Ilíada de Homero – Canto IX – Versão de Odorico Mendes
ARGUMENTO DO LIVRO
IX
Desânimo dos Gregos.
— Discurso de Diomedes. — Conselhos de
Nestor. — Setecentos
guerreiros vão postar-se entre a muralha e o
fosso para velar
na salvação do exército. — Agamémnon oferece uma
refeição aos principais
chefes. — Nestor toma a palavra e propõe
abrandar a ira de
Aquiles por meio de dádivas. — Agamémnon fica
de acordo. — Enumeração
das riquezas que lhe são oferecidas. —
Nestor aprova esta
deliberação e designa os chefes que devem ir à
tenda de Aquiles.
— Partida dos emissários. — Aquiles, vendo-os,
recebe-os com agrado.
— Discurso de Ulisses, em que expõe o objecto
de sua missão e convida
a Aquiles para ir em socorro dos Gregos.
— Recriminação de
Aquiles. — Discurso de Ajax, filho de Telamon. —
Afinal Aquiles declara
que não combaterá contra Heitor e despede os
enviados. — Volta
dos emissários à tenda de Agamémnon. — O filho
de Atreu interroga
a Ulisses. — Ulisses refere a resposta de Aquiles.
— Fala de Diomedes.
— Os guerreiros fazem libações aos deuses.
Ronda-se a praça.
Os Dânaos sobre-humano
Abalo invade, irmão
de frio medo;
Agro luto os fortíssimos
domina.
Qual da Trácia a
roncar Zéfiro e Bóreas,
Incha o piscoso ponto,
e escarcéu turvo
Em monte arqueia
e de alga inunda as praias;
Tal borrasca aos
Aqueus revolve o seio.
Chegado n’alma o
Atrida, arautos manda
Convocar em segredo
a flor dos sócios,
E ele alguns sem
estrépito procura.
Mal abanca o tristonho
ajuntamento,
Ergue-se, e como
de árdua penha brota
Negro olho d’água,
em fio lagrimando,
Fundo suspira: "Príncipes
e amigos,
Enredou-me o Satúrnio
em lance infesto!
Para a Grécia anuiu
que eu só voltasse
Depois de Ílío assolada,
e quer arteiro
Que, perdido o meu
povo, inglório volte?
Pois vença o prepotente,
que há prostrado
Muitas, e muitas
prostrará cidades:
Ele extirpar nos
veda a excelsa Tróia;
Naveguemos à pátria,
eia, fujamos."
Silêncio em todos
concentrou-se mudo,
Que Diomedes quebranta
belicoso:
"A tal delírio
oponho-me, Agamémnon.
É jus deste conselho,
e não te agraves.
Perante jovens e
anciãos, primeiro
Tu de ignavo e cobarde
me arguiste:
O ceptro e mando
sumo deu-te o filho
Do cálido Saturno,
mas negou-te
O maior dos poderes,
a coragem.
Louco? e esperas
dos Graios a fraqueza
De que os apodas?
Se fugir cobiças,
Foge; tens franco
o mar, tens perto os vasos
Que alterosos da
Argólida esquipaste.
Para exício de Tróia
os mais cá ficam,
E caso os Dânaos
contamine o exemplo,
Sós Diomedes e Esténelo
bastamos
A destruí-la: um
nume nos protege."
O entusiasmo estronda,
e Nestor surge:
"És, Tidides,
sem-par no márcio jogo,
E entre os equevos
óptimo discorres:
Aqueu não há que
impugne e te conteste,
Mas nem tudo previste.
Bem puderas
Ser meu filho menor,
e a reis cornados
Falastes sério. Destas
cãs blasono,
E opinarei do mais:
nenhum rejeite,
Nem o máximo Atrida,
meu conselho;
Só deseja a intestina
horrenda guerra
Homem sem lar, sem
tecto, sem família.
Mas ao repasto obriga
a opaca sombra;
Fora, esperta vigia
e sentinelas:
Isto encomendo aos
jovens, que ordená-lo
Toca-te, ó rei dos
reis. É bom convides
Os mais provectos:
vinhos te sobejam,
Que a Trácia em gregas
naus contino exporta;
O necessário tens,
em cópia servos.
