Ilíada de Homero – Canto XXI

Ílíada de Homero
Resumo e apresentação da Ilíada
Prefácio a Ilíada de Homero
Canto I
Canto II
Canto III
Canto IV
Canto V
Canto VI
Canto VII
Canto VIII
Canto IX
Canto X
Canto XI
Canto XII
Canto III
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XIV
Canto XV
Canto XVI
Canto XVII
Canto XVIII
Canto XIX
Canto XX
Canto XXI
Canto XXII
Canto XXIII
Canto XXIV

Ilíada de Homero – Versão em português de Odorico Mendes – Livro XXI

Argumento do Livro XXI

Derrota dos Troianos à margem do Xanto. — Aquiles, já aborrecido de tantas mortes, prende doze guerreiros Troianos, que devem morrer em memória da morte de Patroelo. — Súplica de Licaon. — Morte de Licaon. — Luta de Aquiles e de Asteropeu. — Aquiles triunfa. — Indignação de Xanto. — Combate de Aquiles e do Kio. — Diversos episódios produzidos por esta luta. — Combate dos deuses. — Furor de Aquiles, depois da intervenção de Apoio em favor de ílio, e da volta dos deuses para o Olimpo. — Apoio inspira ao divino Agenor a resolução de esperar Aquiles a pé firme. — Aquiles é ameaçado por Agenor, mas Apoio intervindo salvou-o dos golpes de Aquiles. — Por um disfarce de Apoio Aquiles afasta-se dos muros de Tróia.

Ilíada de Homero – Canto XXI

Num vau do refluente ameno Xanto,
Gérmen de Jove, os Teucros divididos,
Parte à cidade Aquiles os rechaça,
Por onde à fúria do ínclito Priâmeo
Os Aquivos na véspera fugiram,
E ora, expandindo Juno um nevoeiro,
Detinha os outros: parte nas voragens
Se despenham do fundo argênteo pego,
E hórrido ao longe as ribas retumbando,
Entre abismos a nado esparsos fremem.
Se do fogo a um riacho os gafanhotos
Voando abrigam-se e os persegue o fogo,
N’água medrosos caem: assim de Aquiles
Vão de envolta correndo homens e carros,
E do sonoro Xanto o bojo atulham.

Sob uma tamargueira esconde a lança,
Como um demônio pula, e só de espada,
Rumina estragos, estoqueia e talha;
Gemidos e urros a seus golpes soam,
E rubeja a corrente. Qual de enorme
Delfim, que os vai tragando, em porto escuso
Com susto refugiam-se os peixinhos;
Tais os Teucros do Xanto impetuoso
Nos recessos das bordas se agachavam.
Já de matar cansado, escolhe doze
Que do Menécio aos manes sacrifique;
Do rio os tira, e como uns corçozinhos
Estupefatos, para trás os pulsos,
Ata-os com loros que gentis cingiam
Das túnicas em torno, e a bordo os manda.

Sedento na carnagem progredindo,
Aquiles dá com Licaon Priâmeo
A escafeder-se; o qual foi seu cativo,
De assalto à noite nos paternos prédios,
Onde uma baforeira a gume aêneo
Para chaços e cambas esgalhava.
De súbito empolgado, e na possante
Lemnos ao filho de Jason vendido,
Hóspede Eetion d’Imbro ali comprou-o
Por alto preço, e o pôs na sacra Arisba,
Donde ele fugitivo à casa veio.
Ao duodécimo dia que no seio
De parentes e amigos se alegrava,
Fê-lo um deus recair nas mãos de Aquiles,
Que a Dite sem refúgio ia enviá-lo.
Quando o avistou nu d’elmo e escudo e lança
(Do rio ao se escapar, tudo largara,
De suor e cansaço titubando),
Consigo o herói magnânimo se indigna:
“Oh! Que portento! Os que hei mandado aos mares
Certo ressurgirão do centro escuro,
Se este aqui surde que, vendido em Lemnos,
Foi da Parca poupado; nem reteve-o
O espúmeo salso mar, que enfreia a tantos.
Prove a cúspide nossa, a ver se torna
Desta vez, ou se a terra ultriz, que impede
Os mais valentes, impedi-lo sabe.”

