A ANTIGA ESCOLA FRANCISCANA: OS REPRESENTANTES DO AGOSTINISMO – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA

Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

2  —  A  ANTIGA  ESCOLA  FRANCISCANA: OS  
REPRESENTANTES   DO   AGOSTINISMO

A  habitual  tradição agostiniana se mantém nas
antigas escolas franciscanas.   Não significa isto que só os franciscanos tivessem
conservado o agostinismo; antes de Alberto
e Tomás o fizeram também
as primeiras escolas dominicanas e mestres do clero secular. Mas os
franciscanos são os declarados discípulos de Agostinho,
e são, mais tenaz e prolongadamente, representados por uma série de
doutrinas, que os caracterizam particularmente e os distinguem com nitidez dos
dominicanos e do aristotelismo destes. Tais são as doutrinas do primado da
vontade sobre o intelecto, da dependência de todo conhecimento das razões
eternas existentes na mente divina, da iluminação pela luz incriada, dos germes
seminais infusos na matéria, da pluralidade das formas, da impossibilidade de
uma criação eterna, da matéria espiritual, da relativa independência da alma
em face do corpo, da identidade entre as potências da alma e a substância da
mesma, do conhecimento imediato da alma mediante a sua essência e,
particularmente, a concepção geral da filosofia como filosofia cristã, o que
torna muito mais forte a união entre o pensamento filosófico da religião e da
teologia, do que na doutrina oposta.

a)    Alexandre   Halense

A antiga escola franciscana se inaugura com Alexandre Halense (ca. 1170-1245) com o
seu Comentário das Sentenças descoberto por P. Henquinet O. F. M., e sua Suma de toda a Teologia, também
importante filosoficamente. Alexandre conhece
todo Aristóteles e não somente a
sua lógica; mas em caso de oposição de teorias dá sempre preferência ao pensamento
platônico-agostiniano, com que travou conhecimento por meio dos Vitorinos. Dos
árabes cita sobretudo Avicena. O
pensamento fundamental e dominante da sua mundividênda é a idéia do summum
bonum.
Também dá como base para a explicação do ser o princípio: o ser
existe por participação do bem.

b)    João   de   Rupela

Discípulo de Alexandre
e seu sucessor na cátedra de Paris é João
de Rupela (ca. 1200-1215). Escreveu uma suma sobre a alma, pouco
aristotélica, mas onde se fazem sentir influências árabes (Avicena), neoplatônicas e
agostinianas. Dedica particular interesse à teoria do conhecimento e ensina
como podemos atingir a verdade sobre as cousas da experiência por meio da
abstração, segundo Aristóteles. Mas
a verdade dos conhecimentos mais elevados, tal como os sobre Deus e os
primeiros princípios do saber, só podemos tê-los por urna iluminação divina.  
Então Deus mesmo é o intellectus agens.

c)    Boaventura

O maior deste grupo é Boaventura (1221-74), o maior chefe da alta escolástica, ao
lado de Tomás de AqUIno. Foi
professor em Paris junto com Tomás e
também junto com ele lutou pelos direitos dos membros da sua ordem a ensinarem
como mestres na Universidade. A partir de 1257 dedicou-se inteiramente aos
interesses da sua ordem e da Igreja; em 1273 foi feito Cardeal e presidiu ao
concilio de Lião. Depois de completa a sua missão a morte veio tomá-lo. A
posteridade lhe deu o cognome de Doctor Seraphicus. Das suas obras, que
na edição de Quaracchi enchem dez grandes volumes (18S2 ss.), são de particular
relevância para a filosofia: o Comentário das Sentenças, as Quaestiones
disputatae, o Breviloquium 
e o Itinerarium menus in Deum.

Bibliografia:

E. Gilson, La philosophie de Saint Bonaventure (1924).

α) Boaventura e a tradição. – No seu
pensamento Boaventura é
acentuadamente conservador: "Assim como no primeiro livro me ative às Sentenças e às opiniões comuns dos mestres, principalmente do Mestre e Pai de
respeitosa memória, do Frei Alexandre, assim também nos livros seguintes, …
pois não tenho a intenção de oferecer novas concepções, mas a de conservar e
valorizar as tradicionais." Sob este aspecto é tido como o representante
clássico da velha tradição agostiniana. Já a conhecemos e por isso vamos nos
limitar aos traços capitais da imagem onde ela, com Boaventura, se espalha.

