Dominação Espanhola e Segunda Invasão Francesa no Brasil

Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)

História do Brasil

Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.

 

CAPÍTULO IV

A dominação espanhola e a segunda guerra francesa

Decorrido o tempo de serviço de ambos os governadores Luís de Brito d’Almeida e Antônio Salema, voltou a corte de Lisboa ao uso antigo: nomeou em lugar deles um só governador-geral para todo o Brasil, e foi Lourenço da Veiga.

Em princípio do ano de 1578, chegou ele à Bahia, e segundo o antigo costume fez a sua sede em Salvador, onde faleceu três anos depois, em meados de 1581, antes de extinto o seu mandato; não estando nomeado o seu sucessor, teve de assumir a direção dos negócios públicos uma regência provisória, na qual o bispo, o ouvidor -geral e a Câmara de Salvador tinham voto e assento, até à chegada do novo governador, em maio de 1583.

A administração de Lourenço da Veiga não foi para o Brasil de importância alguma, e apenas se poderia mencionar dela um ou outro fato digno de nota. Muito importantes foram, porém, os acontecimentos verificados nesse ínterim na mãe-pátria.

Perto de Alcacerquibir, em Marrocos, havia tombado morto o jovem rei d. Sebastião e a seu lado a flor da nobreza, em uma batalha contra os mouros (4 de agosto de 1578); teve como sucessor no trono o seu já idoso tio-avô, cardeal d. Henrique, herdeiro último, sem filhos, da casa de Bragança; e com a morte deste, a 31 de janeiro de 1580, extinguiu-se a velha dinastia real, que governara Portugal durante quase duzentos anos.

Sabe-se como um sem-número de parentes colaterais se apresentaram candidatos à coroa vaga; entre eles, d. Antônio, grão-prior do Crato (e como tal representante da língua portuguesa na Ordem de São João), a duquesa de Bragança e o rei Filipe II, de Espanha.

A voz do povo decidiu-se pelo primeiro e tumultuosamente foi ele aclamado rei; a sorte das armas, porém, se decidiu pelo último, e após pequena resistência submeteu-se todo o Portugal ao vencedor, no que foi acompanhado pelas colônias portuguesas. Assim também o Brasil. Verdade é que apareceram ali, em 1581, diversos navios franceses com cartas do prior do Crato, nas quais ele exigia submissão, como mais próximo herdeiro e rei aclamado; a mensagem, porém, chegou tarde demais, pois já haviam as autoridades reconhecido o rei de Espanha, além de que viera sob uma bandeira, que os brasileiros desde muito estavam habituados a considerar como a de seus mais acirrados inimigos e, assim, foi ela rejeitada sem mais cerimônia. As capitanias, uma após outra, prestaram submissão ao rei Filipe II, provisoriamente com simples manifestações de contentamento, e mais tarde, por ordem expressa, foi-lhe prestado o juramento formal na Bahia, aos 25 de maio de 1582.

Esta mudança na dinastia quase não fez diferença alguma no direito público de Portugal e suas colônias, pois no parlamento, em Tomar, concedeu Filipe II que, entre ambos os reinos da Península Ibérica, a união se efetuaria somente na pessoa do monarca: Portugal conservaria a sua língua, as suas leis, as suas colônias, e tanto aqui, como lá, ocupariam os cargos somente os filhos do país.

Estas promessas, todavia, não foram estritamente cumpridas e, assim, Portugal sentiu-se dentro de pouco tempo profundamente ferido na sua nacionalidade, execrando a imposta dominação espanhola.

Diferentemente sucedia no Brasil: aqui se sentiam as pequenas humilhações menos apaixonadamente que além-mar, pois para o Brasil era de fato indiferente que o seu rei residisse em Lisboa ou em Madri, que fosse um português ou um espanhol ocupar os mais importantes cargos da colônia.

Até, em resumo, esta colônia, em geral abandonada de modo cruel pela mãe-pátria, tinha motivo para regozijar-se por possuir um rei do qual podia esperar mais zelosos cuidados, visto já ele estar incessantemente solicitado a ter esses cuidados nas outras possessões do continente ocidental; podia esperar que daí em diante a proteção da poderosa potência colonial hispano-americana e as relações com as colônias espanholas vizinhas lhe seriam proveitosas. Todavia, essas esperanças somente em parte muito diminuta se realizaram: em geral, durante o domínio espanhol, ficou o monopólio do comércio nas mãos de negociantes portugueses; no mais, este país, que só como colônia agrícola tinha importância, pois não eram ainda conhecidos os seus tesouros de pedras e metais preciosos, ficou com o seguir do tempo não menos abandonado do que antes; assim como a corte de Lisboa volvia anteriormente, de preferência, os olhares para o rico Indostão, agora igualmente o fazia a de Madri para as lucrativas colônias exploradoras das minas do Peru e do México.

E, finalmente, o pior era que, desde a reunião de ambas as coroas na cabeça de Filipe II, os inimigos da Espanha também se tornaram inimigos de Portugal e do Brasil. Filipe II, que se havia arvorado, na Europa, campeão do catolicismo, empreendia então uma guerra contínua e encarniçada contra as duas jovens e florescentes potências marítimas protestantes, — os Países Baixos e a Inglaterra, — guerra que não se limitava à terra firme da Europa ocidental e aos mares europeus ocidentais, porém, também, se estendia ao pleno oceano e a todo o globo terrestre, pois, onde quer que tremulasse a bandeira espanhola ou a bandeira portuguesa, encaminhavam-se as esquadras holandesa e inglesa, ora como conquistadoras destemidas, ora como corsários ávidos de presas.

Também o Brasil já nos anos seguintes era atingido pelas tormentas desta guerra; e, de fato, foram em primeiro lugar os ingleses que perturbaram a sua paz, que apareceram como inimigos nas suas costas.

Demais, não era agora, absolutamente, a primeira vez que a bandeira das Ilhas Britânicas se desfraldava nessas águas; em verdade, dirigiam-se, de preferência, o comércio inglês e a navegação inglesa para outros países; porém, de tempos a tempos, pelo menos desde o ano de 1530, aparecia um ou outro barco pelo litoral brasileiro, a fim de ali participar do lucrativo comércio costeiro e de índios.

E nos últimos tempos fazia-se até, entre a Inglaterra de um lado e a capitania de São Vicente de outro, tráfico comercial regular.

Um inglês, John Whitehall, que se havia estabelecido na cidade de Santos e casado com uma brasileira, escreveu a seus amigos na pátria que lhe mandassem para cá um navio carregado de toda espécie de mercadorias (26 de junho de 1578), e lhes conseguiu um passaporte do donatário português.

De fato, no ano seguinte, o "Predileto de Londres" (Minion of London) entrou ricamente carregado no porto de Santos, onde foi amistosamente admitido e com grande lucro permutou os produtos da indústria pátria por açúcar brasileiro31.

Estes tão prometedores inícios de comércio, igualmente vantajosos para ambas as partes, foram repentinamente, e para sempre, interrompidos com o acesso ao trono do espanhol Filipe.

Logo depois, no ano de 1582, aportaram outra vez a Santos dois navios ingleses, que, sob o comando de Edward Fenton, viajavam com destino às índias Orientais e China; parece que não alimentavam qualquer propósito hostil; em todo caso, asseguraram que cuidavam somente de se abastecer de frescas provisões para continuar viagem e fazer algumas reparações necessárias. Não ousaram, contudo, os brasileiros confiar nessas declarações e evitaram tratar com o inimigo de seu rei; fortificaram à pressa a sua cidade, puseram as mulheres e crianças a salvamento e mandaram então uma comissão rogar aos ingleses que, ao menos provisoriamente, não pusessem pé em terra.

Estavam ainda em negociações, quando chegou, com três navios de guerra, o almirante espanhol Diego Flores de Valdez, que estacionava na costa sul-americana, e saudou com o fogo de seus canhões, os hóspedes indesejados; e então, à tarde, ao findar o dia, se travou combate, que continuou com incessante violência durante toda a noite de luar.

 

A vantagem coube aos ingleses. Eles afundaram um dos navios espanhóis, avariaram os outros dois e puderam assim, no dia seguinte, deixar o porto, sem nenhum impedimento; e, sem serem perseguidos, prosseguiram a viagem.

Esta primeira hostilidade, na qual eles ao menos não haviam sido os atacantes, foi para os ingleses o sinal para uma série de empresas bélicas, ou, mais verdadeiramente, empresas de flibusteiros, contra os mais importantes pontos da costa brasileira.

Primeiramente, penetrou uma esquadra, sob o comando de Robert With-rington, na Bahia, para tomar de surpresa a rica cidade do Salvador; porém o plano foi mal sucedido, pois de todos os lados acudiram rapidamente os índios convertidos e repeliram os atacantes dos muros da cidade; entretanto, não puderam impedir que os ingleses dominassem seis semanas na Bahia e num largo círculo a saqueassem e lhe devastassem as plantações (1586).