Enquanto o herói discursa, o triste anseia
Abarcar-lhe os joelhos e esquivar-se
Ao negro fado: mas esgrime Aquiles;
Prostra-se o moço trêmulo, e por cima
O pique vara e finca-se na terra,
Desejando fartar-se em carne humana.
Ele a sustém na destra, e com a esquerda
Abraçando-lhe os pés, rápido exclama:
“De Jove aluno, compaixão! Respeita
Um como suplicante; pois de Ceres
O pão já te comi, quando apanhado,
Longe do pai e amigos me vendeste:
Cem bois ganhaste, hoje haverás trezentos.
Depois de tanta pena, há doze auroras
Que de Ílio gozo, e a ti me entrega a sorte
E o rancor do Satúrnio! Curto em anos
Me produziu Laotoe, a de Altes filha,
De Altes que rege os Lélagas da margem
Do Satnióis em Pédaso escarpada:
Príamo a teve esposa e outras princesas;
Dela nascemos dois, e exício és de ambos:
Entre os peões da frente a Polidoro
Já tu sacrificaste; a vez me toca.
Um mau gênio me trouxe, e não me salvo;
Mas ouve ao menos: tem de mim piedade,
Que eu uterino irmão não sou daquele
Que do sócio privou-te e meigo e forte.”

Assim perora, e imite voz escuta:
“Louco! Em resgate falas? Grato me era,
Antes que ao meu Patroclo urgisse a Parca,
Perdoar a alguns Teucros e vendê-los;
Hoje a nenhum, que me depare um nume,
Perdoarei, mormente aos Priameios.
Amigo, morre; por que em vão pranteias?
Também, melhor do que és, morreu Patroclo.
Vês-me aqui belo e bravo, de mãe deusa
E ilustre pai gerado? Pois violento
Fado me ocorrerá, quer manhã seja,
Ou tarde ou meio-dia, quando a vida
Alguém de hasta me tronque ou seta alada.”

Esmorecido e de joelhos frouxos,
Larga o pique e sentado as mãos protende:
Logo o aucípite gládio puxa Aquiles,
Entre a clavícula e a cerviz lho enterra;
Ele de bruços tomba, em sangue negro
O chão regando. Por um pé no rio
O vencedor o arroja a gloriar-se:
“Vai-te, e ao golpe te lamba audaz cardume:
Nunca em fúnebre leito a mãe te chore,
Mas em vórtices rola ao vasto ponto;
Peixe entre a vaga turva em cima salte,
E o ceve Licaon de branco zerbo.
Hei de ir-vos trucidando e perseguindo
Até rendermos Tróia, sem valer-vos
De argêntea veia o férvido Escamandro,
A quem freqüentes imolais novilhos,
Vivos corcéis lançando-lhe às voragens.
Sim, com morte cruel pagareis todos
A de Patroclo, ó vós que em minha ausência
A alma a tantos Aquivos arrancastes.”

O Xanto irou-se, e ali cogita o como
Remova tal flagelo e os Teucros livre.
De ávida lança entanto investe Aquiles
A Asteropeu, de Pélegon gerado,
Que o foi de Áxio profundo e amplo-fluente,
Com quem mesclou-se Peribeia, a filha
Maior de Acessameno: Pelegônio
Com duas lanças do Escamandro surge,
Que alento lhe infundiu, por indignar-se
De que em seu seio Aquiles despiedoso
Tantos jovens heróis sacrificasse.
Já fronte a fronte, o pé-veloz pergunta:
“Quem és para encarar-me? Os que se atrevem
São de infelizes malfadados filhos.”

E Asteropeu: “Magnânimo Pelides,
Quem sou perguntas? Cabo vim de hastatos,
Há somente onze auroras, da longínqua
Fértil Peônia; entronco no Áxio rio
De larga veia, a mais louçã na terra,
No Áxio que é pai de Pélegon lanceiro,
E este gerou-me. Agora pelejemos.”