Então se delibere,
e o melhor colhas:
Pouca é toda a prudência,
que as fogueiras
Dos inimigos junto
às naus flamejam.
Ah ! quem se alegrará,
quando esta noite
Vai ressalvar o exército
ou perdê-lo."
Ouvem-no, a guarda
aprestam: sete cabos,
O maioral Nestório
Trasimedes,
Os mavórcios Ascálafo
e Jalmeno,
Afareu, Merion, Deipiro,
o nobre
Licomedos Creóncio,
rege hastatos
Cada qual cem guerreiros;
que, de vela
Por entre o muro
e o fosso iluminados,
Curam da ceia. Aos
próceres o Atrida
Abre a tenda e os
regala; os convidados
Apegam-se às gostosas
iguarias.
Cheio o apetite,
enceta o que antes sábio
Tanto agradara, e
seu discurso trama:
"Dos varões
glorioso augusto chefe,
Por ti começo e acabo
em ti: que Jove
Dos povos concedeu-te
a monarquia:
Cabe-te expor aos
príncipes teu voto,
E o deles atender,
se um mais discreto
Se te inspirasse.
Escuta-me e decide.
Não pode haver mais
salutar aviso
Que este que em mim
pondero, não só de hoje,
Mas desque, ó divo
garfo, em sanha Aquiles,
Da tenda arrebataste-lhe
Briseída,
Contra o nosso querer
e os meus esforços:
Tu seu prêmio reténs;
com dons e obséquios
De amaciá-lo o meio
excogitemos."
"Sim, prudente
ancião, responde o Atrida,
Errei, confesso:
o herói de Jove amado
Batalhões eqüivale,
e em honra sua
Jove doma os Aqueus;
mas, em desconto,
Meus presentes magníficos
o amolguem
E enumerá-los vou:
trípodes sete
Puras da chama, de
ouro dez talentos,
Caldeirões vinte
esplêndidos, com doze
Unguíssonos que ao
páreo vencedores,
Me hão tais prêmios
ganhado, que seu dono
Do precioso metal
não terá míngua.
Sete acrescentarei
prendadas moças,
Que ele apresou na
populosa Lesbos
E entre as escravas
elegi mais guapas.
Irá Briseida mesma;
e nunca, eu juro,
Fui com ela varão,
toquei seu leito.
Isto já já; mas,
quando apraza aos deuses
Demolir as Priâmeas
fortalezas,
O espólio ao dividirmos,
de ouro e bronze
As naus cumule, e
Teucras vinte escolha
As mais belas depois
de Argiva Helena.
Se Argos Acaica ubérrima
atingirmos,
Seja meu genro, e
igual ao próprio Orestes,
Que, único herdeiro,
na abundância medra.
Hei filhas três no
vasto meu palácio,
Crisotémis, Laódice
e Ifianassa:
A de seu gosto, sem
que a dote, leve
À casa de Peleu;
cá me encarrego
De a dotar, como
nunca o foi donzela:
Célebres lhe darei
cidades sete,
Cardâmile, Enope,
Hira verdejante,
Risonha Epeia, pascigosa
Anteia,
Pédaso uvífera, a
sagrada Feres;
Todas não longe da
arenosa Pilos
E à beira-mar, em
gado e armento opimas,
Têm gentes que o
honorem como a nume,
E amplos tributos
a seu ceptro paguem.
Isto lhe oferto,
se remite as iras:
Ceda exorável, que
Plutão por duro
O deus é que os humanos
mais odeiam;
Ceda, que sou do
que ele mais potente;
Ceda, que sou do
que ele mais idoso."
Inda o Gerénio: "Soberano
egrégio,
Dons não despiciendos
lhe destinas.
Legados, sus, ao
pavilhão de Aquiles;
Aqui mesmo os nomeio,
e não recusem:
Fénix guie, de Júpiter
privado,
O magno Ajax, o sapiente
Ulisses,
E arautos Hódio e
Euríbates com eles.
Águas às mãos, freio
às línguas, deprequemos;
De nós se comisere
o deus supremo."
O aviltre aceitam:
linfa arautos vertem,
E de urnas coroadas
vertem servos
Dos auspicantes pelos
copos vinho.
