Heidegger: Kant e o Problema da Metafísica – Aula 6

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

Curso sobre
Heidegger:

Kant e o problema da metafísica – aula 6

 2o.
semestre de 2004

 Professor Bento Prado Jr.

Material Enviado por José de Medeiros Machado Jr.

ÍNDICE

Data da aula 

 

26/11/2004

Nós passamos pra
comentar o A questão na direção do que é uma coisa. Que foi publicado em
62, essa edição é de 1975. Mas que são cursos que ele deu em 35-36. Então tem
essas fases, né? O que nós fizemos foi interromper a nossa leitura do Kant e
o problema da metafísica
para mergulhar um pouco numa página do Das Ding pra esclarecer o nosso ponto de partida, pra recomeçar o curso. Nós falamos da
circularidade entre origem e fundamento etc. Hoje nós vamos fazer uma volta pra
trás. Porque o Kant und das Problem der Metaphisik foi um curso que ele
deu antes de 35, é claro. É de 29.. Ele foi editado pela primeira vez em 29-30.
Mas um ano antes, quer dizer, no semestre de inverno de 27-28, ele deu um curso
que depois foi transformado em livro publicado só em 1977. Mas é um curso que
tem como título Interpretação fenomenológica da Crítica da razão pura.
No fundo, esses três livros são três cursos dados, esses dois, um é exatamente
um antes do outro e esse é com um breve intervalo. Entre esses anos, há uma
mudança de perspectiva. O que nós sugerimos é que não é tão crucial assim, como
normalmente se diz, como se o Heidegger pós-35 não fosse tão essencialmente
diferente do Heidegger de origem. Mas em todo caso aqui os dois cursos sobre o
mesmo assunto… Mas é claro que esses cursos não são repetição. Do nosso ponto
de vista, cada um desses livros apresenta vantagens diferentes. Pra quem se
pergunta como o Heidegger recebeu o Kant, esses três livros são importantes e
são importantes de maneiras diferentes, porque têm estruturas … (inaudível) E
nós vamos voltar duas páginas do primeiro livro, a Interpretação
fenomenológica da Crítica da razão pura
porque trata-se de duas ou três
páginas em que ele expõe os limites da Crítica da razão pura, talvez
mais nitidamente do que no Kant e o problema da metafísica. Como se no
texto anterior ele fosse, pelo menos em algumas páginas, mais crítico em
relação ao Kant do que … Bom, é claro que todos vocês sabem que, ao comentar
o Kant e o problema da metafísica nós insistimos no fato de que
Heidegger diz que o Kant pára a maio caminho na sua tarefa. Ele reconhece no
Kant a restauração da pergunta metafísica, mas ao mesmo tempo ele aponta para
alguma coisa que o Kant não é capaz de formulação, que o Kant não é capaz de transpor
… (inaudível) Grosso modo, ele não se interroga sobre a raiz da
sensibilidade e do entendimento na imaginação, que implica imediatamente em
temporalidade. Então, eu não ‘tô querendo dizer que no Kant e o problema da
metafísica
não há indicações daquilo que aparece aos olhos do Heidegger
como a limitação da boa pergunta, há uma espécie de desvio, de interrupção da
boa pergunta. Justamente no Interpretação fenomenológica da Crítica da razão
pura
, nós temos umas três páginas que são consagradas exatamente a essa
deficiência, sistematicamente. Depois, nós vamos voltar àquele parágrafo final
do Das Ding, que nós comentamos na aula passada. Vocês se lembram que
nós encerramos comentando a circularidade da prova, a projeção para trás e a
transcendência do objeto. A boa circularidade kantiana (?) … (inaudível) Que
é a análise do  sujeito finito é uma análise tal que nós estamos sempre na
metade, estamos sempre entre homem e coisa, ou melhor, que nós devemos sempre
nos mover entre homem e coisa. Homem e coisa são perfeitamente
interdependentes. E que esse meio, esse entre homem e coisa só existe, não
antecede o homem e a coisa, mas só se abre por assim dizer na medida em que nós
nos movemos entre o homem e as coisas. Mas sobretudo a última frase é que este
meio, este entre-dois, não está tendido como uma corda da coisa ao homem, mas
que esse intervalo enquanto pré-captação estende o seu objeto de captação para
além da coisa, ao mesmo tempo que, num movimento de recuo, no retorno ele tem
uma preensão atrás de nós. Grosso modo, eu tenho homem e coisa, ele
insiste no entre, entre um e outro. Este entre, este movimento não existe antes
do movimento entre homem e coisa, mas que esse movimento implica num movimento
para aquém do homem e para além da coisa.

(…)

Literalmente,
pré-preensão.

 

ALUNO: Tem o
sentido de avançar de um ponto pra outro.

 

Em todo caso, wurf é projetar Rückwurf, lançar para trás. Então, a pré-preensão, no
sentido de antecipação do objeto, é um mergulho para trás. Vamos ver como foi
que eles traduziram: “a pré-captação é retrojeto”.

 

ALUNO: No fundo,
tomando o seu desenho lá, ele ‘tá querendo dizer que ir pra além e ir pra aquém
são a mesma coisa.

