Ilíada de Homero – Canto VIII

Ílíada de Homero
Resumo e apresentação da Ilíada
Prefácio a Ilíada de Homero
Canto I
Canto II
Canto III
Canto IV
Canto V
Canto VI
Canto VII
Canto VIII
Canto IX
Canto X
Canto XI
Canto XII
Canto III
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XXIV

Ilíada de Homero LIVRO VIII
Versão de Odorico Mendes


 

            ARGUMENTO DO
Canto 8

Júpiter reúne os
deuses. — Proíbe-lhes auxiliarem aos Gregos e

aos Troianos. —
Minerva implora a permissão de aconselhar aos

Gregos. —
Júpiter vai ao monte Ida. — Encontro dos dois exércitos:

combate. —
Júpiter pesa os destinos dos dois povos em suas balanças

do ouro. —
Atemoriza os Gregos. — Nestor perseguido por Heitor

o salvo por
Diomedes. — Júpiter auxilia os Troianos e lança um

raio que cai
junto aos cavalos de Diomedes. — Diomedes a princípio

hesita fugir. —
Heitor anima os Troianos. — Juno induz Neptuno a

intervir cm
favor dos Gregos. — Neptuno recusa. — Discurso de

Agamémnon aos
Gregos repelidos além dos seus entrincheiramentos. —

Sua súplica a
Júpiter. — Prodígio. — Façanhas de Diomedes e de

Toucro. — Teucro
ferido por Heitor. — Queixas de Minerva e

de Juno. — As
duas deusas vão em socorro dos Gregos. — Júpiter

manda Íris as
deter. — Íris lhes refere as ameaças de Júpiter. —

Volta de Minerva
e de Juno. — Júpiter deixa o Ida e volta ao Olimpo.

— Prediz a
glória de Heitor até que Aquiles volte ao combate. —

Heitor fala aos
Troianos e lhes dá suas instruções para a noite.

— Sacrifícios
aos deuses, que não os recebem. — Aspecto do campo

dou Troianos.

 

Ao desdobrar seu
manto a crócea Aurora,

No vértice do
Olimpo cumioso

Junta o
Fulminador a etérea corte;

Acena, e
escutam-no: "O que em mim resolvo,

Celícolas,
sabei; nem deus, nem deusa

Rcnua, mas
unânimes concorram

Para os
projectos meus cumpridos serem.

Se algum for
socorrer Aqueus ou Frígios,

Cá voltará
golpeado e vergonhoso;

Ou no tártaro eu
próprio hei-de afundi-lo,

Gólfão de érea
soleira e férreas portas,

Do Orço distante
como o céu da terra:

Quem sou
conheça. Duvidais? Suspensa

Da abóbada
estrelada áurea cadeia,

Deuses e deusas,
pendurai-vos dela

E juntos
forcejai, que a Jove sumo

Nem mesmo
abalareis; mas, se aprazer-me,

Puxar-vos-ei de
cima e a terra e os mares,

E enrolada a
cadeia ao tope Olímpio,

Penderá das
alturas o orbe inteiro:

Tanto os numes
supero e tanto os homens."

 

Esta ameaça
espanta-os e emudece,

Menos a de olhos
garços: "Pai Satúrnio,

Senhor te
confessamos e invencível.

Se combater
porém nos é vedado,

Permite
aconselhemos os briosos

Lamentáveis
Aqueus, para que ao sopro

Da ira tua não
pereçam todos."

 

E a sorrir o
Nubícogo: "Tritónia,

Descansa:
austero fui, mas condescendo

Contigo, ó filha
amada". — Aqui, jungindo

Erípedes corcéis
de crina de ouro,

Monta cosido em
ouro, em ouro o açoute

Lavrado agita: a
rápida parelha

Entre o sidéreo
pólo e a terra voa.

No Ida, que em
fontes brota e abunda em feras

Junto ao Gárgaro
o autor de homens e deuses,

Onde ara tem
fragrante e umbroso luco,

Solta os frisões
do coche e os enevoa;

De glória a
comprazer-se, está no pino

Contemplando a
cidade e a frota Argiva.

 

Depressa almoça
a guedelhuda gente,

Arma-se. Em
menor cópia armam-se os Teucros;

Insta a lei de
amparar filhos e esposas.

