UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Curso sobre
Heidegger:
Kant e o
Problema da Metafísica
2o.
semestre de 2004
Professor Bento Prado Jr.
Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.
ÍNDICE
Data da aula
- 01/10/2001
- 08/10/2004
- 15/10/2004
- 12/11/2004
- 19/11/2004
- 26/11/2004
- 03/12/2004
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15/10/2004
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Eu queria
simplesmente lançar mão desse desenho do Deleuze que mostra bem, no fundo, de
maneira caricatural, é claro, a estrutura da Crítica da razão pura, a
hierarquia de sínteses. Mas ao mesmo tempo, ele próprio sugere que pode ser
pensado de cima pra baixo ou de baixo pra cima. Aqui você tem limitação – as
idéias de alma, Deus e o mundo correspondem ao mundo na metafísica. Ou, na
linguagem do Heidegger, das metafísicas especiais. Quer dizer, as idéias de
alma, Deus e o mundo cercam o pensamento, formam o horizonte do pensamento e
que levam o pensamento à ilusão da constituição de uma psicologia racional, de
uma teologia racional e de uma cosmologia racional. Bom, todo o esforço da Crítica
da razão pura é mostrar que esse domínio que cerca a cabeça do boi, do eu
penso, do sujeito transcendental, esse é o mundo da ilusão. Uma ilusão
necessária, claro; uma ilusão que é co-natural á razão, mas é que pe preciso, a
tarefa da filosofia é justamente delimitar a pátria da verdade e tal etc,
distinguir entre uma ciência impossível e aquilo que é possível conhecer
racionalmente. A palavra metafísica aparece no Kant de maneira negativa e
positiva. Quer dizer, a fundamentação da física e da matemática é condição de
possibilidade da demonstração da possibilidade a priori da matemática e
da física. Então, metafísica no sentido negativo. Agora, ele fala também da
metafísica futura. Entendendo como metafísica não as metafísicas especiais, mas
essa tarefa de delimitação do domínio da racionalidade. O que bate um pouco com
Heidegger. O Heidegger não ‘tá tão longe assim do Kant quando restaura a
metafísica no seu bom sentido descartando as metafísicas especiais da produção
escolástica e avança a pergunta da possibilidade de um fundamento da metafísica
a partir da idéia da finitude. Tudo isso é perfeitamente coerente como Kant.
Mas em todo caso, você tem os dois movimentos: o movimento de descensão e o
movimento de ascensão. A Crítica da razão pura é regressiva. Mas ela é
regressiva-progressiva como nós vimos na última aula. Você tem um eu puro – ich
denke, eu penso – que é cartesiano de origem mas que não é cartesiano de
natureza. O eu penso era a base do eu existo, era uma primeira verdade, uma
verdade essencial que implicava na possibilidade de derivar dela…, se tratava
de uma intuição intelectual. Quer Deus exista, quer Deus não exista, é
impossível…, quer haja gênio maligno, que não haja gênio maligno, de dentro
da finitude do meu pensamento, eu sou capaz de captar imediatamente uma
essência que implica uma existência. Bom, no caso do Kant, o ich denke,
pra começar não é uma intuição intelectual, não existe intuição intelectual. Há
aquele abismo entre ou intuição ou entendimento, ou conceito. O entendimento
intuitivo é o entendimento infinito de Deus. O entendimento finito do homem não
pode ter intuição de essência. Portanto, o eu penso não pode inaugurar um
conhecimento de um ser ou de uma essência. Mas ele pode ser pensado, digamos,
como uma intuição lógico-transcendental para que a idéia de experiência adquira
sentido. Se a multiplicidade da minha experiência não for carimbada pelo eu
penso, isto é, se a experiência não for referida a uma subjetividade não
empírica, mas uma subjetividade transcendental, finita, isto é, no fundo,
qualquer tipo de representação de objeto implica um sujeito que julga que tal
coisa é um objeto; implica uma atividade judicativa e essa atividade judicativa
implica a síntese suprema que é a apercepção transcendental – o sujeito se
apreende a si mesmo como sujeito dos seus juízos. Esse sujeito que se apreende
a si mesmo – você fala de apercepção, apercepção é apreensão de si mesmo, mas
não de uma essência ou de uma existência, mas de uma função da subjetividade
que não tem nenhum valor em si mesma senão aquele que ele torna possível.
Passar do eu penso para o domínio da física, da matemática, não é uma démarche,
não é um procedimento dedutivo. Pelo contrário, nós partimos subindo, daqui pra
lá. O movimento ascensional é aquele que distingue no fundo o domínio da
experiência espácio-temporal– bom, tem o eu passivo aqui, o eu empírico que ‘tá
mergulhado no tempo e no espaço, submetido a impressões sensíveis, a estética
faz uma distinção entre a sensibilidade pura e a sensibilidade empírica. Isso é
essencial. Entre a sensibilidade pura e a sensibilidade empírica, isto é, mais
uma vez, a experiência não é a origem. Pode ser a origem, mas não é o
fundamento. Por quê? Porque, por exemplo, o tempo, eu tenho a representação do
tempo. Ela é uma generalização dos diferentes instantes da minha vida, da minha
experiência? Ou, pelo contrário, todas as experiências, todos os instantes da
minha vida, pressupõem a unidade pré-experiencial da sucessão temporal. Da
mesma maneira, o espaço não é uma generalização do aqui, ali, acolá e tal etc.
Quer dizer, a intuição não é conceito, isto é, tempo e espaço não são
resultados de generalizações a partir da experiência, mas são condições. Você
tem dois esquemas. Esquema de vários eventos circulares de cuja repetição você
infere uma lei geral.Você pode pensar assim. Você pode pensar o tempo e o
espaço– aqui ali e tal etc. Nós generalizamos, a partir da experiência, as
idéias de espaço e tempo. Ele diz: não, pelo contrário, toda experiência
empírica do aqui e do agora pressupõe uma totalidade singular intuitiva do
tempo e do espaço. Se não houver tempo a priori e espaço a priori,
não haverá este aqui, aquele ali, este instante, aquele instante. Eu já faço a
distinção entre o eu passivo, aquele que recebe pura e simplesmente as
impressões do mundo externo e algumas formas que não têm origem no eu empírico.
Quer dizer, o espaço e o tempo transcendem o eu empírico, precedem o eu
empírico. Tanto que ele vai demonstrar que o Descartes ‘tá errado na
demonstração… Na refutação do idealismo, ele diz: não, não é “eu penso, logo
existo”; para que eu chegue à conclusão de que eu existo, eu preciso saber
(inaudível). Nós temos um primeiro nível: a estética – a idéia da descoberta de
que existe uma intuição pura, que não é empírica. E que a intuição é diferente
do conceito. O ponto de partida é a distinção entre conhecimento imediato e
conhecimento mediato. Depois tem a analítica. A analítica, o que que é? Bom,
dado o pano de fundo dado pela experiência possível, não pela experiência real
– senão nós seríamos humeanos e céticos – , mas pela experiência possível,
pela experiência pura, os limites da experiência que transcendem o eu empírico,
nós temos aqui a matemática e a física. Porque ambas implicam atividades que
são judicativas. Inferências, raciocínio e tal. Então, você tem categorias, juízos.