 

Daí a
circularidade. Mas o que é interessante é o seguinte. É que eu na verdade
insisti talvez um pouco contra o movimento geral do pensamento do Heidegger, eu
falei da circularidade entre origem e fundamento. Porque é a mesma
circularidade… Você pode pensar essa retrojeção como um movimento de
circulação, não é? Do pré-subjetivo ao pós-objetivo. A descoberta do horizonte
que é propriamente transcendental … (inaudível) Porque, para explicar esse
conceito, nós falamos da circularidade entre a questão quid facti e a
questão quid juris. Porque a circularidade é a experiência que é fundada
e que fundamenta os princípios. Não é um círculo vicioso. Você não precisa
evitar esse círculo, você tem que entrar nesse círculo. Mas eu aproximei, na
leitura tradicional, epistemológica do Kant, eu falei: bom, a circularidade
entre a questão quid facti– a física do Newton é verdadeira – e a
questão quid juris – como é possível que a física newtoniana seja
verdadeira, como é possível que o espírito legisle sobre algo que ele não cria.
Eu dizia: bom, grosso modo, de uma certa maneira, essa fundamentação da
física, ela própria é fundada pela física. Como se a física newtoniana fosse
uma espécie de prova da Crítica da razão pura. Ora, justamente é essa
aproximação da reflexão crítico-transcendental com o argumento jurídico, quid
juris
, que é colocada em questão pelo Heidegger no curso do inverno de
27-28, que eu quero comentar com vocês pra neutralizar um pouquinho um eventual
desvio da minha leitura. Trata-se do parágrafo 23 que abre o capítulo segundo
do livro, da segunda secção do livro. O livro tem duas secções. O segundo
capítulo da segunda secção, o parágrafo 23. Eu vou direto para a pergunta.
Trata-se de esclarecer, de revelar, de desvendar a origem das categorias com
iluminação de seu caráter ontológico, isto é, a Dedução Transcendental não é
epistemologia, é ontologia… (inaudível) O momento da metafísica. Esses termos
são intercambiáveis nesse momento. Então o problema é da dedução transcendental
das categorias. O que ele vai colocar em questão, talvez mais claramente nesse
livro do que no Kant e o problema da metafísica, é o caráter jurídico da
Dedução Transcendental. No fim do parágrafo 23, ele formula a questão que me
parece importante no momento desembrulhar. Questão: “Por que Kant imagina
receber esse emprego da língua jurídica em suas meditações transcendentais
ontológicas?Como pôde ele transportar as idéias metódicas (?) pertencentes a
uma ciência singular determinada numa pesquisa que justamente tem por tema a
possibilidade daquilo que subjaz
a priori ao fundamento de toda ciência
curricular (?)
”. No fundo, o uso da linguagem jurídica é problemático. É
problemático porque a questão transcendental ontológica precede, na tradição da
fenomenologia, as ontologias regionais que fornecem o horizonte das diferentes
ciências particulares. Eu não ‘tô negando que há uma ciência do direito …
(inaudível) Mas, pra saber o que que é a justiça, o que que é a virtude, o que
que é o objeto material,  o que que é o ser vivo, antes dessas questões eu
preciso saber o que que é o Ser, o que que é Ser e não ente. Aparentemente, ao
usar a linguagem jurídica, o Kant ‘tá lançando mão do instrumental de uma
ciência particular pra fundamentar todas as ciências em geral. A primeira parte
desse parágrafo tem como título: A pretensão ao conhecimento sustentada pela
metafísica dogmática como ocasião da
quaestio juris. (Inaudível) Ele liga a quaestio juris  à pretensão ao conhecimento pressuposta pela metafísica
dogmática. De uma certa maneira, há um certo compromisso entre a quaestio
juris
e o … (Inaudível) “Aos olhos de Kant, existe uma certa analogia
entre sua problemática do conhecimento ontológico e a dos jurisconsultos
”.
De fato, a questão pelo fundamento das ciências tem um parentesco pelo menos
formal com a pergunta pelo direito de um certo fato. Como assim? Qual é a consistência
dessa analogia? Essa analogia, nós demos de barato na última aula, né? O que
ele vai botar em questão agora é a validade, a consistência dessa analogia. “Lembremos
brevemente o que foi notado de maneira gral, no início do presente curso sobre
a posição kantiana do problema da metafísica e essa terminologia jurídica será
mais fácil de compreender
” Precisa voltar pro começo pra entender essa
curiosa articulação entre ontologia e ciência do direito. “A tarefa que Kant
se atribui – uma refundamentação da metafísica como ciência ôntica do
supra-sensível – se concentra sobre a refundação da possibilidade de um
conhecimento ontológico como fundamento
”. Vocês acharão talvez estranho a
idéia da refundamentação da metafísica como ciência ôntica do supra-sensível.
Porque aparentemente não há mundo inteligível. A crítica kantiana proíbe a
idéia de intuição intelectual, de um acesso imediato a essências. Alguma coisa
como um anti-platonismo radical. Quando você fala de mundo supra-sensível, você
pensa no Platão imediatamente. Mas obviamente está se pensando aqui na ciência
ôntica do supra-sensível, a Analítica Transcendental. Sem falar na Crítica
da razão prática
e na Crítica da Faculdade de Julgar que são, por
definição, supra-sensíveis, pressupõem uma instância supra-sensível. Se
concentra sobre a refundação da possibilidade do conhecimento ontológico como
fundamento, fundações necessárias a todo conhecimento ôntico. Quer dizer, o
nosso problema é o seguinte: como é que a questão do Ser pode ser interrogada a
partir de uma certa concepção de um certo tipo de ente: o ser do direito.
Quando a metafísica quer fundar toda e qualquer forma de conhecimento ôntico. O
caminhar em direção ao fundamento da metafísica ou da ontologia é caminhar em
direção ao fundamento do conhecimento ôntico. No limite, o conhecimento
científico. “Tanto sua problemática é aliás autárcica quanto Kant…
Autarquia do quê? Autarquia da metafísica. Autarquia da metafísica em relação
às disciplinas ônticas, às ontologias regionais. “Tanto sua problemática é
aliás autárcica quanto Kant, mesmo quando não polemiza, permanece polemicamente
orientado
”. Polemicamente orientado contra o quê? Quando o Heidegger fala
“polemicamente”, não é no sentido de dizer que é um espírito de porco que
procura defeitos, que procura razões de discussão a todo custo, mas no sentido
de um debate fundamental. Isto é, não é uma guerra por questões de prestígio,
por questões de menor importância. A polêmica é a polêmica sobre o sentido do
Ser. E esse debateé sustentado com a metafísica teórico-dogmática que nós
caracterizamos de maneira … (inaudível) Não é por má vontade que o Kant
polemiza. Ele polemiza necessariamente e essa polêmica é essencial, ele
polemiza contra a metafísica dogmática. Dizer isso é dizer algo que está mais
ou menos na cara de todo mundo. “Essa metafísica teórico-dogmática tenta a
partir dos conceitos mais universais do entendimento, ou seja, com a ajuda das
categorias consideradas como formações por assim dizer puramente lógicas,
estabelecer alguma coisa sobre o ente supra-sensível ele próprio. Ela se arroga
o conhecimento do ente sem poder atestar ou pôr à prova a legitimidade do uso
dos conceitos de que ela se serve
”. Quer dizer, a metafísica dogmática,
através de um passe de mágica projeta conceitos universais como evidentes por
si mesmos… Pensemos em Leibniz: princípio de identidade, princípio de
não-contradição, princípio do terceiro excluído, princípio de razão suficiente.
Nessa progressão de princípios lógicos, eu vou ser capaz de captar a totalidade
do mundo, do real e a própria infinitude do Deus criador. “Por conseguinte,
trata-se bem, nessa metafísica teorético-dogmática que Kant combate, de certas
pretensões, portanto, do objeto de um negócio possível
”. Um affair.
Um negócio, uma tarefa, digamos. Ele ‘tá questionando justamente: o que o Kant
‘tá polemizando é contra o fato da metafísica dogmática não questionar, não
colocar em questão o seu ponto de partida. Aqui, se trata de pôr em
questão, ou de polemizar certas pretensões. Por isso mesmo, a crítica a essas
pretensões exige o esclarecimento do fundamento do direito pretendido
”.
Isto é, criticar as pretensões da metafísica dogmática é perguntar pelo direito
dessa metafísica dogmática realizar as operações que ela realiza, ou seja,
passar de noções universais, abstratas ou lógicas para o ente diretamente. “A
questão da possibilidade da metafísica teorética é bem um
affair.” Pena que nós não temos aqui o texto em alemão. Porque aqui “affair” é no
sentido de “negócio”. O que que é um “affair”? Digamos, é um “negócio”: toma
lá, dá cá. Fazer uma negociação é fazer uma troca de mercadorias que será
legítima ou ilegítima. “A orientação polêmica de Kant contra a metafísica
teoria, eis aquilo que fornece sua ocasião ao conceito jurídico do problema da possibilidade
do conhecimento ontológico.”
 É a maneira pela qual Kant orienta a sua
polêmica legítima. Uma polêmica que por si só é legítima.. Mas a sua maneira de
tratá-la  o obriga a dar uma forma jurídica à sua desconstrução da metafísica
dogmática. Quer dizer, é denunciar um negócio ilegítimo. Denunciar um negócio
ilegítimo é estabelecer um tribunal da razão. (Inaudível).