Cinco anos depois, apareceu nas paragens do Sul outro pirata — Thomas Cavendish. Santos foi por ele atacada de surpresa; saqueou-a. Incendiou a velha cidade de São Vicente e tentou, finalmente, também dar assalto à velha capital do Espírito Santo, donde, porém, depois de violento combate e com grandes perdas, foi rechaçado (1591-1592).

De maior importância e maiores conseqüências foi uma terceira expedição, contra Pernambuco, para a qual se haviam associado dois flibusteiros ingleses — James Lancaster, de Londres, e o capitão Venner. A 29 de março de 1595, chegaram eles à altura de Olinda e lançaram os botes ao mar; o pequeno forte que dominava a passagem pelo recife foi tomado de assalto, penetrando, então, no porto toda a esquadra, constante de 12 velas; apoderaram-se, sem resistência, da cidade, cujos habitantes haviam todos fugido apressadamente pára Olinda. Acharam os vencedores aí enorme presa, pois todos os armazéns estavam repletos dos mais valiosos produtos brasileiros, além de que se havia, justamente nas últimas semanas, ali acolhido o rico carregamento de um navio das índias Orientais, que naufragara; era mais do que os navios ingleses podiam carregar e teriam sido necessárias, no mínimo, algumas semanas para transportar tudo para fora da cidade.

Visto isso, instalaram-se os ingleses para uma prolongada demora; do outro lado do Recife, sobre todo o istmo da península, foi levantada às pressas uma paliçada, instalada uma bateria, cujas peças dominavam a estrada de Olinda. Em seguida, entrou o almirante Lancaster em negociações com três navios holandeses, que já se achavam no porto à sua chegada, convidou-os a concorrer com a sua equipagem para o serviço de vigilância e da defesa, com o que teriam a sua parte na presa, o que, contentes, aceitaram; e também uma esquadra de cinco navios franceses, que pouco depois aportou, se associou à expedição, sob as mesmas condições.

Durante quatro semanas ocuparam-se os marujos, incessantemente, em encher os seus navios, até às bordas, ao passo que os pernambucanos, sem ousar ataque aberto, tentavam, de todos os modos, estorvá-los ou molestá-los.

Três vezes vieram brulotes flutuando de Olinda; foram, porém, apanhados a tempo, e afundados; uma vez, na escuridão da noite, hábeis nadadores procuraram cortar as amarras das âncoras; acharam, entretanto, alertas as sentinelas e voltaram sem ter conseguido coisa alguma. Completou-se, afinal, o carregamento, e Recife foi abandonada: os aliados, ingleses, holandeses e franceses, levantaram âncoras, em maio de 1595, e alcançaram os seus portos pátrios sãos e salvos com a presa.

Certamente, o lucrativo êxito, que James Lancaster havia tão facilmente obtido, teria achado imitadores na Inglaterra e determinado novas expedições desse gênero; porém, para felicidade do Brasil, estava justamente então, em Londres, sir Walter Raleigh reavivando a antiga lenda da sonhada terra do ouro — El-Dorado, que agora deveria ser situada nos sertões da Colômbia e da Guiana, e isso desviou a fantasia, o espírito empreendedor dos aventureiros ingleses, para latitudes mais ao norte.

Para dizer a verdade, ainda algumas vezes, um ou outro navio inglês aportou às costas brasileiras, como contrabandista, ou como corsário; entretanto, empresas de monta nunca mais foram tentadas e alguns anos depois, desde o tratado de paz de 18 de agosto de 1604, que restabeleceu as boas relações entre as coroas da Grã-Bretanha e da Espanha, cessaram completamente as depredações de navios ingleses na América hispano-portuguesa.

Durante esses embates exteriores, o desenvolvimento interno do Brasil foi seguindo a sua marcha habitual.

Já se mencionou há pouco que o governador, em cujo período se deu a mudança da dinastia — Lourenço da Veiga, faleceu antes do termo de seu mandato, e que em seu lugar se estabeleceu um governo provisório, composto do bispo, do ouvidor-geral e da Câmara Municipal da Bahia, que tomou em mãos as rédeas do Estado, em meados de 1581.

Somente dois anos depois, o sucessor de Lourenço da Veiga, Manuel Teles Barreto, o primeiro governador-geral nomeado em Madri, chegou à Bahia, a 9 de maio de 1583, e tomou conta do governo. Também este morreu antes de completar o tempo que devia permanecer no seu cargo (março de 1587), sendo necessário, por isso, formar-se nova junta administrativa, na qual, desta vez, somente tinham assento o bispo, o ouvidor-geral e o provedor-mor. Foi maior o interregno deste governo provisório, mas em 1588 a corte de Madri nomeou novo governador-geral, recaindo a escolha no donatário de Ilhéus, Francisco Girales, que embarcou nesse mesmo ano. Duas vezes, entretanto, os ventos desfavoráveis o forçaram a regressar a Lisboa e, como julgasse ver na dupla desventura um aviso do céu, renunciou ao cargo antes de se haver nele empossado.

Foi seu sucessor Francisco de Sousa, que, finalmente, apareceu em Salvador, no ano de 1591, e governou durante 11 anos, isto é, até maio de 1602.

Da história desses 20 anos, podem destacar-se como atos mais importantes: a colonização, a conquista ao longo da costa, que foi continuando enérgica para o norte, e a fundação de três novas capitanias reais — Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte.

Primeiro a Paraíba: já se disse que, cerca do ano de 1575, o então governador-geral, Luís de Brito, procurou tomar posse dessa região, mas as expedições que organizou, uma por terra e outra por mar, ficaram ambas sem resultado.

Alguns anos depois, um particular tomou a si renovar o plano: Frutuoso Barbosa, rico proprietário de terras de Pernambuco, ofereceu-se para colonizar, à sua custa, aquela zona, sob a condição de lhe serem concedidos por 10 anos o governo e todas as rendas da nova capitania; a corte de Lisboa anuiu à sua pretensão (1580), providenciando ele então para incontinenti dar cumprimento à sua palavra. Não foi, todavia, coroada de êxito a empresa: da primeira vez, uma violenta tempestade destruiu a expedição preparada por Frutuoso Barbosa, antes de haver alcançado a Paraíba; da segunda vez, chegou ele a tomar pé na costa e combater, a princípio

com felicidade, contra os indígenas e os contrabandistas franceses; em breve, porém, a fortuna lhe foi adversa: parte da sua gente foi atraída a uma emboscada e trucidada, sua colônia ameaçada por todos os lados por forças superiores, e, deste modo, viu-se Frutuoso Barbosa, dentro de poucas semanas, forçado a fugir para Itamaracá, de volta a Pernambuco, e a renunciar aos seus planos de colonização.

Somente sob a dominação espanhola foi que se tomou medida séria em favor da Paraíba. Quando, em princípio de 1584, o almirante espanhol Diego Flores Valdez, ao qual estava confiada a vigilância da costa oriental sul-americana, entrou na Bahia, pediu-lhe então o governador-geral, Manuel Teles Barreto, a sua colaboração para uma nova tentativa de conquista; Flores aquiesceu e navegou com sete navios de guerra espanhóis e dois portugueses para o norte, a l9 de março de

1584. A 20 de março alcançou Recife, onde já alguns funcionários da colônia o haviam precedido, a fim de recrutar gente. O donatário de Pernambuco, Jorge de Albuquerque, armou apressadamente um exército de terra, composto de 100 cavaleiros e mais de 200 infantes; uma tropa de mais de 1.500 índios aliados, além de mais de 100 escravos negros, teve de incorporar-se a essa expedição; o comando supremo coube a Filipe de Moura. Os dois chefes puseram-se de acordo: ao passo que Moura abria caminho por entre as tribos de índios inimigos, navegou o almirante ao longo da costa, onde teve que sustentar combate com seis navios contrabandistas franceses e os venceu. Finalmente, reuniu-se toda a expedição junto do rio Paraíba (o "rio mau" na língua dos índios).

Aqui, e precisamente à margem esquerda, ao norte da baía que o rio forma na sua embocadura, fez Diego Flores levantar um forte, que foi chamado — Cidade Filipéia, em honra ao rei; nomeou Francisco Castejon primeiro governador da nova capitania da Paraíba, e fez-se depois à vela com a sua frota, de regresso à Espanha, a l9 de maio de 1584.

Apenas se havia ele afastado da costa, caiu a desgraça sobre o novo Estado agrícola: os indígenas, além de já mal intencionados para com os portugueses, estavam ainda mais exasperados pela destruição de seus aldeamentos e pelas caçadas ao homem, que os colonos e os seus aliados de Pernambuco haviam praticado, e só esperavam ocasião oportuna para tirar vingança; conseguiram, finalmente, atrair grande tropa a uma emboscada e massacraram-na, e, animados com este sucesso, empreenderam novo ataque direto, em que foram vitoriosos, e, finalmente puseram até cerco formal ao forte de São Filipe, cerco no qual um bom número de contrabandistas franceses ajudaram os índios com conselhos e ações.

