Ilíada de Homero
Versão de Odorico Mendes
ARGUMENTO DO LIVRO
XV
Júpiter, ao acordar,
vê os Gregos vencedores e os Troianos dispersos.
— Reconhece ser obra
de Jimo e dirige-lhe exprobrações. — Juno
diz que Neptuno é
o único culpado. — Juno, por ordem de Júpiter, vai
ter com Íris e Apoio
para que reanimem os Troianos. — Juno anuncia
aos imortais a morte
de Ascálafo, filho de Marte. — Quer este deus
vingar a morte de
seu filho. — Minerva o retém. — Íris força Neptuno
a deixar o combate.
— Apoio anima a Heitor. — Feitos de Heitor. —
A vista deste herói,
Patroclo aconselha Aquiles para ir ao combate.
— Os Gregos lutam
com valor. — Os Troianos se precipitam sobre os
navios. — Os Gregos
resistem, e depois fogem. — Ajax volta ao
combate e a luta recomeça.
— Horrível mortandade. — Ajax armado
de lança repele os
Troianos de junto dos navios.
Do valo e fosso com
matança expulsos,
Té seus carros vão
indo espavoridos!
No Ideu cimo do grêmio
da consorte
Erguido Jove, os Teucros
vê fugindo
E os Dânaos com Neptuno
a persegui-los,
E entre os sócios,
mais longe, Heitor jazendo
Sem tino, em ânsias,
vomitando sangue,
Por um pulso não débil
vulnerado;
E, condoído, o pai
de homens e deuses
A Juno olha terrível:
"Com teu dolo
Que danos, embusteira,
produziste!
Heitor fora da acção
e em fuga as tropas.
Não sei bem se, em
castigo desta insídia,
Aqui pespegue-te um
gibão de açoutes.
Já não te lembra que,
em algemas de ouro
Infrangíveis e aos
pés duas bigornas,
Entre as nuvens e
o éter pendurei-te,
Sem que os raivosos
numes te valessem?
Do limiar do Olimpo
o que o tentasse
Fora à terra sem
folgo despenhado.
Nem o nojo aplaquei,
de, unida a Bóreas
Proceloso, o meu
Hércules jogares,
Pelo ponto infrugífero
sem rumo,
À populosa Cós; dali
salvei-o,
Depois de tanto afã
reposto em Argos.
Eu to recordo, e
saibas que improfícuo
Te é concúbito e
amplexo, a que ardilosa
Do alto vieste cá
para enganar-me."
Juno a tremer: "A
terra e o céu convcxo
A Estige inferna,
aos deuses formidável,
Essa cabeça atesto
sacrossanta
E o nosso toro conjugai,
debalde
Nunca invocado: não
por meus conselhos
Infenso a Heitor,
Neptuno ajuda aos Gregos;
Mas, de seu moto
próprio, comoveu-se
De que ante a frota
sua os derrotassem.
Vou, se te apraz,
Nubícogo, exortá-lo
A se afastar, conforme
às ordens tuas."
Sorriu-se o Padre:
"Se, olhipulcra Juno,
Comigo ante os mais
deuses concordares,
Neptuno ao meu querer,
bem que repugnc,
Breve se renderá.
Sincero falas?
Pois da celeste corte
íris me envies
E Apoio arcipotente.
Ao campo Argivo
Íris baixe e me intime
ao rei dos mares
Que abandone o combate
e se recolha.
Febo robore a Heitor
e ao prélio excite,
Calme-lhe as dores
de que jaz opresso:
Ele de novo aos trépidos
Aquivos
Mande a Fuga e o
Terror, e em montões caiam
Junto às remeiras
naus do herói Pelides.
Eate a Patroclo instigará,
que, ante Ílio
Muitos matando e ao claro meu Sarpédon,
Sob a lança de Heitor
por fim sucumba:
A Heitor imolará furioso
Aquiles.
D’então concederei
vitória aos Gregos,
Té que, por traça
de Minerva, assolem
Ílion suberba; mas
não sofro austero
Que os auxilie um
deus, antes que o voto
Cumpra selado com
meu nuto, quando
Os joelhos abraçou-me
a rogar Tétis
Que eu lhe exaltasse
o vastado.r Aquiles."