 

ALUNO: Pra
legitimar ele precisa de uma dedução.

 

Sim, claro. É
preciso mostra que tal fato… Dedução não é no sentido matemático. É mostrar
como certas categorias derivam de princípios e como essas categorias legitimam
proposições. Por isso que eu voltei. Porque como eu identifiquei perfeitamente
a circularidade entre origem e fundamento e a circularidade entre quid facti e  quid juris, depois revendo o curso anterior, eu falei: não, aí a
gente tem que corrigir um pouquinho. Não é uma correção tópica, trata-se de
corrigir um pouco a orientação do movimento do nosso pensamento. Porque eu quis
facilitar um pouco pra vocês, eu quis explicar esse negócio aqui à luz da
concepção tradicional do Kant. Que não problematiza  o aspecto jurídico.
(Inaudível).Isso saltou aos meus olhos relendo a Interpretação
fenomenológica da Crítica da razão pura.
No fundo, trata-se de uma espécie
de (???) do Kant que vai limitar  a profundidade, o alcance do seu pensamento.
Ou, dizendo de outra forma trivial: por que que o Kant não escreveu o Ser e
tempo
? Porque ele pensou mal. Não, ele pensou muito bem, claro. Mas ele
tropeçou numa confusão conceitual entre metafísica e ciência jurídica. É isso
que precisa corrigir. Corrigir, não. É isso que é preciso perceber para
perceber até onde vai o pensamento kantiano. Isto é, por que que o pensamento
kantiano não chega até a origem, ao fundamento. “A formulação jurídica de
seu problema metafísico era, portanto, para Kant, uma tentação e, com efeito,
ele utiliza de bom grado a imagem de um tribunal quando evoca seu debate coma
metafísica dogmática.”
A expressão “tribunal da razão” que vai pegar as
parte beligerantes: a crítica e a metafísica dogmática e o tribunal da razão
vai decidir…