No movimento ascensional, ele faz uma análise lógica das funções do juízo e daí
tira as categorias, aí tira os princípio. Eu ‘tô fazendo aqui de cima pra baixo
o que ele ‘tá fazendo aqui de baixo pra cima. Então você tem sínteses, uma
espécie de pirâmide de sínteses, pirâmides de pirâmides. Cada cúpula de uma
pirâmide é uma síntese que sintetiza uma base quadrada, digamos. Numa pirâmide,
você tem um pontinho único que define essa multiplicidade. a síntese unifica
tudo aqui em cima. Então, o espaço e o tempo sobre uma pirâmide unificam a
experiência real dentro dos limites da experiência possível. Depois nós vamos
verificar como é que a intuição pura pode ser sintetizada através de outras
sínteses que são judicativas. Esqueçamos um pouco o Heidegger, esqueçamos um
pouco o Deleuze pra explicar um pouquinho… São as aplicações dos juízos, das
categorias lógicas à experiência. Você tem tábua dos juízos, tábua das
categorias, tábua dos princípios. Nos juízos é a pura forma predicativa dos
juízos. Tem forma afirmativa, negativa, universal, particular e tal etc. Daí
nós derivamos para suas condições de possibilidade. São as categorias. Depois
nós remontamos aos princípios. Mas esse remontar aos princípios é recair na
maneira pela qual o juízo se aplica à experiência possível. Então você tem
síntese intuitiva. Depois você tem síntese judicativo-categorial através da
aplicação dos princípios e todas elas pressupõem uma síntese suprema. Se não
houver um sujeito que enuncia juízos – que ele exista ou não exista; não sou
eu, não é você, não é ninguém, não é o Renato Descartes, não é o Immanuel Kant,
mas é uma condição formal, é essa caveira de boi que diz “Eu = Eu, Eu = Eu …”
e não fala do mundo. Não fala nada do mundo mas é condição de possibilidade da
unidade do discurso sobre o mundo ou sobre a experiência.
Bom, eu fiz essa
exposição porque normalmente eu costumo explicar o Kant de maneira mais
tradicional que o Heidegger. É claro que eu não ignoro o movimento ascensional.
Mas no fundo, a minha tendência é dizer: bom… Porque aqui você teria que
fazer o seguinte. Porque quando ele faz esse traço aqui, ele ‘tá dizendo que o
negócio não é hierárquico. A minha exposição é hierarquizante: de formas
inferiores a formas superiores de sínteses. E ele diz: não, não, há uma reflexividade
necessária em todo o funcionamento da razão de tal maneira que a experiência
possível fornece o que ele chama de campo transcendental da experiência
possível que por sua vez torna pensável o sujeito transcendental. Você pode
subir e descer.
ALUNO: Você
poderia falar um pouco da relação entre o esquema e o tempo?
Sim. Mas eu
tenho a impressão que será melhor a gente deixar o Heidegger pra lá. Eu vou
falar de forma pobre, mas grosso modo, o esquematismo… O que quer
dizer esquema? Quando você fala de esquema, você não ‘tá falando exatamente de
forma lógica, você não ‘tá falando nem de experiência sensível, nem de forma
lógica. Quando você faz o esquema de alguma coisa, você elabora uma espécie de
caricatura, antecipação da experiência e tal etc. Bom, o fato é que os juízos
se aplicam…, os juízos sintéticos que atravessam o espaço e o tempo, que
tornam possível o objeto, só podem ser juízo sintético sendo conciliações entre
intuição e conceito. Tem que ter uma dimensão intuitiva e uma dimensão
conceitual. Mas intuição e conceito são coisas heterogêneas. Bom, aí o Kant vai
recorrer à idéia de imaginação transcendental que é esquematizadora, que nãoé
empírica, que é sensível como a intuição pura, mas de alguma maneira antecipa a
generalidade do conceito. Você pode dizer: eu tenho a intuição de, digamos,
Pedro, e tenho o conceito de ser homem. Uma coisa é o Pedro, você vê de fato
que ele é barrigudo, que ele é careca e tal. Ser humano não tem nenhuma dessas
características. Como é que eu posso dizer que o Pedro é ser humano? É preciso que eu
tenha o esquema:
O Heidegger,
pelo menos na primeira versão do Kant, o Heidegger vai assumir isso, o
esquematismo é o que permite a roda móvel dos esquemas (inaudível). Mas o
esquematismo vai ser ligado simultaneamente à imaginação – o esquema é o
produto de uma imaginação produtiva. Não é de uma intuição receptiva nem de uma
simples conceptualização. Então imaginação, esquematismo e temporalidade.
ALUNO: Isso que
eu tenho dificuldade de entender: imaginação, esquematismo e temporalidade,
por que temporalidade aí?
Ta. Isso o
Heidegger e o Kant, eles vão ter que explicar. Bom, pra começar, aqui debaixo
você já tem uma prioridade da forma do tempo sobre o espaço. O riacho raso do
tempo como forma da interioridade e o espaço como forma da exterioridade. Isso
no nível puramente sensível. Ao nível do entendimento, haverá – ao menos na
primeira verão da Crítica da razão pura – uma prioridade da imaginação
produtiva. Quando você fala de imaginação produtiva, é que é antecipatória. Um
mínimo de idéia de temporalidade ‘tá aí presente. Mas eu não quero dizer que eu
‘tô respondendo… A sua pergunta não é fácil de responder. Eu to apontando
nessa direção. O que acontece é que o privilégio do tempo que aparece aqui vai
reaparecer na análise do esquematismo, na aplicação dos princípios à
experiência possível. E que vai ser desmentido na refutação do idealismo
cartesiano. Daí a coisa vai ser, a coisa externa, o espaço vai ter privilégio
sobre o ser-para-si, digamos. É como se ele dissesse: eu não sou cartesiano.
ALUNO: Então é
um privilégio provisório do tempo?
Não. Não é
provisório. Mas deixa eu ver se eu consigo responder. Não sei se a gente vai
comentar…, poder entrar no Heidegger. Deixa eu ver se eu consigo responder a
sua pergunta. Eu vou tentar radicalizar a sua pergunta. É razoável que ao nível
da intuição haja uma prioridade da forma do tempo sobre a forma do espaço. Por
quê? Porque o mundo da experiência é um mundo espácio-temporal, é uma
combinação de dois termos. Mas qual é o argumento do Kant?
ALUNO: A
experiência de mim mesmo é a experiência no tempo, não é isso?
De alguma
maneira é isso. Quer dizer, não a experiência de mim mesmo, mas a experiência
possível para mim é originariamente temporal porque a intuição é o regime do
sentido, dos sentidos – não dos sentidos empíricos. Nós temos um sentido
interno e um sentido externo. Um sentido através do qual eu me relaciono comigo
mesmo e um sentido através do qual eu me relaciono como mundo externo. Eu me relaciono
comigo mesmo através do tempo, contra o Descartes, a concepção originariamente
intemporal do cogito. No caso do Kant, é preciso que o sentido interno
seja imediatamente temporal. Senão não há aritmética, não há associação, entre
outras coisas. E não há consciência possível de nenhum objeto externo. Então, a
intuição, a forma do tempo é o sentido interno de um sentido externo. Uma
espécie de subordinação do espaço ao tempo. Na metáfora do Deleuze, o espaço dá
os limites das margens do rio que flui.