Submissa a bracinívea,
do Ida monta
Ao celso Olimpo. Como
o pensamento
Voa do que há lustrado
longes terras,
E volvendo lembranças
diz consigo:
— Estive eu lá —;
destarte os ares frecha
Comota Juno. Os congregados
numes,
Ao avistá-la no celeste
alcáçar,
Levantando-se as taças
lhe oferecem;
Toma a de Témis, que
formosa e afável
Se lhe apresenta:
"A que vieste, Juno?
Tu pareces de susto
repassada:
Teu marido o Satúrnio
é disso a causa?"
"Témis, respondeu
ela, não mo inquiras;
Sabes quanto é cruel
e imperioso.
O festim continue;
ouvireis juntos
O anúncio e duro mando:
homens ou deuses,
Poucos regozijar-se
agora podem,
Se é que inda algum
se alegra nos banquetes."
Aqui seu trono ocupa,
e os deuses fremem.
Nos lábios um sorriso,
escrito o luto
Na turva testa e negras
sobrancelhas,
Indignada prossegue:
"Oh! nós dementes,
Que, em sanha contra
Jove, refreá-lo
Com razões ou com
forças desejamos !
Longe, nem disso cura,
e se gloria
De absoluto senhor
incontrastável:
Tolerai pois o mal
que dele mana.
A Marte um coube:
Ascálafo está morto,
Homem que ele mais
ama e tem por filho."
Marte, às punhadas
nas robustas coxas,
Urra c chora: "Celícolas,
o filho
Não me estranheis
que vingue, a raio embora,
Em sangue e pó, no
morticínio o Padre
Me derribe ante as
naus." — Súbito a Fuga
Manda e o Terror
aparelhar o coche,
Armas fulgúreas veste.
Mor seria
A indignação do Olimpo
contra Jove,
Se do sólio, temendo
pelos deuses,
Não saltasse ao vestíbulo
Minerva:
A tarja do ombro,
da cabeça o elmo,
Da rija mão lhe saca
a brônzea lança,
E conteve-lhe a fúria:
"Desalmado,
Enlouqueceste; já
não tens orelhas,
Nem siso, nem pudor.
Não compreendeste
O discorrer da augusta
Soberana,
De Jove Olímpio em
nome? Queres mesmo
Voltar cá de mil
dores contrístado,
E atrair sobre nós
infíndas penas?
Deixando ele os Troianos
e os Aquivos,
Virá de chofre nos
lançar do Olimpo,
Um por um, inocentes
e culpados.
Por teu filho, to
ordeno, abranda a cólera:
Outros inda mais
bravos têm caído
E cairão; progéníe
ou parto nosso,
Árduo é livrar da
morte, imposta aos homens."
Então Minerva o reconduz
ao trono,
E Juno a parte chama
Apoio e íris,
Núncia entre os imortais:
"Ide apressados,
Jove no Ida vos quer;
fitai-lhe o vulto
E obedecei à risca
às ordens suas."
Disse, e outra vez
no sólio colocou-se.
De voo os dois, no
Gárgaro, cabeço
Do Tda multimanante,
asilo a feras,
O omnividente Júpiter
acharam,
De odorífera nuvem circundado:
Corteses param; satisfeito
acolhe-os
De obedecerem pronto
à sua esposa,
E a Íris se endereça:
"Ao rei Neptuno
Anuncia fiel quanto
eu prescrevo :
Já já, largue a batalha;
ao céu remonte,
Ou se recolha ao
mar, Se refractário
E indócil for, pondere
se é de força
Bastante a me arrostar;
pois de mais velho
E muito mais potente
me glorio,
Bem que a bazófia
de igualar-me tenha,
A mim que enfreio
e aterro as mais deidades."
Aerípede a núncia,
impaciente,
A Tróia voa, qual
saraiva ou neve,
Gelada pelo frio
e seco Bóreas;
Súbito: "Crinicérulo
Neptuno,
Messageira do Egífero
a ti venho.