Francas as
portas, com fragor borbotam

Équites e peões.
Já face a face,

De érea malha os
guerreiros se rechaçam,

Cruzam-se
hastas, embatem-se rodelas,

Com tumulto e
alarido: um cai gemendo,

Este urra, outro
alardeia; o sangue jorra.

 

Cresce a luz
matutina, o estrago é dúbio;

Mas, quando o
sol medeia, áurea balança

Libra o Supremo,
e dos partidos ambos

De sonífera
morte os fados pesa:

A concha dos
Aqueus se inclina e abate;

Sobe a dos
Frígios e se eleva aos astros.

Contra os Aqueus
fulgura e do Ida toa:

Eles de frio
susto e assombro enfiam;

Idomeneu
retira-se e Agamémnon,

E os fulmíneos
Ajax. Mau grado, resta

Nestor só, dos
Grajúgenas custódio;

Que Alexandre
frechou-lhe um dos cavalos

Nos testos e
onde vem primeiro a crina,

Sítio letal.
Varado o cerebelo,

Dorido e em
gêmeas, conturbando os outros,

Ao pé da roda o
bruto se debate:

E, enquanto a
gládio o velho corta os loros,

De Heitor as
éguas buscam-no fogosas,

E audaz cocheiro
as guia, o mesmo Heitor.

 

Morto o Gerénio
fora, se advertido,

Horrendo não
bramasse o herói Diomedes:

"Cauto
Laércio, no tropel te ocultas?

Vil por detrás
um dardo não receias?

Pára, afastemos
o feroz contrário

Do venerando
amigo." — Surdo Ulisses,

Paciente e
apressado, às naus caminha.

Antcssignano,
bem que só, Tidides,

Chega-se ao bom
Neleio, e sem demora:

"Bravo
ancião, mancebos te perseguem:

Torpe enerva-te
as forças a velhice;

Fraco é teu
pajem, teus cavalos débeis;

Monta, e prova
os de Troe, pouco há tomados

Ao nobre Anquíseo
artífice da fuga,

No encalço
ardentes, no evadir-se lestos.

Esse aos nossos
confia; o meu dos Frígios

Contra os carros
desfeche; a Heitor mostremos

Se a lança em
minhas mãos desvaira insana."

 

A Eurímedon e
Esténelo animosos

Deixa os corcéis
Nestor, ascende e agita

Logo o flagelo e
as artefactas rédeas

Ao coche de
Tidides, que já perto

A Heitor esgrime
a lança; a lança errada

Ao do grã Tebeu
filho espeta a mama,

A Eniópeo fiel,
que, em punho as bridas,

Cai do assento,
e os ginetes retrocedem.

O arcar do sócio
ao bravo Heitor consterna,

Que mesto e
aflito, cm busca de outro auriga,

Expirante o
abandona. Os corredores

Não lhe tardou
quem reja; encontra prestes

Arqueptolemo
Ifítides galhardo,

Fá-lo subir e
entrega-lhe os tirantes.

 

Em derrota
sanguenta, encurralados

Seriam dentro os
Frígios como ovelhas,

Se ante o coche
Diomedeo o pai dos deuses,

Com medonho
estampido, não vibrasse

Candente raio de
sulfúrea chama:

Os solípedes
fremem de assustados;

Perde as bridas
Nestor: "Huil não retardes,

Rege, Tidides,
aos corcéis a fuga:

Do infesto Jove
o desfavor não sentes?

Hoje é pelo
inimigo, e se lhe agrade,

A nós depois
concederá vitória.

De Jove ninguém
há, por mais pujante,

Que à vontade
resista omnipotente."

 

Responde ele:
"Ancião, tu bem ponderas;

Mas dói n’alma
que Heitor jacte-se um dia:

— De mim fugindo
se embarcou Tidides. —

Antes fenda-se a
terra c em si me engula."

 

E o Gerénio:
"Tidides, que proferes?

Heitor chame-te
embora ignavo e imbele,

Certo o não
crêem Dardânidas e Frígios,

Nem as mulheres
de adargados jovens

Que arrojaste no
pó." — Nisto, à carreira

Os unguíssonos
toca; Heitor e os Troas

Bramando chovem
gemebundos tiros.