Disse-o minaz; levanta o freixo o Aquivo.
Presto ambidestro esgrime o herói Peônio:
Uma hasta o escudo fere, e no ouro pára,
Dom de Vulcano; o cotovelo destro
Esfola a outra, em sangue o tinge escuro,
Finca-se em terra, as carnes anelando.
Segundo Aquiles de matar ansioso,
Vibra o voante lenho, que erradio
Vai metade pregar-se à ribanceira;
Puxa de junto a coxa o ardente gládio.
Lidava Asteropeu com mão robusta
Por despregar a furibunda lança,
Três vezes tenta e as forças lhe falecem;
Mas da quarta, encurvando-a por quebrá-la,
Pronto, abaixo do umbigo, uma estocada
Vaza-lhe as tripas, e atra noite o cobre.
Salta-lhe em cima e o despe ovante Aquiles:
“Jaze aí: se de um rio a origem trazes,
Lutar é árduo com Dial progênie:
Provir dizias do Áxio amplo-fluente;
Eu me glorio de provir de Jove:
O rei dos Mirmidões Peleu gerou-me,
A este Eaco, a Eaco o padre sumo.
Quanto ele é poderoso mais que os rios,
De um rio a descendência à dele cede.
Eis perto o largo Xanto, e não te vale,
Pois nenhum ao Satúrnio se equipara;
Nem o régio Aqueloo, nem o imenso,
Flutíssono Oceano, donde os rios,
Os mares todos manam, fontes, poços;
Porque este mesmo do Tonante treme,
Do celeste fragor, do raio horrendo.”

Então saca da borda o pique aêneo;
Deixa o morto na areia e turbas águas,
Onde enguias em roda e peixes fervem,
E dos rins a gordura ávidos comem.
Caído o exímio cabo, os seus nos coches
Do Xanto ao longo espavoridos fogem:
Segue-os o celerípede, e lhes mata
Astipilo, Ofelestes, Mneso e Trásio,
Medon, Ênio e Tersíloco. Outros muitos,
O herói prostara, se agastado o rio,
Em vulto humano de profundo pego
Entre voragens não falasse: “Aquiles,
Em crueza e denodo os homens vences,
E o Céu te ajuda. Se os Troianos todos
Exterminar concede-te o Satúrnio,
Sai do meu leito, ao campo o estrago leva;
De mortos plena e estreita a clara veia,
Não posso ao divo ponto abrir caminho,
E inda mais de cadáveres me atulhas!
Príncipe, é muito, o assombro meu te baste.”

E ele: “Divo Escamandro, como ordenas
Será; mas eu não cesso, antes que encerre
Na cidade os fedífragos Troianos,
E a braços com Heitor, ou morra ou mate.”
Ao tropel eis dispara o atroz demônio,
E a Febo clama o rio: “Argenti-archeiro,
Do Satúrnio os preceitos não te lembram
De assistires aos Teucros e amparares,
Té que o sol vespertino o prado obumbre?”

Da riba entanto se despenha Aquiles;
Mas, qual touro mugindo e a revolver-se,
Túmido o Xanto os apinhados mortos
De si furioso expele, esconde os vivos
Na alva corrente e vórtices profundos,
E o voraz homicida escarcéus turvos
Cerram, batem no escudo, os pés lhe embargam.
Ei-lo, extirpando com porção da margem
Olmo que ali viçoso ia crescendo,
Sustém na rama a cheia e em ponte o lança,
Por onde perturbado ao campo voa:
Após negreja o rio e alteia vagas,
Para impedir o exício dos Troianos.

O herói saltando como um dardo alcança;
Águia é fusca a dar caça impetuosa,
Fortíssima e celérrima entre as aves:
Troa-lhe o arnês medonho, e oblíquo foge;
Mas flutíssono o rio atrás o acossa.
Se de negro olho d’água o fontaneiro
Arroio aduz por hortos e plantios,
E de enxada o regueiro desentope,
Decliva a linfa os seixos remexendo,
Murmura, e em breve se adianta ao guia:
Tal (pois os deuses mais que os homens valem)
Supera a enchente ao pé-veloz Pelides.
Sempre que arrosta e pára, a ver se à fuga
Os celícolas todos o constrangem,
Incha o rio e lhe banha e embate os ombros;
Dá mesto um novo salto, e em roda o Xanto,
Progênito de Jove, o enerva e cansa,
Rouba-lhe às plantas a inundada areia.
Geme enfim e olha os céus: “Nenhum dos numes,
Ai! Júpiter, me livra deste rio?
Socorro, e apararei qualquer tormenta.
Não culpo outro imortal quanto a mãe culpo,
Que mendaz com morrer me acalentava
À frechada de Apolo ante Ílio sacra.
Oh! Matasse-me Heitor, o herói Dardânio
Fora de um bravo um bravo despojado.
Hoje inglório pereço, aqui submerso,
Como o zagal mesquinho que, ao passá-la,
A torrente invernal o engole e afoga.”