(…)

“O emprego de
termos jurídicos não tem nada, portanto, de surpreendente.”
Quer dizer,
aqui o Heidegger parece recuar um pouquinho. Como que dizendo, a gente pode
pensar, como se ele sugerisse nas entrelinhas, ele não diz com todas as letras:
não vamos polemizar contra o Kant por pequenas coisinhas, por usar a linguagem,
a metáfora jurídica.  Por que encher o Kant porque ele usa a linguagem
jurídica? É apenas uma metáfora, não é verdade? Por que que o uso dessa
metáfora jurídica – o tribunal da razão, quaestio juris, quaestio facti?
Por que que isso nos desvia do essencial? “No entanto, não se trata aqui
simplesmente do empréstimo de palavras para designar coisas que, de resto, são
inteiramente diferentes.”
Ele ‘tá dizendo: não se trata de simples
metáfora. O ser, a razão, o fundamento, é uma coisa, o direito é outra coisa.
Não se trata apenas de usar livremente a linguagem, mas trata-se de confundir
de alguma maneira instâncias separadas por um abismo. “Nós teremos que
descobrir como isto é possível e em que medida o problema autêntico da
Crítica aí se encontra desfigurado.”  Aqui ele ‘tá sofisticando. É a metáfora
jurídica, que é mais do que uma simples metáfora que desfigura o projeto da Crítica
da razão pura,
que o impede de atingir no fundo o seu alvo. “De maneira
puramente exterior
[considerando de maneira superficial, externa, a um
olhar rápido, por assim dizer] observemos que, desde o início do capítulo
segundo da
Analítica dos conceitos, o problema do conhecimento
ontológico recebe sua orientação a partir do seu litígio contra a metafísica
dogmática.”
Isto é, mesmo na superfície do texto, transparece que a
analítica transcendental, ou analítica dos conceitos, que a via para o
esclarecimento da questão do conhecimento ontológico, a questão do Ser ou do
sentido do Ser, já nessa superfície, nós percebemos que ela “recebe sua orientação
a partir do litígio contra a metafisica dogmática.
” No fundo, o que ele ‘tá
encaminhando aqui é a metafísica se ampara de alguma maneira na jurisprudência,
na ciência do direito. Mais do que isso, ele diz: isso ocorre na medida em que
ela se põe dentro do horizonte do, eu sublinho a palavra, litígio contra a
filosofia dogmática. É uma questão de julgamento. Você duas partes, um acusador
e um acusado, você tem o tribunal da razão. Quer dizer, elaborar a questão do
ser ou do fundamento de maneira jurídica é expressão superficial de uma maneira
de interrogar que se põe em litígio contra uma outra filosofia. “Kant
abandona por assim dizer a via de uma exposição autárquica do problema
ontológico e dá lugar a uma problemática cuja orientação é primariamente
polêmica.”
Eu tenho a impressão que eu compreendi o movimento da direção em
que ele ‘tá caminhando. Aqui nós ‘tamos opondo interrogação a polêmica. Como se
a presença, o valor negativo atribuído à metafísco dogmática roubasse ao
movimento reflexivo da Crítica o seu caráter autárquico. Porque o
movimento do meu pensamento é relativo ao seu outro. O contrário de autarquia é
heteronomia. Estar subordinado a algo que me precede e que eu preciso vencer. “A
razão essencial dessa mudança consiste evidentemente nisto: que Kant carece de
um caminho unívoco para o tratamento de seu problema.
Porque o solo lhe
faz falta. Porque ele carece de solo de início.”
O que que ele diz? É que o
Kant não tem um movimento unívoco, não necessariamente linear, embora a minha
expressão no quadro-negro seja a seta, mas a interrogação perde algo do seu
movimento interno, por assim dizer. Porque também falta-lhe solo. Aí é bom a
gente se demorar na metáfora. Falta-lhe um chão onde pisar. Aliás, na Questão
sobre a coisa
também tinha um negócio de pisar no chão… Mas eu vou tentar
pensar um pouquinho, na minha total irresponsabilidade, ou com alguma
liberdade, o uso dessa metáfora. Tudo se passa como se solo remetesse ao
horizonte. Por que que solo tem que ver com horizonte?

 

ALUNO: Porque
ele cria um ponto de vista, né?