Já já, larga a batalha;
ao céu remonta,
Ou recolhe-te ao
mar. Se refractário
Ousares ser, pondera
se tens forças
De arrostá-lo em
furor, pois se gloria
De mais idoso e muito
mais potente,
Bem que a bazófia
tenhas de igualar-te
A quem aterra e enfreia
as mais deidades."
Arde e urra Neptuno:
"Ah! se é potente,
Orgulhoso ameaça
constranger-me,
Seu par em honras. De Satúrnio e Reia
Nascemos três, ele,
eu e o rei Tartárco.
Feita a partilha,
em sorte pertenecu-me
O pélago espumoso,
a Dite as sombras,
O éter nublado a
Jove e o largo pólo;
É-nos comum a terra
e o celso Olimpo.
Sujeito não lhe sou;
nos próprios reinos
Do altíssimo poder
goze tranqüilo.
Como um vil, do seu
braço não me assusto:
Imponha aos que gerou
filhos e filhas,
A se curvar sem réplica
obrigados."
Íris contesta: "A
Júpiter, Neptuno,
Tão cru recado! nem
sequer o alteras?
O erro emenda o prudente.
Assaz conheces
Que as Fúrias ao
mais velho assistem sempre."
"Recto falas,
tornou-lhe o azul monarca;
Inda bem, quando
o núncio a tempo adverte.
Mas do igual, por
direito e por destino,
Pungem nímio arrogâncias
e ameaças.
Desta vez por mim
quebro; só lhe digas,
E n’alma o sinto,
que, se a mim contrário
E a Minerva Ageleia,
a Juno e a Hermes
E ao rei Vulcano,
a Pérgamo sustendo,
Recusar aos Aquivos
o triunfo,
Há-de ser nossa cólera
implacável."
Aqui, ficando os
Graios consternados,
Por entre as ondas
se abismou de um salto.
Então Júpiter: "Vai,
meu filho Apoio,
Ao nobre Heitor.
O Enosigeu sumiu-se,
Esta dextra evitando:
a luta nossa
Aos ouvidos, no inferno,
até zoara
Dos que o trono rodeiam
de Saturno;
Mas foi dita escapar-se-me
furente,
Que eu enxuto vencê-lo
não podia.
Pega, sacode a égide
fimbrada,
Ó divinal frecheiro,
espanta os Gregos;
Cura de Heitor, o
alento lhe vigores,
Até que no Helesponto
às naus se acoutem:
Como respirem traçarei
folgado."
Lesto e contente,
Apoio do Ida parte,
Semelha ao gavião,
terror das pombas,
Pássaro o mais ligeiro;
acha o Priâmeo
Já sentado e não
mais desfalecido,
Reconhecendo os sócios
que o ladeiam,
Sem ânsias nem suor,
pois o alentava
Do Egífero o querer;
disse-lhe ao perto:
"longe da acção,
te assentas e esmoreces!
Que dor viva, Dardânio,
aqui te invade?"
Lânguido o herói:
"Quem és, óptimo nume,
Que me interrogas?
Junto às naus, ignoras
Que, ao lhe imolar
os sócios, uma pedra
Aos peitos atirou-me
Ajax valente,
O ímpeto meu tolhendo?
A alma exalando,
Ir ver Plutão cuidava
e os negros manes."
Mas o deus: "Sus,
mandou-me do -Ida o Padre
Ajudar-te: sou Febo
de áureo alfanje,
Teu patrono e de
Pérgamo: não tardes,
Compele contra as
naus teus cavaleiros;
Diante abro-te a
via e espanco os Dânaos."
Disse, e o reforça
e infunde-lhe alto brio.
De cevada nutrido
à mangedoura,
Do rio afeito à veia,
se o cabresto
Quebra o corcel,
de patas pulsa o campo,
Alça a testa, arrogante
e nédio agita
Na espádua a crina:
levam-no os joelhos
Aos notos sítios
onde as éguas pastam:
Assim marchava Heitor,
à voz de Febo,
Concitando apressado
os cavaleiros.