E o Priâmeo a
zombar: "Tidides fera,

No assento os
Graios campeões te honravam,

Das viandas na
escolha e em cheias taças;

Desprezam-te
hoje, ó coração de fêmea.

Foge, estes
muros não transpões, donzela;

Sou quem to
impede: acabarás primeiro

Que errastes a
teu bordo as caras Teucras."

 

Pugnaz Diomedes
quis voltar seu coche;

Cuida e o pensa
três vezes, três vitória

Sinalando aos Trojúgenas,
murmura

Dos serros do
Ida o provido Satúrnio.

Então vozeia
Heitor: "Sede homens, Lícios;

Dardanos, Troas,
afrontai perigos;

Seu denodado
esforço a todos lembre.

Acena-me o
Tonante; a glória é nossa.

Ai deles! A meu
braço empeço frágil,

Essa trincheira
estultos construíram.

Lestos cavalos
saltarão seu fosso.

Tratai próximo
às naus de acender fachos,

Com que eu mesmo
as abrase e imole nelas

Os Aquivos no
fumo estonteados."

E afalando os
corcéis: “Pagai-me agora,

Xanto, Lampo
divino, Eton, Podargo,

Da nobre
Andrómaca Etiónia o penço,

O doce farro, o
prodigado vinho

A vós primeiro
do que a mim, que jovem

Marido seu me
ufano: eia, alcancemos

De etérea fama
áureo broquel Nestório

De áureas
embraçadeiras, e dos ombros

Desse Diomedes o
gibão dispamos,

Primor Vulcâneo.
Se os consigo, espero

Que os Aqueus
esta noite às naus se acolham.”

 

Deste orgulho
indignada, Juno augusta

No trono
agita-se e estremece o Olimpo;

Olha a Neptuno:
"Enosigeu potente,

Quê! dó não tens
dos miserandos Gregos?

Enchem-te eles
contudo em Hélice e Egas,

De guapos dons.
Se os amas, seus fautores

Unamo-nos, e os
Troas rechaçados,

A assentar-se no
Gárgaro obriguemos

O Amplo-fremente
solitário e triste."

"

Cala-te, ousada,
lhe gritou Neptuno;

Com todos
resistir eu não quisera

A quem único a
todos nos supera."

 

Entanto, coches
e peões se apinham

Desde a praia à
trincheira e desta ao fosso;

Que, a Marte
igual, os atropela e cerra

De glória Heitor
por Jove cumulado.

E ardera a
frota, se, de Juno a impulsos,

Por navios e
tendas Agamémnon,

Na mão purpúreo
manto, não parasse

De Ulisses no
baixei, que era no centro,

A fim de ouvido
ser nos dois extremos,

Onde o arraial,
em seu valor afoutos,

O Telamónio e
Aquiles assentaram.

Alto vociferou :
"Que infâmia, ó Dânaos,

Pasmosos em
beleza, em obras torpes!

Que é dos brios
que em Lemnos blasonaveis,

De cornígeros
bois gostando as carnes,

Das crateras
bebendo engrinaldadas?

Cem ou duzentos
cada qual prostrava;

Hoje Heitor só
nos vence, e as naus em chamas

Vai devorar !. .
. Ó Padre, um potentado

Hás por bem
afligi-lo e desonrá-lo?

Teu culto
preteri na instruta popa?

Tua ara não
brilhou? Por toda a parte

Gordura e coxas
te queimei taurinas,

Cobiçando
assolar aqueles muros.

Escaparmos,
senhor, permite ao menos,

Não consintas
que os Teucros nos destruam."

 

Anui, das
queixas condoído o nume,

A que salve-se o
campo; envia uma águia,

infalível
augúrio, a qual das unhas

Roubado o
gamozinho à mãe ligeira

Junto larga do
altar, onde os Aquivos

A Jove Panonfeu
sacrificavam.

Da ave Dial à
vista, eles furentes

A peleja precipites
renovam.

 

De tantos só
Diomedes a carnagem,

Transpondo o
fosso em vividos ginetes,

Se gabou de
estrear, muito antes de outrem.

