EUTIFRON de Platão
Tradução de Jaime Bruna. Fonte: Clássicos Cultrix, 1963
Personagens — Êutifron e Sócrates. A cena se passa à porta
do edifício do arconte-rei.
ÊUTIFRON
— Que novidade aconteceu, Sócrates que
você largou os entretenimentos do Liceu e passa agora o tempo aqui perto do
Pórtico do Rei? Será que você tem um processo junto ao arconte, como eu?
SÓCRATES
— Não, Êutifron; não é o que em Atenas
chamam processo; é uma denúncia.
E. — O
quê?! Então alguém denunciou você? Eu não posso conceber que você tenha
denunciado outrem.
S. — Realmente não.
E. — Então, outrem denunciou você.
S. — Precisamente.
E. — Quem foi?
S.
— Eu mesmo não sei bem quem é o homem,
Êutifron. Fiquei sabendo que é moço e pouco conhecido. Creio que se chama
Meleto; é do bairro de Piteu. Você tem idéia de algum Meleto de Piteu? um de
cabelos lisos, barba rala e nariz adunco?
E.
— Não faço idéia, Sócrates. Mas,
afinal, que acusação lhe fêz?
S.
— Que acusação? Uma nada ordinária, a meu ver. Um moço tomar uma
decisão dessas não é coisa de somenos. Êle, pelo que diz, sabe como e por quem
são corrompidos os jovens. Talvez seja um sábio, que notou a minha ignorância, pela qual eu estaria corrompendo os de sua
idade, e vem acusar-me diante da autoridade como diante de uma mãe. No meu
entender, é o único a começar sua atividade política por onde deve; o primeiro
zelo deve ser para com os jovens, a fim de que sejam tão bons quanto possível.
É como faz o bom agricultor, que cuida naturalmente das plantas novas em
primeiro lugar e das outras depois. Aí está; Meleto talvez comece por
varrer-nos, os que, como diz, estragamos o crescimento dos moços; depois
disso, evidentemente, cuidará dos velhos e virá a ser autor dos mais abundantes
e vultosos benefícios ao povo, como é de esperar de quem parte de tais
começos.
E — Eu folgaria com isso, Sócrates, mas receio muito que saia ao contrário. Tentando prejudicar você, êle me parece simplesmente
que começa por Héstia a ser daninho à cidade. Diga-me, porém; que fêz
você para que o acuse de corromper os moços?
S. — Assim, para contar, coisas estranhas, meu admirável
amigo. Diz que sou um fazedor de deuses e por eu fabricar novos deuses e não
crer nos antigos é que ofereceu denúncia contra mim; é o que ele diz.
E — Estou compreendendo, Sócrates; de fato, você costuma
dizer que tem aquela "inspiração" em todas as ocasiões; é isso. É um
pé para ele denunciar você como inovador em matéria religiosa e vir a juízo
acusar, porque sabe que acusações dessa ordem acham boa acolhida entre a
multidão. De mim também, quando discorro na assembléia sobre assuntos
religiosos e lhes predigo o futuro, eles caçoam como de um louco; no entanto,
eu nada disse que não fosse verdade; mas eles têm inveja de gente como nós.
Nós, porém, não temos que inquietar-nos por causa deles, e sim de
enfrentá-los.
S. — Meu caro Êutifron, agüentar as caçoadas não seria
nada. Parece que os atenienses, quando consideram alguém talentoso, desde que
incapaz de ensinar a sua sabedoria, pouco se importam; mas se é um que eles
acham capaz de tornar iguais a si os outros, aí êles se irritam, ou por inveja,
como você diz, ou por outras razões.
E. — Nesse particular não tenho vontade nenhuma de apurar
o que sentem a meu respeito.
S.
— Pode ser que pensem que você se
apresenta de raro em raro e não pretende ensinar a sua arte. Quanto a mim, o
meu medo é parecer-lhes que, movido de sentimentos humanitários, eu diga a
jorros a todo e qualquer homem o que tenho para dizer, não apenas de graça, mas
até pagando com prazer, se fôr o caso, para que alguém se prontifique a ouvir.
Pois, ia dizendo, se eles houverem de caçoar de mim como de você, como você
mesmo conta, não será nada aborrecido passarmos o tempo no tribunal entre
pilhérias e risos; mas se houverem de tomar o caso a sério, ninguém sabe no que
vai dar isto — a não serem vocês, os adivinhos.
E.
— Afinal, Sócrates, bem pode ser que
não dê em nada e que você lide com o processo a seu gosto; acho que eu farei o
mesmo com o meu.
S.
— É verdade, Êutifron! O seu processo em que consiste? Você é réu ou autor?
E. — Autor.
S. — E o réu?
E. — Alguém que parece loucura eu processar.
5. — Como assim? Você está processando
alguém com asas?