Fartos de libações,
iam saindo;
Nestor a cada um
lançando os olhos
E ao Laértides mais,
no empenho os firma
De abrandar o magnânimo
Pelides.
Pelas do mar fluctissonantes
praias
Ao padre Enosigeu
vão suplicando
Que as entranhas
do Eácida comova.
Já no arraial dos
Mirmidões o encontram
A recrear-se na artefacta
lira,
Que travessa une
argêntea, insigne presa
Dos raros muros d’Etion:
façanhas
De valentes cantava,
e só Patroclo
Tácito à espera está
que finde o canto.
Chegam-se, à testa
Ulisses; e o Peleio
Em pé, na sestra
a lira, estupefacto,
Com seu fido consócio,
as dextras cerra:
"Que urge? a
que vindes? Bem que irado, amigos,
Exulto ao ver os
Dânaos que mais prezo."
À tenda eis se encaminha;
sobre escanos
De purpúreo tapete
os acomoda,
E ao seu dilecto:
"Na maior cratera
Tu mescles do mais
puro e aprontes copos;
Caríssimos varões
meu tecto acolhe."
O camarada obedeceu
contente.
Ele, ante o lar,
em cúpreo largo disco
Dorso depôs de ovelha
e gorda cabra
E de um cevado os
suculentos lombos:
Automedon segura,
o herói perito
Em pessoa esposteja,
enrosca e espeta;
O Menécio deiforme
atiça o fogo:
Lânguida a flama,
ao rúbido brasido
Sobre as lareiras
os espetos vira,
De sal tempera-os
sacro; todo o assado
Põe da cozinha à
mesa, e o pão ministra
Em lindos canistréis.
Do ítaco em face
Toma a parede e as
carnes trincha Aquiles;
O sacrifício incumbe
ao companheiro,
Que ao fogo atira
as divinais primícias.
Deitam mãos dos manjares
os convivas.
Já satisfeitos, cabeceia
a Fénix
Ajax; Ulisses que
o sinal percebe,
Rasa o copo e alça
o brinde: "Aquiles salve!
Ou do Atrida na tenda,
ou nesta agora,
Semelhantes festins
nos não falecem,
Onde pratos gratíssimos
abundam
Mas os dissaboreia
o extremo risco
Da instruta armada,
se ó de Jove aluno,
Da tua intrepidez
te não revestes.
Já da trincheira
à vista acampam feros
Os Teucros e os longínquos
aliados,
Que, acesas mil fogueiras,
se gloriam
De entrar sem resistência
em nossos vasos.
O Satúrnio propício
lhes troveja:
Nele estribado e
em si, terrível senho
Rola Heitor, e sanhudo
não faz caso
De homens nem de
outros numes; freme e invoca
O lento albor; às
naus jura os aplustres
Mesmo romper, despedaçar no incêndio
Em cinza e fumo atônitos
Aquivos.
‘Premo que se efectue
essa ameaça;
Que, longe das fecundas
pátrias veigas,
O Céu nos fade a
perecer em Tróia.
Sus, bem que tarde,
acode a aflita Grécia;
Dor sentirás depois
se a desamparas,
Pois o mal consumado
é sem remédio:
Salva a tempo os
Aqueus da fatal hora.
Peleu de Ftia, amigo
ao despedir-te,
Para Agamémnon: —
Filho meu, bradou-te,
Minerva e Juno, se
o quiserem, força
Dêem-te e valor;
sopeia tu no peito
O orgulho e humano
sê, de rixas foge,
Por que moços e velhos
te honrem sempre. —
De tal pai tais conselhos
esqueceste:
Lembrem-te, enfreia
as iras; se o fizeres
Provarás as larguezas
de Agamémnon.
Ouve os dons que,
em presença da Assembléia,
O rei te destinou:
trípodes sete
Puras da chama, de
ouro dez talentos,
Caldeirões vinte
esplêndidos, com doze
Unguíssonos que,
ao páreo vencedores,
Lhe hão tais prêmios
ganhado, que seu dono
Do precioso metal
não terá míngua.
Sete acrescentará
prendadas moças
Que em Lèsbos apresaste
populosa,
E entre as escravas
elegeu mais guapas.
Virá Briseida mesma;
e, jura, nunca
Foi com ela varão,
tocou seu leito.
