Fichamento do texto
"RAÇA E CULTURA", Lévi-Strauss in "Raça e Ciência" – Ed. Perspectiva
Ida Duclós
Originalmente apresentado na FFLCH/USP em 25.5.1983
1. Raça e cultura:
Lévi-Strauss diz que não se pode falar em contribuições das raças a civilização, quando se pretende lutar
contra os
preconceitos raciais. E explica que fazer isto seria caracterizar as raças
biológicas por propriedades psicológicas particulares, o que nos afastaria da
verdade científica, mesmo que estivéssemos
definindo-as positivamente, O "pecado original da antropologia", para o autor, consiste na
confusão entre noção puramente biológica e produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas.
Mas dizer que as contribuições culturais não tem nenhuma relação com a constituição anatômica e fisiológica não elimina a diversidade de sociedades
e civilizações. Tal diversidade, diz Lévi-Strauss, é paralela às relações que ocorrem no plano biológico, mas se passa noutro campo.
E se diferencia destas relações por estar numa outra
ordem de grandeza ( muito mais culturas que raças) e por colocar a seguinte questão: tal diversidade é uma vantagem ou desvantagem para a humanidade?
Lévi-Strauss defende que negar que existam
"aptidões raciais inatas"
também não resolve o problema levantado
pela civilização do homem branco, que alcançou progresso notável enquanto outras raças permaneceram e permanecem atrasadas: e
necessário, então, ir além da negativa e nos "debruçarmos" sobre um outro
aspecto, o da desigualdade – ou diversidade das culturas humanas.
2. Diversidade das
culturas
Quando se fala em diversidade de culturas humanas pode-se considerar
sociedades contemporâneas
ou sociedades que se desenvolveram no passado (neste caso, o contato direto é impossível e temos que nos contentar com
os documentos escritos ou monumentos que sobreviveram) , sociedades que conhecem ou não a escrita (neste caso, as formas
precedentes são praticamente desconhecidas.
: "a diversidade das culturas
humanas é de
fato no presente, de fato também
de direito no passado, muito maior e mais rica do que tudo o que estamos destinados
a conhecer a seu respeito".
Mas reconhecer estas limitações não e suficiente, como avisa Lévi-Strauss: nas sociedades humanas
existem forças que trabalham ao mesmo
tempo em direções opostas ( as primeiras mantendo o
particularismo, as
outras tendendo para a convergência).
E mais, há as relações recíprocas e a diversificação interna das sociedades agindo
na problemática da diversidade.
Pois,"as sociedades humanas nunca estão sozinhas…"
A diversidade, adverte o autor, não deve ser "uma observação fragmentadora ou
fragmentada": ela existe em função das relações que une os grupos, muito mais do que o isolamento destes.
3. Etnocentrismo
A
diversidade das culturas não e considerada como um fenômeno natural, diz Lévi-Strauss:
"a noção de humanidade, a englobar
sem distinção de raça ou de civilização todas as formas da espécie humana, apareceu muito
tardiamente, e
teve expansão limitada". Mas a
simples afirmação de igualdade natural
para todos ( como fizeram os grandes sistemas filosóficos e religiosos) contém algo de enganoso, para o autor: não é possível por de lado,
simplesmente, a diversidade que existe de fato porque não e possível admitir o homem
realizando sua natureza numa humanidade abstrata. Ao contrario, o homem se realiza em culturas
tradicionais e as modificações se explicam em função de situações definidas no tempo e espaço.
Lévi-Strauss
critica o "falso evolucionismo" como uma "tentativa para suprimir a diversidade das
culturas, fingindo
reconhecê-las plenamente": a
humanidade deve tornar-se una e idêntica em si mesma, o que existe como diversidade não passa de etapas ou estágios de um único desenvolvimento.
O autor traça uma diferença entre evolucionismo biológico do "pseudo
evolucionismo", advertindo que quando se "passa de fatos biológicos para fatos culturais as
coisas mudam". O evolucionismo biológico esta provavelmente carreto para raças e animais, diz o autor, mas não
tem a mesma relação
na evolução social e cultural.
Pois, argumenta Lévi-Strauss,
como vamos desenterrar
crenças, gostos de um passado
desconhecido ou como vamos considerar que um machado dá origem física a outro machado?
4. Culturas arcaicas
e culturas primitivas
Lévi-Strauss
critica e evolucionismo que procura estabelecer analogias entre culturas comparando-as com
a civilização ocidental: "pois
as tentativas de conhecer a riqueza e a originalidade das culturas humanas, e
de reduzi-las ao estado de replicas desigualmente atrasadas da civilização ocidental, se chocam com outra dificuldade…
todas as sociedades humanas têm atrás de si um passado que e
aproximadamente da mesma ordem de grandeza. Hão se pode admitir a ideia de etapas do desenvolvimento porque as culturas não são estáticas, não existe "povos sem história", existem povos do qual
não conhecemos o passado.