E. — Está
muito longe de poder voar, de tão velho.
S. — Quem é?
E. — Meu pai.
S. — O seu, meu bravo?!
E. -— Sem
tirar nem pôr.
S. — Qual a queixa? Qual a acusação?
E. —
Homicídio, Sócrates.
S. —
Héracles! De fato, Êutifron, a maioria ignora o que é direito. Penso que obrar
corretamente num caso destes não é de qualquer, só de alguém bem adiantado em
sabedoria.
E. — Bem
adiantado, por Zeus, Sócrates!
S. — A
vítima de seu pai é alguém da família, não é? Por um estranho é que você não o
haveria de processar como assassino.
E.
— É engraçado, Sócrates, você achar
diferença entre ser a vítima parente ou estranho, e não que devemos atentar
somente nisto: se o matador tinha ou não direito de matar e que, se tinha, é
deixá-lo; se não tinha, é processá-lo, ainda que o matador seja de nossa casa e
de nossa mesa. A mácula é igual, uma vez que a gente convive com o criminoso
sabendo-o tal e não providencia a purificação de si mesmo e dele, levando-o à
Justiça. Com efeito, o morto era um empregado meu e, como temos uma lavoura em
Naxos, trabalhava lá conosco. Tomou um dia uma carraspana, brigou com um de
nossos servos e cortou-lhe o pescoço. Então, meu pai o amarrou de pés e mãos,
lançou-o num valo e despachou para cá um próprio, a indagar do exegeta o que
se devia fazer. Entrementes, deu pouca importância ao preso; descuidou dele
como de um assassino que, se morresse, tanto faria; pois foi o que lhe sucedeu;
morreu de fome, de frio e dos nós, antes que o mensageiro voltasse do exegeta.
Os fatos são esses e meu pai mais os outros parentes ainda se mostram
indignados porque eu, por causa dum assassino, estou processando por crime de
morte o meu pai, que, dizem eles, não matou e, mesmo que houvesse matado,
sendo o morto um assassino, não nos devíamos preocupar com êle; que é
impiedade um filho denunciar o pai por homicídio. Eles têm idéia errada,
Sócrates, do que é piedade ou impiedade, sob o ponto de vista religioso.
S. — Então,
por Zeus, Êutifron, você acredita saber tão bem o que é piedade e impiedade aos
olhos dos deuses, que, tendo acontecido os fatos como conta, processa o pai sem
medo de estar cometendo por sua vez uma impiedade?
E.
— Aliás eu não prestaria para nada,
Sócrates, nem se distinguiria Êutifron do comum dos homens em nada, se não
soubesse com exatidão todas essas questões.
S. — Se assim é, meu extraordinário Êutifron, o melhor que
posso fazer é tornar-me discípulo seu, para desafiar Meleto nesta matéria, antes do debate em juízo, dizendo-lhe
que, se já antes dava suma importância ao conhecimento da religião, agora,
depois que ele me acusa de errar levianamente inovando na matéria, até me fiz
discípulo de você. Eu lhe diria. "Meleto, se admites que Êutifron é
competente nesses assuntos, deves reconhecer a retidão de meu pensamento e não
processar-me; se não, deves apresentar denúncia primeiro contra êle, como
corruptor dos velhos, de mim e de seu pai; de mim, ensinando-me; do pai,
censurando-o e punindo-o. Se êle não me atender, se não retirar a denúncia
contra mim, nem processar você em meu lugar, deverei alegar no tribunal essas
mesmas razões que lhe alegaria pessoalmente, não é?
E. — Por Zeus, Sócrates) se êle intentasse processar-me,
penso que eu saberia achar o seu ponto fraco e o debate no tribunal seria
muito mais a respeito dele que de mim.
S.
— É por saber disso, caro amigo, que desejo tornar-me discípulo seu; sei que
ninguém, muito menos esse Meleto, supõe compreender você, mas a mim êle me
entende tão a fundo e sem esforço, que me denuncia por impiedade. Agora, por
Zeus, diga-me o que há pouco asseverou saber com clareza; no seu entender, o
que é piedade e o que é impiedade, em matéria de morte e no mais? Não é certo
que a piedade é sempre igual a si mesma em todas as ações, e a impiedade, por
sua vez, é sempre o contrário da piedade e sempre igual a si mesma? Não tem uma
feição única de impiedade tudo que se há de ter como ímpio?
E.—
Absolutamente certo, Sócrates!
S. —
Então, diga-me o que entende por piedade e por impiedade.
E.