Isto já já; mas,
quando apraza aos deuses,
Demolir as Priâmeas
fortalezas
O espólio ao dividirmos,
de ouro e bronze
As naus cumules,
Teucras vinte escolhas
As mais belas depois
de Argiva Helena.
Se Argos Acaica ubérrima
atingirmos,
Serás seu genro e
igual ao próprio Orestes,
Que, único herdeiro,
na abundância medra.
Há filhas três no
vasto seu palácio,
Crisotémis, Laódíce
e Ifianassa:
A do teu gosto, sem
que a dotes, leves
À casa de Peleu;
fica-lhe o encargo
De a dotar, como
nunca o foi donzela:
Célebres haverás
cidades sete,
Cardâmile, Enope,
Hira verdejante,
Risonha Epeia, pascigosa
Anteia,
Pédaso uvífera, e
sagrada Feres;
Todas não longe da
arenosa Pilos
E à beira-mar, em
gado e armento opimas,
Têm gentes que te
honorem como a nume,
E amplos tributos
a teu ceptro paguem.
Tanto promete, as
iras se te aplaquem.
Mas, se aborreces
com seus dons o Atrida,
Os consternados arraiais
te movam,
Que hão-de às estrelas
elevar teu nome.
Anda, imola esse
Heitor, que ousa afrontar-te,
Raiva e alardeia
que nenhum o iguala
De quantos Gregos
nossas naus trouxeram."
E o fogoso Pelidcs:
"Sem rebuço,
Dial sangue e astutíssimo
Laércio,
Declaro-te o que
sinto, em que hei sentado;
Nem mais teimem comigo,
nem me azoinem.
Qual do Orco as portas,
abomino aquele
Que de boca desmente
o oculto n’alrna.
Descubro a minha:
o Atrida não me dobra,
Nem outro Grego,
a tanto esforço ingratos
O acre ou forte em
conflito, o imbele ou frouxo
Quinhão parelho têm
e as mesmas honras;
Têm o enérgico e
o mole igual sepulcro.
Que tirei de cruéis
padecimentos,
De infindos prélios,
de hórridos perigos?
Ave sou, que afamada
olvida as penas,
Pesquisando o cibato
a implumecs filhos.
Noites insones, sanguinários
dias
Curti sem conto a contrastar guerreiros
Pelas mulheres vossas.
Praças doze
Eu devastei por mar,
onze por terra
Nessas veigas Troianas.
Vim de alfaias
E espólios carregado,
e à vista os punha
De Agamemnon; que
a bordo os ferrolhava,
E poucos repartia
a reis e a cabos.
Estes os têm consigo:
eu só dos Gregos,
Fui da querida minha
defraudado. . .
Pois que durma e deleite-se
com ela.
Por que esta guerra?
O exército Agamemnon
Por causa não chamou
da pulcra Helena?
Atridas sós entre
os falantes amam?
Ama a consorte sua
o recto e probo;
Eu muito amava aquela,
embora serva.
Arrancou-ma falaz:
pois basta, cesse
De me tentar em vão. Contigo e os outros
Busque, Ulisses, as
naus livrar do incêndio.
Sem mim já fez milagres,
celsas torres,
Profundo e largo fosso
e paliçadas:
Nem pode assim de
Heitor suster o choque!
Do fero Heitor, que
nunca, eu posto em camp
Quis longe pelejar
das portas Ceias,
Nem da faia passar!
Um dia apenas
Meu ímpeto arrostou;
salvou-se a custo.
O herói não mais profligo;
e na alvorada,
Assim que imole à
corte e ao rei celeste,
Meus baixeis bem providos
se o desejas,
Verás em nado, e ao
som da ardente voga
O piscoso Helesponto
irem sulcando.
Com favor de Neptuno,
à luz terceira
Seremos nas de Ftia
amigas varzens.
Riquezas lá deixei,
partida infausta!
Bronze e ouro, do
sorteio, airosas moças,
Ferro pulido ajunto-lhes;
que o dado
O magnânimo Atrida
retomou-me.
Repete-lhe isto às
claras ante os Gregos,
Por que todos se indignem, se impudente
Conta iludir algum. Protervo e ousado,
O descoco não teve de encarar-me.