Os portugueses foram, em verdade, num dos meses seguintes, libertados pelo donatário de Itamaracá, mas apenas por um momento; de fato, logo após a partida desse, viram-se os colonos novamente cercados pelos inimigos e rechaçados para os seus entrincheiramentos. Vieram em seu socorro todas as forças das vizinhas capitanias de Pernambuco e Itamaracá; reuniu-se uma tropa de 200 homens a cavalo e 300 a pé, além de numeroso bando de índios aliados e escravos negros; esta tropa entrou em campanha sob o comando de Martim Leitão, em fevereiro de

1585, e abriu caminho, com as armas, através das tribos inimigas que procuravam tolher-lhe a passagem, e como a precedesse o terror, os índios julgaram de bom conselho levantar apressadamente o cerco da praça. Quando ali chegou Leitão e já não encontrou mais inimigo algum, julgou resolvida a sua missão; empreendeu apenas mais algumas surtidas pela vizinhança e, em seguida, tomou a expedição o caminho de regresso a Pernambuco.

Apenas, porém, virara as costas, ressurgiram os índios de suas tocas e novamente tiveram os colonos de lutar no exterior contra um inimigo encarniçado e no

interior com privações de toda espécie. Então o governador Francisco Castejon desesperou de vencer, e, assim, incendiou a sua fortaleza, lançou os canhões ao mar, e, após, embarcou com a sua gente e se refugiou em Itamaracá (junho de 1585).

Malograram-se, assim, pela terceira vez, os esforços de longos anos; apagou-se todo vestígio do domínio português nas costas da Paraíba; eis que os brasileiros conseguiram o que não haviam logrado até então por suas próprias forças, e isso graças à discórdia interna de seus inimigos. De fato, mal se haviam os índios daquelas regiões livrado do conquistador estrangeiro, começaram as rixas de uns contra outros; chegaram à aberta hostilidade e o resultado foi que um dos mais poderosos caciques, Pirajiba, para se vingar dos seus conterrâneos, formou aliança com os portugueses.

A 2 de agosto de 1585, apareceu um funcionário colonial de Pernambuco, João Tavares, a fim de apalavrar-se com o novo aliado; três meses depois, seguiu Martim Leitão com muitos colonos e soldados, e lançou, à margem direita da baía em que o rio Paraíba desemboca, os fundamentos de um novo forte, a atual cidade da Paraíba, que logo foi fortificada debaixo da inspeção de um oficial alemão, Christoph Linz, segundo as regras da arte (4 de novembro de 1585).

Em verdade, tiveram os colonos que combater repetidas vezes contra os selvagens vizinhos; porém, com o auxílio de seus aliados rechaçaram com êxito todos os ataques; dentro em pouco, também chegaram novos reforços da Europa, principalmente de Pernambuco, podendo-se, então, com a cooperação de Pirajiba, empreender uma debastadora expedição de desforra sertão a dentro, o que, num vasto círculo, estabeleceu o pânico entre as tribos inimigas (dezembro de 1586).

A existência da capitania ficou com isso assegurada, e se, nos primeiros anos, freqüentemente, ainda contrabandistas franceses, uma vez mesmo com esquadra de 13 navios, em 1597, inquietaram estas costas, foram sempre energicamente repelidos e, finalmente, obrigados a limitar as suas operações a paragens mais ao norte.

Muito menos trabalho custou aos portugueses a tomada de posse e fundação, da capitania de Sergipe. Já se mencionou como em 1574 o governador-geral da Bahia, Luís de Brito d’Almeida, havia expulsado os contrabandistas franceses desses seus portos habituais e dominado os índios; e desde então conseguira a Companhia de Jesus reunir várias tribos indígenas em missões, como, por exemplo, a atual Santa Luzia.

Pouco a pouco, vieram também colonos brancos; construiu-se uma capital — São Cristóvão ou Sergipe, e, finalmente, todo o território entre o rio Real, ao Sul, e o rio São Francisco, ao norte, ficou constituindo uma capitania real (1589), sob o nome de Sergipe d’El Rei (Sergipe deriva de Serigi, nome de um cacique indígena).

Alguns anos depois, foi incorporada mais uma terceira região ao império colonial brasileiro: a atual província do Rio Grande do Norte. Deu oportunidade a isso, como acontecia em geral em todas as fundações coloniais, o ciúme dos portugueses contra os mercantes estrangeiros na costa; efetivamente, desde a colonização da Paraíba, os franceses, que só recuavam passo a passo, haviam transferido a sua principal praça de comércio para algumas léguas mais ao norte, na embocadura do rio Potengi (Rio Grande do Norte). Tratava-se agora de expulsá-los também dali.

Por ordem da corte de Madri e do governador-geral Francisco de Souza, pôs-se em campo para lá, em fins de 1597, o governador de Pernambuco, Manuel Mascarenhas; acompanharam-no 300 colonos e grande número de índios e escravos

pretos, e lançaram-se, então, à margem direita do Potengi, os fundamentos da cidade de Natal, assim denominada porque no dia de Natal, 25 de dezembro de 1599, se inaugurou a igreja paroquial. O novo Estado agrícola do grande rio do Norte custou outros tantos trabalhos, bem como outro tanto dispêndio de dinheiro e de homens, como a Paraíba. Os indígenas, instigados e sustentados pelos capitães de navios mercantes franceses, combateram encarniçadamente contra os colonos, e não fora o auxílio de um cacique da vizinhança — Sorobabé — e os contínuos reforços que acudiam da Paraíba, tudo teria sido, de novo, perdido. Somente no governo do segundo donatário, Martim Soares Moreno, 1608, e seguintes anos, as coisas tomaram melhor feição; com sua conduta inteligente, tolerante, acomodan do-se com facilidade aos costumes da terra, soube ele, no mais alto grau, obter a afeição dos índios, e assim conseguiu, não só estabelecer, com segurança, a existência da própria colônia, como se tornou apto a estender, além para o norte, os limites do domínio português.

* * *

Lancemos agora, nos fins do século XVI, um olhar para o estado em que então se achava o império colonial luso-americano.

Constava, então, o Brasil de doze capitanias. No extremo norte, do cabo de São Roque para baixo: — Rio Grande do Norte desde 1597, depois Paraíba desde 1585, cujos primórdios acabamos de narrar. Em seguida, a capitania de Itamaracá, que (com Santo Amaro) pertencia a Pero Lopes de Sousa; fundada cerca do ano de 1535, estava, todavia, quase tão atrasada como as suas novas vizinhas; o cultivo limitava-se quase exclusivamente à ilha do mesmo nome, e somente a capital (Conceição) tinha alguma importância, devida ao seu excelente porto. Ao contrário, a vizinha Pernambuco, fundada em 1535, se havia elevado à mais alta florescência e era agora em absoluto o mais rico e importante entre todos os Estados coloniais brasileiros. Esta capitania, feudo hereditário da família Coelho de Albuquerque, contava agora mais de 2.000 proprietários de terras e o dobro de escravos pretos; os indígenas, depois de porfiadas lutas, foram escravizados ou recalcados para o longínquo sertão (cerca de 1560) e assim pôde progredir, sem estorvo, a colonização por todos os lados; todavia, ainda provisoriamente, não tocava o sul da capitania, o qual, por causa das suas inúmeras lagoas e pântanos, recebeu o nome de "Alagoas"; limitava-se à atual província de Pernambuco.

Cerca de 1590, estavam aqui em atividade 66 engenhos de açúcar, que anualmente carregavam 14 navios dessa mercadoria e rendiam um dízimo de 19.000 cruzados; 100 colonos, aproximadamente, tinham rendimento anual de 5.000 cruzados e alguns ainda mais; ao donatário, porém, rendiam os respectivos direitos senhoriais 10.000 cruzados por ano. Nestas condições, compreende-se como um escritor da época, Fernão Cardim, assim se exprimisse: — "Em Pernambuco ainda se vê muito mais soberta que em Lisboa" 32. Homens e mulheres ostentam damascos, veludos e sedas, com ouro e pedras preciosas; as residências são instaladas com o maior luxo; celebram-se festas umas após outras, e sempre encontram comprador os mais ricos estofos da índia, os vinhos da Europa, etc.

Infelizmente, não sabia a maioria dos ricos fazendeiros guardar a devida moderação nas suas prodigalidades e amor ao luxo; apesar dos lucros, enormes para aquele tempo, estavam, por isso, quase sempre enterrados em dívidas, e eram seus credores principais os traficantes de escravos, que incessantemente (pois não duravam os pretos em Pernambuco) traziam novos braços da costa africana para ali.