— Entendo — sabe? — que piedade é o
que estou fazendo agora — proceder contra o culpado, quer de morte, quer de
roubo sacrílego, ou contra quem comete outra falta dessas, seja o pai, seja a
mãe, seja outra pessoa qualquer — e impiedade não proceder. Demais, Sócrates,
repare com que grande argumento vou provar que é assim — a outros também já o
disse: o certo é não tolerar nenhuma
impiedade, seja lá de quem fôr. Acontece que os homens que admitem ser Zeus o
melhor e mais justo dos deuses, são os mesmos a aceitar que êle acorrentou o
pai, porque devorava criminosamente os filhos, e que este, por sua vez, mutilou
o seu por motivos semelhantes, e os mesmos a indignar-se comigo por estar
processando meu pai por seu crime; assim, eles próprios dizem uma coisa quando
se trata dos deuses e outra quando se trata de mim.
S. —
Não estará aí, Êutifron, a razão por que me estão processando? é que eu,
sempre que contam coisas assim sobre os deuses, reluto em acreditar. Há quem diga, parece, que esse é o meu erro. Ora, se você, que é bem entendido no
assunto, também pensa como eles, acho que devo dar-me realmente por vencido.
Que hei de dizer, se eu próprio reconheço nada saber a esse respeito? Mas, pelo
deus da amizade, diga-me: você admite a veracidade dessas narrativas?
E.
— Dessas, Sócrates, e também de outras
ainda mais espantosas, que a maioria desconhece.
S.
— E guerra? Você também acredita que ela exista deveras de uns deuses contra
outros? e inimizades tremendas, batalhas e muitas outras calamidades da mesma
ordem, quais descrevem poetas e hábeis pintores e nos figuram as cerimônias
sacras, notadamente, nas grandes Panatencias, o manto bordado de representações
semelhantes, que é levado para o alto da acrópole? Devemos admitir que tudo é
verdadeiro, Êutifron?
E.
— Não só isso, Sócrates, mas, como
dizia, poderei, se você quiser, contar-lhe sobre assuntos divinos tantas
outras, que você, ouvindo, estou certo, ficará aturdido.
S. —
Não duvido, mas você as contará com mais vagar outra ocasião; por ora, veja se
me diz com mais clareza o que lhe perguntei há pouco, porque, meu caro, quando,
antes, indaguei o que vem a ser a piedade, você, em vez de me dar uma
explicação cabal, disse apenas que é piedade o que agora está fazendo, ao
processar o pai como assassino.
E. — E é
verdade o que eu disse, Sócrates.
S. —
Pode ser, Êutifron, mas você diz que há muitas outras ações pias.
E. — Pois há.
S.
— Então, lembra-se? eu não lhe havia pedido que me ensinasse uma ou duas das
muitas ações pias, e sim a feição mesma pela qual tudo que é piedoso é
piedoso. Você disse, se bem me recordo, que há uma feição única pela qual a
piedade é piedade, e a impiedade impiedade. Não se lembra?
E. — De fato.
S. — Então,
ensine-me qual é essa feição, para que eu, atentando nela, usando dela como de
um padrão, possa dizer, dos atos que você ou outra pessoa praticar, tendo
aquela feição, que são piedosos, e, não tendo aquela feição, que são ímpios.
E. — Bem,
Sócrates, se você quer assim, vou falar assim.
S. — Pois c o que estou querendo.
E.
— Lá vai: o que é estimado pelos
deuses é piedade; o que é aborrecido, impiedade.
S.
— Excelente, Êutifron! Agora você me respondeu como eu procurava que me
respondesse! Só não sei ainda se a resposta está certa, mas 6 claro que
você me vai explicar1 como é certo o que diz.
E. —
Naturalmente.
S. — Vamos,
então, examinar o que dizemos; o que é estimado dos deuses, homem ou coisa, c
piedoso; o aborrecido dos deuses, ímpio. Não são a mesma coisa impiedade e a
piedade, mas o que há de mais oposto. Não é assim?
E. — É bem
assim.
S. — Você acha que está bem expresso?
E. — Acho que
sim, Sócrates; é bem o que ficou dito.
S.
— Dissemos também — não foi, Êutifron? — que os deuses brigam, que dissentem,
que há ódios entre eles.
E. — Sim,
dissemos.
S. —
Ódios, raivas, meu caro, que divergência de vistas os pode causar? Examinemos
este ponto: se eu e você divergíssemos sobre qual a maior de duas quantidades,
a divergência sobre elas nos tornaria inimigos, nos indisporia um com o outro,
ou nós faríamos o cálculo e logo nos reconciliaríamos a seu respeito?
E. — Que
dúvida?!
S.
— Se discordássemos quanto a mais comprido e a mais curto, não tomaríamos as
medidas c acabaríamos logo com a diferença?
E. — Assim é.
S.
— Também iríamos a uma balança, creio eu, se discordássemos quanto a mais leve
e a mais pesado?