Se galgos e vilões,
em mata ou penha,
Cervo acossam galheiro
ou montes cabra,
E aos berros do animal,
que os fados poupam,
Sai barbudo leão,
do ardente encalço
Retêm-se: tais os
Dânaos, que de estoque
E bipontudo pique
a Teucra gente
Atropelavam, dês
que Heitor avistam
Correndo as alas,
tomam-se de medo,
E aos pés o coração
lhes cai a todos.
Mas Toas Andremónio,
flor Etólia,
Ao dardo exímio,
estrénuo fronte a fronte,
Que em discussões
a poucos dava a palma,
Cortado arenga: "Oh!
deuses, que prodígio!
Heitor, que morto
críamos ao golpe
Do Telamónio, incólume
ressurge!
Certo algum dos Supremos
o preserva,
E ei-lo nos vai solvendo
muitas vidas,
E solverá; pois cuido
que aparece,
Do Tonante incitado.
Ora, atendei-me:
A multidão à frota
recolhamos;
E os conspícuos do
exército, cerrados,
De lança em reste,
o choque repulsemos.
Por fogoso que seja,
Heitor espero
Que receie agredir
a tantos Gregos."
Isto os convence.
Os dois Ajax e Teucro,
Merion e o rei Cretense
e o márcio Meges,
Enquanto às naus
se retirava a tropa,
Contra o Priâmeo
um denso corpo formam.
Dos seus à frente,
a largo passo investe
Heitor; e os guia
Febo anuviado.
A de franjas brandindo
égide horrenda,
Obra e esmero das
forjas de Mulcíber,
Com que derrama Jove
os combatentes.
Sustem o embate os
Graios: o tumulto
Misto ecoa; dos nervos setas
tremem;
Bravos hastis nos
campeões se encarnam,
Ou, com gana de em
sangue saturar-se,
Desfalecem no meio.
Quando pára
A égide Febo Apoio,
a tiros morrem
De parte a parte;
quando a move e os olhos
Nos Dânaos fixa e
formidável troa,
Moles e tíbios seu
denodo esquecem.
Qual manada ou rebanho,
que a desoras,
Falto o pastor, salteiam
duas feras,
Afugentam-se os Gregos:
enviou-lhes
Febo o terror, aos
Teucros a vitória.
Cada herói prostra
alguém na debandada.
Imola Heitor a Arcesiíau,
caudilho
De arnesados Beócios;
mais a Estíquio,
De Menesteu brioso
o camarada.
Imola Encias a Medon,
bastardo
De Oileu e irmão
de Ajax, que o da madrasta
Eriópide havendo
assassinado,
Longe da pátria em
Fílace habitava;
E o prélio encrua
Heitor . Qual salsa vaga
Ruge à fúria do vento,
e as amuradas
Sobrepuja crescida;
assim trasbordam
O muro, em algazarra,
os assaltantes.
Já dentro, barba a
barba combatiam
Uns, dos carros, com
lanças bipontudas;
Outros, com fustes
longos de éreo gume,
Armas navais nos bojos
reservadas.
D a s popas longe
enquanto era a peleja,
Do virtuoso Eurípilo
na tenda
Conversando Patroclo
o deleitava,
E à chaga a dor com
bálsamos lenia:
Porém, dentro no muro
ao ver os Teucros,
Em grita e fuga os
Danaos, carpe, aos murros
Nos quadris, geme
e chora: " E u mais não devo
E s t a r contigo,
Eurípilo; a derrota
Sobe de p o n t o
; o servo de ti cure,
Vou compelir Aquiles
ao combate.
Quem sabe se um bom
nume há-de ajudar-me?
Do amigo a voz os
corações comove."
Presto levam-no os
pés. Firmeza e audácia
N ã o podem rebater
os poucos Teucros,
N e m estes, prerrompendo
as hostes Graias,
N a u s invadir nem
t e n d a s : qual industre
Carpinteiro, amestrado
por Minerva,
Prancha marítima a
cordel nivela;
Da linha assim teimosos
não se apartam,
E assim da frota em
roda se entrechocam.