Da região imediata, a capitania real de Sergipe d’El-Rei, apenas se pode mencionar alguma coisa. Organizada somente em 1589, ainda estava nos seus inícios e só devia a sua importância ao fato de estabelecer relações mais seguras como comunicação terrestre entre a Bahia, de um lado, e Pernambuco, de outro, caminho que até então era muito freqüentemente infestado pelos bandos de criminosos foragidos.

Mais importante era a vizinha Bahia, igualmente posse da coroa desde 1549. Embora uma das mais novas entre as colônias brasileiras, havia, contudo, tomado a dianteira sobre a maioria de suas irmãs mais velhas e conseguido o segundo lugar, pois que o primeiro cabia a Pernambuco. Consistia a sua população de 2.000 brancos, 4.000 escravos negros e 6.000 índios convertidos; a indústria do açúcar ocupava 36 engenhos, e, além disso, se exploravam, especialmente, a criação do gado e a pesca, com grande êxito, e assim, ainda que em menor escala do que em Pernambuco, eram bastante notáveis a opulência e o luxo.

Obteve ainda a Bahia especial importância e muitos proveitos materiais pela circunstância de constituir constantemente o verdadeiro ponto político central de todo o império colonial; na sua capital, Salvador, tinham residência oficial não só os altos funcionários da coroa, o governador-geral, o ouvidor-geral e o provedor -mor da Fazenda, mas também o bispo e o provincial da Companhia de Jesus, e, ainda, desde 1588, se projetava estabelecer ali uma Relação de segunda instância — que fazia falta no Brasil. Esse projeto, porém, somente 20 anos mais tarde teve realização (Regulamento de 7 de março de 1609).

Triste contraste com a florescente Bahia formavam as três capitanias seguintes, de Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo, fundadas em 1535. Ao longo de toda essa costa, mormente ao longo da metade norte da mesma, reinava permanente hostilidade por parte dos índios. Ano após ano, renovavam os selvagens aimorés (botocudos) as suas devastadoras correrias, recalcando os colonos cada vez mais e, se não fossem os contínuos socorros do governador-geral, teriam tido que evacuar completamente a região.

A capitania de Ilhéus, posse, por compra, da família Giraldes, limitava-se agora à capital, ou, para dizer melhor, à pequena aldeia de São Jorge-e seus próximos arredores, mal contando 100 habitantes, os quais arrastavam vida miserável. Todavia, nos anos seguintes melhoraram, de algum modo, ao menos, as suas condições; foi que logo em princípio do século XVII, graças a esforços de um morador da Bahia, Álvaro Rodrigues, conseguiu-se harmonizar as relações com os Aimorés, e avultado número deles renunciou, em conseqüência, à sua vida selvagem, para fazer parte das missões.

Quase tão má quanto a de Ilhéus era a situação do vizinho Porto Seguro. Esta capitania, que sob o governo de seu primeiro donatário razoavelmente havia progredido passara desde o ano de 1556, por compra, à posse de João de Lancastre, duque de Aveiro, e daí em diante recebeu muitos auxílios do novo donatário; transportaram-se imigrantes para a região, fundaram-se novas aldeias, os indígenas foram catequizados pelos jesuítas e reunidos em missões. Quase por esse tempo, porém, haviam por outro lado os selvagens aimorés estendido até ali as suas correrias e, pouco a pouco, foram destruindo completamente o bem-estar da colônia, de sorte que, nos fins do século XVI, além da capital do mesmo nome, somente subsistiam uma pequena localidade e algumas aldeias de missões de índios.

Nestas desgraçadas circunstâncias, Porto Seguro continuou vegetando, e da história de sua vida provincial, durante muito tempo, nada há que se mencione, a nào ser a sua elevação de categoria, que a influente família do donatário obteve no seu país para a possessão transatlântica; efetivamente, quando Afonso de Lancastre se casou com Ana de Sande, dama de honor da rainha, Filipe IV, rei de Espanha e Portugal, elevou a capitania de Porto Seguro a um marquesado (18 de abril de 1627), e até hoje continuou esse título usado na Espanha pela casa ducal de Abrantes.

A Porto Seguro segue-se, ao sul, a capitania do Espírito Santo, onde governava ainda a família do primeiro donatário, Vasco Fernandes Coutinho. Aqui o aspecto da situação era um pouco melhor; de fato, durante os primeiros 30 anos, havia chegado ao cairel da ruína, pela hostilidade dos índios e o descontentamento no interior; porém, o governador-geral, Mem de Sá, prestou-lhe oportunos e enérgicos socorros, e em seguida conseguiram os zelosos missionários da Companhia de Jesus induzir ao menos as tribos indígenas da costa a adotar o cristianismo e a vida domiciliada. Embora, com o correr dos tempos, novas hostilidades de índios irrompessem, o substituto do donatário restabeleceu sem demora a paz, com armas na mão, de sorte que, nos fins do século XVI, alguns portugueses se puderam arriscar a penetrar no sertão muitas léguas a dentro. Pôde assim a capitania levantar-se de algum modo da sua decadência, mas jamais chegou a uma verdadeira prosperidade, por ser muito escassa a sua população, e ainda porque qualquer imigração vinda para essas paragens era logo atraída pela vizinha colônia do Rio de Janeiro.

Segue-se agora Campos dos Goitacases, ou a denominada capitania de Paraíba do Sul, que, desde as tentativas malogradas de colonização do primeiro donatário, Pero de Góis, por volta de 1536, continuava ainda deserta; a família contentava-se em conversar os seus direitos de posse, não se preocupando com o seu feudo transatlântico, até que, finalmente, pelo ano de 1623, Gil de Góis retomou os planos de colonização de seus antepassados. Associou-se ele com diversos capitalistas ricos, repartiu com eles várias sesmarias de sua capitania (19 de agosto de 1627) e ficou resolvida uma expedição conjunta; todavia, não chegou a realizar-se, pois, nesse ínterim, havendo falecido Gil de Góis, por disposições testamentárias reverteu a capitania à coroa, a qual, daí em diante, anexou provisoriamente os Campos de Goitacases à capitania real do Rio de Janeiro (cerca de 1627).

Esta última capitania, por seu turno, fundada em 1565, havia feito grandes progressos sob o governo forte e prolongado de Salvador Correa de Sá (1568-1572, 1576 até 1598) e de seu filho Martim Correa de Sá (1602-1608, 1618 -1631); os índios, abatidos por consecutivas derrotas, permaneciam sossegados; as colônias, os engenhos de açúcar estendiam-se cada vez mais em volta da baía e ao longo da costa do mar, e já em 1615 fora incluída na esfera da colonização a região de Cabo Frio, estabelecendo-se com isto a ligação com os mencionados Campos dos Goitacases. Demais, concentrou-se aqui, em breve, importante comércio, não somente pelo mar, mas também pelo lado da terra. Já se mencionou como desde cedo se realizavam relações comerciais animadas entre as colônias espanholas da bacia do Prata e as praças das costas brasileiras do Sul, e como o primeiro governador-geral português, Tomé de Sousa, lhes pôs termo, mediante severa proibição (1552).

Mudaram, porém, as coisas, desde que as coroas de Portugal e Espanha se

acharam reunidas numa só cabeça: a corte de Madri aboliu tacitamente essa proibição, e via calmamente os seus súditos, deste e daquele lado, em ativas relações comerciais uns com os outros; a velha estrada de caravanas para o Paraguai reviveu, e até com os ricos distritos mineiros do Peru se entrou em tráfico por essa via; e, como dantes para o porto de Santos (São Vicente), agora tudo redundava de preferência em proveito da cidade de São Sebastião (Rio de Janeiro).

No que, finalmente, diz respeito às duas capitanias mais meridionais — São Vicente e Santo Amaro — as condições não eram absolutamente tão brilhantes quanto se devia esperar da sua existência de longos anos (1532 a 1535) e do rápido crescimento do princípio; até São Vicente, que 14 anos depois da sua fundação já contava 600 habitantes, sem incluir a escravatura negra, depois disso havia retrogradado. Todavia, devemos procurar as razões do fato não tanto na decadência interior, como nas circunstâncias exteriores: é que estas capitanias haviam cedido a maior parte de seus homens para o povoamento do Rio de Janeiro, e, além disso, induzidos pela cobiça de rápidos lucros, muitos de seus habitantes se retiraram para as paragens do Norte, Bahia ou Pernambuco.