E. — Como não?
S. — Então,
quais os temas controversos, quais os pontos de vista irreconciliáveis que nos
tornariam inimigos um do outro e nos poriam exaltados? Você talvez não o tenha
alcançado bem, mas vá examinando, enquanto discorro, se são estes: justo e
injusto, belo e feio, bom e mau. Não é divergindo nesse terreno e por não atingirmos
uma solução satisfatória a esse respeito que nos tornamos inimigos, quando
isso acontece, eu e você e todos os outros homens?
E.
— Sim, Sócrates, essa é a
controvérsia, sobre essas questões.
S.
— Então? Sc os deuses dissentem, Êutifron, não é sobre essas mesmas questões
que se hão de desentender?
E. —
Forçosamente.
S.
— Logo, meu bravo Êutifron, de acordo com o que você disse, uns deuses acham
justas, belas, feias, boas e más umas coisas e outros, outras; não brigariam
entre si, caso não discordassem nisso, não é?
E. — Você diz
bem.
S. — E não é
verdade que cada qual gosta do que acha belo, bom e justo, e aborrece o
oposto?
E. — Certamente.
S. — Mas são as mesmas coisas, como você diz, as que uns acham justas
e outros injustas e, sobre elas discrepando, brigam e se guerreiam. Não é
assim?
E. — É.
S.
— Em conclusão, as mesmas coisas são
estimadas e aborrecidas dos deuses, e as mesmas coisas seriam agradáveis e
desagradáveis aos deuses.
E. —
Evidentemente.
S.
— As mesmas coisas, Êutifron, seriam piedosas e ímpias, segundo esse
raciocínio!
E. — É bem
possível.
S. —
Então, meu extraordinário amigo, você não respondeu à minha pergunta; eu não
tinha perguntado o que é ao mesmo tempo piedoso e ímpio. Como vimos, o que é agradável
aos deuses também lhes é desagradável. Assim, ó Êutifron, não é de espantar
se, fazendo o que você faz ao processar seu pai, esteja procedendo ao agrado
de Zeus, mas ao desagrado de Crono e de Urano, ao gosto de Hefesto, mas ao
desgosto de Hera (71), da mesma sorte quanto a outros deuses, que
pensem diversamente ao mesmo respeito.
E.
— Mas, a meu ver, Sócrates, nenhum
deus diverge dos outros na necessidade de ser punido quem mata outrem
criminosamente.
5.
— Não? E os homens, Êutifron? Você já ouviu algum contestar que deve sofrer
castigo quem mata criminosamente ou comete qualquer outra injustiça?
E.
— Eles não cessam de contestá-lo,
principalmente no tribunal; cometem iniqüidades infinitas, mas fazem e dizem
tudo para fugir ao castigo.
S. — Sim?
Eles reconhecem sua iniqüidade, Êutifron, e, apesar de reconhecê-la, sustentam
que não devem receber o castigo?
E. — Não, isso
não.
S. — Então,
nem tudo fazem e dizem; parece-me que não ousam dizer e sustentar que não
devem ser punidos, quando cometem injustiças. Parece-me que o que negam 6 terem
cometido a injustiça. Não é?
E. — Você tem
razão.
S. —
Assim, eles não contestam que o culpado deve sofrer sua pena; o que discutem,
talvez, é quem teria cometido a falta, qual o seu ato e quando se teria dado.
E.
— É verdade.
S.
— Pois bem, não se passa o mesmo com
os deuses, se, como você dizia, brigam a respeito do que é justo ou injusto,
uns acusando os outros de injustiças e estes negando? Pelo menos, meu
extraordinário amigo, este é um ponto que ninguém contesta no céu e na terra: o
culpado deve ser punido.
E. — Sim, Sócrates; o que você está dizendo é verdade, ao
menos em bloco.
S. —
Mas é ato por ato, Êutifron, que disputam os disputan-tes, homens ou deuses, se
é que os deuses disputam; divergindo sobre um ato, estes dizem que foi
praticado com justiça, aqueles, que injustamente. Ou não é assim?
E. — É bem
assim.
S.
— Por favor, então, Êutifron, informe-me, também, para que eu fique mais sábio;
que prova tem você de que os deuses todos achem injusta a morte de quem, sendo
empregado, se tornou assassino, foi amarrado pelo amo do morto e assim veio a
finar-se nos grilhões, sem dar tempo a que indagasse dos exegetas o que fazer
dele quem o amarrou? e de que bem está que, por causa de tal homem, o filho
processe o pai, acusando-o de homicídio? Vamos, procure provar-me com clareza
que, sem a mínima dúvida, todos os deuses acham justo esse procedimento; se
você me der uma demonstração cabal, jamais cessarei de gabar a sua sabedoria.
E.
— Não será, talvez, pequena tarefa,
Sócrates; no entanto, eu o poderia demonstrar com toda clareza.