N e m mais consulto, nem com ele t
r a t o :
Enganou-me, ofendeu-me; é de sobejo.
De mim descanse; ao precipício corra,
Que o privou da razão previsto Jove.
Como a escravo o desprezo e os dons
lhe odeio:
N e m que o décuplo e em dobro me
ofertasse
Do que amontoa e cobiçoso espera,
Quanto Orcomeno importa, quanto a
Egípcia
Hecatômpila Tebas entesoura,
Que, duzentos campeões de cada porta
Vazando, carros vinte mil despede;
N e m que prometa os mares e as areias,
Me há-de acalmar, sem que me pague
o insulto
Gota por gota. A filha, não lha quero,
Vénus fosse em beleza, em lavor P a l a s :
Aspire a genro de mais polpa e vulto.
A preservar-me o Céu, de H é l a d
e e Ftia
Peleu me escolha algumas dentre as
virgens
De príncipes colunas dos Estados,
E a que eu prefira me será consorte:
O coração me pede grata esposa,
Que se afeiçoe aos prédios meus paternos.
São à vida inferiores os tesouros
Que, antes do cerco, a populosa Tróia
Em si continha, e as do vibrante Febo
Da sáxea Pito do marmóreo templo:
Reconquistar podemos bois e ovelhas,
Trípodes e frisões de ruiva crina:
M a s do encerro dos dentes a alma
nossa
Fora uma vez, não se recobra nunca.
A mãe deia argentípede o meu duplo
F a d o abriu: se debelo a grã cidade,
N ã o regresso, mas compro glória
eterna;
Se torno ao doce ninho, murcha a glória,
Terei velhice longa
e fim tardio.
Os mais que voguem:
não vereis o termo
De Ílio escarpada;
o mesmo Altitonante
A mão lhe estende
e exalta-lhe a coragem.
Ide anunciar aos próceres,
Aqui vos,
É dever de legados,
que outro plano
Tracem de proteger
as naus e as t r o p a s :
Este falhou, persisto
incontrastável.
Pernoite Fénix, e
amanhã me siga,
P o r gosto e não
forçado, aos pátrios lares."
T a l dureza os contrista,
e calam todos;
M a s geme e chora
o venerando Fénix,
De mágoa e susto pela
frota A r g i v a :
"Se furente ir
cogitas, sem livrares
De ígnea peste os
baixeis, como aqui, filho,
Me abandonas? Contigo,
estranho jovem
À guerra e discussões
que heróis afamam,
Longevo o bom Peleu
para Agamémnon
De Ftia me expediu,
que na loquela
Te amestrasse e no
o b r a r : de ti repugno
Desunir-me, ó querido,
nem que um nume
Conceba remoçar-me
e enverdecer-me,
Qual saí de H é l
a d e em beldades fértil,
Do Ormenida Amintor
pai meu fugindo.
P o r fiava pelice
este a esposa ultraja;
P a r a ter a comborça
em asco o velho,
A mãe súplice instou-me
a conhecê-la,
E fi-lo assim; mas
Amintor o aventa,
Ruge e impreca às
Euménides que nunca
Um nado meu nos joelhos
se lhe pouse:
Maldição tal os Céus,
o inferno, Jove,
A tremenda Prosérpina,
escutaram.
E n t ã o (quanto
o furor nos cega e a r r a s t a ! ‘
Pérfido eu quis. .
. O braço um deus reteve,
E me salvou de horrendo
parricídio.
P a r a ficar no antigo
irado alvergue
Faltou-me coração.
Parentes obstam
E amigos a rogar;
degolam pretos
Bífidos bois e ovelhas
vicejantes,
Ao fogo pelam saginados
porcos,
Os carlgirões paternos
se esvaziam.
Dormindo ao pé de
mim com luz constante,
Por turno, um vela
ao pórtico do pátio,
Outro ao vestíbulo
ante a minha alcova.
Décima noite negrejando,
alerta
Forço e desfecho
a porta, o claustro pulo,
Sem que o percebam
guardas, nem mulheres.
Corro a Hélade; em
Ftia pecorosa
Tratou-me o rei bem
como único herdeiro
Que em vastas possessões
tardio houvesse;
Nos confins de Ftiótide,
opulentas
Lavras doou-me; os
Dólopes governo.