Com estas províncias tropicais incontestavelmente não podiam rivalizar as duas capitanias do Sul: a indústria do açúcar, que aquelas forneciam ao comércio mundial e ao qual deviam a sua prosperidade, estava longe de dar aqui tão bons resultados, e assim sempre permaneceu de somenos importância a produção desse artigo; ocupava ela, em 1550, seis engenhos, e, cerca de 1590, apenas o mesmo número. As principais indústrias eram a criação do gado e a lavoura; cultivavam-se, ao lado das plantas alimentícias nativas, os cereais europeus, e isso com grande resultado; igualmente a vinha, e, em breve, o vinho daqui fazia tão séria concorrência ao vinho português nas capitanias do Norte, que o governo da mãe-pátria achou acertado abolir de todo a plantação da vinha em São Vicente. Eram os habitantes um povo simples, forte, que conservava fielmente os costumes dos antepassados. Ao passo que os povos das outras colônias apenas se limitavam às costas, internavam-se eles, impávidos, pelo sertão, em busca do ouro, ou para apanhar escravos, e ao seu incansável zelo, à sua coragem invencível, deveu o Brasil, mais tarde, a descoberta e a conquista de quase todo o seu interior.

Aqui se travou, por isso, mais vivamente, a luta sobre a questão fundamental da posição dos índios, já antes mencionada. Os vicentinos haviam logo subjugado os indígenas da costa ou os absorveram pelos casamentos; agora estendiam eles, mais longe, as suas incursões, as suas caçadas ao homem, e cada tropa que regressava trazia consigo um certo número de índios presos que, em parte, conservava para o seu próprio serviço, em parte levava para vender nos mercados de São Paulo e do Rio de Janeiro; deste modo milhares de indígenas foram escravizados. Debalde os jesuítas davam queixa, obtinham do governo ordens e proibições: os habitantes não se importavam com isso, e já nos primeiros decênios romperam as hostilidades entre os dois partidos, terminando com a expulsão dos jesuítas e a destruição das missões.

Para concluir, devemos ainda lançar um olhar sobre as particularidades das relações mútuas em que estavam as capitanias de São Vicente e Santo Amaro; cada qual dividia-se, como consta das disposições dos títulos de doação, em duas partes, e estavam todas entremeadas e ao lado uma da outra; as capitais e o próprio coração das colônias eram situados em imediata vizinhança, sem terreno algum de permeio, apenas limitadas por imaginária linha geográfica de separação. Havia, pois, aí, sobejo lugar para constantes questões de fronteiras e rixas de toda espécie; todavia, isso por muito tempo felizmente se evitara.

Os primitivos donatários, dois irmãos, em São Vicente, Martini Afonso de Sousa, morto em 1571, em Santo Amaro, Pero Lopes de Sousa, falecido em 1539, viviam no melhor acordo, governavam mesmo, em quase todos os sentidos, com unidade de vistas, o que continuou da mesma forma, enquanto as capitanias foram herdadas em linha direta, até princípio do século XVII. É evidente que isso assim não podia ficar sempre; logo que os direitos de herança tocaram a parentes colaterais, surgiram demorados processos sobre a herança e os limites, acerca dos quais faremos considerações adiante.

Tais eram as condições internas do Brasil, nos fins do século XVI.

No que diz respeito às suas relações com o exterior, forneciam os seus 120 engenhos, dos quais 66 em Pernambuco e 36 na Bahia, cerca de 60.000 caixas de açúcar, anualmente, cada uma de 10 quintais, para exportação, ao passo que a importação somente em mercadorias estrangeiras, isto é, não portuguesas, devia regular por 400.000 cruzados, e tudo passava quase exclusivamente, pelas mãos dos negociantes europeus.

Também a coroa portuguesa tirava dos seus direitos reservados uma importante renda, a qual, todavia, ao menos desde 1585, em grande parte era aplicada no próprio país na colonização de novas capitanias da coroa, como Paraíba e Rio Grande do Norte.

O Brasil já era, destarte, uma colônia de valor e podia atrair sobre si a cobiça de potências inimigas; as suas costas estavam quase sempre inteiramente sem defe sa, a qual se achava tão-só confiada às milícias da terra.

Somente sob a dominação espanhola foi que mudou este estado de coisas: diante das representações do governador-geral, Manuel Teles Barreto, foram mandados para aqui oficiais engenheiros com o encargo de cuidar da fundação de novas praças fortificadas, para melhor proteção das costas; dos arsenais reais foram distribuídos armamentos e munições às capitanias, e também os portos mais importantes receberam guarnições regulares; por outro lado, o que era de maior necessidade e que já havia sido previsto na organização primitiva, — a manutenção de uma estação naval militar nas águas brasileiras, — a Espanha o negligenciou, não menos que dantes Portugal.

Ainda resta, finalmente, mencionar uma importante mudança que foi resolvida nessa época, concernente às relações e andamento dos negócios entre a administração da colônia e o governo da mãe-pátria. Até então estavam os Estados agrícolas portugueses de além-mar, portanto, também o Brasil, sob a imediata direção do gabinete real; agora, porém, estabelecia-se em Lisboa, seguindo o exemplo de Madri, um colégio especial para o governo da colônia, o chamado Conselho das índias, cuja competência judiciária, assim como administrativa, incluía todos os ramos da administração, tanto civil como eclesiástica, e por suas mãos devia passar tudo que, de qualquer modo, dissesse respeito às possessões de além-mar. Esta instituição, em geral, provou muito bem, e, conquanto a queda da dominação espanhola em Portugal (dezembro de 1640) arrastasse a do Conselho das índias, tomou logo o seu lugar uma repartição semelhante, o Conselho Ultramarino (14 de junho de 1642 ao qual ficou o Brasil especialmente subordinado até ao fim da dependência colonial.

* * *

Voltemos agora desta digressão, na maior parte referente às províncias, para a história geral do Brasil.

Em maio de 1602, deixou o cargo o então governador-geral Francisco de Sousa, e sucedeu-lhe Diogo Botelho (1602-1607); vieram depois Diogo Meneses e Siqueira (1607-1612) e Gaspar de Sousa(1612-1617).

Desses governos pouco há que narrar: na verdade, a recém-criada alçada, o Conselho das índias, desenvolveu grande atividade nos diferentes sentidos; cuidou ele da defesa exterior do país, procurou acabar com os antigos abusos, que se haviam introduzido na administração, e regularizou a situação dos índios, de modo satisfatório para ambos os partidos, e os governadores-gerais lhe prestaram zeloso auxílio.

Todavia, no interior tudo Ficou mais ou menos como dantes, pois esses esforços louváveis foram seriamente estorvados por uma desavença que se declarou por esse tempo na Bahia, entre o poder civil e o eclesiástico.

O então bispo de Salvador, Constantino Barradas, 1600-1618, era um homem irrequieto e dominador, que queria estender sempre mais a sua própria influência e a do clero, em prejuízo da autoridade civil; não menos se empenhava ele, sem descanso, por aumentar, de todos os modos, as rendas da sua igreja, e nesses esforços teve como aliados muitos membros da Companhia de Jesus, demasiado zelosos.

Nestas circunstâncias, as coisas, não podiam deixar, naturalmente, de chegar a atritos e rixas declaradas; Diogo Botelho Ficou tão desgostoso com o seu cargo, que embarcou para a Europa, mesmo antes de haver chegado o seu sucessor, e teve Diogo de Meneses de se conformar com a arbitrária imposição de interdito, que sobre ele e seus mais altos funcionários lançou o bispo; e para tudo isso olhava indiferente o governo da mãe-pátria, e, até quando se tratava de questão pecuniária, cedia de todo à vontade do clero.

Foi igualmente desvantajoso para o Brasil o adotar-se de novo o já experimentado recurso (1573-1578) da divisão do país em dois governos-gerais. O governador-geral de então, Francisco de Sousa, durante todo o tempo que ocupou o cargo (1591-1602), havia com o maior zelo mandado continuar as desde muito começadas pesquisas do sertão, à cata de metais e pedras preciosas, nos mais diferentes lugares, e, se bem que ainda não se houvesse descoberto mina alguma de valia, absolutamente não perdeu ele a esperança; nesse sentido, após o seu regresso atuou junto à corte de Espanha e com a sua sólida fé angariou outros crentes; assim conseguiu que fosse elaborado o primeiro código mineiro para o Brasil, o qual, a 15 de agosto de 1603, recebeu, em Valladolid, a sanção régia, mas somente dezesseis anos mais tarde foi publicado. E quando, pouco depois, dois pesquisadores de ouro brasileiro informaram a corte de seus supostos descobrimentos e solicitaram um privilégio para a exploração (1607), fez ainda mais o governo espanhol: Francisco de Sousa foi nomeado superintendente das minas nas capitanias do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santo Amaro e São Vicente, e, a fim de que ali tivesse plena liberdade de ação, foram-lhe outorgados alguns meses depois (2 de janeiro de 1608) o cargo e os direitos de governador-geral para o mesmo distrito.

Esta segunda divisão do Brasil encontrou em Diogo de Meneses, que naquela época exercia o governo-geral da Bahia, viva oposição, em verdade não tanto por seu próprio interesse, apesar de lhe causar naturalmente desagrado tal restrição de poder, mas pelo interesse do país.