S. —
Compreendo; você acha que eu sou mais obtuso que os juizes, porque a eles, é
claro, demonstrará que aquela morte foi iníqua e que todos os deuses abominam
crimes desses.
E. — Com toda
clareza, Sócrates; basta que me ouçam falar.
S.
— Hão de escutá-lo, desde que você tenha fama de bom orador. Mas, enquanto
você falava, ocorreu-me uma idéia, que estou examinando de mim para comigo:
"Se Êutifron me ensinasse, o melhor possível, que todos os deuses
consideram injusta aquela morte, terei aprendido melhor de Êutifron o que é
piedade e impiedade? Aquela ação é, em conclusão, desagradável aos deuses; mas
acabamos de ver que não é nisso que se distinguem a piedade e a impiedade,
porquanto vimos que é também desagradável a deuses o que é agradável a
deuses." Por isso, dispenso você dessa tarefa, Êutifron; se você quer, vá
lá que todos os deuses achem aquilo injusto e o abominem. Corrigida, porém,
nossa expressão e dizendo que é impiedade o que todos os deuses aborrecem,
piedade o que estimam e nem uma nem outra coisa, ou ambas, o que uns estimam e
outros aborrecem, quer você que dessa maneira separemos a piedade da impiedade?
E. — Que no-lo
impede, Sócrates?
S.
— De minha parte, nada, Êutifron, mas veja você, da sua, se, assentando isso,
me poderá ensinar mais facilmente o que me prometeu.
E.
— Bem, eu, por mim, afirmaria que
piedade é o que todos os deuses estimam, e o oposto, o que todos os deuses
aborrecem, impiedade.
S. — Não
devemos agora examinar, Êutifron, se o que se disse está certo? Ou devemos
deixar como está e, da mesma forma, assentir conosco mesmos e com os outros,
admitindo que está certo toda vez que alguém disser de alguma coisa que
"é assim"? Não devemos examinar o que diz o interlocutor?
E.
— Devemos examinar; contudo, penso que
está certo o que acabamos de dizer.
S. —
Logo o saberemos melhor, bom amigo. Faça esta reflexão: a piedade é estimada
dos deuses por ser piedosa, ou é piedosa por ser estimada dos deuses?
E. — Não
percebo aonde você quer chegar, Sócrates.
S.
— Bem, tentarei falar mais claro. Nós dizemos: o que é levado e o que leva; o
que é guiado e o que guia; o que é visto e o que vê. Todas essas coisas você
compreende que diferem umas das outras e no quê.
E. — Acho que
compreendo.
S. —
Igualmente, que há o estimado e, diferente dele, o que estima?
E. —
Naturalmente.
S. — Agora, diga-me: o levado é levado porque o
levam, ou por outra razão?
E. —
Porque o levam.
S. — E o guiado porque o guiam, o visto porque o vêem.
E. — Claro!
S. —
Não é, pois, porque é visto que o vêem, mas, ao contrário, porque o
vêem é que é visto; nem é porque é guiado que o guiam, mas porque o guiam é
que é guiado; nem porque é levado o levam, mas porque o levam é que é levado.
Ficou, então, bem claro, Êutifron, o que estou querendo dizer? Quero dizer
isto: se algo é produzido ou impressionado, não é por ser produzido que o produzem,
mas porque o produzem é que é produzido; nem é por ser impressionado que o
impressionam, mas é porque o impressionam que é impressionado. Está de acordo
com essa exposição?
E. — Estou.
S. — Daí, o estimado não é algo que foi produzido ou
impressionado?
E. — Sem dúvida.
S. — Agora,
não é? dá-se o mesmo que antes: não é por ser estimado que o estimam os que o
estimam, porém por que o estimam é que é estimado.
E. —
Necessariamente.
S.
— Daí, que devemos dizer com relação à piedade, Êutifron? Não é o que é
estimado de todos os deuses, na sua expressão?
E. — Sim.
S. — Será assim porque é piedosa ou por outra razão?
E. — Por essa,
não por outra.
S. — Então,
por ser piedosa é que é estimada, e não é por ser estimada que é piedosa.
E. — Parece.
S.
— Mas não é porque os deuses a estimam que é estimada e agradável aos deuses?
E. — Como não!
S. — Logo,
Êutifron, nem é piedoso o que é agradável aos deuses, nem é agradável aos
deuses o que é piedoso, como você diz, mas trata-se de coisas diversas.
E. — Como
assim, Sócrates?
S.
— Porque acertamos que a piedade é estimada por ser piedosa, e não piedosa por
ser estimada. Não foi?
E. — Foi.
S. —
Que o agradável aos deuses é tal por ser deles estimado, e não é por ser
agradável que é estimado.
E. — Você diz
a verdade.
S.