Rui contra Ajax Eleitor;
o embate agüentam
Cerca de uma das popas,
sem que obtenha
Um , repulso o rival,
incendiá-las,
O outro, o varão forçar
que um deus guiava.
A Caletor filho de
Clícío, ao tempo
Que um lenho ia queimar,
Ajax de um bote
O peito arromba, com
fragor baqueia,
L a r g a o aceso
tição. Heitor, que o primo
Vê revolto no pó,
brada e conforta:
E o prélio encrua
Heitor. Qual salsa vaga
Ruge à fúria do vento,
e as amnradas
Sobrepuja crescida;
assim trasbordam
O muro, em algazarra,
os assaltantes.
Já dentro, barba
a barba combatiam
Uns, dos carros,
com lanças bípontudas;
Outros, com fustes
longos de éreo gume,
Armas navais nos
bojos reservadas.
Das popas longe enquanto
era a peleja,
Do virtuoso Eurípilo
na tenda
Conversando Patroclo
o deleitava,
E à chaga a dor com
bálsamos lenia:
Porém, dentro no
muro ao ver os Teucros,
Em grita e fuga os
Dânaos, carpe, aos murros
Nos quadris, geme
e chora: "Eu mais não devo
Estar contigo, Eurípilo; a derrota
Sobe de ponto; o
servo de ti cure,
Vou compelir Aquiles
ao combate.
Quem sabe se um bom
nume há-de ajudar-me?
Do amigo a voz os corações
comove."
Presto levam-no os
pés. Firmeza e audácia
Não podem rebater
os poucos Teucros,
Nem estes, prerrompendo
as hostes Graias,
Naus invadir nem
tendas: qual industre
Carpinteiro, amestrado
por Minerva,
Prancha marítima
a cordel nivela;
Da linha assim teimosos
não se apartam,
E assim da frota
em roda se entrechocam.
Rui contra Ajax Eleitor;
o embate agüentam
Cerca de uma das
popas, sem que obtenha
Um, repulso o rival,
incendiá-las,
O outro, o varão
forçar que um deus guiava.
A Caletor filho de
Clício, ao tempo
Que um lenho ia queimar,
Ajax de um bote
O peito arromba,
com fragor baqueia,
Largíi o aceso tição.
Heitor, que o primo
Vê revolto no pó,
brada e conforta:
"Lidos e Troas, campeões Dardânios,
Nenhum de vós afrouxe em tanto a p
e r t o ;
N ã o deixeis despojar de Clício o
filho,
M o r t o aqui no recinto em que pugnamos."
E contra Ajax dispara, e o tiro emprega
Em Licofron Mastório, de Ajax pajem
Dês que em Citera assassinou, divina
Pátria sua, um v a r ã o : perfura
a ponta
Pela orelha a cabeça; vai de costas
Ante um baixei, e solvem-se-lhe os
membros
Do amigo ao pé, que freme e a Teucro
chama:
"Sangue meu jaz rendido ao braço Hectóreo.
O filho de Mastor, fiel companha,
Que de Citera vindo, hóspede em casa,
A par de nossos pais honrámos sempre:
Que presta o arco letal que deu-te
A p o i o ? "
Teucro o percebe, e de arco teso e
aljava
Corre a frechar a Clito Piseonório,
Que, auriga do preclaro Polidamas,
Armado aos gabos do Príâmeo e T r
o a s ,
Batendo as bridas revirava as éguas
Ao grosso das falanges p e r t u r
b a d a s :
Votos recusa a Parca; atrás lhe zune
E adere à nuca a seta lagrimosa:
Tomba do assento; as éguas retrocedem,
Rojam vazio estrepitando o carro.
obvio o Pantóides veio, e a biga ardente
A Astinos entregou Protiaónio,
E ordenando que o siga passo a passo,
Reuniu-se aos primeiros contendores.
Teucro outra seta ao nobre H e i t
o r aponta,
Cuja morte livrara as naus do ataque;
Mas Jove, que o pressente e nele vela,
Negou tal glória ao jovem Telamónio,
Nas mãos quebrou-lhe acorda : escapa-se
o arco,
E a seta esgarra pelo aéneo peso.