Netuno e Palas súbito aparecem
Em vulto humano, a mão nas mãos lhe tomam;
E o grande abalador: “Ânimo, Aquiles;
Jove o permite, ajudo-te eu com Palas;
No Xanto perecer não é teu fado,
Refluir o verás. Escuta agora
Prudente aviso: o braço não repouses
Nem te recolhas, sem que dentro encoves
Quantos possam fugir e Heitor suplantes;
Nós te aplainamos o triunfo e a glória.”

Finda, juntam-se os deuses; propelido,
Ele ao campo alagado se arremessa,
Onde armas e cadáveres boiavam,
Com mor esforço, que lho influi Minerva,
Salva de um pulo as vagas. O Escamandro
Não desiste; sanhoso e intumescido,
Mais se encarneira, ao Símois vocifera:
“Caro irmão, reprimi-lo ambos devemos,
Ou, só por este esparsos os Troianos,
Desabará de Príamo a cidade.
Acode, acode; o álveo encham-te as fontes,
Os ribeiros concita, engrossa e estua,
Derriba troncos, desarreiga pedras,
Contra o imano varão, que assim campeia
E ousa igualar-se a deuses. Que lhe prestam
Garbo e vigor e pulcro arnês, se tudo
Vai sumir-se em meu seio reminhoso
E afundar-se no limo? Aquiles mesmo,
Hei-de em saibro envolvê-lo e imensa vasa,
Por único sepulcro; nem seus ossos
Tem de colher-se, e exéquias celebradas,
Sobre o corpo deitar-se amiga terra.”

Subleva-se entre espuma e sangue e mortos;
Mas, do Xanto divino quando a vaga
Vermelha o assoberbava, um grito Juno
Dá, receando que o revolto rio
Na voragem profunda o herói sorvesse,
E recorre a Vulcano: “Sus, meu filho,
Combate o Xanto, e vasto fogo acende;
Zéfiro e Noto eu chamo, e uma borrasca
Soprem do ponto a propagar o incêndio,
Que aos Troas armas e cabeças queime:
As árvores do rio e o leito inflama,
Nem te retenha o impulso ameaça ou rogo;
Somente ao brado suspende a fúria.”

Disse, e o fogo rebenta; os corpos queima
Empilhados no campo, e o campo enxuga
E estanca a inundação; qual, pelo outono
Desseca Bóreas encharcadas veigas
E alegra o lavrador. Ao rio as chamas
O Ignipotente inclina; olmos, salgueiros,
Tamargueiras, morraças, lotos, junças,
Quanto as margens lhe adorna, abrasa tudo:
Peixes e enguias, do hálito Vulcânico
Aflitos, pelos vórtices mergulham;
Violento o Xanto, abafa e diz: “Mulcíber,
Nenhum deus se te opõe; lutar não quero
Com tanto fogo, da contenda cessa;
Expulse Aquiles da muralha os Teucros.
De rixas e de auxílios que me importa?”

Mais a ígnea tormenta se exaspera:
Qual de um cevado a banha, a derreter-se
Em caldeirão que muita lenha aquece,
Crepita e bolha e espirra; assim fervia
Do Xanto o belo seio, e sem que as águas
Pudesse despejar, pois lhe vedavam
Labareda e vapor, depreca: “Ó Juno,
Por que teu filho contra mim só raiva?
Se é culpa, Ílio outros numes favorecem.
Pois o mandas, me abstenho, e ele desista;
Eu juro nunca mais socorrer Tróia,
Nem que inteira a consuma o fogo Argivo.”

Ouviu-lhe a prece a bracinívea déia,
A Vulcano bradou: “Bom filho, basta,
Por humanos um deus não mais flageles.”
Ei-lo súbito apaga o imano incêndio,
E em regatos gentis reflui o Xanto:
Os rivais, bem que irosa, aparta Juno.

Ali nos corações dos outros numes
Cresce o furor, o burburinho cresce,
Reclama a larga terra e o céu remuge;
Porém no Olimpo Júpiter sentado,
Se regozija a rir-se do conflito.
Já, testa a testa, o fura-escudos Marte
Corre a Palas de lança: “Por que os deuses,
Varejeira audacíssima, discordas?
Lembras-te que, a Tidides instigando,
A hasta sua, orgulhosa, dirigiste,
E o meu corpo divino laceraste?
Ora me vingarei daquela afronta.”