Lévi-Strauss admite uma
concepção que distingui duas espécies de história para interpretar a diversidade: uma história progressiva, aquisitiva (aon de as
descobertas e invenções
são acumuladas para
construir uma grande civilização) e uma outra história sem este dom sintético ( ainda que ativa e talentosa)♦
5. A ideia de
progresso
A hipótese de uma evolução para hierarquizar culturas contemporâneas em números casos foi desmentida pelos
fatos quando
se pretendia estabelecer analogias. Do mesmo modo, os fatos demonstram que não se pode traçar esquemas para sociedades que
nos precederam no tempo: "o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos e arqueológicos tende a desdobrar no espaço formas de civilização que estávamos levados a imaginar como
escalonadas
no tempo", diz Lévi-Strauss para acrescentar em seguida que o progresso se da aos
saltos, não linearmente, tendo
sempre vários
caminhos que pode percorrer.
A História pode ser cumulativa, em alguns casos, o que "não é privilégio de uma civilização ou de um período histórico", diz o autor,
exemplificando com á América, aonde se desenvolveram culturas com História acumulativa.
6. História
Estacionaria e História Cumulativa
Considerar a América como exemplo de História cumulativa é é fruto de um interesse do homem ocidental em aproveitar certas contribuições dos Índios Americanos, diz Lévi-Strauss, pois a tendência e considerarmos os aspectos de uma cultura que tem significação para nós, qualificando-a de "cumulativa".
Mas quando a linha de desenvolvimento de uma cultura nada significa para nós, nós a qualificamos de estacionária. Esta atitude nos leva a
apreendermos a historicidade de uma cultura não de acordo com suas
propriedades intrínsecas, mas sim de acordo com o número e a diversidade de nossos
interesses que estão
engajados nelas. Com
isto, Lévi-Strauss quer dizer que não devemos
confundir com imobilismo a nossa ignorância dos interesses
verdadeiros de uma cultura, ao mesmo tempo em que esta por ser dotada de critérios diferentes, tem o mesmo
julgamento de nos. Ou nas palavras do autor: "pareceríamos uns aos outros
como desprovidos de interesse, muito simplesmente porque não nos assemelhamos".
A
originalidade das culturas, diz Lévi-Strauss,"reside mais na sua maneira
particular de resolver problemas, de por em perspectivas valores, que são
aproximadamente os mesmos para todos homens: pois todos possuem uma linguagem,
técnicas, arte, conhecimentos de
tipo cientifico, crenças
religiosas", ainda que dosados
de maneiras
diversas.
7. Lugar da civilização ocidental
Para o autor, o fenómeno da universalização ocidental é difícil de ser avaliado, por ser
praticamente único na* História da
humanidade e dado a incerteza dos seus resultados. Adesão ao género de vida ocidental se da em
desigualdade de
forças o que leva a Lévi
Strauss considerar que as sociedades não se entregam com tanta facilidade e que esta
adesão se deve mais a uma ausência de escolha: "a
desigualdade de força «x não depende mais da subjetividade
coletiva, É um fenômeno objetivo que só o recurso a causa objetivas pode explicar". E Lévi-Strauss
constata o quanto "dependemos
ainda das
imensas descobertas que marcaram o que se denomina, sem qualquer exagero, a "revolução neolitica"- agricultura,
criação, cerâmica e tecelagem.
8. Acaso e
Civilização
Lévi-Strauss
descarta a possibilidade do acaso nas grandes invenções da humanidade no passado e
diz que a a revolução
industrial e cientifica do Ocidente "se inscreve totalmente num período igual a cerca de meio milésimo da vida passado da humanidade". E nos
convida s a sermos modestos antes de pensarmos que ela esta destinada a
mudar-lhe totalmente o significado ou reivindicarmos prioridades para uma raça, uma região ou uma pais: "e se, como é verossímil, ela deve estender-se totalidade da terra
habitada, cada cultura introduzira nela tantas contribuições particulares que o Históriador
dos futuros milênios, legitimamente, considerará fútil a questão de saber quem pode, dentro de um ou dois séculos, reclamar a prioridade para o conjunto7
Lévi-Strauss
diz que a diferença
entre culturas não pode ser cumulativa ou não, conceito que além de depender do relativismo de nossos interesses e negado
ainda pelo
fato de que "a humanidade não evolui num sentido único. E se, num certo plano, ela parece estacionaria ou
mesmo regressiva
isso não significa que, de outro ponto de vista, ela não seja o centro de importantes transformações."
9. A Colaboração das Culturas
O principal absurdo de
considerarmos uma cultura superior a
outra, diz Lévi-Strauss, consiste no fato de que a medida em que uma cultura esta
sozinha ela elabora muito pouco de História acumulativa: "nenhuma cultura esta só;
ela é sempre
capaz de coligações
com outras culturas, e e isso que lhe permite edificar séries cumulativas. A possibilidade que tem uma
cultura de totalizar este conjunto complexo de invenções de to das as ordens que chamamos
civilização e função do número e da diversidade das
culturas com que ela participa na elaboração – na maioria das vezes involuntária – de uma estratégia comum."
Não se pode portanto fazer uma
lista das invenções particulares diz Lévi-Strauss, porque a verdadeira contribuição das culturas esta no
afastamento diferencial que elas apresentam entre si; civilização implica coexistência de culturas que ofereçam entre si o máximo de diversidade, e consiste mesmo nessa própria
coexistência."
LINKS
- Nos 90 voltas ao passado – Levi Strauss
- Lévi-Strauss e os sentidos da História
- Quand Lévi-Strauss dénonçait l’utilisation politique de l’identité nationale – LeMonde
- Lévi-Strauss no Brasil: a formação do etnólogo
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