ALUNO: Mas é
como se o rio desse as margens, já que o espaço ‘tá subordinado ao tempo.
Não, não. O
espaço tem sua forma própria e depois ele vai se vingar do tempo mais tarde.
Quer dizer, o espaço não perde nenhuma de suas propriedades espaciais. São duas
formas de intuição diferentes que se combinam de maneira complexa no nível da
estética onde, digamos, elementarmente, você pode dizer para que eu perceba uma
coisa permanente não basta que eu tenha representação externa da coisa, é
preciso que eu tenha consciência contínua da coisa externa. A vingança vai ser
mais tarde quando a gente vai ver que para eu ter consciência de mim mesmo eu
preciso ter consciência da permanência da coisa externa. Mas, veja bem, permanência da coisa externa quer dizer que o tempo não é destronado. (…) Mas se eu digo
que eu só posso ter consciência de mim mesmo tendo consciência… Quer dizer,
se eu só posso dizer – mas ele diz empiricamente– ich denke , “eu penso,
eu existo”, interpretado como uma proposição empírica pressupõe a permanência
da coisa fora de mim; pressupõe a permanência da coisa externa, pressupõe um
espaço/temporal, pressupõe a continuidade da coisa. Ao nível da sensibilidade
era um pouco o contrário, né? Para que haja uma coisa, é preciso que haja a
sucessão. Agora ele diz: para que haja um eu empírico que se acredite
existente, é preciso que ele creia na existência de coisas permanentes que
também não são puramente espaciais mas espácio-temporais. Agora, esse ich
denke aqui ‘tá fora do espaço e do tempo, mas é uma condição
transcendental. Então você tem mil maneiras de (???) esse sistema. Como esse
esquema, pelo menos nessa disposição esquemática aqui é mais ou menos
regressiva-progressiva, como nós sempre insistimos e, portanto, circular, de
uma certa maneira… Essa mesma circularidade em que o Heidegger vai insistir,
a circularidade da hermenêutica, a circularidade da origem e do fundamento que
até agora a gente não chegou a definir. Nós chegamos a esboçar algumas
tentativas mas não esclarecemos totalmente, digamos. Quer dizer, há
circularidade no Heidegger. E seguramente há circularidade no Kant. Então, eu
só queria dizer isso porque eu costumo fazer a exposição mais ou menos de cima
pra baixo, mais da maneira tradicional, idealista ou neo-kantiana. Enquanto que
o Heidegger, não é que vai começar da temporalidade, da sensibilidade. É da
temporalidade, sim. É do esquematismo transcendental, sim. Mas o que ‘tá
entremeio, que não é nem o empírico, nem o sensível, nem o lógico, mas que é o
transcendental no sentido mais forte da palavra. Quer dizer, que é a dimensão
propriamente metafísica.
ALUNO: Que é
alguma coisa de intermédio, como no poema.
É, alguma coisa
de intermédio.
ALUNO: Você fala
daquela autora que você disse que se chamava Longneck, que falava da divisão da Crítica da razão pura no século XX. Parece que a divisão cai bem no meio
dessa imagem também.
Sim, sim. Porque
a oposição entre o Heidegger e seus colegas de Malburgo, amigos e adversários,
é que na primeira versão da Crítica da razão pura, o movimento é mais
acentuadamente ascensório; a segunda edição é mais nitidamente descensória.
Quer dizer, o lugar da imaginação transcendental, a dimensão
psicológico-transcendental que o Heidegger… é obliterada em função da sua
dimensão lógica. Vocês lembram da última aula: não é nem lógico, nem
psicológico, é transcendental. Mas o Heidegger diz: a primeira versão é melhor
do que a segunda. Ele diz: a segunda versão é horrível. Porque na segunda
versão quando há o privilégio do lógico sobre o intuitivo, do conceitual sobre
o temporal etc. é aí que começa o idealismo absoluto, o neo-kantismo e o
positivismo que ignoram a dimensão metafísica essencial do Kant. Todos os
outros, os seus adversários dizem: a segunda versão é muito melhor do que a
primeira porque a primeira é psicológica, é antropológica, a segunda é
lógico-transcendental. E a Longueness diz: ambos estão errados, as duas versões
são exatamente…, não há divergência pro Kant, são duas maneiras de expor
diante de leitores diferentes. Quer dizer, é compreensível porque quando o Kant
faz a revolução copernicana, faz a Crítica da razão pura, todo mundo
diz: êpa, mais um idealista no sentido berkeleyano da palavra. E aí ele leva
dez anos. Porque embora toda a Crítica da razão pura pudesse…, ele
achava que o Berkeley ‘tava morto já na estética transcendental. Mas ele é mal
recebido, ele é mal interpretado. Ele é interpretado como um sujeito que acha
que não existe mundo, existe só eu. Entre uma e outra coisa, ele escreve os Prolegômenos,
que é uma obra mais didática em que ele tenta explicar mais pro leitor: olha,
eu não sou Berkeley e não sou Descartes. O meu o idealismo crítico é um
realismo empírico. É essa combinação complicada. Em princípio o idealismo e o
realismo se opõem radicalmente. Ele dia: a única maneira de escapar do dilema
entre o dogmatismo e o ceticismo é escolher o caminho da síntese entre um
idealismo crítico e um realismo empírico. Bom, a segunda versão acentua as
dimensões não, digamos, subjetivo-empírico-psicológicas-antropológicas e
acentua mais a sua dimensão lógica. A Beatrice Longueness insiste nesse fato.
Ela censura tanto o Heidegger, que desqualifica a segunda versão da Crítica
da razão pura, quanto, digamos o Peter Strawson que, por razões exatamente
inversas, desqualifica a primeira versão. Mas isso ‘tá fora do nosso âmbito de
questão. Não se trata de compreender o Heidegger nem de compreender o Strawson,
mas de compreender o Kant… Aí sai da nossa esfera. Mas o que eu queria expor
mais ou menos era isso que eu tinha sugerido na úlktiam aula.
Mas vamos voltar
ao nosso Martin Heidegger. Antipático, simpático. Desagradável e interessante.
Bom, obviamente, nós não vamos poder comentar o livro em toda a sua extensão.
Aquele índice horrível… O que eu tenho que apresentar pra vocês para, antes
do fim do semestre, chegar a uma espécie de quadro geral pelo menos
esquemático, a gente tem que percorrer alguns momentos da obra mas não pode
percorrer todos. Então, o livro tem quatro secções. A primeira secção nós
abandonamos de início, não comentamos. Nós dissemos: nossos comentários
anteriores esclareciam pelo menos parcialmente o que é dito. Depois nós
comentamos alguns parágrafos da parte Ada segunda secção e nossa questão é
agora, à medida em que o livro progride… O livro do Heidegger tem mais ou
menos o seguinte esquema: uma escada que vai subindo assim e os degraus vão
aumentando:
Basicamente
como se tudo o que está dito aqui fosse retomado aqui, fosse retomado aqui e
aqui, mas sempre de maneira mais aprofundada. Então depois de ter comentado
esquematicamente a 1a secção, o nosso problema é comentar a parte B.
Vamos ver se em duas aulas a gente atravessa uma parte desse negócio,
escolhendo alguns tópicos. Então, a parte B da secção 2 – a parte A nós
terminamos de comentar na última aula – se divide em cinco etapas. Trata-se do
projeto da possibilidade intrínseca da ontologia: as etapas da sua realização.