Eu te criei com mimo
e igual aos Deuses;
Nem com outro ir
querias a banquetes,
Ou em casa comer,
sem que a meu colo
Te saciasse partindo
as iguarias,
Regrando o vinho,
que em vestido e seio
Me arremessavas,
caprichoso infante.
Por ti que sofrimentos,
que fadigas 1
Eu sem prole em ti
via, ó alma grande,
Filho que me valesse
em dúbio transe.
"Doma-te, essa
aspereza mal te assenta:
Rendem-se os deuses
de maior virtude,
Glória e poder; acalma-os
o culpado
Com libações e votos
e holocaustos.
Gérmen do Eterno,
as enrugadas Preces,
Coxas, vesgas, pós
até se apressuram;
Até incansável, de
robustas plantas,
Remexe a terra e
a vexa; atrás, as Preces
A quem quer que as
invoca o mal temperam:
Ai do que as repelir!
subindo ao padre
Exoram que até mesmo
o fira e puna.
Curva-te, Aquiles,
do Satúrnio às filhas,
Como os demais heróis
também se curvam.
Se, obstinado, o
Atrida nem presentes
Fizesse ou dons futuros,
que amainasses
Não te pedira, posto
que de auxílio
Precisamos os Gregos;
mas dá muito,
Muito promete, envia
a suplicar-te
Os do exército eleitos
que mais amas;
Nossos passos respeita
e nosso empenho.
A pertinácia tua
era excusável;
Mas de priscos varões
nos conta a fama
Que, se os picava
a cólera, exoráveis,
A brindes e razões
eram sensíveis.
"Ora, amigos,
me ocorre um velho exemplo.
Na amena Calidona,
encarniçados
Batiam-se os Curetes
e os Etólios,
Estes por defender,
ardendo aqueles
Com fúria marcial
por devastá-la.
Da auritrónia Diana
foi castigo,
Porque Eneu, por
olvido ou negligência
Lhe falhou com primícias
de agros férteis,
Nem de outros imortais
nas hecatombes
A aquinhoou: dorida
a casta Febe
De alvos colmilhos
despediu javardo,
Que o régio campo
estraga, árvores prostra,
Fruto e raízes confundindo
e flores.
Das vizinhanças,
Meleagro Enides
Chusmas de cães reúne
e caçadores
Para o poder matar;
tamanha fera
Muitos mandou primeiro
à triste pira.
A deusa entre os
Etólios e os Curetes,
Pela cabeça horrenda
e hirsuta pele,
Move guerra e tumulto.
Enquanto o Marte
Enides combatia,
inda que imensos,
O arraial os Curetes
não largavam;
Mas de ira, que incha
o peito aos mesmos sábios,
Contra a mãe sua
Alteia, em ócio esteve
Junto à mulher Cleópatra,
progénie
Da Evemina Marpissa,
cujo esposo
Idas, então neste
orbe o mais valente,
Pela de pé mimoso
casta ninfa
De arco arrojou-se
a Febo: Alcion em casa
A apelidaram, pois
da mãe saudosa,
Que roubado lhe tinha
o altifrecheiro:
Como Alcion gemente
suspirava.
Ele nutria a sanha,
porque Alteia
Rogava aos numes,
e das mãos ferindo
A alma terra e de
lágrimas lavadas,
Posta em joelhos,
imprecava a Dite
E à medonha Prosérpina
que a vinguem
Da morte dos irmãos
no próprio filho:
Do Erebo fundo Erínis
despiedosa,
Pelas trevas errando,
ouviu-lhe as pragas.
Às portas rui o estrondo
e abala as torres:
Disputam-lhe anciãos
e sacerdotes
A implorar que rechace
os inimigos,
Que no melhor da
Calidona escolha
Cinqüenta jeiras
de fecundo prédio,
Metade em vinhas
e metade em lavras.
Monta-lhe ao quarto
o grave Eneu, cerrados
Os batentes sacode
e observa o filho;
Arrependida a madre
e irmãs suplicam,
E companheiros e
íntimos amigos:
Ele tenaz renui,
ate que soube,
No quarto os gritos
a dobrar e os golpes,
Dos muros a escalada
e dentro o fogo.