 

Cria um ponto de
vista. Porque basta nós pensarmos no Pascal quando ele diz: le silence
éternel des ces espaces infinis m’effrait
, quando ele diz: o silêncio
eterno desses espaços infinitos me apavoram, ele ‘tá pensando como um ser
infinitamente pequeno perdido num mundo infinitamente grande ser onde se
apoiar, sem horizonte. Vocês se lembram do começo da pergunta no Kant e o
problema da metafísica
: nossa interrogação não tem  um mapa, não temos um
horizonte claro. Os nossos passos criarão o caminho. Mas eu gostaria, se vocês
me permitissem, de hesitar mais um pouquinho, de gaguejar mais um pouquinho.
Quando se fala em solo, você fala em horizonte (?). Dentro da tradição da
fenomenologia, eu me lembro do texto famoso do Husserl contra o Galileu. Contra
o Galileu e na direção do Pascal, naquela situação desesperada (inaudível). Um
texto chamado Das Erde als Ursache (???) sich nicht,  a Terra,
não é como causa, Ursache, aqui eu acho que ele ‘tá fazendo um
trocadilho com o Heidegger, quer dizer, como coisa original, não é como causa.
A idéia de causa implica cientificidade. A Terra como coisa original, como solo
(inaudível). Aqui você tem, se eu não ‘tô inteiramente enganado, o que é
perfeitamente possível, o tema geral de toda a tradição fenomenológica que é a
idéia de que existe uma esfera do Lebenswelt, do mundo vivido que
precede a percepção (?) e que não é substituído pela percepção. No fundo, grosso
modo
, qual é a crítica do Husserl ao Galileu? Ele diz: bom, o Galileu bolou
a física como matemática mas ele objetivou os seus constructos teóricos. Qual é
a operação do Galileu? A frase do Galileu é muito clara nesse sentido: a
natureza é um livro escrito em caracteres matemáticos. Tudo aqui que não é
matemático não é objetivo, não é objeto. Aí retomar a distinção dos atomistas
gregos entre qualidades primárias e qualidades secundárias. No Descartes…
Formam a distinção entre qualidades primárias, qualidades secundárias etc.
Embora em relação às coisas o Descartes é pouco claro no começo (inaudível).
Mas em todo caso você tem a esfera da subjetividade humana e da objetividade
das qualidades primárias que são extensão, forma e movimento. Não tem árvore,
não tem chão, essa mesa é um turbilhão de átomos. Nós ‘tamos parados aqui mas a
Terra ‘tá viajando à velocidade de um foguete, atravessando o espaço infinito.
Tudo se passa como se, ao utilizar esse vocabulário… Contra as metáforas
jurídicas do Kant, O Heidegger aqui recorre  a metáforas muito mais do mundo da
percepção. O horizonte da percepção… Aliás, pra comentar esses textos e
sobretudo esse, eu ia trazer O Visível e o invisível do
Merleau-Ponty em que, por menos heideggeriano que ele seja, retoma várias
dessas direções do pensamento. “Assim o título do problema de uma dedução
transcendental (…).”
Isto é, o problema de uma dedução transcendental é:
o que é uma dedução transcendental? “Esse título indica já por si mesmo que
a própria meditação de Kant é polêmica, isto é, ditada pela problemática de
certos adversários.”
Repitamos: o pensamento não é autárquico, ele é
heterônomo. Porque o seu ponto de partida ele não encontra em si mesmo, mas no
outro, no seu adversário que o precede. Digamos, alguma coisa como uma espécie
de alienação do pensamento que se dobra diante do pensamento adversário para
poder substituí-lo, de uma certa maneira. “Kant busca uma solução do
problema segundo o fio condutor de uma problemática que finalmente é já
impossível em si.” Grosso modo
, o que ele está dizendo é: essa heteronomia,
este caráter polêmico da empresa crítica da dedução transcendental condena a
filosofia kantiana a uma problemática que si mesma é uma pseudo-problemática,
são falsos problemas. “Mas se essa problemática adquire agora influência, o
horizonte dos problemas que foi caracterizado nos termos de tempo, de
imaginação e de analítica transcendental, não deixam de se manter
(inaudível).” Quer dizer, de uma certa maneira, há, no caso do Kant, um desvio causado pela
sua heteronomia, sua alienação, não deixa, no entanto, de dar lugar ainda aos
temas da imaginação transcendental, da temporalidade, que são, para o
Heidegger, aquilo que é  o coração da Crítica da razão pura. Aquele
coração da Crítica da razão pura que é encoberto, mas não destruído pelo
desvio. O Kant descobre, pra utilizar uma expressão do Castoriadis. O
Castoriadis falando sobre a imaginação, a instituição do imaginário social, ele
diz: bom, Aristóteles descobriu a essência da imaginação, a preeminência da
imaginação sobre as outras funções e imediatamente a  recobriu; Kant descobriu
e imediatamente a recobriu. Mas ele vai dizer: o Heidegger descobriu isso no
Kant e imediatamente recobriu. Porque o tempo do Heidegger é um tempo não
histórico. (inaudível) O tempo do homem. Não é esse tempo eterno, mas é o tempo
do homem. E ele termina por dizer: o Merleau-Ponty também descobre o que o
Heidegger tinha apontado, mas encobre também.  (Inaudível) Então o tempo, a
imaginação e a analítica transcendental são, digamos, aquilo que marcaria o
eixo autônomo, autárquico da interrogação kantiana que é desviada pela sua
dimensão jurídico-polêmica. “E, com efeito, uma e outra problemática se
misturam na maior parte do tempo.”
Quer dizer, o desvelamento da imaginação
transcendental e da temporalidade e o velamento da imaginação e da temporalidade
são interligados, são costurados juntos na empresa kantiana. “Ora uma
problemática autêntica atinge sua expressão pura, ora uma problemática
inautêntica reina soberana, de tal maneira que tudo é mergulhado na mais
irremediável das confusões.”
 ‘Tá  aqui o que é o joio e o trigo. O que é
bom, quello qui è vivo, quello qui è morto (?) na Crítica da razão
pura
. O que que é o vivo? O que que é o autêntico? O que que é o verdadeiro
na Crítica da razão pura? É a descoberta do continente  da temporalidade
e da imaginação transcendental como horizonte do nosso acesso aos entes e ao
Ser. Mas você que ele de fato não hesita em fazer a partilha, ao contrário da
tradição historiográfica mais, digamos, estrutural, tipo Guérroult etc, em
separa o bom do mau. E tentar repensar o pensamento do Kant a partir do seu
não-pensado, não completamente pensado. “De qualquer maneira, portanto,
quanto ao problema e à dedução transcendental kantiana, uma coisa é
absolutamente certa: a dedução transcendental concebida como
quaestio juris é a peça mais fatal da filosofia kantiana que se possa invocar.” Eu lembrei
desse texto que eu ‘tô apresentando pra vocês porque aparentemente na última
aula eu fiz exatamente essa operação que parece para o Heidegger ser fatal para
a compreensão do Kant. Não sei se é verdade, mas seguramente é fatal para a
compreensão do Heidegger. Porque eu disse: pra entender esse negócio do
Heidegger, deve-se lembrar aquele esqueminha mais tradicional do quid júris,
quid facti
, como se n´s pudéssemos passar de um pra outro. Ele diz: bom,
isso é a confusão que eu quero desmanchar. Porque desmanchando essa confusão é
que nós poderemos ver brotar o coração vivo do pensamento kantiano quando ele
se torna ontologia ou interrogação pelo Ser do ente. “A dedução transcendentalé
quase inteiramente
untenable. [quer dizer, ela não fica em pé] E
no entanto, Kant, no curso desse capítulo chega a dar impulsos filosófico que
pertence somente acolher convenientemente e redirigir na boa direção.”
Quer
dizer, nesse edifício mal estruturado que é a dedução transcendental, que não
fica em pé, que nos faz mergulhar na confusão mais tenebrosa, é (…).