Trata-se, eurepito, de, a partir do Kant, e com a ajuda do Kant, mostrara a
possibilidade interna da ontologia; ontologia entendida não como metaphysica
specialis etc, mas como uma pergunta pelo Ser que não pode dispensar uma
interrogação por aquele que interroga, pelo sujeito finito. Uma ontologia da
finitude, digamos. Bom, dessas cinco etapas, a primeira etapa tem como título
“Os elementos essenciais do conhecimento puro” – ele vai falar da oposição
entre intuição e pensamento puro no conhecimento finito. Isso nós vamos pular
porque é mais ou menos o assunto que foi tratado nos parágrafos anteriores.
Quer dizer, ele dizia, grosso modo, era o quiasma. No fundo,e lê diz:
para o Kant existem duas fontes do conhecimento: intuição e conceito; mas ele
alude hipoteticamente a uma raiz comum e tal etc; e a nossa tarefa é continuar
nessa direção. Nós vamos pular um pouco. Talvez a gente volte depois, não sei.
Essa primeira etapa que nós vamos pular vai do § 9 ao § 12 do livro. Então, o
que nós nos propomos fazer hoje, é comentar alguma coisa do §13 ao § 15, são
seis páginas, não muito mais do que isso. Se o trabalho do pensamento é
interminável, o comentário do pensamento também é infinito, não acaba mais.
Mesmo porque ele nunca começa direito. No fundo, o meu comentário mimetiza de
maneira canhestra acho que o próprio movimento do texto. Pela sua démarche mais ou menos interrogativa e sempre recomeçar, repetir constantemente a mesma
questão mas em outros termos. Então o comentário é infinito. Então vamos à
página 117 na tradução francesa. Acho que vamos comentar não corridamente os
parágrafos. Vamos ler os parágrafos iniciais e os parágrafos finais de cada um
desses parágrafos. “A segunda etapa da instauração do fundamento: a unidade
essencial do conhecimento puro” Isto é, trata-se de mostrar que, a despeito
da duplicidade, do caráter duplex do conhecimento intuitivo-conceitual,
existe uma unidade intrínseca do conhecimento puro, existe alguma coisa que
garante a coesão entre sensibilidade e entendimento, entre intuição e conceito.
Ele começa assim: “Tomados separadamente, os elementos puros do conhecimento
são: o tempo como intuição universal pura e noções como aquilo que é pensado no
pensamento puro.” Você vê que ele nem fala do espaço. De uma lado você tem
a temporalidade que subsume obviamente a intuição espacial porque o tempo é o
sentido interno de um sentido externo, o contrário você não pode dizer. Ele
diz: e noções como aquilo que é pensado no pensamento puro. Eu sublinho o fato
de ele não utilizar aqui propriamente uma linguagem técnica. De um lado tem a
temporalidade, de outro lado tem noções. Quer dizer, algo que nós vamos
examinar adiante, mas que pertence mais à ordem do pensamento, da lógica, das
categorias. mas noções é uma maneira de dizer: bom, se a gente começa a coisa,
tem, de um lado, um negócio seguro – que é a temporalidade – e depois tem
alguma coisa que é mais ou menos problemática e complicada: essas noções do
pensamento puro. São duas coisas diferentes e que nós temos que mostrar que
elas nascem de uma mesma fonte. “Mas se o exame dos elementos tomados
separadamente não chega a captá-los adequadamente, sua unidade poderá ainda
menos ser obtida ligando-os ulteriormente.” Eu quero me abandonar à
impressão primeira e devolver a frase à as materialidade, por assim dizer, para
chegar à sua significação. Ele diz: bom, há essa dualidade e essa dualidade
será insolúvel, ficará problemática se depois de afirmá-la nós tentarmos
reconciliá-la a posterirori e encontrar depois, ulteriormente… É
preciso que nós, desde o início, tenhamos uma visão da origem comum ou do fundo
comum que torna possível a união entre esses membros díspares. É claro que eu
sublinho aqui a dimensão temporal do pensamento. O pensamento tem antes e
depois, tem origem – talvez aí mais uma vez: origem e fundamento. A origem tem
alguma coisa como: a partir do que você pergunta, como você pergunta e tem uma
ordem temporal, não é uma ordem lógica, tem o antes e o depois. se eu perguntar
tal coisa depois de ter decidido tal coisa, eu ‘tô frito. Eu tenho que
perguntar antes. Deixa eu ver se eu num ‘tô falando bobagem. “O problema da
unidade essencial do conhecimento puro ganha em acuidade se todavia não
quisermos nos deter na consideração negativa que esta unidade só pode ser um
liame atado de maneira puramente complementar entre os elementos.” O que
que é decidir ulteriormente? É, em primeiro lugar, definir os termos opostos –
intuição e conceito – e depois procurar uma mediação entre eles. se nós
seguirmos esse caminho, nós teremos perdido o caminho original que será antes
de interrogar a disposição dual intuição e conceito, perguntarmos pela origem
comum de intuição e conceito. “A finitude do conhecimento manifesta uma
ordenação intrínseca e original do pensamentoà intuição, ou inversamente, uma
necessidade para a primeira de ser determinada pela segunda.” Bom, isso é
repetição do que já foi dito. Quer dizer, o Kant começa por afirma que há duas
formas de conhecimento, uma imediata e outra mediata, e que a mediata (?) é
primitiva e que a segunda é complementar e que, não só é complementar como
aspira, de uma certa maneira…, ou seja, tudo se passa como se o
Heidegger‘tivesse querendo encontrar já na primeira frase da Crítica da
razão pura – de fato é uma frase impressionante, eu repito: todo
conhecimento ou é intuição (conhecimento imediato) ou conhecimento mediato, mas
todo conhecimento mediato, de uma certa maneira visa, há uma espécie de
privilégio.O conhecimento mediato não é um segundo conhecimento mas é uma
complementação necessária para dar a forma final do original que é a intuição. “A
pertinência recíproca dos elementos sublinha que sua unidade não pode ser
posterior a eles mesmos, mas que ela deve ser posta anteriormente neles e
servir-lhes de fundamento.” Bom, aqui, eu simplesmente já expliquei essa
frase. Nós não podemos religar duas formas de conhecimento estabelecidas como
diferentes; nós só podemos compreendê-las na sua divergência se partirmos do
seu fundamento comum. Deve ter um fundamento. Aquele fundamento a que o Kant
alude problematicamente, hipoteticamente e jamais chega lá. Mas que aqui o
Heidegger não está propriamente fazendo história filológica da filosofia, ele
‘tá repensando o Kant, ta refazendo a Crítica da razão pura. Então, pra
fazer aCrítica da razão pura corretamente, nós precisamos levar a sério
a primeira frase da Crítica da razão pura e não deixar para o hipotético
a raiz comum entre o entendimento e a intuição. “Esta unidade une os
elementos de maneira tão original que é pela unificação mesma que esses
elementos surgem com tais e mantêm sua agregação.” Eu gostaria de sublinhar
o uso do “original”. Digamos, a pergunta pelo fundamento não pode ser feita
senão pela pergunta da origem, a pergunta pelo fundamento da metafísica é a
pergunta pela origem da aparente dualidade, da duplicidade do conhecimento
puro. Essa origem vai nos permitir exatamente determinar a unidade essencial do
conhecimento puro que é pré-intuitivo-conceitual. Este pré-intuitivo-conceitual
que é puro garante a possibilidade da agregação entre intuição e conceito.