Teucro estremece e clama: "Ajax,
um nume
Nos burla certo;
o arco lançou fora,
Rompeu-lhe a nova
corda, que hoje mesmo
Liguei torcendo-a
para crebros tiros."
Diz-lhe o mais velho:
" I r m ã o , depõe esse arco
E farpões que dispersa
ínvido nume;
Pega do escudo, longo
pique arvora,
Aos Troianos remete
e anima as tropas;
Ao menos, sem perigo
não se apossem
Da instruía frota;
ousados resistamos."
O arco na tenda encosta,
e embraça Teucro
O quadrúplice escudo,
enfia insigne
De eqüina hórrida
crista elmo comante,
Válida lança empunha
de érea choupa,
E em reforço de Ajax
volta açodado.
Falhando as setas
por mercê divina:
"Amigos, brama
Heitor, sede homens, Teucros,
Dardanos, Lícios,
e quem sois vos lembre.
A frecha eu vi baldar-se
ao grande archeiro;
Fácil descobre-se
o favor de Jove,
Quando exalta ou
suplanta os que lhe a g r a d a :
Ele nos glorifica
e abaixa os D â n a o s ;
Unidos assaltai.
Quem mortal golpe
Beber de perto ou
longe, honrado acabe:
Quanto é belo salvar
os bens e a casa,
E os filhos e a mulher,
deixar-lhes pátria,
Se os Dânaos para
a sua as velas derem!"
Com tais vozes denodo
inspira a todos.
Além, se opunha Ajax:
"Que pejo, ó Gregos!
Vencer hoje ou m
o r r e r ! guardai-me as popas:
Se o de fulgúreo
casco e undante as rende,
Contais a pé chegar
ao doce ninho?
Ouvis como furente
a incendiá-las
Incita os seus? Por
certo que os não manda
Bailar, mas combater.
Melhor conselho
É mão por mão travarmo-nos
com eles.
Ou já perder a vida
ou conservá-la;
Inultos pouco a pouco
a não gastemos,
Com menores guerreiros contendendo."
Seu discorrer os
corações robora.
A Esquédio Perimédites,
caudilho
Fócio, Heitor mata;
Ajax mata a Laodamas,
Claro Antenórida
e pedestre cabo;
A Oto Cilénio, chefe
Epeu galhardo,
Companheiro de Meges,
Polidamas.
Salta-lhe Meges:
furta-se o Troiano,
E o golpe esgarra:
não permite Apoio
Que o Pantóides à
frente ali pereça;
A lança os peitos
atravessa a Cresmos,
Dcita-o por terra;
e, ao desarmá-lo o Dânao,
Sai Dolope, fogoso
hábil hasteiro,
Prole do óptimo Lampo
Laomedóncio,
Que ao Fileides ao
meio passa o escudo
Rosto a rosto, embaçando
a ponta em juntas
Convexas placas da
loriga espessa:
Da assente Efire
do Siléis à margem
Trouxe-a Fileu; dom
foi do régio Eufetes,
Para que ele em batalhas
se munisse,
E agora à morte lhe
subtrai o filho.
No cocar do cimo
aénco o pique Meges
Eis crava-lhe, e
o penacho destacado
Brilha puníceo e
fresco entre a poeira.
Tnda assim, briga
e insiste esperançoso;
Mas de hasta Menelau,
surdindo a furto,
A Dolope traspassa
pela espádua:
Ao peito sai a cúspide
raivosa
E o debruça na arena;
os dois correram
Dos ombros a arrancar-lhe
as pulcras armas.
Heitor aqui desperta
os consanguíncos,
Mormente a Menalipo
Hicetaónio:
Este em Percote armentos
pastorava;
Mas acudindo à guerra,
espelho aos Teucros,
Príamo em casa o
honrava como a filho.
Acoimado assim foi:
"Quê! Menalipo,
Remissos nós! e a
ti nem te comove
O morto primo? O
afogo em despojá-lo,
Não vês? Segue-me:
os Gregos é vergonha
Combatermos de longe:
ou se exterminem,
Ou nade Ílio no sangue
de seus filhos."
Marcha, e com Menalipo
a um deus parelho.