— Se, porém, caro Êutifron, fossem a mesma coisa o agradável aos deuses e a
piedade, então, se a piedade fosse estimada por ser piedosa, também o agradável
aos deuses seria estimado por ser agradável; continuando, se uma coisa fosse
agradável aos deuses por ser deles estimada, também a piedade seria piedosa por
ser estimada; mas vê-se que uma e outra coisa se opõem como sendo absolutamente
diversas. Uma, porque a estimam, é estimável; outra, porque é estimável, a
estimam. Dir-se-ia, Êutifron, que, interrogado sobre o que vem a ser a piedade,
você não me quer explicar a sua natureza e se põe a falar de uma casualidade
que aconteceu a essa piedade, qual seja a de ser estimada de todos os deuses;
do que ela é, disso você ainda não falou. Deixe, pois, por favor, de mo sonegar
e repita desde o começo o que é a piedade, quer seja estimada dos deuses, quer
lhe aconteça seja lá o que fôr. Não é nisso que havemos de dissentir. Diga-me,
porém, de bom coração, o que são piedade e impiedade.
E.
— De fato, Sócrates, eu não saberia
dizer-lhe a idéia que tenho; tudo que formulamos se põe a girar em roda de nós,
nada quer parar onde o assentamos!
S.
— Suas proposições, Êutifron,
assemelham-se a obras de meu antepassado Dédalo. Se fosse eu quem as diz e assenta,
você poderia troçar de mim, dizendo que, por causa de minha descendência, o
que plasmo em palavras se escapole e não quer parar onde a gente o põe. Mas a
verdade é que as proposições são suas e é preciso achar outra
pilhéria; é para você que elas não querem aquietar-se, como você próprio
reconhece.
E. — Eu,
Sócrates, acho que a pilhéria se aplica bem às nossas palavras. Essa
movimentação em giro, esse bulício, não sou eu que o estabeleço; você é que me
parece o Dédalo; por mim, as coisas parariam no lugar.
S. — Quer dizer, meu amigo, que talvez eu seja mais perito
na arte do que aquela celebridade; tanto mais, que ele só fazia movediças as
próprias obras, ao passo que eu, como se vê, faço, além das minhas, as alheias.
E o que é mais engenhoso no meu talento é que sou perito a contragosto; a ter
o gênio de Dédalo somado aos tesouros de Tântalo, eu preferiria que meus
raciocínios parassem, se assentassem quietinhos. Bem, chega de
brinca-cadeiras. Você parece que está afrouxando; por isso vou juntar meus
esforços aos seus, para lhe mostrar de que maneira me pode ensinar o que é a
piedade. Não vá desanimar antes da hora. Veja lá se não acha que tudo que é
piedoso tem que ser também justo.
E. — Parece que tem.
S. —
Conclui-se que tudo que é justo é piedoso? Ou, de um lado, tudo que é piedoso é
justo, mas, de outro, nem tudo que é justo é piedoso, sendo a justiça parte
piedade e parte não.
E. — Não consigo acompanhar o seu pensamento,
Sócrates.
S. —
Sem embargo, você é tão mais moço quão mais sábio que eu. Mas é o que digo:
você está afrouxando sob a riqueza de sabedoria. Vamos, meu rico, retese-se;
não há nada difícil de entender no que digo. Estou dizendo bem o contrário do
pensamento do poeta que disse: "Não queres mencionar Zeus que tudo isso
fêz e criou; onde há medo, há vergonha." Eu discordo do poeta num ponto.
Posso dizer qual?
E. — Naturalmente!
S.
— Não acho que haja vergonha onde há medo. Acho que muitos têm medo às doenças,
à pobreza e a tantos outros males assim, mas, embora tenham medo, nem por isso
têm vergonha do que temem. Você não acha também?
E. — Perfeitamente.
S.
— Ao contrário, onde há vergonha há medo. Há aí alguém que se acanhe de certo
ato, sem temer ao mesmo tempo a reputação de seu mal?
E. — Claro que teme.
S. —
Logo, não está certo dizer "onde há medo há vergonha"; mas sim dizer
"onde há vergonha há medo"; porque nem sempre há vergonha onde há
medo; o temor, entendo eu, vai mais longe que a vergonha; a vergonha é uma
parte do temor, como o ímpar é uma parte do número, de sorte que nem todo
número é ímpar, mas todo ímpar é número. Está-me acompanhando?
E. — Perfeitamente.
S. —
Era uma coisa assim o que eu queria dizer à altura em que lhe perguntei se onde
há justiça há piedade também ou se onde há piedade há também justiça, sem que
haja piedade cada vez que há justiça. Que é que você acha? Vamos assentar isso,
ou vamos mudar.
E. — Não vamos mudar. Acho que você está certo.
S. — Atente
agora no que daí se segue: se a piedade é parte da justiça, penso que temos de
achar que parte da justiça será a piedade. Se, no exemplo de há pouco, voéê me
fizesse uma pergunta assim: "que parte do número é o par, e o que vem a
ser esse número?", eu responderia que o par é aquele que não é coxo, mas
tem pernas iguais Não acha?