Existe alguma coisa que é anterior à diáspora entre intuição e conceito, que
‘tá por debaixo dessa oposição e que permite que elas possam se conjugar. “Em
que medida Kant consegue, partindo dos elementos, tornar manifesta de qualquer
maneira essa unidade original?” Bom, nessa frase obviamente ele manifesta
já a sua…, ele toma distância em relação à letra do Kant. Quer dizer, ele ‘tá
distinguindo entre a intenção do Kant, a intenção crítico-metafísica do Kant e
o desempenho da Crítica da razão pura. Porque essa pergunta é em que
medida a Crítica da razão pura realiza aquilo que ela deveria realizar.
Quer dizer, no fundo, ele se pergunta: será que a promessa contida na primeira
frase da Crítica da razão pura não é destruída pelo desenvolvimento que
o Kant deu à Crítica da razão pura? Nós já sabemos qual é a opinião
dele. (…) “Será que ele consegue manifestar essa unidade original a
despeito do fato de partir de elementos isolados?” No fundo, a pergunta
dele é mais ou menos a seguinte – que já é um decreto, né? Não precisa ler o
livro inteiro pra saber o que ele vai dizer – ele diz: o Kant foi na boa
direção e se perdeu de início. A despeito da sua primeira página, ele distingue
com tanta clareza a estética da analítica que ele não pode mais senão
hipotética e problematicamente dirigir-se à origem e ao fundamento do
conhecimento puro. Isto é, por isso que ele não consegue realizar a Crítica
da razão pura entendida como metafísica ou como ontologia original.
ALUNO: Além
disso, ele diz aqui no primeiro parágrafo que essa unidade, ela não pode ser
construída artificialmente, por meio do conceito…
Sim, sim. Isso
complementa o que eu disse, de fato. Eu só me referi ao antes e ao depois. Quer
dizer, eu quis fazer essa distinção entre o conceito e a intuição, mas eu
afirmo que o conceito e a intuição podem ser interligados, mas sou incapaz de
fazer isso. Mas eu sou incapaz de fazer isso (inaudível) porque o Kant vai ser
obrigado a fazê-lo no nível da analítica. Invertendo um pouco o privilégio da
intuição sobre o conceito.
ALUNO: A
metáfora que ele usa aqui é curiosa: “o laço que prende de maneira puramente
complementar esses dois elementos”, como se você estivesse amarrando…
É, ele ‘tá
amarrando coisas diversas. Você ‘tá quebrando um galho, você tem bananas e
laranjas e você consegue botá-las dentro de uma única sacola de plástico. Mas
você não consegue perceber a origem comum, o fundamentum ultimum da
unidade dos frutos. (…) Bom, é claro que a saída é a insistência na finitude
do conhecimento. “Kant caracteriza por uma primeira vez e de uma maneira que
prepara o exame posterior a unidade essencial original dos elementos puros na 3a.
secção do 1o. capítulo da ‘Analítica dos conceitos’, ou, mais
precisamente, na parte que é intitulada ‘Dos conceitos puros do entendimento ou
das categorias’.” Então ele diz: não, o Kant formula com clareza, no início
da análise das categorias o problema ele acrescenta: “A compreensão desse
parágrafo é a chave da compreensão da Crítica da razão pura como
instauração do fundamento da metafísica.” Então nós já sabemos qual é o
parágrafo do Kant que precisa ler pra entender o Kant. É A, 76-80; B, 102-105.
É um texto curto, a Crítica da razão pura é enorme. Você lendo esse
parágrafo, você vê o sol iluminar a totalidade da Crítica da razão pura.
Mas ‘tá localizado. Eu vou pular esse último parágrafo, vou passar pro 13
porque ele ‘tá preparando retoricamente, através de uma retórica muito
específica a sua punhalada no Kant que é ao mesmo tempo,ele acredita que é a
salvação do Kant. Então passemos já a “A questão da unidade essencial do
pensamento”, o § 13. Aparentemente, nós ‘tamo repetindo sempre a mesma coisa,
né? Estamos repetindo sempre porque o título do parágrafo é “A questão da
unidade do conhecimento puro” que é o nome de toda a 2a. etapa. Onde
ele diz o quê? “Se os elementos do conhecimento puro e finito são
essencialmente ordenados um ao outro, isso já impede que sua unidade seja
interpretada como o resultado de uma acumulação posterior a eles mesmos.” Bom, estamos repetindo. Digamos, pra se pegar um anti-modelo, o que ele ‘tá
dizendo é que a coisa ficaria preta se nós pensássemos hegelianamente. Se você
tivesse uma tese, uma antítese pré-dadas que se resolvem numa síntese que é
necessariamente posterior. Aí acho que dá pra opor o Hegel ao Heidegger de
maneira pertinente. Isto é, o Hegel diz: a verdade é o resultado, a verdade é
aquilo que vem depois. Quando o Hegel diz que a verdade é o resultado, ele não
‘tá ignorando a temporalidade, que tem antes e depois. Só que existe um
privilégio do resultado sobre a origem. Quer dizer, a arte já revela o
conceito, o Absoluto, mas de maneira imperfeita, de maneira complicada. A
religião, posterior à arte e ao mito, exprime a verdade daquilo que ‘tava
contido de maneira confusa ou contraditória na arte. E a filosofia, a do Hegel,
não qualquer uma é o fim da arte e é o fim da religião. Ou a realização da arte
e a realização da religião em outros termos, posteriores. Aqui nós temos uma
temporalidade invertida. No caso do Hegel você tem uma temporalidade essencial,
mas há uma teleologia que leva do menos claro ao mais claro, do contraditório
ao não contraditório. No caso do Heidegger, o que ele ‘tá dizendo é que, se nós
procedermos assim, nós só poderemos enlaçar artificialmente os termos
justapostos ou opostos. É preciso retornar para trás e encontrar o nascimento
comum, o quiasma de onde emergem essas coisas diferentes e, mais do que
diferentes, opostas. Quer dizer, quando eu lembro do Hegel aqui, eu acho que
não é tão insensato. Você pode falar em contradição entre intuição e conceito
porque, pelo menos, eles se contrapõem, eles se opõem. Então esta oposição não
pode ser resolvida ex- post, mas ela tem que ser dissolvida numa origem
comum. E provavelmente a crítica que ele faz do Kant é que o Kant, de uma certa
maneira, tropeça, dá uma deslizada. Ele não completa perfeitamente a sua
tarefa. “Como as noções, na medida em que elas dependem da finitude do
conhecimento, na medida em que essas noções são essencialmente ligadas à
intuição pura, e como essa ligação da intuição e do pensamento puros constitui
a unidade essencial do pensamento puro, a delimitação essencial da categoria em
geral fornece, por isso mesmo, um esclarecimento sobre a possibilidade
intrínseca da unidade essencial do conhecimento ontológico.” Isto é, ele
‘tá dizendo, não vamos antecipar nada, é neste capítulo da abertura das
categorias que o problema da unidade do conhecimento puro é resolvida. Eu já
disse pra vocês, não precisa ler a Crítica da razão pura toda, não. Só
essas cinco páginas que pronto, ‘tá resolvido. Mas eu ‘tô cheirando aqui que
ele ‘tá apontando aqui um erro. Não é no nível das categorias que você poderá
fazer a tarefa que Kant se propôs a realizar. “Mas antes disso, convém
precisar ainda a questão, ela própria.” Isto é, antes de mergulhar na
análise desse texto crucial do Kant, ele diz: não, é preciso antes que nós
repitamos a nossa questão. “A separação prévia desses elementos escondeu e
tornou irreconhecível o fato de que sua unidade serve de fundamento e a maneira
pela qual ela assegura essa função.” Isso aqui já é nitidamente crítica,
né? Tudo se passa como se no caso do Kant a arquitetura da análise do
conhecimento finito partisse precipitadamente de uma distinção entre fontes
diferentes do conhecimento que tornam irreconhecível a origem comum desses dois
fundamentos e da própria finitude do conhecimento humano. Estamos nos
repetindo. “Que a análise mantenha a tendência a revelar a unidade original,
não basta, no entanto, para garantir a plena captação desta.” O que ele ‘tá
dizendo é: não basta nós procurarmos a origem comum para termos garantido que
nós a encontraremos. “Ao contrário, o rigor com o qual a separação tiver
sido efetuada e o caráter inteiramente particular do segundo elemento, que é o
elemento conceitual, caráter que se encontrará mais ainda sublinhado depois
pela separação deixam prever que a cisão não poderá ser completamente anulada,
de maneira que, para terminar, a unidade não se encontrará, a despeito de tudo;
não será desenvolvida explicitamente a partir de sua origem própria.” Ele
confirma aqui aquilo que eu ‘tava chutando. O Kant começa bem e começa mal.