β) Deus. — Como para Agostinho, também para Boaventura Deus é a pedra angular

da sua filosofia. Ao passo que para Tomás o ser é a idéia mais geral e o
que primeiro conhecemos, para Boaventura
o primum cognitum é Deus. Descobrimo-lo em nossa alma e por isso
logo nela o reconhecemos, pois nela está ele mais presente que alhures: Ergo
inseria est ipsi animae notitia Dei sui.   
Em particular, ele é a verdade,
que nos deixa descobrir Deus em nós mesmos, e a verdade na sua imutabilidade. O
mesmo se diga da experiência do bem, que sempre pressupõe um bem supremo onde
Deus se revela. BoavEntURa também
aceita a prova anselmiana de Deus; mas também a prova aposteriori que,
da natureza, conclui Deus. Mas da sua preferência é o conhecimento intuitivo apriori de Deus na experiência que a alma tem de si mesmo e dos seus atos. A
natureza de Deus é o ser, vida, poder, verdade, plenitude de idéias eternas.

γ) O mundo. — De Deus procede também o
mundo; Deus o cria, mas não por una criação eterna, esta parecendo a Boaventura contraditória em si mesma.
Sempre e naturalmente a criatura é sombra, imagem e vestígio de Deus (exem-plarismus). Todo ser criado é por força composto de essência e existência, matéria e
forma. Na terminologia dessa doutrina Boaventura
é claramente influenciado por Avencebrol,
embora se exprima como um agostiniano. Boaventura
admite a pluralidade de formas num mesmo ser. Há, certo, para cada ser
particular uma forma completa; mas com essa forma totalizante coexistem outras
formas inferiores tanto no homem como em geral no reino orgânico e no
inorgânico. A idéia de matéria-prima não significa para Boaventura total indeterminação e simples possibilidade, mas
encerra as virtudes germinativas (rationes seminales), que implicam
numa certa causalidade interna. E assim tudo o que procede da matéria não deve
atribuir-se somente à ação de uma causalidade externa e da forma. A forma da
corporeidade Boaventura a
encontra na luz. Serve-se ele aqui também da terminologia aristotélica,
entendendo-a porém no sentido da metafísica da luz, como já o vimos com Grosseteste.

δ) A alma. — Também na doutrina da alma
sente-se a influencia  de Aristóteles.

αα) O conhecimento. — Na questão do
conhecimento do mundo material, Boa
ventura concede que nós haurimos a ciência por abstração da experiência
sensível. Isso, é claro, só imediatamente e, por assim dizer, no concernente ao
ponto de partida; pois o espírito precisa unir-se com as idéias eternas,
quando se trata de apreender verdades puras e, em todo caso, no atinente à metafísica
de Deus e da alma bem como as verdades puras da experiência da natureza.   "Pois
as cousas — diz ele — têm tríplice ser: o existente no espírito que conhece, na
sua própria realidade e no espírito eterno. Por isso não basta à nossa alma,
para ter uma ciência certa, a verdade das cousas em si mesmas, nem a verdade
destas na sua realidade própria, porque em ambos os casos essa verdade é
sempre mutável. Daí vem o precisar buscar ele o seu fundamento na ciência
divina" (De scientia Christi, q. 4; concl.: Opera omnia, V, pg. 23 Quaracchi). Vemos assim imediatamente a conexão deste modo
de pensar com a doutrina da iluminação agostiniana. Mas não está bem claro se Boaventura pensa numa influência
funcional do ato do conhecimento por parte de Deus, ou se quer simplesmente
dizer que qualquer verdade certa, exatamente pelo que o seu conteúdo tem de
verdadeiro, última e imediatamente, em virtude de uma intuição da essência,
surge luminosa para o espírito por uma espécie de análise. Seja como for, em
cada caso particular a verdade, para Boaventura,
se apóia em fundamentos apriori, pois a sensibilidade é apenas o
ponto de partida do conhecimento. Assim o exige também o seu exemplarismo. O
verdadeiro mundo, assim para Boaventura,
como para Agostinho e Platão, é o mundo das idéias primeiras
e eternas.

ββ) Faculdades da alma. — Na questão das
relações entre as faculdades da alma e a substância da mesma, Boaventura é prudente. Não aceita a
distinção real dos tomistas; mas também não se pronuncia por uma identidade
formal, mas vê nelas algo como um constitutivo formal.

γγ) Corpo e alma. — Na questão das relações
entre o corpo e a alma gravita Boaventura
na direção de uma maior auto-subsistência e independência da alma. Não é
pela doutrina tomista da unio substantialis; o corpo tem sua forma
própria (a luz), mas o homem é susceptível além disso de uma série de formas e
a alma mesmo é composta de matéria e forma. Contudo a alma age para com o corpo
como uma determinante que superforma e totaliza tudo.


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