Os Aqueus excitava
o Telamónio:
"Tende, amigos,
pudor no atroz conflito:
A morte menos ceifa
os que enrubescem
Temendo a infâmia;
sem socorro acabam
E sem glória os fujões."
Com tais palavras
A repelir o ataque
inflama os Graios,
Que de éneo muro
a frota circundaram;
Porém Jove os Trojúgenas
alenta.
Súbito Menelau :
"Nenhum dos nossos,
Antíloco, te excede
em juventude,
Em ligeireza e força;
olha se um bravo
Aqui prosternas."
Disse, e desparece.
O Nestório incitado,
em roda esguarda,
Salta e esgrime:
os Troianos se arredaram,
Mas não se perde
o fúlgido arremesso;
Na mama espeta ao
forte Hicetaónio
Que arremetia, e
ao baque o arnês rctumba.
Qual despede o sabujo
ao corçozinho
Que, da cova ao pular,
sucumbe ao golpe
De venábulo cru:
tal, Menalipo,
Desfecha Antíloco
a despir-te as armas.
Sentido corre Heitor
por entre as filas;
Mas, bem que audaz,
Antíloco lhe foge:
Assim mosca-se a
fera, morto havendo
A rafeiro ou pastor,
antes que em pinha
Assaltem-na os vilões.
Heitor e os Teucros
Tiros mortais bramando
lhe amiúdam;
Só pára e a face
volta ao pé dos sócios.
Famélicos leões às
naus carregam,
Os decretos de Júpiter
cumprindo,
Que os esforçava
e amolecia os Gregos.
De Tétis escutando
a injusta prece,
Quer deprimi-los
e exaltar a glória
De Heitor, que à
frota infadigáveis chamas
Há-de arrojar; e
espera o árbitro sumo
Ver pelas negras
naus luzir o incêndio,
Para a seu turno
acabrunhar os Teucros
E aos Dânaos conceder
cabal vitória.
Júpiter pois a Heitor
suscita e abrasa,
Ardente por si mesmo:
o herói braveja,
Como o lanceiro Marte,
ou voraz fogo
Ateado em profunda
e basta selva;
E, por graça do Egífero
que acima
Dos varões o elevava,
ele campeia,
Fulgor no torvo olhar,
na boca espuma,
Na fronte o casco
horrendo flutuando.
Ah! Palas já lhe
encurta a fatal hora
Sob o tremendo Aquiles
I Voa entanto
Alas a desfazer,
por onde avista
Arneses mais louçãos,
mais condensados;
E, apesar do desejo,
em vão trabalha,
Pois num quadrado
os Gregos renitiam:
Firmes o embate aparam,
qual penedo
Repele o choque de
sonoros ventos,
De alva mareta que
o salpica e ronca.
Ruindo enfim pelo
tropel, um facho
Meneia Heitor. Se
em rápida procela
Encanece o escarcéu,
nas cintas bate
E de água inunda
a nau rajada enorme
No velame a zunir:
enfiam nautas,
Por tão pouco da
morte separados:
A alma no peito Argívo
assim tituba.
Sc dá no armento,
em paludoso pasto,
Um leão carniceiro,
e o guarda inábil
Não sabe defendê-lo:
atrás e avante
Pula a fera, no meio
uma devora,
Trêmulas dispersando
as mais novilhas:
Assim por Jove e
Heitor são destroçados
Os Dânaos todos;
e o Troiano chefe
Mata um só, Perifetes
de Micenas,
Filho desse Copéu,
que ao divo Alcides
De Euristeu duro
as ordens intimava.
De indigno pai, mas
em virtudes raro,
Sábio entre os Miceneus,
ágil, valente,
Ali deu maior gabo
à lança H e c t ó r e a :
Ao virar-se na extrema
orla do escudo,
Que descia aos talões,
embaraçou-se;
Cai de costas, e
às fontes o elmo soa
Medonhamente: ao
baque H e i t o r ocorre,
A hasta lhe enterra
ao pé de muitos sócios,
Que mestos socorrê-lo
não podiam,
Do formidável pulso
tremebundos.