Começa por acentuar o privilégio da intuição, o caráter secundário… e depois
estabelece uma dualidade e restabelece nas categorias a síntese, perdendo a
fonte comum dos dois elementos e perdendo o essencial do que é digno de ser
pensado quando você pensa a respeito do conhecimento ou da sua finitude, sobre
a essência do conhecimento e sobre o caráter essencialmente finito do
conhecimento e aquilo que daí deriva para o sentido do Ser, para o sentido do
Ser homem, do mundo e assim por diante. Bom, vamos pular esse parágrafo, vamos
passar diretamente porque há esse caráter ruminante do comentário do Heidegger
que eu acho melhor nós irmos diretamente até o fim da nossa aula pra ver se
percorremos parte, pelo menos, do §14, “Síntese ontológica”. Bom, eu quero
sublinhar pra vocês uma questão de linguagem. A expressão “síntese ontológica”
obviamente não ocorre jamais no texto do Kant. Aí é uma intervenção do
Heidegger como leitor tentando resgatar na obra do Kant aquele aspecto mais
crucial da crítica kantiana que o próprio Kant, de uma certa maneira, deixou
escapar. O Kant não fala em ontologia, não faça em síntese ontológica, fala em
condições de possibilidade do conhecimento, dos limites da razão e assim por
diante. Mas, em todo caso, sublinho que o título já é um título indicativo de
que nós heideggerianizaremos daqui pra diante, espero, I hope. “A
questão da unidade essencial da intuição e do pensamento puros resulta da
separação prévia desses elementos. Desde então, podemos esboçar o caráter de
unidade que lhes pertence mostrando como cada um desses elementos exige
estruturalmente o outro.” Quer dizer, a linguagem muda e começa a entrar em
jogo a linguagem da fenomenologia. Quando você fala em síntese ontológica… O
Husserl original fala de ontologias regionais, fala de ontologia formal, não
fala de ontologia no sentido do Heidegger. Mas, quando você fala em unidade
estrutural, bom, nós podemos dizer que não precisa ser heideggeriano pra
falar…, você pode ser até kantiano. Eu volto a insistir na distinção clássica
e presente no Kant entre agregados e todos. Aquele negócio: a classe hoje tem
vários alunos que não estão presentes, mas a classe ‘tá aí. A classe, feliz ou
infelizmente, não sei, é um agregado. Agora uma montanha e o vale não são um
agregado. Porque aí as partes se necessitam uma à outra. Sem uma, a outra
desaparece. (Inaudível) Sim, mas o Descartes já dizia isso, o Wittgenstein vai
dizer isso. Existem ligações essenciais entre cor e extensão, por exemplo. Eu
não posso pensar uma cor sem espaço. Não posso imaginar o tom grave sem som.
Então, o que ele ‘tá querendo dizer é que, ao contrário de termos conflitantes
que é preciso reconciliar, reatar de uma certa maneira, ou cuja oposição deve
ser superada por uma síntese posterior, como no caso da dialética, os elementos
diferentes do conhecimento finito são partes de um todo estrutural, se exigem
reciprocamente. Não é preciso atá-los porque um exige lógica ou estruturalmente
ou a priori o outro. Portanto ambos fazem parte de um mesmo todo, ambos
têm a mesma origem. Aí dá pra pensar o outro sentido da palavra origem, por
exemplo, a origem do vale é a montanha ou vice-versa. “Eles manifestam as
junturas que anunciam previamente a possibilidade de seu encaixamento.” Isto é, cada um desses elementos, que são apresentados como heterogêneos – nada
mais diferente do que a intuição e o conceito – cada um desses elementos
manifesta…, em vez de ser assim: , é mais ou
menos
assim: , em vez de duas caixas que você não sabe como
juntar, só botando no mesmo saco plástico… não, você tem dois elementos cuja
estrutura, cujos limites desenham o seu encadeamento com o outro elemento. Por
aqui é você fazer assim (aproximar as duas últimas figuras) que você tem uma
única coisa. Não é que ela foi juntada… sim, foi juntada aqui na metáfora que
eu usei, que eu usei a metáfora de jogo de criança, de quebra-cabeça. Então a Crítica
da razão pura é um quebra-cabeça. Mas um quebra-cabeça tem uma articulação
que é puramente mecânica. Quer dizer, eles podem existir disjecta membra,
podem existir separadamente. Porque se você reúne em caráter mais ou menos
arbitrário. Você diz faz um belo quadrado e tal, mas você pode juntar com
outras peças. Quer dizer a metáfora não é boa.
ALUNO: Mas se
elas existirem separadamente não formam a figura, o desenho do quebra-cabeça.
Por isso que eu
usei essa metáfora. Mas essa metáfora é insuficiente porque quando você fala em
juntura, você não pode entender espacial-quebra-cabeçalmente porque aí a
totalidade é um agregado. Não há nada na essência da peça A que exija sua
junção com a peça B. É preciso que elas sejam co-naturais.
ALUNO: E aí a
gente retorna à montanha e ao vale de novo.
É. Mas se bem
que esse exemplo aqui é bom pra dizer que a junção… são elementos diferentes
mas que manifestam já nos seus limites “eles manifestam as junturas que
anunciam previamente a possibilidade de seu encaixamento”. Ele usou uma
metáfora do tipo quebra-cabeça. Junturas e encaixamento é exatamente isso
daqui.
ALUNO: Mas é
engraçado: esse encaixamento me dá a idéia de sínteses, de duas coisas que se
encaixam.