Aqui chorando o exora
a bela esposa,
Da cativa cidade
os males pinta,
Arquejando os varões,
em cinza as casas,
Presas virgens de
rojo e as mães e os filhos.
Tanto horror o comove;
corre, veste
Brilhantes armas,
os Etólios salva
Por ti, que à vista
pulcros dons não tinha.
Nenhum demônio, amigo,
assim te influa;
É pior socorrer as
naus combustas:
As dádivas recebe
e vem conosco,
Um deus serás aos
Dânaos; se as recusas,
Mas te demoras, menos
honra alcanças,
Bem que essa invicta
mão remova a guerra."
Ei-lo então: "Fénix
pai, dos Céus benquisto,
Honras escuso; espero-as
só de Jove,
Que há-de a bordo
reter-me, enquanto alento
Haja o peito e sustentem-se
os joelhos.
No imo isto agora
imprime: não me turbes
Com mesto choro por
amor do Atrida;
Quero-te muito, em
ódio não me sejas;
A ti cabe agravar
a quem me agrave.
Estes que voltem;
reina tu comigo.
Meiado o meu poder,
meiada a glória:
Terás mórbida cama,
e à luz da aurora,
Se ficamos ou não,
consultaremos."
A Patroclo eis acena
estenda o leito,
A fim que os dois
mais cedo se retirem.
"Sábio Ulisses,
rebenta Ajax divino,
Laércio nobilíssimo,
a caminho;
Do bárbaro orgulhoso
nada obtemos.
Cumpre ao congresso,
que por nós aguarda,
Levar a atroz resposta,
aos mesmos dada
Que sem igual na frota
o veneramos.
Do irmão, do morto
filho aceita a paga,
Nunca em cidade congraçados
vivem
Ofendido e ofensor.
No âmago alojas,
Pelides sevo, um coração
de bronze,
Por conta de uma escrava,
e te ofertamos
Hoje beldades sete
e mil presentes!
Bane o despeito, reverente
aos lares;
Escolha dos Aquivos,
tens em casa
Amicíssimos teus que
mais estimas."
"Bem dizes, torna
Aquiles, generoso
Príncipe Telamónio;
mas a bílis
Se me íntumesce ao
recordar a afronta
Que em público me
fez o audaz Atrida
Como se eu fora ignóbil
vagabundo.
Porém desempenhar
ide a messagem:
A sangiúnosa guerra
não me importa,
Antes que aos Mirmidões
o herói Priâmeo
Com incêndio e matança
o campo ataque;
Da tenda e negra
popa aqui pretendo
Para sempre extinguir-lhe
o márcio fogo."
Duplicôncava taça
os dois empunham,
Libam, vão-se, e
o Lacrcio precedia.
Servos e servas,
de Patroclo ao mando,
Alastram cama de
ovelhumes peles,
Fina alva tela e
tinta cobertura;
Té que raie a manhã,
deitou-se Fénix.
Dorme Aquiles no
fundo com Diomeda,
Filha de Forbas de
rosadas faces,
Cativa em Lesbos. Dorme além Patroclo
E Ifis airosa, que
lha trouxe o amigo
Do íngreme Ciros,
de Euieu cidade.
Chegando aqueles
ao real, os Dànaos
Recebem-nos em pé
com áureas taças,
E Agamémnon primeiro
os interroga:
"Fala, adorno
da Grécia, ó nobre Ulisses,
Quer das naus afastar
o hostil incêndio,
Ou teimoso na cólera
persiste?"
"Na cólera persiste,
e inda mais agora,
O paciente Ulisses
respondeu-lhe;
Teus dons e a ti,
chefe de heróis, desdenha:
Diz que resolvas
tu, com outros Graios,
Como o exército nosso
e a frota escudes.
Vogar ameaça no luzir
da aurora,
E aconselha aos demais
também naveguem
À pátria cara: o
termo não veremos
De llio escarpada:
o mesmo Altitonante
A mão lhe presta
e exalta-lhe a coragem.
Ajax o testemunha
e os dois arautos,
Prudentes ambos.
Lá pernoita Fénix,
E Aquiles, sem forçá-lo,
prescreveu-lhe
Que em remeiros baixeis
com ele parta."
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