Forçados os Aqueus,
defronte haviam
As dianteiras naus,
e as mais vizinhas
Ao mar tinham detrás;
num corpo todos,
Junto aos seus pavilhões
as linhas cerram.
M e d o e pejo os
retêm, mútuos se animam,
Sempre a vociferar;
Nestor Gerénio,
Deles custódio, a
cada qual suplica
E obsecra por seus
pais: "Constância, amigos,
Dos homens o labéu
temei: lembrai-vos
Dos filhos, das mulheres,
dos haveres,
Dos vossos vivos
pais, dos já defuntos;
Pelos ausentes vos
conjuro e imploro,
Tende-vos quedos,
não fujais, Aquivos."
Com isto acesos,
removeu Minerva
Nuvem divina que
os cegava: às claras
Vêem o assalto geral
da frota em r o d a ;
Vêem a H e i t o
r e os seus bravos, de reserva
Quantos estavam,
quantos combatiam.
O magnânimo Ajax
entre os consócios
N ã o quis ficar:
naval brandindo chuça
De alguns vinte dois
cúbitos, com pregos
Reforçada, ao convés
de uma das popas
O passo largo monta;
e, como eqüestre
Volantim, que do
campo uma quadriga
Toca p a r a a cidade e as ruas corre,
De cavalo em cavalo
aos –
pulos
sempre,
Mulheres e varões
embasbacando,
De convés em convés
o herói saltava;
Sobe aos astros a
voz, que assídua os Gregos
A proteger instiga
as naus e as tendas.
N e m com a armada
chusma era o P r i â m e o ;
De chofre, como invade
uma águia parda
Gansos ou grous ou
colilongos cisnes
Que em bando à fresca
riba se apascentam,
Vai contra um vaso
de cerúlea p r o a :
A mão de Jove o impele
e os seus Troianos.
T ã o furioso o conflito
renovou-se,
Que disseras intactos
e indefessos
Pela primeira vez
se acometiam.
Diverso ânimo os leva:
os Dânaos lutam
N ã o cuidando escapar;
os de Ílio contam
Extinguir seus heróis
e às naus pôr fogo.
Insistia a esperança
e o desespero.
A popa aferra H e
i t o r que alada e bela
Trouxe a Protesilau,
nem mais à pátria
O há-de restituir:
Aqueus e T r o a s
Matando-se esta nau
se disputavam.
N ã o bastam frechas,
dardos; testa a testa,
De uma alma aviventados,
pelejavam
A gume de secures,
de bipenes,
De montantes e piques
bipontudos.
Caem de ombros e mãos
punhais e alfanjes,
De escuros punhos
e maçãs fornidos;
Flui o sangue de envolta
e o chão denigre.
N ã o larga H e i
t o r a popa que aferrara,
E seguro no aplustre,
aos seus b r a d a v a :
"Fogo, Teucros,
cerrai-vos. Luz o dia
Em que Júpiter sara os nossos males;
Tome-se a frota, que,
apesar dos numes,
T ã o fatal nos tem
sido, por frieza
De velhos que, atalhando
os meus desejos,
De a vir bater o
exército impediam:
O Tonante, que a
mente nos turbava,
Hoje é quem nos alenta
e nos compele."
Disse, e afervora
a pugna. Ajax, em tiros
Submerso, morrer
pensa, e pouco a pouco
Do tombadilho para
um banco passa
De sete pés; dali,
de chuça arreda
A quem trazia a infatigável
chama,
Sempre atento e a
rugir com voz terrível:
"Márcios Dânaos
heróis, firmeza, amigos,
Sede o que fostes
sempre: acaso temos
Atrás qualquer socorro
e um forte muro?
Falta-nos gente fresca
e torreada
Munida praça; o mar
nos tolhe e estreita;
Na terra estamos
dos belazes Teucros,
Longe da própria:
em tréguas não fiemos.
A salvação consiste
em nossos braços."
Sua arma então brandindo
formidável,
A perseguir a quem, de Heitor a instâncias,
De facho às cavas
naus se apropinquava,
Repentino ele o fere,
e a doze estende.
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