Mata o varão,
que elmado ia fugindo,

Fradmoníde
Agelau; entre as espáduas

Enterra o dardo,
que lhe sai aos peitos;

Ao cair do seu
coche, o arnês ressoa.

I,ogo os
Atridas, os Ajax forrados

De intrepidcz;
Idomencu seguiu-se

Com Merion,
rival do cru Mavorte;

Mais o famoso
Eurípilo Evcmónio;

O arco elástico
atesa e é nono Teucro.

Este ao pavês do
grande irmão se abriga:

Seguro em torno
esguarda, e assim que frecha

E derriba um na
chusma, qual menino

Da mãe ao seio,
para Ajax reverte,

Que sob o escudo
esplêndido o protege.

A quem o exímio
herói prostrou primeiro?

A Arsíloco e
Detor, Crómio, Ofelestes,

O Poliemónio
Hamópaon e Órmeno,

Menalipo c o
desforme Licofonte;

O almo chão de
cadáveres juncando.

 

Do arco letal,
que batalhões descose

Contente o rei
dos reis chegou-se a Teucro:

"De povos chefe
amado, eia, sê brilho

A Grécia e a
Telamon, que a ti bastardo

Criou-te cm casa
com paterno afecto;

Honra-o de longe
e paga-lhe a ternura.

Se o Egíaco e
Palas me consentem

Soverter a
cidade majestosa,

Prometo-te após
mim do prêmio a escolha,

Uma trípode, ou
carro e dois cavalos,

Ou moça esbelta
que te suba ao leito."

 

E Teucro:
"Incitas-me, ínclito Agamémnon?

Como! do ardor
não vês que nada afrouxo ?

Deste que
repelimos o inimigo,

A dignos
campeões disparo setas;

Oito farpadas já
vararam todas

Corpos de oito
mancebos valorosos;

Mas o rábide cão
tocar não posso."

 

Do nervo aqui
desprega uma ansiosa

De embeber-se em
Heitor; mas deste a berra,

Na polpa
entrando peitoral do insigne

Gorgition, que a
Príamo parira

Gentil consorte
e airosa como as deusas,

Castianira, de
Ésima roubada:

Qual dormideira
em horto ao peso dobra

Do fruto e verno
humor, a testa o jovem

Do elmo agravada
inclina. — Eis outra em busca

Zune de Heitor;
mas, desviando-a Febo,

De Arqueptolemo
audaz, que em sanha ataca,

Prega-se à mama;
ao revirar do auriga

Moribundo os
solípedes recuam.

O herói, pungido
n’alma, o deixa; as bridas

Comete a
Cebrion, que ali presente,

Monta ao coche
do irmão; de um pulo, em terra

O galeato sevo
Heitor se apeia;

Bramindo
horrendamente, um seixo afcrra,

Ávido corre a
Teucro, ao passo que este

Seta amarga
destoja e ao nervo adapta,

E o puxa e
ombreia já; mas o Priâmeo

Joga a pedra à
clavícula, onde os peitos

Separa da
cerviz, lugar funesto:

Rota a corda, a
munheca amortecida,

Nos joelhos se
escora, e foge-lhe o arco.

Do irmão sem
descuidar-se, à pressa o cobre

Ajax com seu
pavês, té que dois sócios,

Divo Alastor e
Mecisteu de Equio,

Egro e gemente
em braços o transportam.

 

O Olímpio
inflama os Troas, que em seu fosso

Acuam o inimigo;
Heitor à testa

Gira medonho os
lumes: qual sabujo

Pós javardo ou
leão, nos pés fiado,

Ancas mordeu-lhe
ou coxas; tal, no alcance,

Mata o mais
atrasado. Assim que os Dânaos,

Depois de
horrível perda, se entrincheiram

E vão-se às
naus, aos céus em altas vozes

Alçam palmas;
Heitor passeia em torno

Bem-crinitos
frisões, e uns olhos vibra

Como a Górgona
ou Marte sanguinário.

 

A bracinívea
Juno aguça a Palas:

"Ah! do
Egífero prole, aos Gregos nossos

Nem valemos no
lance derradeiro!

Por fúria
intolerável de um Priâmeo,

Que de mortes 1
que males! que desastres!"