E. — Acho.
S. —
Procure você também explicar-me dessa forma que parte da justiça é a piedade,
para que eu possa dizer a Meleto que não me prejudique, nem me processe por
impiedade, porquanto já terei aprendido bem com você o que é religioso e pio e
o que não é.
E.
— Parece-me, Sócrates, que a parte da
justiça que é religiosa e pia é esta: o que concerne ao cuidado para com os
deuses; o que concerne ao cuidado para com os homens é o restante da justiça.
S. —
Você parece dizer muito bem, Êutifron, mas ainda me falta um bocadinho; ainda
não compreendi o que você entende por cuidado; decerto você não quer dizer que o
prestado aos deuses é igual aos demais cuidados que há. Por exemplo, costumamos
dizer que nem todos sabem cuidar de cavalos; só o palafreneiro. Não é?
E. — É exato.
S. — O ofício de palafreneiros é cuidar de
cavalos.
E. — É.
S.
— Igualmente, nem todos sabem cuidar de cães; só o matilheiro.
E. — De fato.
S — O ofício
de matilheiro é cuidar de cães.
E. — É.
S. — E o de vaqueiro é cuidar de vacas.
E. —
Certamente.
S.
— A piedade e a religião, igualmente, é o cuidar dos deuses Êutrifon? É isso
que você diz?
E. — É isso.
S. —
Então, todos os cuidados têm como que uma execução igual? Quero dizer: eles
consistem num benefício e pro veito daquele de quem cuidamos, como se verifica
que aproveitam e melhoram os cavalos sob as cuidados dum palafreneiro. Ou
você não acha?
E. — Acho.
S. —
Igualmente os cães sob os do matilheiro, as vacas sob o do vaqueiro e tudo o
mais da mesma forma. Ou você pensa que o cuidado é daninho àquele de quem cuidamos?
E. — Eu não, por Zeus!
S. — Então é benfazejo?
E. — Como não!
S. — Assim,
pois, a piedade, sendo um cuidado para com os deuses, é proveitosa aos deuses e
os melhora? Você admitiria também que está melhorando um dos deuses toda vez
que procede piedosamente?
E. — Eu não,
valha-me Zeus!
S. —
Eu também não acho, Êutifron, que você queria dizer tal coisa. Longe disso.
Se perguntei o que você entende por cuidado para com os deuses, foi por
não esperar que você dissesse que consiste nisso.
E.— Você pensou bem,
Sócrates; não é isso o que eu quero dizer.
S. — Bem, mas
que sorte de cuidado dos deuses é a piedade?
E. — É o mesmo cuidado,
Sócrates, que o dos servos para com o amo.
S. — Compreendo. Seria, em
conclusão, uma prestação de serviço aos deuses.
E. —
Precisamente.
S. — Você sabe dizer-me a que visa
o serviço prestado aos médicos? Não acha que à saúde?
E.
— Acho.
S.
— Adiante. A que visa o serviço prestado aos armadores?
E.
— É claro que à navegação, Sócrates.
S. — E o prestado aos arquitetos visa às casas?
E.
— Sim.
S. — Diga-me, por fim, bom amigo:
a que obra visa o serviço prestado aos deuses? É óbvio que você sabe, pois sustenta
saber melhor que ninguém os assuntos divinos.
E. — E digo a
verdade, Sócrates.
S. — Diga, então, por Zeus, qual
pode ser essa belíssima obra que os deuses levam a cabo usando de nós como seus
servidores?
E. — São
muitas e belas, Sócrates.
S. — Igualmente as dos capitães,
meu caro; no entanto, quanto a estes, você não teria embaraço em resumir
dizendo que levam a cabo a vitória na guerra. Ou não?
E. — Como
não!
S. — Muitas belas coisas levam a
cabo também os agricultores; no entanto, pode-se resumir tudo em extrair da
terra os alimentos.
E. —
Certamente.
S. — Então, como resumir a
execução de tantas belas obras que os deuses realizam?
E.—Mas há pouco eu disse, ó Sócrates, que é muito trabalhoso
aprender bem como é tudo isso. Contudo, digo-lhe, simplificando, que, se uma
pessoa souber, quando reza e sacrifica, proferir palavras e praticar atos que
agradem aos deuses, nisso está a piedade e tais práticas é que preservam os
bens particulares e os do povo; o oposto do que agrada é a impiedade, e esta é
que tudo revira e põe a perder.
