; aqui cavas profundas, formadas pela corrente das águas; lá raízes descarnadas, descendo das ribeiras até o leito do rio; variedade de arbustos viçosos e odoríferos; uma relva muito verde, a que no país chamam capim; em algumas partes loiras areias, ou terra de diversas côres; pequenas ribeiras chamadas igarapés, que lá do centro dos matos vCm desaguar em o rio: tudo forma a mais agradável perspectiva. Que precioso torrão! Tudo produz com muita abundância e facilidade: o arroz, o cacau, o algodão, o tabaco, o café, a maniva [2]),
o orucu, fruto de certa árvore de que se faz uma tinta encarnada muito fina, que tem grande valor na Europa. Aqui saí em terra e me enchi de espanto e de horror, vendo a desmarcada grandeza dos paus arrojados pela corrente para uma ponta que faz a ilha; eram vigas altíssimas e de grossura pasmosa; medi uma, que não era das maiores: tinha 15 palmos de grossa, e estava o chão juncado delas, algumas já carcomidas e desfeitas com o tempo; soube depois que uma tinha 33 palmos de circunferência. O rio Ara- macu é um dos mais belos que temos encontrado; águas claras e frias, terminando duma e doutra parte de árvores viçosas, e algumas muito floridas, as quais, por causa da estreiteza do rio, fazem continuada sombra aos navegantes, e de intervalo em intervalo alargando-se, abrem caminho aos olhos para espreitarem pelas alegres e férteis campinas de que vai sempre acompanhado. Que espetáculo deliciosíssimo! Porém que perda! Campos tão belos sem cultura, pastos os mais preciosos, e nem uma só rês se alcança com a vista! Mágoa grande é ver as cidades (ainda a do Pará) cheias de gente ociosa, que com o seu trabalho e indústria podiam tirar dêstes lugares e outros semelhantes ricas produções para o bem do gênero humano; porém a moleza, o ócio, a torpe preguiça, danam 1) tudo. Também dêste rio se descobrem vários outeiros não calvos, mas vestidos de frescas e copadas árvores, alguns bem perto do rio, muitos lagos, vargens e um terreno em tudo semelhante aos melhores do reino: vista que não deixa de ser agradável e saudosa aos que de lá têm vindo. Fomos costeando a mar- gemdo Amazonas com a vista nos montes elevadíssimos, que em pouca distância pela terra dentro formam a dilatada cadeia ou cordilheira de Güiana, seguida de oeste a leste a.té às vizinhanças do rio Orinoco. Então começamos a ver o Amazonas desabalado de ilhas em tôda a sua largura; é um pedaço do Oceano; em parte mal se divisa a margem contrária: uma corrente pasmosa, e as ondas grossas e empoladas, como as do mar. Que lindos quadros não oferece êste rio das diferentes ilhas de que está povoado! Tão frescas de arvoredos e de campinas sempre viçosas, que é um enlevo dos olhos; mas são terras pauladas e alagadiças, que não servem para a cultura, e por isso se acham desertas. Temos visto por êstes rios aves as mais lindas; entre elas umas de côr encarnada tão viva que são enleio dos olhos: mostram o tamanho de franguinhas. Também observei uns peixinhos de notável singularidade: tiram-se dágua, entram a empolar desmarcadamente pela parte do ventre, que é de côr branca e alixada: ficam como uma bexiga bem cheia de ar; e, se se deitam assim nágua, param na superfície, sem poderem descer, enquanto se lhes não rompe a pele. Aqui mesmo, navegando junto à praia, tive ocasião de ver um quadro, que me encantou o espírito: estavam aquelas margens alcatifadas duma relva muito verde, mimosa, semelhante ao linho quando está em flor: por entre ela passeavam grande número de aves de diversas côres, umas alvas como neve, outras azuis; mas a maior parte encarnadas, dum vivo que se não acha nas côres artificiais: não vi coisa mais linda! Também andavam misturadas outras de côr trigueira e arroxada, e me asseguraram que eram filhas das encarnadas, e que, depois de serem grandes, vestiam a côr dos pais, e que, quanto mais antigas, mais refina a vermelhidão das penas.
Dr. Fr. Caetano Brandão.
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
O que se adquire com trabalho e dificuldade guarda-se com estimação e cautela; o que pouco nos custou a haver, pouco se nos dá de o demitir, como cousa que facilmente nos tornará a mão.
Manuel Bernardes.
1) Danar — no sentido de causar dano, prejuízo, é pouco usado.
[1] Ramalhete ou ramilhete-, ambas as formas são portuguêsas e dispensam o francesismo bouquet.
[2] Maniva — mandioca.
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