Não, mas é
síntese. O título do capítulo é “A síntese ontológica”. O que ele quer dizer é
que você não tem que alinhavar, como ele insistiu, amarrar duas coisas
diferentes juntas, mas você tem que encaixar duas coisas que estão previamente
predispostas, não por harmonia pré-estabelecida – porque você poderia pensar em
harmonia pré-estabelecida, como no Leibniz. Bom, não é esse o caso aqui. Porque
harmonia pré-estabelecida pressupõe um ser infinito que projeta o melhor dos
mundos possíveis em todas as coisas combinam-se.
ALUNO: Feitos um
para o outro…
É. Não é o caso.
Nós estamos dentro do finito e nós ‘tamos apontando na direção de uma síntese
ontológica, de uma unificação originária do ser do conhecimento puro que é em
princípio (inaudível).
ALUNO: E aí
difere do Hegel porque não é uma síntese a posteriori, mas é uma
síntese prévia.
Sim, eu tenho a
impressão que sim. São duas temporalidades rigorosamente diferentes.
ALUNO: Mas então
o movimento não seria inverso, quer dizer, existe um bloco que é desmembrado?
Não, mas aqui
ele ‘tá regredindo da expressão kantiana para aquilo que o Kant não alcançou
(…).Provavelmente ele vai dizer: não, não é nem uma coisa nem outra. Porque
essa metáfora que eu usei, que ele usa tambémé mecânica, não implica em
totalidade, não implica em origem comum. Por isso que ele fala de síntese
ontológica. Quer dizer, é preciso que um certo tipo de ser produza… Synthesis,
aí é bom a gente pensar um pouco na expressão. Syn-thesis em grego, o
que que é isso aqui? Isso aqui é “pôr junto”. Análise é pôr lado a lado.
Síntese é pôr junto. Você tem a síntese predicativa, a síntese… Mas a idéia
de pôr, a palavra síntese, você pensa na síntese proposicional, apofântica,
cognitiva e tal etc. Mas você pode pensá-la ontologicamente como posição, que
põe no Ser (???), põe junto. Síntese ontológica, o que quer dizer isso? Síntese
ontológica é junto-pôr, porque justapor não é uma boa palavra porque implica
numa exterioridade, junto-pôr no Ser. Na verdade, aquilo que nós ‘tamo
caminhando é pra uma certa interpretação da análise que o Kant faz da subjetividade
finita do homem como aquela subjetividade que põe no mundo, que pressupõe o
Ser, mas que, para poder fazê-lo, põe junto intuitivo-logicamente. Essas coisas
são um pouco… Aqui eu posso delirar também um pouquinho, né? u também tenho
direito. Vamos ver se ele nos confirma. “A síntese veritativa é, desde
então, aquilo que não somente relaciona esses elementos um ao outro
encaixando-os, mas ainda aquilo que desenha previamente a possibilidade do
próprio encaixamento.” Bom, na verdade, como vocês vêem, eu não li o texto
fazendo o comentário, mas o meu comentário ‘tá sendo confirmado pelo Heidegger.
Quer dizer, ele deu um passo adiante, não é juntar, não é simplesmente
encaixar. A síntese veritativa (?) não é simplesmente um emboîter,
encaixar, mas desenhar previamente a possibilidade do próprio encaixamento.
Pré-supor, pré-pôr junto. Eu falei de posição do mundo, de pré-posição, mas, de
uma certa maneira, é mais ou menos isso. Antecipar, não encontrar elementos que
eu possa encaixá-los porque o acaso quis que eles tivessem formas que
permitam…, mas que o pensamento puro antecipa em si mesmo o acordo
espontâneo, o encaixamento espontâneo dessas duas funções que deixar de ter
origens diferentes. Elas têm uma origem comum. “É por esta razão que Kant
introduz a exposição da unidade essencial do conhecimento puro pela
consideração seguinte: (…).” Aí vem um texto longuíssimo do Kant que eu
vou ler pra vocês, não vou comentar em detalhes. A 76 ss, B 102. É daquele
parágrafo que ele ‘tá começando a comentar agora. O Kant diz: “A lógica
transcendental, ao contrário, encontra diante de si o universo da sensibilidade a priori que a estética transcendental lhe fornece para dar-lhe uma matéria
aos conceitos puros do entendimento. Sem essa matéria, ela seria desprovida de
todo conteúdo e, por conseguinte, absolutamente vazia.” Volta à tese
kantiana: a intuição sem conceito é cega, o conceito sem intuição é vazio.
Dizer, cada um dos elementos do conhecimento é inútil – um é cego e o outro é
vazio – as duas origens do conhecimento não são formas de conhecimento, quer
dizer, elas só são conhecimento puro juntas. “Ora, o espaço e o tempo
encerram o diverso da intuição pura a priori mas não fazem menos parte
das condições de receptividade de nosso espírito (Gemüt), condições que
lhe permite – e só elas – receber representações de objeto e que, por
conseguinte, devem também afetar o conceito. Mas apenas a espontaneidade de
nosso pensamento exige que esse diverso seja de início, de uma certa maneira,
percorrido, reunido e ligado para dele ter um conhecimento. Esta ação, eua
chamo de síntese.” O que o Kant diz aí? Bom, o conceito é cego, a intuição
é vazia . O que é preciso pensar é a que que indica essa dupla – isso tudo por
defeito, né? O entendimento finito humano abandonado a si mesmo é vazio. A
intuição finita do homem sozinha… É preciso que a receptividade da intuição
reúna ou totalize um material sobre o qual o conceito pode se aplicar. Conceito
de um lado, intuição de outro; espontaneidade de um lado, receptividade do outro
lado. Isso é legítimo Kant. Bom, é o Kant quem está dizendo. Interessa saber
como é que o Heidegger comenta. Ele diz: “A dependência recíproca da
intuição e do pensamento puro é aqui introduzida de uma maneira espantosamente
exterior. A bem dizer, a lógica transcendental não encontra diante dela o
diverso puro do tempo.” Vejam bem: aqui ele já ‘tá brigando com o Kant. Ele
não ‘tá brigando como Kant, ele ‘tá brigando com a interpretação que o Kant deu
a seu próprio pensamento. O importante no pensamento do Kant é o impensado,
aquilo que ele chegou perto mas não chegou a pensar que é o que o Heidegger
quer dizer, como já disse no Ser e tempo. Mas aí continuamos um pouco
repetitivos, não tem outro jeito. “A bem dizer, a lógica transcendental não
encontra diante dela o diverso puro do tempo. Mas que esse diverso seja
apresentado ao pensamento puro depende da estrutura essencial do pensamento
puro, tal como a analisou a lógica transcendental.” Vamos comentar uma
coisa nessa frase aí. Qual é a objeção? A objeção do Heidegger é a objeção à
primeira frase do Kant. O Kant diz: “A lógica transcendental, ao contrário,
encontra diante dela um diverso da sensibilidade a priori (inaudível).” O
que o Heidegger diz é que essa expressão é muito infeliz. No fundo, ele diz:
essa expressão é muito infeliz porque a lógica transcendental não encontra
nada. De uma certa maneira, ela está condenada a se debruçar sobre si mesma
sobre o mundo.
ALUNO: No caso
das idéias da metafísica, essa lógica transcendental não se dirige ao mundo? Um
horizonte que não esse diverso da sensibilidade? No caso da ilusão da
metafísica…
Não, não. A
dialética transcendental tem a metafísica, agora a lógica transcendental, não.