 

"Na pátria
ele acabara às mãos dos Gregos,

Diz Minerva, se
iníquo, insano e duro,

Os ímpetos meu
pai não me impedisse;

Esquece que do
céu baixei freqüente

Para ao filho
acudir que ao céu mandava

De  opressões de
Euristeu carpidas queixas!

Previsse eu tal,
que nunca o mesmo Alcides,

Do Orço às
válidas portas enviado

A prender o atro
cão do rei das sombras,

Dcsse Estígio
escapara abismo fundo.

Hoje  pospõe-me
a Tétís, que os joelhos

Beija-lhe e
afaga o mento, para que honre

O urbífrago
Pelides; mas ainda

A Glaucopide sua
há-de chamar-me.

Apttrelha os
corcéis enquanto à regia

Vou me arnesar,
a ver se o nosso aspecto

Alegra o herói
famoso: a cães e abutres

Cuido satisfará
de zerbo e carnes,

Junto às naus
estirado, algum Troiano."

 

Presto a real
Satúrnia arreia de ouro

E orna a fronte
aos cornípedes cornados.

Solta Minerva no
paterno solho

Bordado véu que
nítido lavrara;

Do nubícogo deus
veste a loriga,

Veste o arnês
dos combates lagrimosos;

Monta ao
fulgente coche, enorme libra

Hasta pesada,
com que inteiras hostes,

Do prepotente
filha, irada prostra.

Juno os tiros
verbera: eis por si rangem

Portões que as
Horas guardam, sentinelas

Da suma casa
etérea, a cuja entrada

Fechar e abrir
lhes toca a nuvem densa;

Dóceis
transpassam-na os corcéis divinos.

 

Do Gárgaro as vê
torvo, expede o Padre

Íris
ali-dourada: "Eia, a caminho,

Voa e volta, e nos
poupa ímpia contenda;

Hei-de ao jugo,
assevero, os corredores

Estropear, e
derribadas elas,

O carro
esmigalhar: do raio as chagas

Nem em dez anos
sararão; Minerva

Saiba quem é seu

pai. Vezeira Juno

Sempre a
contrariar, me irrita menos."

 

Procelípede a núncia,
do Ideu cimo

Ao de altibaixos
grande Olímpio adeja;

Topa-as na
falda: "Suspendei; messagem

Trago de Jove.
Que furor vos cega?

Ele vos tolhe
auxiliar os Dânaos.

Sob o jugo
assevera os corredores

Estropear, e
derribadas ambas,

O carro
esmigalhar. Do raio as marcas

Mais de anos dez
comprovarão, Minerva,

Quem é teu celso
pai. Vezeira Juno

Sempre a
contrariá-lo, o irrita menos:

Ousarás,
insolente ladradora,

Enristar contra
Jove a enorme lança?"

 

Íris foi-se, e
vírou-se a Palas Juno:

"ó do Egífero
prole, eu já não quero

Que por mortais
com ele contendamos.

Vivam, pereçam,
como ordene a sorte;

Recto o Supremo
a seu prazer decida."

E os comantes
sonípedes revira,

Que as Horas
desjungidos ao presepe

Ligam suave, e
às lúcidas paredes

0 carro
inclinam: mestas, entre os numes,

Em selas de ouro
as duas se recostam.

 

Do Ida ao céu
roda o Padre em coche airoso;

Que dos corcéis
desprende, em linho o envolve

Junto às aras
Neptuno. Do entronado

Altissonante aos
pés o Olimpo treme.

Sós de parte,
assentadas, Juno e Palas

Nem boquejavam;
mas percebe-as Jove:

"Tristonha
estás, Satúrnia, e tu Minerva?

Quão lassas da
batalha gloriosa

Em que aborridos
Teucros derrotastes I

Esqueceu-vos que
os íncolas do Olimpo

Ao poder do meu
braço não resistem?

Antes mesmo das
bélicas proezas,

Os melindrosos
membros vos tremiam.

Fulminadas, por
certo, em vosso coche

Às mansões
imortais não voltaríeis."

 

Contíguas, gemem
comprimindo os lábios

Juno e Minerva,
e dano aos Teucros urdem.