(…)

“Posso,
nessas notas, fazer sentir uma vez mais, e de maneira mais aguda, que é sempre
proveitoso seguir efetivamente Kant mesmo e sobretudo nos impasses em que ele
se empenha e de defendê-lo contra os kantianos.”
Sobrou pra alguém aí. Ele
diz: esse desvio é indissociável do que há de mais autêntico e de mais rico no
pensamento do Kant e cabe a nós restaurar esse movimento na sua boa direção.
Isto mostra o quanto os impasses e as dificuldades do pensamento do Kant são
matérias denkwürdig (?), dignas de serem pensadas, dignas de serem
refletidas. Quer dizer, quando você nota um impasse, uma incompreensão, uma
confusão, a sua tendência normal é descartar a questão. Mesmo lá onde a
confusão está estabelecida, é lá que nós chegaremos, ao repensá-lo sobretudo
contra os kantianos., contra os herdeiros do Kant, que são aqueles que
justamente não entenderam o Kant porque não perceberam essa condição interna
que atravessa a dedução transcendental. Aliás isso que ele diz do Kant, ele diz
de si mesmo no Kant e o problema da metafísica. A observação preliminar
da segunda edição do Kant e o problema da metafísica – a primeira é de
29 e a segunda é  de 1950: “Esse trabalho publicado há 20 anos e quase
imediatamente esgotado está reeditado sem mudanças.”
E depois ele termina o Avant-propos da seguinte maneira: “As falhas e as lacunas do presente
ensaio se me tornaram tão evidentes percorrendo esse espaço de meu itinerário
de pensamento que renunciei a destruir a unidade desse escrito por adições,
apêndices ou posfácios.”
 Ele reedita e se distancia do livro publicado 20
anos antes e acrescenta: “Aqueles que pensam se instruirão melhor com as
suas falhas.”

 

ALUNO: Eu tenho
um texto que eu acho que não é muito distante dessa época, dos anos 30, em que
ele vai dizer que o desvio faz parte da própria essência da verdade. Quando ele
vai começar a se interrogar sobre a aletheia.

 

Ele gosta de
citar o Heráclito pra comentar a idéia de aletheia, ele gosta de
comentar a frase em que o Heráclito diz: a natureza ama esconder-se, isto é,
desvelar é ao mesmo tempo ocultar. De uma certa maneira, tudo se passa como se
(inaudível), mas como se pertencesse à essência do pensamento o desvelar
revelando. Mas isso é um tema que eu acho que a gente deve deixar pra depois.

O problema da
legitimidade da realidade objetiva dos conceitos puros do entendimento.
Eu
vou pular esse parágrafo.

 

ALUNO: Como é
que é a frase final aí que você leu?

 

“Aqueles que
pensam instruir-se-ão melhor com as suas falhas.”

 

ALUNO: Porque eu
acho que é diferente: “Aqueles que pensam aprenderão melhor a partir daquilo
que falta.”
Não é erro, é aquilo que falta.

