Flaubert
Leio hoje nos jornais este telegrama, que me vem a evocar
saudades velhas: "Paris, 21 — Telegrafàm de Rouen que se inaugurou ali o
monumento a Gustavo Flaubert,1 com a assistência de vários membros
da Associação dos Homens de Letras desta capital e de vários representantes
da literatura e do jornalismo".
E o primeiro
"monumento" que do grande Flaubert se levanta na sua cidade natal.
Até agora, a única homenagem pública, prestada ao autor de Madame Bovary pela
cidade de Rouen, consistia num pequeno medalhão, com o seu busto, aposto a uma
das paredes da Biblioteca, ao lado do Hotel de Ville — c a cuja inauguração
assisti, em 1890.
Já lá se vão dezessete anos! e, lendo agora nos jornais este telegrama,
vivamente se me apresentam à memória todos os episódios daquela manhã de
inverno em que se fez a inauguração do busto, e em que, tremendo de frio,
cheguei à velha cidade das margens do Sena, em companhia de alguns
companheiros cujos nomes todo o Brasil conhece.
Éramos
quatro: Eduardo Prado, Paulo Prado, Domício da Gama, e eu. Em Paris, alojamo-nos
num vagão de primeira classe, de oito lugares, ocupando os quatro lugares do
lado direito. Chovia torrencialmente. O trem expresso ia já partir, quando se
abriu a portinhola do vagão, e vieram ocupar os quatro lugares do lado esquerdo
quatro sujeitos encapotados e encharcados, nos quais reconhecemos logo quatro
figuras das mais notáveis no movimento naturalista da França: Émile Zola,
Edmond de Goncourt, Guy de Maupassant, e o editor Charpentier. Partiu o
trem…
Nós., os quatro brasileiros,
entreolhávamo-nos, e aguçávamos os ouvidos, ansiosos por ouvir a
conversa interessantíssima, que certamente se ia travar entre aqueJes homens
ilustres. Viajar duas horas, ao lado de Goncourt, de Maupassant e de Zola! que
inesperada chance, que milagrosa aubaine!
Foi uma decepção
tremenda! Maupassant, Zola e Goncourt estavam endefluxadíssimos: tossiam e
espirravam de três em três minutos — enquanto o editor Charpentier, encolhido a
um canto do vagão, dormia e roncava. De quando em quando, um dos três grandes
romancistas olhava através da vidraça a paisagem, alva de neve e vergastada de
chuva, e dizia melancolicamente, entre os dentes cerrados: "Sale temps!…".
Os outros sacudiam a cabeça com desconsolo, e repetiam: "Sale temps!…".
E assim foi até Rouen… "Sale temps!…
Sale temps!…" foram as únicas frases notáveis que saíram da boca daqueles
homens notáveis…
Em Rouen,
vimos Maupassant descerrar a cortina que Cobria o medalhão, e ouvimos um curto
e lindo discurso de Goncourt; almoçamos largamente no melhor restaurante da
cidade, rindo muito da conversa "literária" do au-Cor de Charles
Demailly, do autor de Une vie e do autor de Germinal; fomos
depois visitar, com um religioso respeito, a coleção dos manuscritos de
Flaubert na Biblioteca; fomos admirar as várias estátuas de Jeanne d’Arc de que
se orgulha Roucn; e passamos o resto do dia a vagar pela cidade, c a perguntar
aos populares, que encontrávamos, quem fora aquele Flaubert, cujo busto em
baixo-relevo acabava de ser inaugurado.
E ninguém prestava
atenção ao que perguntávamos. Só um épicier, já velho, que cochilava, à
porta da sua loja, defronte da Catedral, mostrou conhecer o nome e a glória do
festejado. Disse-nos que Flaubert era "um escritor muito conhecido".
Mas acrescentou logo que "o grande Flaubert não era aquele: era o outro, o
pai do escritor, um médico três savant, que
várias vezes fora maire da cidade e deixara uma boa e sólida reputação
de clínico sisudo e de cidadão prestimoso…
Grande
Gustave Flaubert! a sua glória e o seu valor nunca estiveram, nem estão, nem
nunca estarão ao alcance da inteligência de toda a gente.
Somente
agora a cidade de Rouen lhe levanta um monumento… E é provável que hoje, em
1907, a opinião da cidade ainda seja a mesma que era em 1890: "Um bom
escritor, sim, um bom escritor, muito conhecido… Mas não foi este o grande
Flaubert: o grande Flaubert foi outro, o pai deste, o maire, o médico, que
dirigia as eleições com uma grande prudência, e tinha umas receitas infalíveis
para o alívio dos reumatismos e para a cura das bronquites rebeldes…".
Olavo Bilac
Correio Paulistano 24/10/1907
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