Representou ele a propósito do risco que poderia determinar essa subdivisão da unidade e do poderio do império colonial, numa ocasião em que um novo inimigo, além dos franceses, — os holandeses, apareciam cada vez mais numerosos nas águas da vizinhança; aludiu à insensatez do desperdício de grandes quantias em dinheiro, com expedições de aventura pelo sertão, quando poderiam ser melhor

aplicadas nas colónias da cos"ta. "Creia-me Vossa Majestade", assim concluía ele, "as verdadeiras minas do Brasil são o açúcar e o pau-brasil."

Não foram, todavia, essas considerações tomadas em apreço; Francisco de Sousa assumiu o governo-geral do Sul e, depois de sua morte (1610), foi seu filho Luís de Sousa confirmado no mesmo governo; mas, alguns anos depois, em seguida à demissão de Gaspar de Sousa (1617), foi-lhe também transferido o governo-geral do Norte, cessando, assim, de novo, a divisão até aí existente. Luís de Sousa governou então durante cinco anos, na Bahia, como governador-geral do Brasil (1617-1622) e, em seguida, sucedeu-lhe no cargo Diogo de Mendonça Furtado, de outubro de 1622 até à tomada de Salvador pelos holandeses (9 e 10 de maio de 1624).

* * *

Mais importante do que esses acontecimentos no âmbito da região desde muito colonizada, é o fato de se haver dilatado ainda o império colonial brasileiro, justamente nesse tempo, mais para o norte, trazendo toda a costa setentrional, desde o cabo de São Roque até ao estuário do Amazonas, para a esfera do senhorio português.

Este trecho da costa, que atualmente contém as quatro províncias — Ceará, Piauí, Maranhão e Grão-Pará, permanecia ainda deserto, entregue aos índios, desde as malogradas tentativas de colonização dos donatários João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade (1535 e seguintes), do espanhol Francisco de Orellana (1544) e do português Luís de Melo e Silva (1554). Somente os franceses faziam aí, desde muito, ininterrupto comércio costeiro, que nos últimos tempos se tornara sempre mais intenso, desde que a bandeira das flores-de-lis fora pouco a pouco inteiramente excluída da costa oriental brasileira.

Somente sob o governo de Diogo Botelho volveram também os portugueses as vistas para ali. Um rico residente da Paraíba, Pero Coelho, pediu e obteve licença para uma expedição de conquista, e pôs-se então a caminho para o norte, com 80 colonos e 800 índios (1603). Invadiram o Ceará, onde muitas das tribos indígenas se juntaram amistosamente com os imigrantes, ao passo que outras, que já estavam em relações com os franceses, fizeram violenta oposição, em parte bem sucedida; finalmente, resolveu o chefe estabelecer uma colônia, na foz do rio Jagua-ribe, não distante dos atuais limites orientais da província, denominando-a Nova Lisboa e, por sua solicitação, foi-lhe despachado de Pernambuco mais um considerável reforço. Pouca vantagem, porém, lhe trouxeram tais auxílios: os pernambucanos, sob o comando de João Soromenho, consideraram a expedição apenas como uma caçada ao homem, em grande escala, e, o que foi pior, não pouparam nem mesmo as tribos índias, com as quais Pero Coelho havia formado aliança, de sorte que, dentro em breve, toda a população indígena era contrária aos portugueses. E agora não se podia mais sustentar a nova colônia: um colono após outro se retirava e, afinal, também Pero Coelho, com a mulher e filhos, teve que peregrinar, de regresso à Paraíba, em longa e penosa caminhada, com as maiores privações.

Resolveu então a Companhia de Jesus tomar em mãos a colonização do Ceará; alcançou ela, primeiramente, que Soromenho fosse castigado, que os índios que ele havia escravizado fossem libertados e despachados com ricos presentes para as suas terras, tudo na esperança de que essas providências, ditadas pela brandura, impressionassem bem os indígenas e assegurassem aos missionários bom acolhimento. A 20 de janeiro de 1607, puseram-se então a caminho dois padres jesuítas, Francisco Pinto e Luís Figueira, para pregarem o Evangelho nas selvas do Ceará; entretanto, a primeira tribo com que tiveram contato era aliada dos franceses e mal intencionada para com os portugueses: o padre Pinto foi trucidado e somente pela rápida fuga escapou com vida seu companheiro.

Apesar do duplo malogro, o governo-geral do Brasil não perdeu mais de vista a costa norte; Diogo de Meneses por diversas vezes fez esforços para que a corte espanhola lhe desse licença e os meios para uma grande expedição ali.

Ainda pouco antes de deixar o seu cargo, numa carta de 12 de março de 1612, fez ele minuciosas propostas para a futura organização daquele trecho de costa, e recomendou a fundação, naquela região, de três colônias reais: a primeira no rio Jaguaribe (Ceará), a segunda no rio Camocim (Piauí) e a terceira na baía do Maranhão. Ao menos na primeira destas três regiões, ainda sob o seu governo, teve começo nova e mais feliz tentativa de colonização. O então donatário da capitania do Rio Grande do Norte, Martim Soares Moreno, havia anteriormente tomado parte na expedição de Pero Coelho ao Ceará e, por toda parte, havia granjeado a amizade dos índios por sua atitude inteligente e afável. Ainda perdurava a mais grata recordação daquele português, que, onde quer que houvesse uma festa dos seus aliados selvagens, não hesitava em trocar as suas vestes européias pelos simples adornos coloridos dos índios; e um dos poderosos caciques —Jacaúna — chamava-lhe seu filho.

Esse homem tão hábil foi então encarregado pelo governador-geral, Diogo de Meneses, de levar o domínio português ao Ceará, e ele prontamente empreendeu a tarefa. Tratava-se primeiramente de expulsar os franceses daquela costa; para esse Fim, foi Martim Soares ter com o seu amigo Jacaúna, a quem persuadiu que emigrasse com a sua gente para a embocadura do rio Ceará, em cuja imediata vizinhança, no promontório Mucuripe, se achava a principal praça de comércio dos contrabandistas estrangeiros, e quando, logo depois, ali entrou um navio francês e a equipagem desembarcou descuidada, confiante na disposição amigável dos indígenas da costa, encontrou subitamente a mais acerba hostilidade, e toda ela foi massacrada sem perdão.

Esse terrível exemplo assustou os comandantes de navios mercantes franceses, que evitaram ulteriores desembarques naquele porto, ficando, desse modo, assegurada a posse dos portugueses. Mandada à Bahia pelo cacique Jacaúna a nova do sucesso recentemente obtido, despachou o governador-geral, "para auxílio dos seus novos aliados", dez soldados e um padre, que seguiram para o rio Ceará; e, com este pequeno bando, ao qual se seguiram em breve naturalmente reforços, e com o auxílio dos índios seus amigos, estabeleceu Martim Soares o fundamento de uma nova colônia fortificada, que desde aí se manteve com êxito e até ao dia de hoje conserva o nome de "Fortaleza", a atual capital do Ceará (1612-1613).

Com isto, foram os franceses i ecalcados mais um passo na zona de que antes francamente dispunham, a "França Antártica", limitando-se apenas à costa extrema noroeste do Brasil; mas aqui ainda uma vez se opuseram corajosamente os seus rivais portugueses, mais felizes, todavia sem lograr melhor resultado.

Desde muitos anos a baía de Maranhão, em cujos perigosos baixios outrora soçobraram as expedições dos donatários portugueses (1535-1554), era praça muito freqüentada pelos contrabandistas franceses; especialmente citam-se os comandantes de navios Rifault e Charles des Vaux, que fizeram aliança com os indígenas daquelas ilhas e costas e fundaram uma feitoria fortificada, cerca do ano

de 1594. Rifault desapareceu sem deixar vestígios; Des Vaux, porém, dirigiu-se depois para a França, à corte de Henrique IV, à qual forneceu informações sobre quanto o Maranhão favorecia a tomada de posse e colonização pelos franceses; e o rei mostrou-se inclinado a aceitar a sugestão.

Todavia, mandou primeiramente um fidalgo protestante, Daniel de La Touche, Sieur de La Ravardière, com Des Vaux, a fim de ali verificar mais exatamente o estado das coisas. Quando esses dois homens regressaram de sua viagem de investigação, havia sido assassinado Henrique IV, a 14 de maio de 1610; seu filho menor, Luís XIII, havia subido ao trono, sob a tutoria de sua mãe, e nestas condições não mais se podia pensar numa expedição à custa e sob a imediata direção da coroa. Em compensação, uma associação particular de fidalgos, parte católicos, parte protestantes, tomou em mão a causa; foi aprestada uma esquadra de três navios de guerra, e a rainha-regente presenteou-a com uma magnífica bandeira de almirante e nomeou os chefes escolhidos, La Ravardière e François de Rasilly, governadores-gerais do reino das índias Ocidentais e do Brasil.