 

Sim, mas
“defeito” o que que é? É ter lacunas, é ter faltas, ter falhas. Mas eu vou
pular esse parágrafo porque eu quero comentar principalmente o parágrafo
γ. Esse texto que nós comentamos é o parágrafo 23 do capítulo 2 que tem,
em primeiro lugar, como título geral A Justificação da Concepção Kantiana da
Dedução Transcendental como Resposta à Questão
Quid Júris. Então é uma
exposição da Dedução Transcendental à luz da questão quid juris. Isso é
a parte A. A parte B é a Dedução Transcendental considerada em sua conexão com
o problema da transcendência. (Inaudível) Em primeiro lugar, nós apontamos as
origens do desvio da Dedução Transcendental, a parte A. E na parte B, nós
apontamos para como nós poderíamos recuperar aquilo que foi perdido na operação
kantiana. Como se a questão quid juris x transcendência… Na verdade,
quando a gente fala de transcendental… Todos vocês sabem que a palavra
transcendental tem um sentido na filosofia medieval que não tem nada a ver com
o sentido que ela tem no vocabulário kantiano. A palavra transcendentalé
retomada por Husserl, mas é retomada também pelo Heidegger. E o tema da
transcendência, quer dizer, o tema do transcendental e da transcendência vai
ser formulado de maneiras diferentes no Kant e no Heidegger. Então, o que o
Heidegger quer é fazer quais são aquelas operações que seria necessário o Kant
fazer para ultrapassar a concepção jurídica do transcendental pra chegar a uma
concepção autêntica da transcendência. Então nós vamos pular alguns parágrafos.

O Caráter
Subjetivo do A Priori como Pressuposição da
Quaestio Júris”, “O Caráter
de Transcendência do
Dasein”. “Aquilo que complica em última instância o
questionamento da Dedução Transcendental é a concepção kantiana do a priori
”.
Quer dizer, o que tá em questão é tudo, o que é dedução, o que é a priori, o
que é transcendental. É a concepção kantiana do a priori que na Estética
Transcendental já aparecia marcada por uma obscuridade essencial. Quer dizer,
ele vai mostrar que, desde o começo da Crítica da Razão Pura, a maneira
pela qual a noção de a priori é formulada nos desvia da boa direção que é a
direção daquilo que nós vamos examinar mais tarde sob o nome de transcendência.
O que que é a priori? O que se deixa encontrar desde o início na pura esfera do
sujeito. (Inaudível) … Quando ele tá falando do Fichte, ele faz uma
comparação entre os dois e lembra uma frase do Fichte em que as duas… Bom,
esse texto eu escrevi em 1964. Há quarenta anos atrás, mas eu ainda me lembro
alguma coisa. Vocês se lembram que eu disse a vocês que a idéia de uma
pré-compreensão do Ser exposta pelo Heidegger existia como que um eco longínquo
da idéia de reminiscência platônica. O argumento do Menão diz: é impossível
conhecer a verdade porque conhecer a verdadeé passar do não-saber ao saber. Se
eu não sei, se eu encontrar a verdade, como é que eu vou reconhecê-la? E o
Platão diz: não, pega o escravo aí, que nunca estudou geometria e coloca um
problema pra ele, que ele se lembra. O mito da reminiscência… Agora, o
Fichte, para dar conta da relação entre subjetividade e intersubjetividade, ele
estabelece uma espécie de circularidade entre zusamenfassen e zusamentreffen. Zusamenfassen, como é que traduzo zusamenfassen? Captar em
conjunto.

 

ALUNO: O sentido
primeiro é resumir.

 

Mas o sentido
literal é “captar em conjunto”. E zusamentreffen

 

ALUNO: É
coincidir.

 

Topar com algo.
Quer dizer, pra zusamenfassen, é preciso zusamentreffen. E pra zusamentreffen é preciso zusamenfassen.  Então, eu dizia, você tem a idéia de que
sujeito e objeto são derivados de um campo pré-subjetivo, pré-objetivo, que é
um campo transcendental, que é o campo das imagens. Que tá para além do
realismo, do idealismo. Mas essa coisa aqui é parecida, né!? Antecipar o
encontro para poder encontrar algo que eu não fabrico, mas que eu encontro. Treffen,
eu acho que tem tropeçar também, não é?

 

ALUNO: Tem
sentido de encontrar.

 

Mas tropeção é
uma boa idéia. Topar. Você que é berkeleyriano, você dá uma topada numa cadeira
de ferro, aí você tem a idéia de dor. Aliás, o Fichte tá querendo desenvolver
isso no texto que ele tá escrevendo contra o (???), dando uma versão simpática
do Berkeley, mas dizendo: mas o meu idealismo no fundo é um pouco diferente do
Berkeley. Mas de uma certa maneira é nessa direção que nós estamos caminhando.
Transcendênciaé esse movimento de simultaneamente zusamenfassen  e zusamentreffen ou de Vor-griff e Rück-wurf. É parecido com o Fichte, né?

 

ALUNO:
Compreender é encontrar alguma coisa, né? E encontrar alguma coisa significa já
tê-la compreendido.