E na terrível égide, que ao raio
De Jove resistira, o desmedido
Pique lhe crava; a recuar, Minerva
Levanta negra pedra áspera e grossa,
Com que seu campo antigos demarcavam;
Fere ao pescoço o turbulento Marte,
E lhe enfraquece os membros: sete jeiras
Ocupa ao longo, e o pó lhe mancha a coma,
Com desusado ronco o arnês ribomba.
Rindo Minerva, gloriosa grita:
“Néscio! Atreves-te a mim que sou mais forte?
As maldições da mãe em ti caíram,
Furiosa de que os Dânaos desertasses
E os fedífragos Teucros auxilies.”

Disse, e os numes arreda. Conduz Vênus
A Marte, que os sentidos mal cobrando,
Vai gemendo açodado. Avista-o Juno
E diz: “Prole do Egífero indomada,
Olha a mosca impudente, que inda leva
Pela destra o flagelo dos humanos
Entre o aceso alvoroto: a ela, filha.”

Folga Minerva, e diligente parte;
Senta a pesada mão no peito a Vênus,
Que ajoelha e esmorece, e os dois prostrando,
Orgulha-se a Tritônia: “Assim caíssem,
Quantos protegem contra os Gregos Tróia!
Firmes e ousados como Vênus fossem,
Grande minha rival, de Marte apoio,
Que há muito, finda a guerra, ao nosso esforço
A altanada cidade se curvara.”
A deusa bracinívea aqui sorriu-se.

Fala Netuno a Febo: “Estamos quedos!
Já dado o exemplo, é torpe à casa aênea
De Júpiter voltarmos sem combate.
Enceta: sou mais velho e mais ciente,
Não me cabe o fazê-lo. Estulto, esqueces,
O que ambos sós em Tróia padecemos?
– Fora do Olimpo, um ano a Laomedonte
Contratamos servir por justo preço,
E ele ordens arrogante nos passava:
Eu fundei-lhe à cidade inexpugnáveis
Largos muros; flexípedes armentos
Em vales do Ida e selvas lhe pastavas.
Gratíssimas o termo as Horas trazem,
E o tirano sem paga nos expulsa;
De algemas e grilhões vender-te ao longe
E as orelhas cortar-nos prometia:
Partimos da injustiça estomagados.
E em prêmio deste crime é que te negas
De falsos a extirpar filhos e esposas?”

Mas Febo rei: “Netuno, é coisa indigna
Eu contender contigo por humanos,
Que míseros, às folhas parecidos,
Ora viçam com fruto, ora emurchecem.
Retiremo-nos presto, os mais que briguem.”

Em respeito a seu tio, ele se aparta:
A caçadora irmã lho estranha e exprobra:
“Foges, guapo frecheiro? Entregas fácil
A vitória a Netuno, e esse arco ostentas.
Nunca mais te ouvirei no eterno alcáçar
Blasonar, como outrora entre os celestes,
Que ao mesmo Enosigeu te afrontarias.”

Nada contesta Apolo, e enfurecida
A esposa do Satúrnio veneranda
À fragueira Diana encara e ultraja:
“E atreves-te, cachorra, a ter-me rosto?
Essas frechas comigo não te valem:
Deu-te Jove, leoa entre as mulheres,
Feri-las a prazer; é menos árduo
Correr cervos e corços que aos potentes
Reagir com vigor. Provar se o queres,
Quanto mais forte sou conhece agora.”

Com a esquerda eis lhe prende ambos os pulsos,
Do ombro a destra o carcás e o arco tira,
Com que rindo lhe bate pelas faces,
Fazendo-a voltear: por terra as setas,
Foge a deusa a carpir, qual voa a pomba
E ao gavião se esconde em oca penha,
De cujas garras a desvia o fado.

A Latona o Argicida mensageiro
Cauto exclamou: “Contigo não combato;
Esposa és do Nubícogo, e receio,
Prontíssima aos celícolas te gabes
De que à força de braço me venceste.”