A lógica transcendental é a teoria dos juízos, das categorias e dos princípios.
A aplicação do entendimento à intuição para a produção de objetos. Tudo se
passa como se o Heidegger ‘tivesse criticando aqui uma espécie de pragmatismo
do Kant. Eu ‘tô me inspirando na escrita, na materialidade, significatividade
material, explorando um pouco as metáforas. Encontrar-se diante de, encontrar
diante de si… Você encontra algo que é exterior a você. Você encontra um
tesouro. Por exemplo, os epistemólogos, há uns tempos atrás, falavam daquele
princípio indiano, aquele que encontra por acaso um tesouro. A parábola do
príncipe hindu que está procurando uma coisa que não existe e encontra um
tesouro que ele não esperava. (…) Os epistemólogos utilizam para enfatizar a
instância da descoberta e não da… Porque se pode pensar a epistemologia ou do
ponto de vista da descoberta ou da demonstração, justificativa etc. O segundo
pólo valoriza a estrutura lógica da ciência; o primeiro pólo justifica o
caráter aleatório da criação, da invenção. Mas aí criação não se opõe a
descoberta. O que todas essas metáforas encontram diante de si remetem a uma
exterioridade entre aquele que encontra e aquilo que é encontrado. O príncipe
indiano não queria encontrar o tesouro, encontrou por acaso. O que o Heidegger
‘tá dizendo é que a lógica transcendental não encontra coisa nenhuma. Porque
quem encontra alguma coisa poderia não encontrá-la, poderia desencontrá-la. Mas
que ela, por assim dizer, está condenada, por sua própria estrutura na não
encontrar. Qual seria o verbo? A mostrar. A demonstrar o que é mostrável, mas
não encontrar. Acho que é mais ou menos isso que o Heidegger vai dizer.
ALUNO: Deixa eu
ver se eu ‘tô entendendo. Na medida que precisa… O conceito sem
sensibilidade, a intuição sem conceito… É sempre um movimento que não
possibilita o surgimento de algo fora das categorias. O encontro seria isso que
poderia vir ao sujeito sem um conceito prévio…
É, vindo de
fora. Mas vamos dar a palavra ao Heidegger que talvez explique melhor do que
eu. “A bem dizer, a lógica transcendental não encontra diante de si o
diverso puro do tempo. Mas que esse diverso seja apresentado ao pensamento
puro, deriva da estrutura essencial do pensamento puro, tal como a analisou a
lógica transcendental.” Ele não encontra por acaso fora de si, mas deriva
de sua própria estrutura tal como a análise lógica do entendimento mostra. Mais
uma vez é o vale e a montanha. Não é que todo conceito é cego,toda intuição é
vazia, mas, dito de outra maneira, não conceito sem intuição, não há intuição
sem conceito. Eles fazem parte de uma unidade prévia. “Correlativamente, não
é verdade que a estética transcendental forneça o diverso puro, mas é a
intuição pura que, por natureza, é fornecedora e que o é com intenção do
pensamento puro.” Quer dizer, a intuição está condenada, de origem, ao
conceito. Ou melhor, vamos começar pelo principal. Terminar no principal. O
entendimento está condenado à intuição porque sua estrutura mesma o leva não a
encontrar casualmente um elemento quase empírico, mas algo que deriva da sua
própria essência. Assim como a intuição, ela própria é espontaneamente
fornecedora de informações para o entendimento. Faz sentido isso ou não? Quer
dizer, é uma concepção… Aqui ele ‘tá insistindo mais uma vez na unidade
radical. “O caráter desse dom puro…” Aqui é preciso insistir no
vocabulário. Quer dizer, ele ‘tá distorcendo a linguagem do Kant para encontrar
por sobre ela uma linguagem mais de tipo fenomenológico em que a idéia de
doação, doação de sentido – que tem um duplo sentido: a consciência dá sentido
às coisas, mas na fenomenologia há também uma espécie de síntese passiva em que
ela é conhecida como uma doação.
ALUNO: A
síntese passiva aqui é realizada no sujeito.
No sujeito. Ele
recebe, ele é passivo. É mais ou menos isso que ele ‘tá dizendo aqui. Não é
encontro, é doação. E a intuição doa. O entendimento que é espontâneo. Bom,
porque normalmente a intuição é passiva. A intuição é receptiva, o entendimento
é espontâneo. Isso todo mundo sabe. Mas aqui nós ‘tamo dizendo mais ou menos
que a intuição doa ao entendimento aquilo de que ele necessita pro
conhecimento. Mesmo porque na primeira frase da Crítica da razão pura,
todo conhecimento é intuição ou tende a ser. Eu queria insistir nessa palavra
de dom ou de doação. “O caráter dessa doação pura toma ainda uma forma mais
acentuada quando o Kant a designa como uma afecção, termo que não visa uma
afecção dos sentidos.” Bom, doação aí, o sujeito recebe, né? Que a
sensibilidade dá ao sujeito pensante. Não é o mundo que ‘tá dando coisa
nenhuma. Nós não ‘tamo no nível dos dados empíricos. Os dados empíricos doam o
fato. Mas aí eu encontro. Daí é um dado, não é uma doação. Que essa cadeira
seja azul e não vermelha, é um dado. Agora que ela seja espacial é uma doação
que eu não posso recusar. Então como que se inverte a relação entre
espontaneidade e entendimento e receptividade e sensibilidade. Você tem uma
sensibilidade doadora. Que é mais ou menos parecido com a tal da síntese
passiva. (Inaudível) “Enquanto essa afecção pertence sempre ao conhecimento
puro, ela significa que nosso pensamento puro está sempre colocado diante do
tempo que o afeta. A possibilidade disso não é imediatamente clara.” Qual é
a inferência que ele ‘tá querendo fazer aqui? A sua pergunta se referia ao
tempo…
ALUNO: É, a
relação como esquematismo…
E eu disse pra
você: bom, isso a gente só vai esclarecer mais tarde, não vai ser agora. Mas é
um elemento. Nós cancelamos a idéia de encontro e substituímos pela idéia de
doação, de uma doação da sensibilidade ao entendimento. Parece meio esquisito,
né? Porque a espontaneidade e a receptividade parecem inverter os seus papéis.
Mas o que ele ‘tá querendo dizer, ele ‘tá querendo traduzir o Kant, não é que a
lógica transcendental encontra diante de si a multiplicidade intuitiva, mas que
o pensamento puro está sempre colocado diante do tempo que o afeta. Assim como
na primeira frase há um privilégio da intuição, do conhecimento imediato sobre
o conhecimento mediato, aqui ‘tá começando a se esboçar uma espécie de
privilégio da intuição sobre a atividade lógica do entendimento. Quer dizer, a
atividade lógica do entendimento, de alguma maneira, não encontra, mas recebe e
é de alguma maneira constituída – constituída é uma expressão um pouco forte
demais, né? – determinada pela sensibilidade, isto é, pelo tempo. “A
possibilidade disso não é imediatamente clara.” Ele diz: o Kant usou essa
expressão equívoca, eu não ‘tô entendendo coisa nenhuma, então a gente tem que
modificar, é doação e tal etc. A doação da temporalidade ao entendimento, mas
isso eu não sei (inaudível).
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