Cala e a seu pai
Minerva oculta a raiva;

Mas Juno
estoura: "Cru minaz Satúrnio!

Senhor te
confessamos e invencível.

Se combater
porém nos é vedado,

Permite
aconselhemos os briosos

Lamentáveis
Aqueus, para que ao sopro

Da ira tua não
pereçam todos,"

 

E o tonante:
"Olhitáurea augusta Juno,

Quem sou te mostrarei;
verás, se o queres,

N’alva os teus
feros Gregos em derrota.

Heitor há-de
acossá-los, té que esperte

Um dia o ágil
Pelides, ante as popas

No estreitar-se
ao cadáver de Patroclo

Sevíssímo
conflito: é lei do fado.

Que presta vão
rancor? Nem que te sumas

Da terra e mares
nos confins, abismos

Do Tártaro onde
Iápeto e Saturno

De aura jucunda
e claro sol não logram;

Nem que erres
tão remota, iguais furores,

ó poço de
impudência, em pouco tenho."

Não tuge a
bracinívea. No Oceano

Cai o Sol, e
após ele na alma terra

Se espalha a
noite, com pesar dos Tcucros;

Mas aos Dânaos
foi grata a espessa treva.

 

Das naus longe,
ante o rio vorticoso,

Do morticínio
fora, a Heitor atentos,

Caro a Jove, os
Troianos se apeavam,

E em lança de
onze cúbitos, luzida

Com énea cúspide
e áureo anel em torno,

Ele se apoia, e
rápido perora:

"Ouvi,
Dardanos, Troas e aliados.

Pouco há
pensáveis, destruída a frota,

Em llio entrar
ovantes; mas na praia

Salvou denso
negrume as naus e os Gregos.

Ceda-se à noite,
e a ceia preparemos.

Ao pasto soltos
os frisões crinitos,

Vinho comprai
suave, c o pão das casas

E bois trazei da
praça e ovelhas gordas.

Lenhai com que
entreter nocturnos fogos,

Até que a filha
da manhã resplenda:

Pelo amplo dorso
equórco a gente Aquiva

Não cometa às
escuras escapar-nos;

Nem se embarquem
sem risco, mas na praia

Cure-se algum
dos tiros e lançadas
Que o firam no trepar; temam vindouros

Guerra mover
chorosa a heróis Troianos.

Apregoai, de
Jove amados núncios,

Que os de alvas
cãs e os púberes em rondas

Nos muros velem
que imortais ergueram;

Cada mulher seu
fogaréu acenda;

N’ausência
nossa, advirtam sentinelas

De ataque súbito
a cidade inerme.

Isto se cumpra:
de manhã, guerreiros,

Mais vos direi.
No Olimpo e em Jove espero

Esses cães
enxotar, que em fuscos vasos

Trouxe destino
infausto, e infausto os leve.

De noite alerta,
na arraiada prontos

Junto às naus
excitemos o acre Marte.

Verei se o grã
Tidides me repele

Das popas à
muralha, ou de hasta aénea

Se o prostro e
arranco-lhe o sanguento espólio.

Seu valor
provará, se deste braço

O embate
sustiver, mas conto em frente

Caia no albor do
Sol, com muitos sócios.

Isento eu seja
da velhice e morte,

E honre-me qual
Minerva ou qual Apoio,

Como o dia aos
Aqueus será funesto."

 

O aplauso ecoa.
Desjungidos foram

Os suados
ginetes, e a seu coche

O tiro se
encabresta. Ovelhas gordas

E bois trazem da
praça e o pão das casas,

Vinho compram
suave e lenha empilham;

Fumo e cheiro do
campo ao céu remontam;

Em ordem bélica,
ufanosos todos

Ante os fogos
pernoitam, quando no éter

Sereno, em cerco
da fulgente Lua,

As formosas
estrelas aparecem,

Grutas, serros e
brenhas aclarando:

Abre-se imensa a
região sidérea,

E o pastor em si
folga: de ílio em face

Iam-se tantos
lumes acendendo

Entre o Xanto e
os baixeis. De mil fogueiras

Homens cinqüenta
a cada uma assistem.

Farro e espelta
os corcéis comendo, esperam

A Aurora
apoltronada em pulcro sólio.

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