S. — Com
efeito, se você quisesse, Êutrifron, bem poderia dizer o essencial do que eu perguntava,
com muito maior brevidade. Você não está mesmo com vontade de me instruir,
está-se vendo. Agora, quando estava justamente a pique de fazê-lo, você me
escapuliu. Se me tivesse dado a resposta, eu já teria aprendido de você a
piedade com precisão. Paciência! Quem ama tem mesmo de ir atrás do seu amor
aonde quer que este o leve! Afinal, em que diz você consistir o que é pio e a
piedade? Não é em certa ciência da reza e do sacrifício?
E. — Foi o que
eu disse.
S.
— Sacrificar não é presentear os deuses, e rezar não é pedir–lhes?
E. — Isso
mesmo, Sócrates.
S. —
De acordo com esses termos, a piedade seria uma ciência de pedir e dar aos
deuses.
E.
— Você apreendeu esplendidamente o meu
pensamento, Sócrates.
S. —
Porque estou ávido de sabedoria, meu caro, c presto toda atenção para não
deixar cair no chão o que quer que você diga. Mas, diga-me, qual é o
serviço prestado aos deuses? Você diz que é pedir-lhes e dar-lhes?
E. — Sim.
S. — Então, pedir-lhes bem seria pedir-lhes o de que
necessitamos da parte deles?
E. — Que mais seria?
S. —
Doutro lado, dar bem seria retribuir-lhes com aquilo de que possam necessitar
de nossa parte? Aliás, seria inépcia presentear alguém dando-lhe coisa de que
não tem precisão nenhuma.
E.
— Você diz a verdade, Sócrates.
S. — Assim,
pois, Êutifron, a piedade seria um escambo entre deuses e homens.
E. —
Um escambo, se você prefere chamá-la assim.
S. —
Bem, não prefiro nada, a menos que seja verdadeiro. Explique-me, porém, que
proveito vêm a tirar os deuses dos dons que recebem de nós; o que eles nos dão,
toda gente o vê, pois não há bem que não seja dádiva sua; mas do que recebem de
nós, que proveito tiram? Ou nós somos mais espertos no escambo, a ponto de
obtermos deles todos os bens, e eles de nós nada?
E.
— Mas você cuida, Sócrates, que os
deuses tiram proveito do que recebem de nós?
S. —
Se assim não fosse, Êutifron, que dom poderia haver de nossa parte para os
deuses?
E. — Que mais
pensa você além da honra, do preito e do que eu disse há pouco, do
agrado?
S. — Então, ó Êutifron, a piedade é o agradável e não o útil aos deuses ou deles estimado?
E. — O que
acho é que acima de tudo é o que é estimado.
S.
— Então, ao que parece, piedoso é aquilo que os deuses estimam.
E. —
Perfeitamente.
S. — E,
dizendo isso, você ainda pode espantar-se de ver que suas proposições não
param, mas andam? E a mim é que você vai culpar de as fazer andantes, como um
Dé-dalo, quando você é muito mais hábil que Dédalo em fazê-las girar em roda?
Não percebe que nosso raciocínio deu üma volta e veio parar no mesmo lugar?
Você se lembra de que havia ficado claro que "piedoso" e "estimado
dos deuses" não eram a mesma coisa, mas diferiam um do outro? Não se
lembra?
E. — Sim,
lembro-me.
S. —
E agora não percebe que está afirmando ser o "piedoso" o
"estimado dos deuses"? E este o que é, senão "o que os deuses
estimam"?
E. —
Perfeitamente.
S. — Logo, ou chegáramos há pouco a uma conclusão errônea, ou, se estava certa,
estamos errando agora.
E. — É o que
parece.
S. —
Em conclusão, temos que examinar de novo desde o começo o que é a piedade,
porque, enquanto não o souber, eu não desistirei espontaneamente. Vamos, não
faça pouco caso de mim, mas, agora mais do que nunca, empregue toda a atenção
em dizer-me a verdade. Se há homem que a saiba é você, e você, como Proteu,
não é de se largar antes que fale; se não soubesse claramente o que é piedade e
impiedade, absolutamente não se abalançaria a processar por homicídio seu velho
pai por causa dum empregado; não só teria medo, perante os deuses, de o estar
fazendo talvez indevidamente, como também teria vergonha perante os homens. Ao
contrário, sei bem que você pensa distinguir claramente o que é piedade e o que
não é. Fale, pois, excelente Êutifron; não me escamoteie o que pensa a esse
respeito.
E.
— Em outra ocasião, ó Sócrates; agora
estou com pressa e está na hora de me retirar.
S. —
Que é o que você está fazendo? Você vai embora e me deixa caído do alto da
esperança que tinha de me desembaraçar da denúncia de Meleto, depois de
aprender com você o que é piedade e impiedade? E eu que ia mostrar a ele que,
inteirado por Êutifron dos assuntos divinos, não mais haveria de improvisar
por ignorância, nem de inovar nessa matéria e que passaria, outrossim, a levar
melhor vida no futuro!
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