A 19 de março de 1612 fez-se à vela a expedição, no porto de Cancale, na Bretanha; em fins de junho chegou à ilha de Fernando de Noronha e em 26 de julho à ilha de Sant’Ana, na entrada da baía do Maranhão, onde, provisoriamente, ancorou, ao passo que Des Vaux se adiantou para avisar os aliados índios da chegada de seus conterrâneos.

Amistosamente deram eles as boas-vindas a esses novos hóspedes e lhes prestaram bom auxílio nos primeiros trabalhos da colonização; na ilha do Maranhão, que os chefes designaram para ponto central do novo Estado agrícola, foi erigida uma cruz, junto à qual seis caciques índios arvoraram a bandeira das flores-de-lis. Lançou-se, a seguir, numa baía da costa sul da ilha, defronte da embocadura do Mearim, o fundamento de uma fortaleza, a qual, em honra do rei, foi chamada São Luís, a atual capital da província — São Luís do Maranhão.

Após isso, um dos governadores-gerais, Rasilly, regressou à França, a fim de buscar novos reforços; o outro, La Ravardière, permaneceu em São Luís e sob sua sábia administração a nova colônia rapidamente se levantou e consolidou.

Não somente no interior manteve a ordem com sucesso e boa inteligência entre os dois partidos religiosos — católicos e huguenotes — e favoreceu zelosamente o cultivo da terra, mas também no exterior soube adquirir sempre novos aliados; as tribos da vizinhança, ao que se diz, num perímetro de 100 a 200 léguas, foram, uma após outra, induzidas com presentes e promessas a reconhecer a soberania da França, e depois trasladadas para a ilha do Maranhão, onde, sob a direção de oficiais franceses e de frades capuchinhos, se estabeleceram em aldeias fortificadas.

Os franceses, porém, não ficaram por muito tempo sossegados.

Apenas chegou à Espanha a notícia do apresto e partida da expedição, a corte de Madri ordenou ao governador-geral do Brasil, Gaspar de Sousa, que tomasse posse do Maranhão para a coroa de Portugal e o colonizasse (9, de outubro e 8 de novembro de 1612). Esta ordem chegou naturalmente tarde demais; já os franceses haviam tomado posse daquela região, e agora só pelas armas podiam ser eles expulsos.

Nestas circunstâncias, julgou Gaspar de Sousa necessário proceder com cautela; antes de mais nada, era preciso ter na costa norte uma praça de armas, próxima, quanto possível, da colônia francesa, e que pudesse servir de base às futuras operações; para esse fim, mandou Jerônimo de Albuquerque fundar, na costa do Ceará, pouco distante do atual limite oriental do Piauí, um forte, o presídio do

Rosário, ao passo que, ao mesmo tempo, o donatário do Rio Grande do Norte, Martim Soares Moreno, foi encarregado de fazer reconhecimentos, por mar, da posição e força inimigas (1613).

Martim Soares desempenhou-se com êxito da sua incumbência; porém, ao regressar, foi desviado do rumo por ventos contrários e tão longe, para oeste, que julgou prudente velejar diretamente para a Espanha; aí fez então à corte um relato circunstanciado do ocorrido, e dela conseguiu a vinda de um destacamento de tropas frescas, que aportaram a Pernambuco em abril de 1614.

Assim estimulado, resolveu o governador-geral dar segundo passo à frente contra os franceses, transferindo mais para diante, para oeste, a praça de armas. Mais uma vez mobilizaram-se em Pernambuco e na Paraíba um destacamento e uma pequena esquadra (agosto de 1614); Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos colocaram-se à frente e seguiram ao longo da costa, pelas recém-criadas colônias de Fortaleza e Presídio do Rosário, até alcançar a baía do Maranhão. E na costa oriental dessa baía, junto às bocas do rio Mamuna, levantou-se então uma nova colônia fortificada, dos portugueses, a qual foi chamada pelo antigo nome indígena local — Guaxenduba — ou pelo nome da padroeira Santa Maria (28 de outubro de 1614).

Assim se defrontavam no solo maranhense, mais uma vez, a última, ambos os inimigos, de armas na mão; somente um pequeno braço de mar, numa distância de poucas léguas, os separava, e sem tardar começou uma série ininterrupta de escaramuças, nas quais, entretanto, para principiar, representaram o principal papel, de ambos os lados, os índios aliados. Os franceses estavam com a vantagem em todos os sentidos, pois tinham, afinal, suas obras fortificadas, a superioridade numérica, e a aliança com os indígenas lhes assegurava farto aprovisionamento de víveres, ao passo que aos portugueses tudo faltava; e ainda que o governador-geral La Ravardière houvesse querido limitar-se a observar, a bloquear o inimigo, certamente seria seu afinal o triunfo. Arriscou ele, porém, tudo numa cartada e perdeu-a: um ataque geral às fortificações dos portugueses (19 de novembro de 1614) foi repelido vitoriosamente e com grandes sacrifícios para os franceses, desastre este que produziu uma inversão nas disposições de espírito dos índios: muitas tribos abandonaram o acampamento dos franceses, para se associarem aos portugueses, ou para ficarem de longe, à espera do resultado da batalha.

La Rivardière, então, entrou em negociações e ficou resolvido um armistício, por espaço de um ano, e que nesse ínterim viveriam em relações como bons vizinhos; entretanto, deveriam seguir para Madri e Paris um delegado francês e outro português, para submeter ao arbítrio de ambas as cortes a decisão sobre qual das duas partes devia desocupar o território em benefício da outra (novembro-dezembro de 1614).

Esse ajuste redundou inteiramente favorável aos portugueses; podiam eles, agora, estabelecer-se sossegados na sua colônia, mandar vir reforços de Pernambuco e da Bahia, ao passo que os franceses ficaram desamparados pela mãe-pátria.

Dentro em pouco, achou-se Jerônimo de Albuquerque bastante forte para cientificar ao seu adversário que ele se devia desalojar da ilha do Maranhão, e La Ravardière concordou, sob a condição, porém, de lhe darem prazo de cinco meses, bem como razoável indenização pelos bens dos franceses, que não pudessem ser transportados (31 de julho de 1615). Mas também essa concessão não foi cumprida, pois em outubro apareceram novamente navios portugueses, em número de oito, trazendo novecentos soldados e colonos, que o governador-geral Gaspar de Sousa, por ordem expressa da corte de Madri, havia mandado a tomar posse do

Maranhão e colonizá-lo; o comandante desta esquadra, Alexandre de Moura, de posto mais alto que Albuquerque, recebeu deste o comando supremo das forças, e, por não se julgar preso às promessas de seu antecessor, fez que os franceses, sem tardança e sem indenização alguma, evacuassem a colônia, dando-se ainda por satisfeitos por se lhes garantir a livre retirada para a pátria (3 de novembro de 1615).

Alexandre de Moura deu então às terras recém-conquistadas a organização de capitania real; nomeou Jerônimo de Albuquerque (falecido em 11 de fevereiro de 1618) primeiro governador do Maranhão, e transferiu a sede do governo de Santa Maria de Guaxenduba para a colônia de São Luís, que, em homenagem a Filipe III, passaria a chamar-se — São Filipe; o antigo nome, porém, foi o que perdurou.

Moura voltou em seguida a Pernambuco, depois de haver ordenado, fiel às instruções recebidas, que também a costa mais ao norte, mormente a região do delta do rio Amazonas, fosse ocupada para a coroa de Portugal.

Francisco Caldeira de Castelo-Branco, que foi encarregado dessa empresa, pôs-se a caminho a 25 de dezembro de 1615, partindo de São Luís com três navios e, quando vigilante seguia a costa, entrou no golfo, a que os índios deram o nome de rio "Pará", e que é separado da verdadeira embocadura do Amazonas pela ilha de Marajó, estando, contudo, ligado a ele por um canal natural.

À margem direita do Pará, cerca de umas trinta léguas da embocadura, lançou Castelo-Branco os fundamentos de uma cidade, que foi colocada sob o patrocínio de "Nossa Senhora de Belém", a qual, assim, se costuma chamar ora Belém, ora pelo nome do rio, Pará, nome este que se estendeu, ao mesmo tempo, a toda a capitania real que Caldeira, a partir desse ponto, conquistou e colonizou.

Ambas as novas terras da coroa — Maranhão e Pará — tiveram que sofrer, na primeira fase, desordens internas. No Pará foi o l9 governador Caldeira tumultuosamente deposto pela população quando, para favorecer um parente, curvou a justiça; no Maranhão, após a morte de Jerônimo de Albuquerque, os membros do governo provisório, que ele havia instituído, começaram a hostilizar-se; e, se bem que o governador-geral do Brasil (que desde alguns anos residia em Pernambuco, para estar em ponto mais central do império colonial) interviesse, ora castigando, ora conciliando, foi-lhe, contudo, a princípio, impossível estabelecer durável disciplina e ordem naquele variado agregado de populações.