 

É isso. E há
circularidade nos dois casos. Nos dois casos tem a história de um campo
transcendental que não precede propriamente sujeito e objeto, mas que existe no
movimento, no cruzamento entre sujeito e objeto, mas que caminha na direção do
pré-subjetivo e do pós-objetivo. O que ele tá dizendo é que o Kant de uma certa
maneira entende o a priori como subjetivo já na estética. “A priori
aquilo que se deixa encontrar desde o início na pura esfera do sujeito. Ora,
esta concepção fundamental do
a priori é estendida por Kant aos
conceitos puros do entendimento
”. Quer dizer, tanto as formas da
sensibilidade como os conceitos do entendimento são a priori, isto é,
pertencem à pura esfera da subjetividade. “Eles pertencem às ações do
sujeito, eles estão, por assim dizer, sob a mão no sujeito, e no sujeito apenas
”.
Aqui tem que acrescentar porque “estão sob a mão”, na categoria do Ser e
Tempo
é zu hand sein (?), estar à mão. Aliás, aí, pra explicar um
pouquinho o sentido desta palavra, o Heidegger, de uma certa maneira, em relação
ao Husserl… Porque o Husserl fala de intencionalidade sim, mas fala de
intencionalidade em dois sentidos. Você tem intencionalidade subjetiva e você
tem uma intencionalidade objetiva. Intencionalidade subjetiva é aquela dos atos
de consciência que remetem necessariamente ao noema. Quer dizer, um sujeito
ligado essencialmente a um noema. Uma nóesis, um ato de consciência é
indissociável do correlato desse ato. Mas no mundo da vida, um martelo, por
exemplo, remete a um sistema de ações possíveis. Os sistemas dos instrumentos,
no mundo instrumental, é um mundo tecido de implicações intencionais. A idéia
de que zu hand sein, estar à mão é estar disponível para usos possíveis,
dimensão essa que é privilegiada pelo Heidegger. Sob a outra forma da intencionalidade,
por assim dizer, que faz com que para ele a nossa relação mais primitiva, mais
originária com o mundo seja uma relação prática. A prevalência do Lebenswelt sobre o mundo dos constructos, das teorias científicas. É o mundo da
anterioridade da nossa relação prática com o mundo. É claro que, além disso,
nós somos animais e tal, ele fala de parentesco … (inaudível) e
aparentemente, ele fala de parentesco não no sentido de uma origem comum da
vida dos animais, mas um certo parentesco do nosso modo de estar no mundo. É
diferente. O Dasein, esquecendo o seu eventual parentesco com o animal –
você não pode dizer que ele ist da – o homem tem uma relação pré-teórica
com o mundo que é essencialmente práxis, operação dentro de um campo…
(inaudível)

Uma tal
concepção do caráter apriórico dos conceitos puros do entendimento conduz
necessariamente à imposição de uma forma jurídica ao questionamento. Com
efeito, se esses conceitos puros do entendimento devem ser, enquanto
subjetivos, determinações de objetos, então, o que é reivindicado para eles –
os conceitos puramente objetivos – será sua validade como se diz para os
ob-jectos
”. (Inaudível) Ob-jecto, jogado aí. Objetos que eu manipulo…
(inaudível) “A partir daí ergue-se a questão seguinte: em que consiste a
pretensão das categorias subjetivas a possuir, enquanto subjetivas por assim
dizer, um valor para os ob-jectos? Com que direito esse subjetivo pode de
qualquer maneira ser tomado como um objetivo que fundamentalmente ele não é?

Como nós partimos de formas da intuição e de conceitos do entendimento pensados
na esfera pura da subjetividade, da anterioridade da subjetividade, a questão
assume a forma de uma pergunta que é necessariamente jurídica (?), com que
direito formas e categorias imanentes à subjetividade podem validamente ser
atribuídas a objetos?

 

ALUNO: É porque
existe esse círculo aí.

 

Ah, claro. Ele
vai evoluir na direção da transcendência como um campo pré, zusamenfassen, zusamentreffen, Vorgriff, Rückwurf. Nós falamos dessa
circularidade, nós falamos da palavra Entwurf. Dasein é projeto e
projeto é a abertura de um horizonte. Ele falará de uma Anwesenheit.

(…)

Porque em alemão
não tem a distinção entre ser e estar, né? Então Dasein é Ser-aí.
Poderia traduzir Ser-aí, Estar-aí ou Estar, simplesmente. Estar contraposto a
estar dentro do mundo, como estão os objetos ao alcance da mão. Que não estão no mundo, estão dentro do mundo. Mas é claro que esse sujeito não está
dentro do mundo como a cabra está dentro do mundo. Estar no mundo é estar como
aquele olhinho do Wittgenstein, estar no limite do mundo. O Wittgenstein diz: o
olho não está dentro do seu campo de visão. Bom, resumindo, ele diz: “A
pressuposição filosófica da possibilidade da transposição do questionamento
jurídico ao problema da dominação da essência ontológica das categorias é
portanto a caracterização desses conceitos como alguma coisa sob a mão, à mão
do espírito. Esses conceitos não estão sob a mão no objeto e, portanto, eles
devem determinar o objeto, valer para eles. Eles erguem uma pretensão à
validade
(inaudível).”  Com que direito eu passo da esfera da
subjetividade para a esfera da objetividade? Esse é o pseudoproblema n a sua
formulação jurídica. É melhor partir do Estar, da idéia de um pensamento, como
ele dirá mais tarde na Dedução transcendental (…).

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