LAURINDO RABELO

LAURINDO JOSÉ DA SILVA RABELO (Rio, 1826-1864) formou-se
em Medicina, serviu como cirurgião do Exército e foi professor de Gra-
mática, Geografia e História na escola anexa à Militar. Lutou sempre
com a penúria e teve grandes amarguras pela perda de parentes e amigos
que estremecidamente amava.

Intensa vibra essa nota melancólica em muitas das suas composições
poéticas; mas há outra face do seu talento, a satírica, que lhe valeu não
poucas malquerenças.

Adeus ao Mundo

Já do batel da vida
Sinto tomar-lhe o leme a mão da morte;

E perto avisto o porto
Imenso, nebuloso, e sempre noite

Chamado — Eternidade!

Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas

Não tem de mais a aurora! (626)
Como requinta o brilho a luz dos astros!
Como são recendentes os aromas
Que se exalam das flores! Que harmonia

 

Não se desfruta no cantar das aves,
No embater do mar e das cascatas,
No sussurrar dos límpidos ribeiros,
Na natureza inteira, quando os olhos
Do moribundo, quase extintos, bebem
Seus últimos encantos!

Quando da pátria me ausentei, não tinha
Nada que lhes deixar, que lhes dissesse
O que eles eram dentro de minh’alma.
Mendigo, a quem cedi pequena esmola,

Deu-me quatro sementes de saudade;
Ao meu jardim doméstico levei-as,
Cavei, reguei a terra com meu pranto,
E plantei as saudades. Soluçando,
Chamei ali os meus: "Aqui vos deixo
(Disse, apontando à plantação) em flores
"Minh’alma toda inteira; aqui vos deixo
"Um tesouro enterrado. Jóias, oiro,
"Riquezas, não, não tem, porém na terra
"Estéril não será". Ondas de pranto
Afogaram-me a voz; houve silêncio;
Palpei de novo o chão; vi que de novo
Cavado estava! A terra se afundara,
E as sementes nadavam sobre lágrimas,
Que minha mãe e minha irmã choravam.. . (627)
Replantei-as, orei, beijei a terra,
E parti… Trouxe d’alma só metade;
E o coração?… deixei-o num abraço.

 

A morte é dura.
Porém longe da Pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero que expira (628)
Longe dos seus, que molha a língua, seca
Pelo fogo da febre, em caldo estranho;
Que vigílias de amor não tem consigo,
Nem palavras amigas que lhe adocem
O tédio dos remédios, nem um seio,
Um seio palpitante de cuidados,
Onde descanse a lânguida cabeça!
Feliz, feliz aquele a quem não cercam,
Nesse momento acerbo, indiferentes
Olhos sem pranto; que na mão gelada
Sente a macia destra da amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!

Feliz o que, no arfar da ânsia extrema
De desvelada irmã piedoso lenço,
Ümido de saudades, vem limpar-lhe
As frias bagas dos finais suores!

Feliz o que repete a extrema prece,
Ensinada por ela e beijar pode
O lenho do Senhor nas mãos maternas!

Desgraçado de mim!… talvez bem cedo,
Longe de mãe, de irmãos, longe da Pátria
Tenha de me finar… Ramo perdido
Do tronco que o gerou, e arremessado
Por mão de gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido! Os céus o querem;
Os céus são imutáveis; aos decretos
Do Senhor curvarei a fronte humilde,
Como cristão que sou. Eternidade,
Recebe-me a teu bordo!… Adeus, ó mundo!

Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me…
A campa vejo aberta e lá do fundo
Um esqueleto em pé a acenar-me…

 

Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida,
Deve a vida encontrar no lar da morte.

(Obras poéticas, ed. Garnier, pp. 125-130).

Notas

  • (624) contumelia (lat. e port.) = injúria, afronta, ultrage, invectiva.
  • (625) arquejo — deverbal de arquejar (e éste de arca, o peito, a caixa torácica,
    e o suf.
    ejar) = ofego, ânsia, respiração ‘ ofegante.
  • (626) — Quantas grinaldas I não tem de mais a aurorai Esse — não — difere do — não — negativo, assim na origem (lat. nam e non) como na significação. Nas frases exclamativas e nas interrogativas é comum empregar-se expletivamente essa partícula, cujo sentido, se o procurássemos, seria: com efeito ou por certo nas comprovações e afirmações, e porventura nas suposi ções. Outros exemplos em a n. 640.
  • (627) que, referente a lágrimas, é objeto dir. de chorar. Chorar lágrimas, falar palavras, navegar águas, cantar cantigas, sonhar sonhos, andar caminhos, fazer feitos, dormir sonos, combater combates,etc, são modos de dizer, comuns nos escritores, e em que se dá a certos verbos objeto direto redundante, mas assaz expressivo.
  • (628) — Desgraçado do mísero — de- expletivo.

Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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