Vai Latona colhendo arcos e frechas
Envoltos na poeira, após a filha.
Esta chega do Olimpo aos éreos paços,
Pranteia e senta-se ao paterno grêmio,
O peplo a lhe tremer. Jove abraçou-a
Com suave sorriso a interrogá-la:
“Que deus, filha, atreveu-se a maltratar-te,
Como se um erro às claras cometesses?”
E a coroada caçadora: “Juno,
A tua bracicândida consorte,
Juno, que entre imortais lança a discórdia.”

Sobe Febo entretanto a Ílio santa,
Vela nos muros, por temer que os Dânaos
Contra o fado esse dia os subvertessem.
Entram no Olimpo os outros sempiternos,
Quais agastados, quais de glória ovantes,
Sentam-se em torno ao Padre. – Mas Aquiles
Homens talha e corcéis: bem como, em chamas
Por cólera celeste uma cidade,
Entre nuvens de fumo o vasto incêndio
Causa a todos fadiga e a muitos morte;
Ele os Teucros molesta, acossa e rende.

Príamo ali do torreão divino
Os seus descobre sem defesa esparsos
Ante o herói giganteu; choroso o velho
Desce em terra, aos bravíssimos custódios
Ordem passando expressa: “Tende abertas
Nas mãos as portas, por que em fuga os nossos
Livrem-se do furor do atroz Pelides,
E assim que dentro em salvo respirarem
Trancai-as logo: o mal está no cume!
Hei medo que essa peste invada os muros.”

As barras e os batentes se descerram
Para abrigá-los, e de um pulo Febo
Vem socorrer os que a cidade buscam,
Sórdidos de poeira e ardendo em sede.
Hasta em reste, os encalça o velocípede,
Ira o esporeia e glória; e as rijas portas
Certo arrombara, se no peito Febo
De Agenor Antenórida mor brio
E audácia não vertesse: ao pé da faia,
Para o esquivar das graves mãos da Parca,
Em atra névoa se coloca perto.

Agenor, ao turrífrago avistando,
Pensoso pára, o coração lhe ondeia,
Com quem fala magnânimo e suspira:
“Ai! Se fujo na turba ao fero Aquiles,
Há-de alcançar-me, e acabarei cobarde;
Mas, se o deixo o tropel ir derrotando,
E pelo campo Ilíaco me deito
No Ida a matejar, então no rio
Lavado e fresco do suor, à tarde
Entro em seguro… Que profiro? Ao ver-me
Ir da cidade no fugaz empenho,
Há-de apanhar-me e tenho certa a morte,
Que ele os homens em força muito excede.
Vou pois ante as muralhas encontrá-lo:
Seu corpo a corte aêneo é vulnerável,
E uma só alma tem; que é mortal soa,
Posto que lhe dê Jove eterna glória.”

Volto, o Eácida aguarda, e combatê-lo
Pede-lhe o coração. Qual sai pantera
Da mata ao caçador, sem que o ladrido
A afugente ou perturbe, inda que a punja
Pregada ou seta ou lança, não desiste,
Antes que lute ou morra; assim não foge
O divino Agenor, mas quer medir-se
Com o Eácida mesmo. Arrodelado
A hasta apontando, grita: “Ilustre Aquiles,
Aos Troas derribar a grã cidade
Contavas hoje: inda por ela, insano
Sofrereis muitas lidas; inda há nela
Muitos varões de pulso, que a defendam
Pelos queridos pais, filhos e esposas.
És tu que bebes hoje o mortal trago,
Bem que audaz campeão terrível sejas.”

Pronto, na perna o rigoroso tiro
Sob o joelho acerta, e em torno à greva
Ressoa o estanho; é repelido o bronze
Da arma recente por Vulcano obrada.
Contra Agenor deiforme rui Aquiles,
Porém Febo a vitória assim roubou-lhe:
Cobre de nuvem densa o herói Troiano,
Põe-no fora; tomando-lhe a figura,
Coloca-se ardiloso ante o Peleio,
Que o segue rápido e abandona a liça;
O Longe-vibrador entre as searas
O atrai às margens do Escamandro pingues,
Pouco avante correndo afasta Aquiles,
Que espera celerípede alcançá-lo.

Entanto, aforçurados os Troianos
Entram no muro; e, fora uns pelos outros
Nem esperar, nem conhecer querendo
Os mortos e os incólumes, se espalham
Pela cidade, lassos, impacientes,
Quantos em pés ligeiros se escaparam.

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