Por esse mesmo tempo, principalmente o Pará teve que sustentar violentos combates no interior, em começo com as tribos indígenas. É evidente que juntamente com a tomada de posse, se estabeleceu ali o principal motivo de disputas em voga no Brasil: o que dizia respeito à condição dos indígenas. Aqui, porém, souberam os fazendeiros, desde o começo, assegurar o seu predomínio, pois forçaram os primeiros jesuítas, que se estabeleceram em São Luís, a fazer a promessa de se não intrometerem, de modo algum, nas relações com os índios, sob pena de imediato banimento e perda de todas as eventuais posses da ordem. Teve, assim, a população colonial completa liberdade de ação e o resultado foi que, dentro de pouco tempo, todos os indígenas do Pará até o Maranhão pegaram em armas, para se livrarem da ameaçadora escravidão. Desencadeou-se uma longa e terrível guerra, na qual, do lado dos portugueses, comandava Bento Maciel, mais tarde governador do Pará, que se distinguiu tanto pela indómita bravura como pela mais inexorável crueldade; devastaram-se, por toda parte, os aldeamentos dos índios, a ferro e fogo, venderam-se os seus habitantes como escravos, e podiam considerar-se felizes as tribos que logravam achar seguro abrigo à sombra das florestas virgens tropicais. A par disso, algumas tribos mesmo no interior do país conservaram-se em liberdade, ao menos aparentemente: foram aquelas que voluntariamente se haviam convertido e submetido ao domínio português.

Domiciliados em aldeias próprias, ficaram aqui no Maranhão sob a inspeção das autoridades civis, ao passo que, como se sabe, nos outros pontos do Brasil, todas as tribos nas mesmas condições eram incorporadas às missões, submetidas à direção dos missionários.

Denominavam-se eles índios livres, mas eram, de fato, tratados como escravos do Estado e, segundo o costume espanhol, distribuídos em grupos (repartimentos), em parte utilizados nos serviços públicos, em parte empregados no próprio serviço dos governadores, ou alugados provisoriamente a particulares.

Além dos índios naturais do país, apareceram também inimigos europeus nas vizinhanças. Logo a princípio, chegou ao Pará a notícia de que no estuário do Amazonas numerosos contrabandistas de diversas nações — holandeses, franceses e ingleses — costumavam negociar e mesmo haviam estabelecido algumas feitorias fortificadas e nelas feito plantações de fumo. Em conseqüência, ordenou a corte de Madri que se aprestasse uma expedição, sob o comando de Luís Aranha de Vasconcelos; a ela se juntou o governador do Pará, Bento Maciel, que mobilizou cerca de setenta soldados e mil índios frecheiros, e, de combinação, foram explorar então as terras do extenso delta do grande rio equatorial. Em verdade, os estrangeiros na maior parte escaparam às forças superiores do inimigo, mas os seus estabelecimentos, muitos dos seus navios, foram destruídos e uma nova fortaleza, à margem direita, Santo Antônio do Gurupá, assegurou daí em diante a supremacia da bandeira portuguesa sobre o Amazonas (1623).

Estas extensas aquisições chamaram a atenção da mãe-pátria e dela receberam muito auxílio; numerosos colonos dos Açores emigraram para ali à custa do governo e, além disso, ordenou o rei que os criminosos, cuja sentença fosse de deportação para o Brasil, deveriam agora, sem exceção, ser levados à costa do Norte; e com isto recebeu o Norte do Brasil um contínuo afluxo de braços, novos, embora igualmente perigoso elemento de povoação. Mas o principal era que as capitanias reais da costa norte estavam demasiado distantes da Bahia, sede regular do poder central da colônia, para que o governador pudesse fazer a conveniente inspeção e prestar-lhes socorros rápidos; e, ainda mais, os ventos e as correntes marítimas nessas regiões em certas épocas dificultavam as comunicações marítimas entre as costas oriental e norte do continente sul-americano — dificuldade que somente nos últimos decênios foi plenamente vencida com o emprego da força do vapor.

Nestas condições, a corte de Madri achou vantajoso separar inteiramente a costa norte do império colonial brasileiro, para colocá-la sob um governo independente: um decreto real, de 13 de junho de 1621, reuniu as mais novas capitanias da coroa — Ceará (com Piauí), Maranhão e Pará — num outro império, que recebeu o nome de "Estado do Maranhão", para o qual foi nomeado primeiro governador-geral Francisco Coelho de Carvalho (1624-1636). /

* * *

I

Chegamos agora a um período importante da história do Brasil: parece conveniente lançar um rápido retrospecto sobre o desenvolvimento histórico que, no decorrer de um século, se havia efetuado ali.

Primeiro que tudo, no que diz respeito à constituição interior, como estava mudado o Brasil em comparação com o plano primitivo de sua colonização, do

ano de 1532-33! Naquele tempo, fora todo o continente dividido, em benefício de doze famílias, em quinze principados feudais, quase independentes; agora também existiam quinze capitanias, das quais, porém, oito pertenciam à coroa e sobre as sete feudais tinha ela, no mínimo, o direito da alta justiça, de inspeção administrativa e de proteção. Apesar de tudo, não se havia alcançado, nem tentado, uma centralização geral, pois as distâncias tornavam-na fundamentalmente impossível.

O império colonial brasileiro dividia-se não somente em dois grandes Estados, o Brasil propriamente dito, com doze capitanias, e o Maranhão, com três, cada um dos quais possuía um governo completamente distinto e era somente sujeito ao governo da mãe-pátria; mas também cada uma das suas subdivisões, as capitanias feudais, como as reais, tinha uma administração sua, em quase todos os pontos autônoma.

Por esse modo, o desenvolvimento histórico, embora com modificações importantes, conservou o mesmo rumo que havia tomado desde o princípio, a caminho da monarquia federativa.

Outro aspecto de importância são os limites. A linha de demarcação do tratado de Tordesilhas, 1494, era ainda a fronteira jurídica internacional entre os direitos de posse dos espanhóis de um lado, os dos portugueses do outro; mas ao sul e no oeste não haviam até então alcançado aquela linha nem a colonização portuguesa nem a espanhola. As colônias brasileiras tinham apenas ultrapassado no sul os limites atuais da província de São Paulo, e para oeste não haviam galgado o planalto interior; os espanhóis limitavam-se à margem oriental do rio da Prata e do Paraguai, aos planaltos do Peru e da Colômbia; de permeio restava um gigantesco espaço, aberto para o espírito empreendedor de ambas as partes, e o futuro, a história, ainda tinham que traçar ali novas linhas de demarcação.

Já havia tal acontecido, em parte, no Norte; com a colonização do Pará, com a tomada de posse do estuário do Amazonas, haviam os portugueses já transposto o meridiano de 1494; não tardou que também penetrassem à margem norte do Amazonas, na denominada Guiana brasileira, não encontrando obstáculos em parte alguma. Porque a Espanha, de resto agora unida a Portugal sob uma única coroa, havia de fato abandonado aqui, desde muito, as suas pretensões convencionadas: o rei Filipe IV até conferiu ao português Bento Maciel, em recompensa por serviços que ele havia prestado quando governador do Pará e em combate contra os índios, um extenso feudo hereditário no Cabo Norte (14 de junho de 1634), o qual, naturalmente, foi depois anexado à capitania do Pará.

Somente muitas léguas mais ao norte, à margem esquerda do rio Oiapoque, havia um único monumento da tomada de posse espanhola, uma coluna com a firma do imperador Carlos V, agora completamente esquecida, enterrada na mata virgem tropical, somente de novo encontrada cem anos depois (1723), por um oficial da guarnição portuguesa do Pará.

Vejamos, finalmente, ainda as relações com o exterior.

O Brasil, não obstante o zelo com que se empenhava a mãe-pátria por afastar dele toda a influência estrangeira, não deixou também de ser tocado pela luta histórica mundial que naquela época justamente lavrava entre o catolicismo e o protestantismo; na verdade, o foi apenas muito superficialmente, pelo aparecimento de alguns navios corsários, na maioria ingleses.

Mais importante e mais séria foi a outra luta que se desenrolou nas costas brasileiras, entre o monopólio colonial e o comércio livre mundial. Os mercadores franceses — pois eram estes e não o governo francês — durante cem anos bateram-

se por este último princípio, contra a supremacia da coroa de Portugal; mas passo a passo foram cedendo: por duas vezes, na baía do Rio de Janeiro, 1555 e seguintes, e na baía do Maranhão, 1612 e seguintes, chegaram a ousar combate aberto decisivo, sendo, porém, vencidos e alcançando então o monopólio português completo predomínio.

Daí em diante contentaram-se os franceses em criar uma nova "França Antártica" ao norte do rio Oiapoque, na Guiana, e ali estabelecer limites firmes para a colonização portuguesa. Em lugar deles, apareceu, porém, agora outro povo, que mais uma vez — a última — reabriu a questão: — se o Brasil devia pertencer ao monopólio português, ou se à nacionalidade portuguesa.

Eram os holandeses.

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